O amor é como a religião: precisa de rituais e de mistérios
A paz é a consciência de que, essencialmente, só somos necessários a nós mesmos
Sofrer o mal como se fosse efĂŞmero. Gozar o bem como se fosse eterno.
Não há busca para algo definitivo. Só a busca é definitiva.
Termos inimigos é inevitável. Porém depende de nós não ser inimigo de ninguém.
Poucos resistem ao fascĂnio de obter sucesso, e ao fascĂnio do sucesso, quando obtido.
Casamento: duas pessoas que vivem juntas na ilusĂŁo de que ainda sĂŁo as mesmas.
Ninguém se sacrifica por fazer o que gosta.
Sofrer Ă© fazer o que nĂŁo se quer.
Para quem faz o que não quer, até uma flor é pesada.
Há duas formas de escravidão: a escravidão às coisas e a escravidão às idéias.
O apego Ă© a maior escravidĂŁo.
Aquele que se apega, renunciou ao direito de liberdade.
Livre pensador é aquele que está livre até de suas próprias idéias.
Nem sempre Ă© possĂvel libertarmo-nos dos fatos, mas, sim, das idĂ©ias que temos sobre eles.
Amamos o saber ou, na verdade, amamos o poder que o saber nos dá?
Solitário é aquele que pensa só em si.
A sua dor Ă© maior, porque Ă© dele sĂł.
A sua alegria Ă© menor, porque nĂŁo Ă© acrescida pela alegria dos outros.
Por que alguém nos deve fazer felizes?
Se não nos fizermos felizes, ninguém mais no mundo poderá fazê-lo.
Há doentes que fazem de sua enfermidade uma forma eficaz de domĂnio sobre as pessoas, aprisionando-as nas cadeias da comiseração.
Quem é humilde, não busca, voluntariamente, a humilhação, mas se sujeita à humilhação, que lhe é imposta.
Há, no entanto, os que se humilham para satisfazer a vaidade de parecerem humildes.
A fé é a certeza sem prova.
A ciĂŞncia Ă© a probabilidade da certeza.
É uma infelicidade a ânsia de ser feliz.
Quem se apega ao que foi, carrega um cadáver às costas.
A inveja Ă© um desejo paralĂtico, que nĂŁo suporta e ambição bem sucedida.
A verdadeira infidelidade Ă© ser fiel ao que nĂŁo mais somos.
Toda biografia é, na verdade, uma sucessão de pessoas semelhantes e, em outros momentos, também diferentes.
O sempre e o nunca são criações do homem desejoso de impor leis à natureza.
Palavras e números são invenções humanas e, por isso, inúteis para a compreensão do real.
Um vazio pulsante Ă© o que somos,
vivendo na ilusĂŁo da solidez.
Matéria são vazios que colidem.
As formas sĂŁo momentos do vazio.
Tudo é mudança.
Mas, o que dirige
a universal mudança do vazio?
Os mistérios são alucinógenos.
A mĂstica Ă© a embriaguĂŞs
de quem provou o infinito.
Apegar-se ao conhecimento Ă© o mesmo que se apegar Ă s coisas.
Todo apego, seja de que natureza for, Ă© uma prisĂŁo.
Quem nĂŁo Ă© livre do que sabe, nĂŁo pode aprender sempre.
Sábio não é aquele que se imobiliza no seu vasto saber, mas aquele que é capaz de renunciar a tudo o que sabe para saber mais.
Quem procura sempre agradar, esquece de se agradar.
Fatos se tornam sonhos
e sonhos se tornam fatos.
Qual deles Ă© o real?
O fato que já passou?
O sonho que ainda Ă© sonho?
Saudade há que dura um corpo:
Ă© chaga para toda a vida.
Sangra quando lembrada
e nunca mais cicatriza.
Pensar além das galáxias
e das fronteiras atĂ´micas,
Ă© o nosso Ăşnico modo
de ser também infinito.
A consciĂŞncia sustenta
o corpo, o tempo e o espaço.
O que sustenta a consciĂŞncia?
Onde o sonho nĂŁo Ă© possĂvel,
começa o território do vazio,
o oco do ser, o chĂŁo do nada,
a despercepção e a desmemória.
O presente nunca Ă© puro:
há sempre as nódoas do passado.
O tempo Ă© a eternidade
que se perdeu de si mesma.
NĂŁo existe sedativo
para uma dor cultivada
que nĂŁo morreu quando devia.
O tempo nem sempre apaga
as nódoas do já vivido,
principalmente o sofrido
e as fundas marcas do amado.
Nem o ácido do tempo
dissolve a dura saudade
em que o amor se tornou.
Tudo não pára de viver,
tudo não pára de morrer.
Eis a imortalidade!
Não há explicação para a alegria,
nem nos interessa explicá-la.
Porém, a doença, o sofrimento,
a velhice e a morte inevitável
nos fazem pensar que a vida
tem alguma explicação.
O esquecimento Ă© maior que a morte,
porque termina o que a morte começou.
Um dia, volveremos ao infinito.
Onde estaremos? E o que seremos?
O nada do infinito nĂŁo responde,
pois não há ninguém para escutar.
De tudo somos possuĂdos:
coisas, pessoas e idéias.
Mas sĂł a morte nos possui de vez.
Quem morre, nĂŁo sonha mais:
agora Ă© sonho dos outros.
O vento sabe todos os caminhos,
mas nĂŁo deixa seus rastros nas areias.
O espaço do passado
cresce a cada instante
pelos aluviões do presente;
Mas o espaço do presente
Ă© sempre o mesmo.
O passado tem muitas portas
e, nele, nos perdemos muitas vezes,
sem encontrar a porta do presente.
O passado cresce como musgo
nas paredes do presente,
até que não haja paredes
livres para o presente.
Até que não haja presente
e nem existam paredes.
O máximo de liberdade
ocorre na solidĂŁo.
A liberdade menor
Ă© partilhada com os outros.
Mas, sem eles, de que serve
a máxima liberdade
estéril da solidão?
Eu sĂł serei definitivo
quando morrer.
A felicidade nĂŁo se guarda:
Ă© para consumo imediato.
DĂłi pensar no infinito.
DĂłi pensar na eternidade.
Masoquismo cognitivo,
obsessão incurável,
que o tempo nĂŁo alivia
e sĂł na morte se acaba.
Aprendemos a morrer
quando o dormir Ă© profundo
e não há sonhos lembrados.
Na insĂ´nia, a vida resiste.
Já disseram que somos deuses.
O que Ă© ser um deus?
Nem mesmo sequer sabemos
o que Ă© ser humano!
Ninguém deixa de amar:
o amor Ă© que muda de objeto.
O elogio Ă© um sedativo,
ou um estimulante.
De qualquer jeito vicia.
Outrora, essa rua era
um enorme e denso silĂŞncio.
Muitas árvores. Poucas pessoas.
Porém, o rio do barulho urbano
invadiu a rua e as casas.
E o silĂŞncio se foi na correnteza
para nunca mais ser escutado.
Um dia, ficamos adultos
e os nossos brinquedos mudaram.
Ninguém pode viver sem seus brinquedos.
Santificaram a pobreza.
Mas muitos pobres preferem
a riqueza Ă santidade.
Satanizaram a riqueza.
Mas os ricos nĂŁo se importam
se sua riqueza é satânica.
Um inimigo visĂvel pode ser vigiado.
Um inimigo invisĂvel nos vigia.
Máscaras de Deus, só existimos,
enquanto Deus em nĂłs se representa.
O Bem e o Mal são condições do palco
e cessam ao término do espetáculo.
O pecado Ă© pensar que existimos
nos papéis que nos foram destinados.
No pior vilĂŁo, no excelso herĂłi,
o mesmo Deus se exalta como ator.
Os teĂłlogos sĂŁo os
ficcionistas de Deus.
SĂŁo exĂmios contadores
de histĂłrias,
que acreditam
serem verdadeiras.
Deus nĂŁo tem face.
Ele Ă© a face
de todas as coisas.
Brotamos de Deus
como as flores, folhas e frutos
brotam da árvore.
Todos são e não são a árvore.
Todos somos e nĂŁo somos Deus.
Somos Deus brotando
de si mesmo.
Deus é espaço e tempo,
infinito e eternidade.
Nascimento, mudança, morte
e renascimento de tudo.
Deus é a substância de tudo,
e tudo é Sua manifestação.
O vazio nĂŁo Ă©
a ausĂŞncia de Deus,
mas a Sua invisibilidade.
Quem ora a Deus,
ora a si mesmo.
E faz milagres
como um Deus finito.
Deus Ă© o caos criador da ordem.
A ordem que retorna ao caos.
O caos que se converte em ordem
na massa pulsante do infinito.
Deus nĂŁo criou a vida.
Ele Ă© a vida.
E tudo o que existe
Ă© vida.
A verdadeira oração se dirige
ao Deus que Ă© aquele que ora.
Conversar com Deus Ă© dialogar
com o mais Ăntimo de nĂłs.
Deus não está
prĂłximo nem longe de nĂłs:
Ele simplesmente está.
É difĂcil aceitar
a face escura de Deus.
RarĂssimos sĂŁo aqueles
que o conseguem.
E os que se tornam
a face escura de Deus?
Como as pessoas comuns
poderĂŁo compreendĂŞ-los?
Deus nĂŁo Ă© para ser achado.
Porque achamos que Deus
Ă© isso ou nĂŁo Ă© aquilo,
ficamos na ilusĂŁo
de O ter achado.
Deus nasce todo dia em cada homem
e aprende conosco o que Ele sabe.
Deus se deixa encontrar a cada instante,
sem ser chamado, sem ser procurado,
nos terrenos mais férteis ou mais sáfaros,
em meio à oração ou à heresia,
sem encontro marcado e em qualquer parte.
Há mais mistérios na mente do que em toda a extensão do universo.
Nascemos de uma explosĂŁo:
átomo ou ovo primordial
a miniatura do nada.
Espaço, tempo, matéria
e o infinito num ponto.
Onde Ă© que Deus estava
nesta singularidade?
O infinito nos priva
da emoção de chegar.
Somente o que Ă© finito
tem inĂcio, meio e fim.
O infinito Ă© caminho,
que não termina ou começa
em qualquer tempo e lugar.
Uma folha que cai
desarruma o universo.
O respiro de uma ave
afeta o clima da Terra.
O balançar de uma teia#11;
e aranha afeta a galáxia.
Uma criança que nasce
muda o destino do mundo.
Cada gesto de amor
salva toda a humanidade.
Nada há que segurar.
O vazio Ă© que sustenta
mundos,
seres
e coisas.
Por causa dos nossos olhos
O mundo Ă© cheio de cores.
E por causa dos ouvidos
O mundo Ă© cheio de sons.
Se as pessoas, de repente,
ficassem cegas e surdas,
o mundo teria cores,
o mundo teria sons?
Quem o testemunharia?
Os livros estĂŁo extinguindo
as árvores.
Temos livros de mais
e árvores de menos.
O homem inventou a igualdade.
Na natureza tudo Ă© desigual.
A perfeição é invenção geométrica.
A ordem do mundo Ă© o caos mutante.
A criação é sempre nova:
sĂł acontece uma vez.
Se vocĂŞ aprender a ver
nunca mais dirá que o mundo
Ă© o mesmo o tempo todo.
Inventamos a linha reta
e queremos que nossa vida
seja uma linha reta.
A Vida nĂŁo Ă© geometria,
mas uma farra de formas.
Há coisa mais monótona
do que o corredor?
Ele Ă© Ăłtimo para as correntes de ar
e os fantasmas.
A vida Ă© um labirinto
cheio de passos e de impasses.
A vida Ă© o caos que o homem tenta
inutilmente disciplinar.
SĂł o caos Ă© criativo.
A ordem produz rotinas
e é repressora do inédito.
Quando o caos se cansa,
vira ordem.
Um ateu diria que Deus
fez esse mundo tĂŁo mal feito,
tĂŁo cheio de sofrimentos
que ficou envergonhado
e até hoje vive escondido.
O que Ă© um borrĂŁo
senĂŁo uma forma sem nome.
Não tem certidão geométrica.
É uma forma sem forma.
Um transgressor chamado amorfo.
Mas, acontece que a vida
é cheia de borrões
e não dos entes geométricos,
que o homem inventou.
Um dia, morreremos
(ou acordaremos?).
E, se acordarmos,
o que seremos?
A visĂŁo Ă© maior que os olhos:
o real Ă© mais do que o visto.
Os olhos nos prendem Ă vida,
que Ă© nosso modo de ver.
Na morte, a visĂŁo sĂŁo olhos
de ver em outro lugar.
Como duas partĂculas
no universo quântico,
um dia, nos encontramos
pelos acasos do amor.
Embora nos separemos
e nunca mais nos vejamos,
estaremos sempre em contato
em qualquer lugar do infinito.
Essa nĂŁo-localidade
(o amor também é quântico)
une todas as partĂculas
e corações no universo.
O espaço dos que se amam
ocupa todo o infinito.
Um dia, todos seremos
um dos bilhões de esquecidos,
que tinham a ilusĂŁo
de continuarem lembrados.
As armas nĂŁo garantem a paz.
O poder enlouquecido
também mata os poderosos.
A paz depois da guerra
Ă© o silĂŞncio dos mortos
e o espanto mudo dos vivos.
Qual o peso e o tamanho
da saudade que sentimos?
Que distância é a saudade
entre as pessoas ausentes?
Qual o tempo da saudade
para doer na perda
das afeições mais queridas?
Qual o peso da saudade
no coração solitário?
A quem devo invocar se já não creio
em tudo o que foi dito e revelado?
A dúvida é forte como a fé
e se sustenta no seu próprio vácuo.
E nem creio sequer em minha dĂşvida,
porque tudo o que Ă© crido Ă© construĂdo
dos nossos medos e fragilidades.
Deus nĂŁo Ă© a dor justificada,
o prêmio e o castigo além do túmulo,
mas tudo o que nĂŁo pode ser descrito
nem humanamente compreendido.
Ser humano que sou, nĂŁo sei que humano
possa exceder à sua condição
e revelar mistérios que não passam
de criações da carne atormentada.
O mundo Ă© feito por nĂłs.
NĂłs somos os nĂłs do mundo
e em tudo estamos atados.
O eu sem nĂłs nĂŁo existe.
A morte Ă© o eu desatado.
NĂŁo me dĂłi o que perdi,
pois tive o prazer de ter.
DĂłi-me tudo o que nĂŁo tive
e o quanto nĂŁo pude ser.
Enquanto penso,
fico pĂŞnsil
entre o sonho e o real.
Pior que o amor perdido
Ă© o amor que nĂŁo foi dado
e tudo o que nĂŁo foi gasto
no tempo que era devido.
O que Ă© o vento senĂŁo
o vazio em movimento?
O que o espaço senão
o vazio parado?
Procuramos Deus no Cosmos.
Procuramos Deus no átomo.
Onde o seu esconderijo?
Com qual medida medimos
o homem que tudo mede?
Que metro que nĂŁo o homem
pode medir o além do humano?
Que metro pode medir
o infinito e a eternidade?
O acaso Ă© um deus imprevisĂvel.
Mas Deus Ă© previsĂvel?
Há algo imóvel,
que move tudo.
Há o vazio
em todas as coisas.
Há o silêncio
por trás de todos os ruĂdos.
Há uma essência
comum a todos os seres.
Há o imortal escondido
em todas as mortes.
Há o eterno disfarçado
em todas as aparĂŞncias
do transitĂłrio.
Qual a medida da alma?
Em que espaço e em que tempo
a alma Ă© encontrada?
Como morre o que nĂŁo Ă©
capaz de ser mensurado?
Como nasce o que nĂŁo Ă©
feito de matéria e tempo?
Mas, o que faz esse corpo
pensar que Ă© alma imortal?
NĂŁo chore as flores que murcharam:
elas já cumpriram seu papel.
Reverencie as flores que florescem,
porque, na sua essĂŞncia,
elas sĂŁo as mesmas flores
que morreram.
A carne Ă© sonho transitĂłrio.
Quando dormimos, voltamos
Ă nossa essĂŞncia onĂrica.
Quando morrermos, seremos
o sonho definitivo
que, um dia, foi homem,
que pensava ser real.
Se afago a madeira,
afago a árvore.
A floresta persiste
em cada mĂłvel.
Mesas, cadeiras e armários
são árvores amnésicas.
SĂł os mortos nĂŁo mudam.
deserdados do futuro,
exilados do presente,
são imagens estéreis,
que nĂŁo mais se reproduzem.
Só os vivos são férteis,
gerando suas imagens
constantemente no mundo.
O vazio, alma da forma.
O vazio Ă© qualquer forma.
A alma Ă© o vazio,
que cria todas as formas.
Somos uma das infinitas
versões de Deus.
Embora diferentes,
todos somos um.
Tudo Ă© clone de Deus.
Saudade do que fiz.
Saudade do que nĂŁo fiz.
NĂŁo sei qual delas dĂłi mais.
A solidĂŁo procurada.
A solidĂŁo consentida.
A solidĂŁo imposta
e aberta como ferida.
A solidĂŁo com tantos.
A solidão sem ninguém .
A solidĂŁo, companhia
para o mal e para o bem.
A solidĂŁo que estimula.
A solidĂŁo que amofina.
A solidão construção.
A solidĂŁo sĂł ruĂna.
Escrever Ă© uma forma
de deixar a nossa alma
preservada nas palavras,
no corpo de cada livro,
fazendo parte da mente
das pessoas que nos lĂŞem.
Quem escreve, clona a alma.
Odeia-se aquele que Ă© livre,
porque perturba o descanso
das pessoas rotineiras.
O louco é insuportável,
porque vive perdido
na liberdade total.
O escritor é um médium:
vive vidas nĂŁo vividas,
personagens que nĂŁo foi,
memĂłrias alienĂgenas,
lugares que nunca andou,
dores e amores vários,
o que nunca sofreu ou amou,
tudo escorrendo do braço
para a mĂŁo que psicografa
o que jamais escreveu
ou que sentiu ou pensou.
Criação ou adoção
o que escreveu como seu,
filho que nunca gerou?
A cidade cresce para cima:
faz fronteira com o nada,
porque nada existe além
do Ăşltimo andar.
A cidade cresce para cima,
em edifĂcios cada vez mais altos:
aumenta seus subĂşrbios verticais.
Quarto de hotel Ă© promĂscuo.
Por mais que seja limpo
por zelosas faxineiras,
permanece sempre o cisco
de emoções e pensamentos
de seus hĂłspedes fugazes,
nos lençóis, nos travesseiros,
nas fronhas, mesmo lavados,
diligentemente trocados,
no chĂŁo e no guarda-roupa,
na cama e nas cadeiras.
Nos cabides pendurados
problemas ali deixados
e também mágoas dormidas
fedendo nos cobertores.
Escreve-se por escrever,
para brincar com palavras
e inventar absurdos –
importa que sejam belos
ou arrepiem a lĂłgica –
e frases que sejam coisas
diferentes das comuns.
Inventar novas palavras
de semântica imprevista.
Escrever como quem brinca
de desarrumar as coisas
e arrumá-las de outro jeito.
Palavras e sĂł palavras.
Neste caos fraseolĂłgico
que mundo pode eclodir?
Tortura tecnolĂłgica
para manter quase vivo
o que quase morto está.
Misto de sonho e carne,
somos carne que sonha
ou sonho que se fez carne?
O sono Ă© que nos divide
em dois seres paralelos.
Qual deles Ă© o ser real?
O sonho Ă© o nosso modo
de caminhar sem o corpo.
O corpo pouco nos leva:
somos nĂłs que o arrastamos.
Queremos ver mais que os olhos,
ouvir mais que os ouvidos,
e exercer a onipresença,
em qualquer lugar do mundo.
O que nĂŁo serve para nĂłs
apenas nĂŁo nos serve.
Quem percebe
a totalidade
sabe que nada Ă© inĂştil,
e que as coisas existem
sem explicação.
Se tudo tem um sentido,
qual o sentido do homem,
da flor, da pulga, da estrela?
Cansado de eternidade,
Deus fez-se tempo e espaço,
e explodiu em átomos e galáxias
no infinito de si mesmo.
Os átomos se fizeram homens
para se conhecerem a si mesmos
e tudo o mais que fizeram.
Como homens, pensam que Deus
foi o criador de tudo.
Os átomos enlouqueceram?
Uma estátua, por mais bela,
nĂŁo se equipara
Ă pessoa mais humilde.
Uma simples planta no jardim
Ă© mais formosa
do que qualquer natureza morta.
A brincadeira nos devolve
a pureza original.
O paraĂso Ă© o lĂşdico.
A inocĂŞncia perdida
nos condenou ao trabalho.
SĂł o Ăłcio primordial
é a redenção do homem
que não soube ficar criança.
Todos vigiam e sĂŁo vigiados.
Eis o que é segurança.
E a liberdade?
O silêncio também é voz.
É aquilo que não foi dito,
porque, se dito, era pouco.
O silĂŞncio nĂŁo se mede
pela medida da frase.
Excede qualquer semântica.
Não é dicionarizável.
No princĂpio era o verbo,
mas antes dele o silĂŞncio,
anterior ao princĂpio.
Será que foi de propósito
que Deus fez a vida
sem propĂłsito?
Foi o homem que inventou
o propĂłsito da vida.
Por isso, nĂŁo pode entender
que a vida Ă© sem propĂłsito.
E sofre assim sem propĂłsito.
NĂŁo somos mais aqueles cujo amor
imaginou a juventude eterna.
Hoje, idosos, os corpos sem calor…
O fogo da paixĂŁo agora hiberna.
Somente o amor, essa visĂŁo interna
consegue ainda ver todo o esplendor
da convivĂŞncia cada vez mais terna
em saudades diárias a compor
e recompor, histĂłria por histĂłria,
as imagens dos dias consumidos
a fim de preservar mĂştua memĂłria.
Mesmo que restem fatos esquecidos,
no turbilhĂŁo da vida transitĂłria,
jamais se perderĂŁo, porque vividos.
A cada dia basta a sua prĂłpria verdade.
A cada dia que acordamos, começa a eternidade.
A verdade é uma força. Mas, sempre há o perigo de a força se disfarçar em verdade.
Tecnologicamente, chegamos ao ponto em que podemos destruir-nos completamente. A natureza não sentirá a nossa falta.
O povo Ă© um rebanho sempre a procura de um pastor. Mas, quase sempre, nĂŁo sabe escolher o pastor.
A ética se imporá naturalmente, quando compreendermos que ela é indispensável à sobrevivência da sociedade.
Os dois maiores inimigos do ser humano: o fascĂnio do poder e a paralisia do medo.
O verdadeiro mago Ă© quem faz de sua vida um contĂnuo encantamento.
A ignorância é também uma das causas da tranquilidade.
É perigoso alguém tornar-se um mito, pois perderá o direito de errar.
Nem sempre a velhice torna as pessoas mais suaves como acontece com os vinhos envelhecidos.
O mistério nasce na distância e morre na intimidade.
O livre-pensador Ă© visto como um perigoso inimigo do rebanho humano.
A vaidade é sempre sincera. A modéstia nem sempre.
As pessoas morrem duas vezes: morrem no corpo e na memĂłria dos vivos.
A filosofia nĂŁo Ă© um modo de conhecer o mundo, mas o de nos conhecermos no mundo.
A arte é uma sedução que seduz o próprio sedutor.
Se pudĂ©ssemos prever tudo, perderĂamos o prazer do inĂ©dito.
Quem nĂŁo sabe sorrir e chorar, Ă© um ser humano incompleto.
Quem necessita de admiradores, não tem suficiente admiração por si mesmo.
No agora não há palavras:
o que se fala, passou.
A palavra Ă© sempre eco
do que nĂŁo existe mais.
A percepção é agora.
O pensamento Ă© depois.
NĂŁo vejo as tuas pegadas
nem escuto os teus passos,
pois és feito de silêncio
e de invisibilidade.
O real nĂŁo Ă© a medida
da nossa percepção.
Eu creio no que nĂŁo vejo,
no que não ouço, nem toco.
Os sentidos me apequenam
e a razĂŁo me aprisiona,
o corpo me faz mortal.
Tempo e espaço são o cárcere
do prisioneiro ilusĂłrio.
Quem crĂŞ em suas paredes,
nĂŁo pode ver o infinito.
Ninguém vai chorar por você,
mas pela falta que você fará,
a companhia e a presença,
o tempo compartilhado,
os espaços preenchidos,
seu ouvido disponĂvel,
sua voz consoladora.
A morte destrĂłi o corpo,
nĂŁo o amor que ficou,
embora em dor e saudade.
Lembrança é quase pessoa,
vagando por toda a casa,
perfume de coisas ĂłrfĂŁs,
gemendo em cada lugar.
SĂł somos uma vez e nunca mais:
não há repetições na Natureza.
NĂŁo se confunda o som com o seu eco.
Os fantasmas sĂŁo ecos que assombram
os ouvidos sensĂveis da saudade.
Somente quando te fizeres vazio,
experimentarás o Vazio.
Somente quando nĂŁo tiveres vontade,
conhecerás a Vontade.
Somente quando deixares de ser,
encontrarás o Ser.
Somente quando te despojares
do que julgas ser teu,
possuirás o que é teu.
Somente quando te sentires vazio de tudo,
reconquistarás a Plenitude.
Sentimos a flor conforme a vemos
não pelos átomos que a compõem.
Quem disseca a flor, nĂŁo vĂŞ a flor.
É procurar o homem no cadáver.
Da janela do presente
observa-se o presente
com os olhos do passado.
Da janela do presente
observa-sse o futuro
como extensĂŁo do passado.
Quando somos o presente,
não há futuro e passado,
porque só há o presente
observando o presente.
O que será do guerreiro
se ninguém quiser lutar?!
Fatos são flutuações,
o vento alisando as ondas
do oceano impassĂvel.
Todo sonho Ă© um fato
que ainda falta acontecer.
O espĂrito Ă© um sonho
que, um dia, se fez carne
e pensou que era carne,
até voltar a ser sonho.
Liberdade de uma folha
girando solta no ar,
nas circunstâncias do vento,
o vento que Ă© sem caminho
embora seja caminho
onde vaga o seu voar.
Se o vento Ă© que nos dirige
por que, folha, nĂłs queremos
dirigir nosso voar?!
O vento sopra impetuoso,
vergando a copa das árvores.
As folhas caem no chĂŁo:
folhas secas, folhas verdes.
Por que nĂŁo somente as secas?
Nascer é uma aquisição
em meio Ă luta feroz
de milhões de seres possĂveis.
Morrer é uma perda solitária
Porque ainda somos cegos,
tateamos deuses falsos.
A bengala Ă© falso guia.
A fé devolve a visão
e permite ver o mundo
além do mundo trilhado
pela bengala dos cegos.
O tempo vazio.
O espaço vazio.
O coração vazio.
Um oco que nĂŁo tem fim.
A solidĂŁo sem fronteiras.
Um silĂŞncio surdo-mudo
Ă© testemunha do nada.
O futuro Ă© o prĂłximo ato,
o prĂłximo passo,
o prĂłximo fato.
Ele existe enquanto nĂŁo existe
e morre logo que se torna hoje.
Aquele que envelheceu,
nĂŁo sonha mais impossĂveis.
Conformado e conformista,
o mundo é o seu cansaço.
Ele é o que já foi
e o futuro será igual.
O passado que nĂŁo existe
habita o presente morto.
Envelhecemos quando o que fomos
Ă© maior do que o que somos.
Se por aqui vaguei, meu corpo sabe.
As células festejam meu retorno.
Meus pés andam sozinhos, eles sabem
onde encontrar os passos que ficaram
gravados na memĂłria das areias.
Os átomos que fui, andam no mundo.
Um dia, me dirĂŁo por onde estive.
O sol de fim de tarde pouco aquece.
Em tudo sopra uma saudade fria.
Recolho os sonhos e recolho os fatos:
todos serĂŁo iguais no anoitecer.
Há muitos mundos possĂveis.
Há muitos de nĂłs possĂveis:
sĂł esperam acontecer.
Procuramos Deus no cosmo.
Procuramos Deus no átomo>
Onde o seu esconderijo?
Falamos do que nĂŁo sabemos,
porque a morte nos espanta
e dĂłi a mortalidade.
O que Ă© ser imortal?
Se, um dia, soubermos
a verdade do que somos,
o que será do que somos?
A lógica não é o metro da realidade. É uma atividade pragmática do espirito e limitada a uma determinada área operacional.
A lógica não apreende o real. Não está nas coisas, pois se constituà em mera atividade do espirito. Nem prova o real, embora demonstre que certos fatos aparentemente se comportam segundo seu modelo. Por isso, somos inclinados a admitir que os fatos que acontecem segundo a nossa lógica são reais e os que assim não se comportam são ilusões.
A lógica, por outro lado, tem uma função psicológica: dá ao homem o sentimento de
controle sobre os fatos. Daà o seu apego a tudo o que é lógico, pois a lógica lhe dá uma sensação de segurança e poder. A lei da causalidade se torna, assim, de importância fundamental para o homem: é a certeza de sua capacidade de controle sobre as coisas. Explicar é uma tentativa que lhe proporciona um sentimento vicário de dominar situações. Por isso, o homem é tentado a explicar tudo para se sentir senhor dos fatos.
Ordem e desordem, portanto, são conceitos funcionais. Caos, para o homem, é tudo aquilo que não se ajusta aos seus padrões de ordem, a esquemas perceptuais inatos ou ad-quiridos.
O caos nĂŁo existe em si, mas referenciado a um dado sistema. Pensamos que a natu-reza Ă© paradoxal, porque acreditamos na repetibilidade absoluta das coisas. Pensamos que sĂł Ă© verdadeiro aquilo que se repete.
Se o homem permanecer durante algum tempo naquilo que ele denomina de caos, em breve descobrirá uma ordem no caos. A ordem é hábito.
Real é o que existe em relação a nós. Isto não importa negar o real com o qual não nos relacionamos.
O real objetivo é o real compartilhado, o chamado mundo das relações.
O real subjetivo é o real privado, com as suas peculiaridades, mas possuindo, também, conteúdos do real compartilhado.
O real Ă© o fĂsico e o psĂquico, mesmo que este nĂŁo se converta naquele.
A realidade, como significado, Ă© uma convenção. É possĂvel que a realidade tenha um significado, mas nĂŁo o conhecemos. Por isso, criamos modelos significativos para a realidade. O convencional, porĂ©m, sĂł Ă© real como forma de relações humanas. O mundo social Ă© realidade criada pelo homem e este pode modificar o mundo que criou.
Há um real independente de nós. Há um real criado para nós: é o nosso modo peculiar de perceber o real.
Tudo nos leva a crer que há infinitos nĂveis e formas da realidade.
O real nos parece um fluxo e no fluxo nĂŁo há modelos. DaĂ, a eterna controvĂ©rsia dos que admitem, como Heráclito, que o fluxo ou devir Ă© a realidade e dos que entendem, como ParmĂŞnides, que o real Ă© imutável e o devir Ă© aparĂŞncia. Os modelos, portanto, sĂŁo nossas formas perceptuais e transitĂłrias de apreender, a cada momento, o fluxo. Assim, cada forma perceptual do fluxo sĂł Ă© real em relação ao percebedor no momento da percepção e sĂł se torna aparĂŞncia ou Maya se prossegue alĂ©m da percepção.
O real é o agora. O agora é sempre inédito. Quem vê, não precisa de palavras, pois só se fala para aqueles que não viram. E o que se diz, já não é: o presente é mais rápido que o laço da palavra. Por isso, quem fala, não vê, porque, se fala, fala do que já não vê. O eu não existe no presente: surge, quando a experiência já terminou. O eu é o passado.
Cada percepção do real Ă© Ăşnica e irrepetĂvel. Jamais saberemos o que perdemos, ja-
mais repetiremos o que experimentamos. A riqueza do viver não consiste na acumulação do vivido, mas na capacidade de viver plenamente o momento que passa. Nenhuma experiência deve deixar restos ou saldos, pois eles deformam as novas percepções da realidade.
A realidade, para nós, é aquilo que percebemos ou que organizamos. As palavras e as idéias são tijolos e cimento de muitas das nossas realidades. Em verdade, o verbo se fez mundo. E, sob esse enfoque, nós somos o pai do verbo. Porque só conhecemos o relativo, jamais poderemos livrar-nos, totalmente, do antropomorfismo e do antropocentrismo.
Tudo parece indicar que a tendĂŞncia do universo nĂŁo Ă© a manutenção do nomadismo do elĂ©tron, mas do seu aproveitamento no sistema operativo do átomo. A rigor, talvez, nĂŁo existam elĂ©trons livres na natureza, porĂ©m em trânsito de um sistema atĂ´mico para outro, na conformidade das leis de atração, que regem o microcosmo. O associacionismo parece ser a impulsĂŁo teleolĂłgica do universo. A unidade, a sua permanente meta. Uma unidade cada vez mais rica operacionalmente. Por isso, o elĂ©tron que, como unidade, tem um campo di-minuto, sente-se atraĂdo a participar da unidade maior do átomo. Por sua vez, os átomos procuram associar-se a outros átomos, segundo as suas estruturas eletromagnĂ©ticas e afinidades quĂmicas e, assim, sucessivamente, do átomo Ă molĂ©cula, da molĂ©cula Ă cĂ©lula, numa escala cada vez mais complexa de associações, na sĂntese de individualidades cada vez mais estáveis, atĂ© atingir o fenĂ´meno humano e – o que nos parece lĂłgico – prosseguir alĂ©m dele.
O que chamamos de real Ă© o nosso relacionamento com os outros, a experiĂŞncia comum, a vida partilhada. A essa fase de nossa mente denominamos de consciĂŞncia.
O sonho é, também, um tipo de consciência que não resulta inteiramente das nossas relações com o mundo exterior.
A consciĂŞncia vigĂlica nos dá o ser social. A consciĂŞncia onĂrica nos dá um ser ina-
preensĂvel pelos padrões da consciĂŞncia vĂgil.
O que Ă© a alucinação, senĂŁo um conteĂşdo onĂrico objetivado? O sonho nĂŁo Ă© apenas a explicação simbĂłlica dos nossos recalques: Ă© uma atividade autĂ´noma da mente.
NĂŁo será a loucura um sonho de que nĂŁo se acorda? Um sonho com a aparĂŞncia de vigĂlia? Os hipnotizados tambĂ©m dĂŁo a impressĂŁo de que estar conscientes das coisas que os rodeiam.
VigĂlia Ă© a vida psĂquica seletiva. O sonho, parece-nos, Ă© vida psĂquica total. O fluxo psĂquico entre as mentes parece incessante e a vigĂlia nada mais Ă© do que uma interrupção desse fluxo. O nosso eu Ă© uma perturbação desse processo psĂquico total.
Observou-se que o estado de plena vigĂlia nĂŁo dura mais que um minuto ou dois por hora. Assim, as nossas distrações ou “fugas” da realidade externa sĂŁo mais freqĂĽentes do que pensamos. Há pessoas que, por deficiĂŞncia da censura ou controle do ego, permanece, por tempo muito longo, no mundo do sonho. A sua vida vigĂlica se torna, assim, um hiato no seu universo onĂrico.
Há um universo psĂquico paralelo ao universo fĂsico. Uma forma de percepção que nĂŁo recolhe seu material do mundo fĂsico, embora manipule com os dados desse universo. Contudo, as experiĂŞncias do mundo psĂquico nem sempre coincidem com as do mundo fĂsico. Há um outro eu, movimentando situações e pessoas que nĂŁo conhecemos na vida vigĂlica.
Cada vez mais se constata que a atividade psĂquica nĂŁo Ă© um produto exclusivamente fisiolĂłgico. Sabe-se, experimentalmente, que a ausĂŞncia da atividade onĂrica provoca estados psicĂłticos, os quais, inclusive, podem levar Ă© morte, caso persistam por muito tempo. A importância da vida mental para o organismo ficou comprovada nesses experimentos.
O homem, quando dorme, apenas muda o nĂvel de sua atividade psĂquica. Se o que ele percebe, em estado de vigĂlia, Ă© real, por que real seria o que ele percebe oniricamente?
Qual, na verdade, a diferença entre o que passou e o sonho? A memória não prova o que aconteceu, pois o presente, agindo sobre o passado, o modifica. Só o presente, então, parece real. Mas, o presente é instantâneo e está influenciado pela memória e pelas expectativas do futuro.
O sonho Ă© o que nĂŁo se tornou fato e o passado Ă© o fato que se tornou sonho, pois a memĂłria tem a mesma estrutura do sonho.
A dúvida é a ginástica da inteligência.
Duvidar nĂŁo Ă© apenas negar o que existe, mas negar que o que existe seja a Ăşnica coisa que existe. Negar, assim, Ă© ampliar a visĂŁo da realidade. A dĂşvida que apenas nega Ă© destrutiva.
O dogma é o cansaço da razão.
O homem que nĂŁo duvida, cansou de crescer.
A dúvida é a saúde do espirito. Duvida-se, porque se quer mais. Porque se sabe que o que se sabe é provisoriamente necessário e necessariamente provisório. Porque o saber não tem fim. E o provisório não é irreal, enquanto provisório.
A dúvida é a fé de que há algo mais além do que se crê e a fé é a dúvida de que todo
real Ă© sĂł o que conhecemos.
Só há uma lei universal: a de que existem leis e que estas variam em universos diferentes.
Leis podem variar, mas sempre existem leis – esta Ă© a lei.
Porque vemos as coisas acontecerem da mesma maneira, acreditamos que elas sempre acontecerão assim para sempre. A esta nossa crença demos o nome de leis da natureza.
Mais fiel que a nossa sombra
Ă© a nossa solidĂŁo.
Jamais nos perde de vista
no meio da multidĂŁo.
É a nossa alma gêmea?
É o nosso anjo da guarda?
O xifĂłpago invisĂvel?
Ninguém viu a solidão
que nasceu quando nascemos.
Em cada homem que morre,
morre a gĂŞmea solidĂŁo.
A alma Ă© feita de surpresa.
Sua virtude é o inédito.
A sociedade a tornou
previsĂvel e monĂłtona.
Aonde vai quem morreu,
quando o seu onde perdeu?
Onde está quem não está
seja aqui ou seja lá?
Se o quem se fez invisĂvel,
agora Ă© carne impossĂvel,
sem onde e quando, desfeito
no nada de que foi feito.
O mundo Ă© o que tecemos
juntos todos os dias.
Tecelões e tessitura,
somos mĂŁos e somos linhas.
O mundo Ă© carne e tecido,
seres, fatos e coisas
vestindo o nu existir.
Na infância, os olhos lĂmpidos
vĂŞem o mundo claramente
sem a catarata do tempo.
A fé no visto e no sonho.
A vida maior que a morte.
O corpo livre do peso
do vivido e nĂŁo vivido,
do perdido e do nĂŁo gasto.
Na velhice, os olhos turvos,
a opacidade do mundo,
a fé no que não se vê,
a morte maior que a vida,
recordações (e não sonhos),
algumas já desbotadas
ou outras reinventadas,
e as sensações prazerosas,
que o corpo já esqueceu.
SĂŁo as tintas dos olhos
que dĂŁo as cores ao mundo.
Com elas, pintamos sonhos
e fatos nunca vividos.
Os olhos fazem os sonhos
com a matéria do visto
do nĂŁo-visto e do imprevisto.
Falas tanto de tua dor.
Queres ficar bom ou cultivar a dor?
A dor valorizada se transforma em vĂcio.
Parece paradoxal, mas o cultivo da dor pode ser uma forma de preencher o tempo vazio.
Quem tem muito o que fazer, nĂŁo tem tempo disponĂvel para dedicar-se Ă dor.
Afinal, a dor nunca Ă© boa companhia.
Todo o perigo da dor
nĂŁo Ă© seu prĂłprio doer:
Ă© a sua anestesia.
A dor que já não se sente,
nem em si e nem nos outros.
A dor que perdeu a voz.
A dor a que falta o espasmo.
A dor que nĂŁo causa espanto.
A dor que nĂŁo mais revolta.
A dor que nos fez eunuco
no amargo céu da impotência.
Quando você sofrer, há sempre um remédio:
Ou vocĂŞ se acostuma ou se anestesia.
Não faça da dor um pretexto, castigo ou purificação.
A dor é um fato e só. Merece medicação e não explicação.
A dor é uma visita incômoda. Por que pensar por que ela veio? Já não basta o próprio doer?
SĂł nos cabe em tais momentos nos livrar deste incĂ´modo.
DOS VAIDOSOS
Tudo fazem para aparecer.
Ou fingem se esconder
para que sejam achados.
Existe a vaidade de ter, mas também a vaidade de dar e de gastar.
A vaidade é a auto-satisfação que decorre da presunção de que se é admirado.
A modéstia ostensiva nada mais é do que a vaidade disfarçada.
Há uma verdade absoluta: a que cada um tem a sua própria verdade.
Há pessoas, no entanto, que vivem à procura da verdade nos outros. E há outras que procuram impor sua verdade aos outros.
Umas querem ser escravizadas. Outras querem escravizar.
Quem precisa de senhor, tem vocação de escravo.
Quem escraviza, precisa de escravos.
E se precisa de escravos, é porque não alcançou a liberdade.
A fé é a vontade que se fez poder.
É também uma forma de perceber a realidade.
Não há uma razão para a fé: ela é a sua própria razão.
A fé é o recurso extraordinário do homem para resolver problemas que a razão não consegue.
Não somos influenciados apenas pelas nossas ações, mas também pelos nossos sonhos.
O homem Ă© um compĂłsito de fatos e sonhos.
O ódio é nosso grilhão: o fantasma cultivado do que já não mais existe.
O louco é insuportável,
porque vive perdido
na liberdade total.
Pior que o amor perdido
Ă© o amor que nĂŁo foi dado.
Saudade do que fiz.
Saudade do que nĂŁo fiz.
NĂŁo sei qual delas persiste mais!
O saber confere erudição. Mas só a compreensão transforma o vasto saber em sabedoria.
O povo nĂŁo entende o sábio. O sábio será sempre uma gota de Ăłleo, boiando na superfĂcie da água plebĂ©ia.
Quem anseia pelo aplauso do povo, mesmo que seja um erudito, não é um sábio. O sábio não busca a aprovação popular.
O sábio, quanto mais sabe, mais se isola. A sua convivĂŞncia com as outras pessoas Ă© sempre superficial. PorĂ©m isso nĂŁo o torna um misantropo. Pelo contrário: ele Ă© afável com as pessoas, mas sĂł se relaciona com elas em assuntos triviais. Embora acostumado Ă s profundezas, ele sabe, nos momentos necessários, subir Ă superfĂcie e atĂ© mesmo divertir-se com as pessoas comuns.
A sabedoria Ă© um patrimĂ´nio sem herdeiros.
As religiões transformam o ser humano em pecador, imperfeito e perdido, necessitado, portanto, de salvação. Quem nisso acredita, precisa de salvação.
As religiões são as maiores fontes de mistérios. E subsistem por causa deles.
As religiões são oficinas da loucura quando produzem mártires, suicidas e assassinos.
Matar ou morrer em nome de Deus Ă© a mais perigosa de todas as psicoses coletivas da humanidade.
O maior castigo que Deus infligiria aos demônios seria obrigá-los a fazer eternamente o bem. É lamentável que os teólogos não tenham pensado nisso.
Somente um Deus antropomórfico e cruel se rejubilaria com o aviltamento e sofrimento voluntários das pessoas que pensam, com isso, glorificá-lo. Eis uma divina relação sadomasoquista entre um Deus vaidoso e essas criaturas ingênuas.
Quando alguém diz que viu Deus, falou com Ele, é o Seu enviado, por certo, alucinou ou está enganando as pessoas crédulas, que constituem a grande maioria da humanidade.
Onde houver ignorantes, milagres existirĂŁo.
O amor é uma dádiva sem retorno.
A humildade é também uma forma sutil de poder. Uma pessoa externamente humilde e famosa por sua humildade se transforma, aos olhos dos outros, em um ser superior.
A vaidade é sempre sincera. A modéstia, nem sempre.
Ninguém se finge de vaidoso. E há os que se envaidecem de sua própria vaidade.
SĂŁo as mentiras convencionais que sustentam a vida social. E, para nossa tranqĂĽilidade, acreditamos nelas, porque precisamos estar convictos de que sĂŁo verdadeiras.
Toda a propaganda em prol da verdade jamais a tornou apetecĂvel, a nĂŁo ser convencionalmente. A mentira, embora publicamente combatida, continua sempre forte, vivendo na sua clandestinidade social.
NĂŁo se compartilha a solidĂŁo. A solidĂŁo Ă© indivisĂvel.
Envelhecer Ă© cultivar adeuses
e empobrecer em cada despedida.
Os afetos morrendo com os mortos.
Lembrar Ă© praticar necromancia.
O que fazer de tudo o que já foi,
mas fica latejando em nossa vida?
É o incurável câncer da saudade:
o que passou matando o ainda vivo.
A desobediĂŞncia, em certos casos, Ă© o exercĂcio da liberdade.
Quem sempre obedece, nĂŁo Ă© livre.
Todo ditador Ă© um megalomanĂaco. Julga-se um Messias polĂtico. Alguns sĂŁo paranĂłicos e enxergam inimigos em toda parte. AtĂ© os seus aliados mais prĂłximos estĂŁo sob suspeita. Governa pelo medo que impõe Ă s pessoas e manda eliminar quantas forem necessárias para exibir a força do seu poder. Torna-se adorado pelo povo mediante manipulação da mĂdia. Acusa seus opositores de inimigos do povo e se diz ameaçado por eles. Inventa atentados para punir os adversários e os classifica como inimigos da pátria. Proclama ser o pai dos pobres, mas se faz amigo dos ricos e deles se utiliza para seus propĂłsitos.
Há ditadores cultos, ignorantes, brutais, populistas, reservados, falantes. Prometem ou o que nĂŁo podem ou que nĂŁo querem cumprir, e culpa os adversários pela nĂŁo realização do prometido. Corruptores, sĂŁo cercados por uma alcateia de corruptos. E todos enriquecem Ă surdina ou ostensivamente. Há corruptos que tĂŞm o dom da invisibilidade e, quando descobertos, fazem o papel de vĂtimas. Há, porĂ©m, os corruptos debochados, que se vangloriam de sua capacidade de ilusionistas, proclamando os seus atos ilĂcitos como algo natural e aceitável. Os tesouros da corrupção estĂŁo a salvo do conhecimento do povo e geralmente inacessĂveis Ă investigação da justiça.
A quadrilha de governos aparentemente democráticos ou ostensivamente tirânicos está ligada a outras quadrilhas e elas permutam benefĂcios recĂprocos. É um acordo secreto e dificilmente investigado por parte da imprensa que nĂŁo foi subornada pelo tirano. As verdades oficiais nĂŁo sĂŁo contestadas e o povo desinformado e despolitizado acredita nelas.
A corrupção, em muitos casos, Ă© a alma do poder, notadamente na polĂtica. A sociedade apodrece moralmente e as pessoas, gradualmente, passam a nĂŁo mais sentir o cheiro da podridĂŁo. Esta perda olfativa da Ă©tica faz com que elas achem natural conviver com a podridĂŁo e dela tirar o maior proveito possĂvel.
O ditador é um camaleão e sua cor depende do tipo de regime em que vive, seja democrático ou não. Por isso, o povo não percebe a diferença quando se trata de um tirano na democracia.
O amor, como um chafariz,
Dessedenta os bons e os vis.
O amor é como a religião: precisa de rituais e de mistérios
A paz é a consciência de que, essencialmente, só somos necessários a nós mesmos
Sofrer o mal como se fosse efĂŞmero. Gozar o bem como se fosse eterno.
Não há busca para algo definitivo. Só a busca é definitiva.
Termos inimigos é inevitável. Porém depende de nós não ser inimigo de ninguém.
Poucos resistem ao fascĂnio de obter sucesso, e ao fascĂnio do sucesso, quando obtido.
Casamento: duas pessoas que vivem juntas na ilusĂŁo de que ainda sĂŁo as mesmas.
Ninguém se sacrifica por fazer o que gosta.
Sofrer Ă© fazer o que nĂŁo se quer.
Para quem faz o que não quer, até uma flor é pesada.
Há duas formas de escravidão: a escravidão às coisas e a escravidão às idéias.
O apego Ă© a maior escravidĂŁo.
Aquele que se apega, renunciou ao direito de liberdade.
Livre pensador é aquele que está livre até de suas próprias idéias.
Nem sempre Ă© possĂvel libertarmo-nos dos fatos, mas, sim, das idĂ©ias que temos sobre eles.
Amamos o saber ou, na verdade, amamos o poder que o saber nos dá?
Solitário é aquele que pensa só em si.
A sua dor Ă© maior, porque Ă© dele sĂł.
A sua alegria Ă© menor, porque nĂŁo Ă© acrescida pela alegria dos outros.
Por que alguém nos deve fazer felizes?
Se não nos fizermos felizes, ninguém mais no mundo poderá fazê-lo.
Há doentes que fazem de sua enfermidade uma forma eficaz de domĂnio sobre as pessoas, aprisionando-as nas cadeias da comiseração.
Quem é humilde, não busca, voluntariamente, a humilhação, mas se sujeita à humilhação, que lhe é imposta.
Há, no entanto, os que se humilham para satisfazer a vaidade de parecerem humildes.
A fé é a certeza sem prova.
A ciĂŞncia Ă© a probabilidade da certeza.
É uma infelicidade a ânsia de ser feliz.
Quem se apega ao que foi, carrega um cadáver às costas.
A inveja Ă© um desejo paralĂtico, que nĂŁo suporta e ambição bem sucedida.
A verdadeira infidelidade Ă© ser fiel ao que nĂŁo mais somos.
Toda biografia é, na verdade, uma sucessão de pessoas semelhantes e, em outros momentos, também diferentes.
O sempre e o nunca são criações do homem desejoso de impor leis à natureza.
Palavras e números são invenções humanas e, por isso, inúteis para a compreensão do real.