Definitivo
Definitivo, como tudo o que é simples. Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.
Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não compartilhamos. Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.
Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.
Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.
Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.
Por que sofremos tanto por amor? O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.
Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso: Se iludindo menos e vivendo mais!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável. O sofrimento é opcional…
Eureka!
Cada semana, uma novidade. A última foi que pizza previne câncer do esôfago. Acho a maior graça. Tomate previne isso, cebola previne aquilo, chocolate faz bem, chocolate faz mal, um cálice diário de vinho não tem problema, qualquer gole de álcool é nocivo, tome água em abundância, mas não exagere… Diante dessa profusão de descobertas, acho mais seguro não mudar de hábitos. Sei direitinho o que faz bem e o que faz mal pra minha saúde.
Prazer faz muito bem. Dormir me deixa 0km. Ler um bom livro faz eu me sentir nova em folha. Viajar me deixa tensa antes de embarcar, mas depois eu rejuvenesço uns 5 anos. Vôos aéreos não me incham as pernas, me incham o cérebro, volto cheia de idéias.
Brigar me provoca arritmia cardíaca. Ver pessoas tendo acessos de estupidez me embrulha o estômago.Testemunhar gente jogando lata de cerveja pela janela do carro me faz perder toda a fé no ser humano. E telejornais os médicos deveriam proibir – como doem!
Essa história de que sexo faz bem pra pele acho que é conversa, mas mal tenho certeza de que não faz, então, pode-se abusar. Caminhar faz bem, dançar faz bem, ficar em silêncio quando uma discussão está pegando fogo faz muito bem: você exercita o autocontrole e ainda acorda no outro dia sem se sentir arrependido de nada.
Acordar de manhã arrependido do que disse ou do que fez ontem à noite é prejudicial à saúde. E passar o resto do dia sem coragem para pedir desculpas, pior ainda. Não pedir perdão pelas nossas mancadas dá câncer, não há tomate ou mozzarella que previnam.
Ir ao cinema, conseguir um lugar central nas fileiras do fundo, não ter ninguém atrapalhando sua visão, nenhum celular tocando e o filme ser excepcionalmente bom, uau! Cinema é melhor pra saúde do que pipoca. Conversa é melhor do que piada. Beijar é melhor do que fumar. Exercício é melhor do que cirurgia. Humor é melhor do que rancor. Amigos são melhores do que gente influente. Economia é melhor do que dívida. Pergunta é melhor do que dúvida.
Tomo pouca água, bebo mais de um cálice de vinho por dia, faz dois meses que não piso na academia, mas tenho dormido bem, trabalhado bastante, encontrado meus amigos, ido ao cinema e confiado que tudo isso pode me levar a uma idade avançada. Sonhar é melhor do que nada.
A DOR QUE DÓI MAIS
Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, doem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.
Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.
A Alegria na Tristeza
O título desse texto na verdade não é meu, e sim de um poema do uruguaio Mario Benedetti. No original, chama-se “Alegría de la tristeza” e está no livro “La vida ese paréntesis” que, até onde sei, permanece inédito no Brasil.
O poema diz que a gente pode entristecer-se por vários motivos ou por nenhum motivo aparente, a tristeza pode ser por nós mesmos ou pelas dores do mundo, pode advir de uma palavra ou de um gesto, mas que ela sempre aparece e devemos nos aprontar para recebê-la, porque existe uma alegria inesperada na tristeza, que vem do fato de ainda conseguirmos senti-la.
Pode parecer confuso mas é um alento. Olhe para o lado: estamos vivendo numa era em que pessoas matam em briga de trânsito, matam por um boné, matam para se divertir. Além disso, as pessoas estão sem dinheiro. Quem tem emprego, segura. Quem não tem, procura. Os que possuem um amor desconfiam até da própria sombra, já que há muita oferta de sexo no mercado. E a gente corre pra caramba, é escravo do relógio, não consegue mais ficar deitado numa rede, lendo um livro, ouvindo música. Há tanta coisa pra fazer que resta pouco tempo pra sentir.
Por isso, qualquer sentimento é bem-vindo, mesmo que não seja uma euforia, um gozo, um entusiasmo, mesmo que seja uma melancolia. Sentir é um verbo que se conjuga para dentro, ao contrário do fazer, que é conjugado pra fora.
Sentir alimenta, sentir ensina, sentir aquieta. Fazer é muito barulhento.
Sentir é um retiro, fazer é uma festa. O sentir não pode ser escutado, apenas auscultado. Sentir e fazer, ambos são necessários, mas só o fazer rende grana, contatos, diplomas, convites, aquisições. Até parece que sentir não serve para subir na vida.
Uma pessoa triste é evitada. Não cabe no mundo da propaganda dos cremes dentais, dos pagodes, dos carnavais. Tristeza parece praga, lepra, doença contagiosa, um estacionamento proibido. Ok, tristeza não faz realmente bem pra saúde, mas a introspecção é um recuo providencial, pois é quando silenciamos que melhor conversamos com nossos botões. E dessa conversa sai luz, lições, sinais, e a tristeza acaba saindo também, dando espaço para uma alegria nova e revitalizada. Triste é não sentir nada.
“Pior do que uma voz que cala/É um silêncio que fala”.
Simples. Rápido. E quanta força. Imediatamente me veio a cabeça situações em que o silêncio me disse verdades terríveis, pois você sabe, o silêncio não é dado a amenidades.
Um telefone mudo. Um e-mail que não chega. Um encontro onde nenhum dos dois abre a boca. Silêncios que falam sobre desinteresse, esquecimento, recusas. Quantas coisas são ditas na quietude, depois de uma discussão. O perdão não vem, nem um beijo, nem uma gargalhada para acabar com o clima de tensão. Só ele permanece imutável, o silêncio, a ante-sala do fim.
É mil vezes preferível uma voz que diga coisas que a gente não quer ouvir, pois ao menos as palavras que são ditas indicam uma tentativa de entendimento. Cordas vocais em funcionamento articulam argumentos, expõem suas queixas, jogam limpo. Já o silêncio arquiteta planos que não são compartilhados. Quando nada é dito, nada fica combinado.
Quantas vezes, numa discussão histérica, ouvimos um dos dois gritar: “diz alguma coisa, diz que não me ama mais, mas não fica aí parado me olhando”. É o silêncio de um mandando más notícias para o desespero do outro.
É claro que há muitas situações em que o silêncio é bem-vindo. Para um cara que trabalha com uma britadeira na rua, o silêncio é um bálsamo. Para a professora de uma creche, o silêncio é um presente. Para os seguranças dos shows do Sepultura, o silêncio é uma megasena. Mesmo no amor, quando a relação é sólida e madura, o silêncio a dois não incomoda, pois é o silêncio da paz. O único silêncio que perturba é aquele que fala. E fala alto. É quando ninguém bate a nossa porta, não há recados na secretária eletrônica e mesmo assim você entende a mensagem.
Acertando na Mosca
Finalmente, paz em Kosovo. Enquanto os refugiados preparam-se para voltar para suas casas, Milosevic e a Otan disputam agora o título de vencedor da guerra, como se tudo não tivesse passado de uma partida de futebol. Ninguém marcou gol nesse combate insano, não há o que comemorar, mas uma lição foi deixada pelo episódio: os estragos que a falta de mira pode provocar.
Na guerra do dia-a-dia não é diferente: pontaria é fundamental. Você anda desmotivado, acha que a vida está sem emoção e que na sua casa ninguém lhe entende. Sai pra noite, então, e cruza com uns caras que fazem pega de moto, picham muros, depredam orelhões e parecem divertir-se muito com isso. Une-se ao grupo. Erro fatal: você acaba de se aliar ao inimigo.
Você está em busca de emprego, você e toda a torcida do Flamengo. Por um desses milagres da vida, surgem duas oportunidades de trabalho. Uma é um estágio dentro do campo que você quer atuar no futuro. É para trabalhar ao lado de bons profissionais, mas ganhando apenas uma ajuda de custo. Vai ter que ralar. A outra proposta é para ganhar três salários com carteira assinada, mas num ramo que não lhe oferece a menor chance de crescimento profissional, um lugar onde você será uma peça na engrenagem, facilmente substituível. Pense bem: só tem uma bala na agulha.
Você está mais carente que noiva abandonada no altar. Sozinha a um ano e meio, anda fazendo cafuné em pantufa. Aí surge ele, o cara que fala pelos cotovelos sobre o próprio carro, o próprio time, as próprias aventuras amorosas, o próprio umbigo. Não é o seu tipo, mas é o que pintou. Pega carona no ego dele ou fica mais um tempo sozinha?
Boa pontaria faz toda a diferença. Às vezes um alvo está mais perto que outro e isso parece facilitar as coisas, às vezes uma pessoa parece legal mas é camuflagem, às vezes alguém se move em nossa direção e, antes de ouví-lo, o abatemos. Viver é lutar um pouquinho a cada dia pela nossa felicidade. Ninguém sai ileso dessa briga, mas fere-se menos quem tem bom faro, noções de diplomacia e, principalmente, sabedoria para distinguir a hora de atacar e a hora de se defender.
Aí Tem
As coisas são como são. Se alguém diz que está calmo, é porque está calmo. Se alguém diz que te ama, é porque te ama. Se alguém diz que não vai poder sair à noite porque precisa estudar, está explicado. Mas a gente não escuta só as palavras: a gente ouve também os sinais.
Ele telefonou na hora que disse que ia ligar, mas estava frio como um iglu. Você falava, falava, e ele quieto, monossilábico. Até que você o coloca contra a parede: “O que é que está havendo?”. “Nada, tô na minha, só isso.” Só isso???? Aí tem.
Ele telefonou na hora que disse que ia ligar, mas estava exaltado demais. Não parava de tagarelar. Um entusiasmo fora do comum. Você pergunta à queima-roupa: “Que alegria é essa?” “Ué, tô feliz, só isso”. Só isso????? Aí tem.
Os tais sinais. Ansiedade fora de hora, mudez estranha, olhar perdido, mudança no jeito de se vestir, olheiras e bocejos de quem dormiu pouco à noite: aí tem. Somos doutoras em traduzir gestos, silêncios e atitudes incomuns. Se ele está calado demais, é porque está pensando na melhor maneira de nos dar uma má notícia. Se está esfuziante demais, é porque andou rolando novidades que você não está sabendo. Se ele está carinhoso demais, é porque não quer que você perceba que está com a cabeça em outra. Se manda flores, é porque está querendo que a gente facilite alguma coisa pra ele. Se vai viajar com os amigos, é porque não nos ama mais. Se parou de fumar, é uma promessa que ele não contou pra você. Enfim, o cara não pode respirar diferente que aí tem.
Às vezes não tem. O cara pode estar calado porque leu um troço que mexeu com ele, ou está falando muito porque o time dele venceu. Pode estar mais carinhoso porque conversou sobre isso na terapia e pode estar mais produzido porque teve um aumento de salário. Por que tudo o que eles fazem tem que ser um recado pra gente?
É uma generalização, mas as mulheres costumam ser mais inseguras que os homens no quesito relacionamento. Qualquer mudança de rota nos deixa em estado de alerta, qualquer outra mulher que cruze o caminho dele pode ser uma concorrente, qualquer rispidez não justificada pode ser um cartão amarelo. O que ele diz importa menos do que sua conduta. Pobres homens. Se não estão babando por nós, se tiram o dia para meditar ou para assistir um jogo de vôlei na tevê sem avisar com duas semanas de antecedência, danou-se: aí tem.
Amor Epidérmico
Seus pais foram jantar fora e deixaram o apartamento só para você, seu namorado e a tevê a cabo. Que inconseqüentes! Em menos de um minuto vocês deixam a televisão falando sozinha e vão ensaiar umas cenas de amor no quartinho dos fundos. De repente, escutam o barulho da fechadura. Seu pai esqueceu o talão de cheques. Passos no corredor. Antes que você localize sua camiseta, sua mãe se materializa na porta. Parece que ela está brincando de estátua, mas não resta dúvida que entrou em estado de choque. Você diz o quê? Mãe, a carne é fraca.
A desculpa é esfarrapada mas é legítima. Nada é mais vulnerável que nosso desejo. Na luta entre o cérebro e a pele, nunca dá empate. A pele sempre ganha de W.O.
Você planeja terminar um relacionamento. Chegou à conclusão que não quer mais ter a seu lado uma pessoa distante, que não leva nada à sério, que vive contando piadinhas preconceituosas e que não parece estar muito apaixonado. Por que levar a história adiante? Melhor terminar tudo hoje mesmo. Marca um encontro. Ele chega no horário, você também. Começam a conversar. Você engata o assunto. Para sua surpresa, ele ficou triste. Não quer se separar de você. E para provar, segura seu rosto com as duas mãos e tasca-lhe um beijo. Danou-se.
Onde foram parar as teorias, os diálogos que você planejou, a decisão que parecia irrevogável? Tomaram Doril. Você agora está sob os efeitos do cheiro dele, está rendida ao gosto dele, está ligada a ele pela derme e epiderme. A gravação do seu celular informa: seus neurônios estão fora da área de cobertura ou desligados.
Isso nunca aconteceu com você? Reluto entre dar-lhe os parabéns ou os pêsames. Por um lado, é ótimo ter controle absoluto de todas as suas ações e reações, ter força suficiente para resistir ao próprio desejo. Por outro lado, como é bom dar folga ao nosso raciocínio e deixar-se seduzir, sem ficar calculando perdas e danos, apenas dando-se ao luxo de viver o seu dia de Pigmaleão.
A carne é fraca, mas você tem que ser forte, é o que recomendam todos. Tente, ao menos de vez em quando, ser sexualmente vegetariano e não ceder às tentações. Se conseguir, bravo: terá as rédeas de seu destino na mão. Mas se não der certo, console-se. Criaturas que derretem-se, entregam-se, consomem-se e não sabem negar-se costumam trazer um sorriso enigmático nos lábios. Alguma recompensa há de ter.
O Contrário do Amor
O contrário de bonito é feio, de rico é pobre, de preto é branco, isso se aprende antes de entrar na escola. Se você fizer uma enquete entre as crianças, ouvirá também que o contrário do amor é o ódio. Elas estão erradas. Faça uma enquete entre adultos e descubra a resposta certa: o contrário do amor não é o ódio, é a indiferença.
O que seria preferível, que a pessoa que você ama passasse a lhe odiar, ou que lhe fosse totalmente indiferente? Que perdesse o sono imaginando maneiras de fazer você se dar mal ou que dormisse feito um anjo a noite inteira, esquecido por completo da sua existência? O ódio é também uma maneira de se estar com alguém. Já a indiferença não aceita declarações ou reclamações: seu nome não consta mais do cadastro.
Para odiar alguém, precisamos reconhecer que esse alguém existe e que nos provoca sensações, por piores que sejam. Para odiar alguém, precisamos de um coração, ainda que frio, e raciocínio, ainda que doente. Para odiar alguém gastamos energia, neurônios e tempo. Odiar nos dá fios brancos no cabelo, rugas pela face e angústia no peito. Para odiar, necessitamos do objeto do ódio, necessitamos dele nem que seja para dedicar-lhe nosso rancor, nossa ira, nossa pouca sabedoria para entendê-lo e pouco humor para aturá-lo. O ódio, se tivesse uma cor, seria vermelho, tal qual a cor do amor.
Já para sermos indiferentes a alguém, precisamos do quê? De coisa alguma. A pessoa em questão pode saltar de bungee-jumping, assistir aula de fraque, ganhar um Oscar ou uma prisão perpétua, estamos nem aí. Não julgamos seus atos, não observamos seus modos, não testemunhamos sua existência. Ela não nos exige olhos, boca, coração, cérebro: nosso corpo ignora sua presença, e muito menos se dá conta de sua ausência. Não temos o número do telefone das pessoas para quem não ligamos. A indiferença, se tivesse uma cor, seria cor da água, cor do ar, cor de nada.
Uma criança nunca experimentou essa sensação: ou ela é muito amada, ou criticada pelo que apronta. Uma criança está sempre em uma das pontas da gangorra, adoração ou queixas, mas nunca é ignorada. Só bem mais tarde, quando necessitar de uma atenção que não seja materna ou paterna, é que descobrirá que o amor e o ódio habitam o mesmo universo, enquanto que a indiferença é um exílio no deserto.
Sumi porque só faço besteira em sua presença, fico mudo
quando deveria verbalizar, digo um absurdo atrás do outro quando
melhor seria silenciar, faço brincadeiras de mau gosto e sofro
antes, durante e depois de te encontrar.
Sumi porque não há futuro e isso não é o mais difícil de
lidar, pior é não ter presente e o passado ser mais fluido que o ar.
Sumi porque não há o que se possa resgatar, meu sumiço é
covarde mas atento, meio fajuto meio autêntico, sumi porque
sumir é um jogo de paciência, ausentar-se é risco e sapiência,
pareço desinteressado, mas sumi para estar para sempre do seu
lado, a saudade fará mais por nós dois que nosso amor e sua
desajeitada e irrefletida permanência.
Strip-Tease
Chegou no apartamento dele por volta das seis da tarde e sentia um nervosismo fora do comum. Antes de entrar, pensou mais uma vez no que estava por fazer. Seria sua primeira vez. Já havia roído as unhas de ambas as mãos. Não podia mais voltar atrás. Tocou a campainha e ele, ansioso do outro lado da porta, não levou mais do que dois segundos para atender.
Ele perguntou se ela queria beber alguma coisa, ela não quis. Ele perguntou se ela queria sentar, ela recusou. Ele perguntou o que poderia fazer por ela. A resposta: sem preliminares. Quero que você me escute, simplesmente.
Então ela começou a se despir como nunca havia feito antes.
Primeiro tirou a máscara: “Eu tenho feito de conta que você não me interessa muito, mas não é verdade. Você é a pessoa mais especial que já conheci. Não por ser bonito ou por pensar como eu sobre tantas coisas, mas por algo maior e mais profundo do que aparência e afinidade. Ser correspondida é o que menos me importa no momento: preciso dizer o que sinto”.
Então ela desfez-se da arrogância: “Nem sei com que pernas cheguei até sua casa, achei que não teria coragem. Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto. Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história.”
Era o pudor sendo desabotoado: “Eu beijo espelhos, abraço almofadas, faço carinho em mim mesma tendo você no pensamento, e mesmo quando as coisas que faço são menos importantes, como ler uma revista ou lavar uma meia, é em sua companhia que estou”.
Retirava o medo: “Eu não sou melhor ou pior do que ninguém, sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte e sinto que é aquilo que todos procuram. Encontrei”.
Por fim, a última peça caía, deixando-a nua: “Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim. A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil. Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui”.
E saiu do apartamento sentindo-se mais mulher do que nunca.
Faz-de-conta
Não respondo teus e-mails, e quando respondo sou ríspido, distante, mantenho-me alheio: faz-de-conta que eu te odeio.
Te encho de palavras carinhosas, não economizo elogios, me surpreendo de tanto afeto que consigo inventar, sou uma atriz, sou do ramo: faz-de-conta que te amo.
Estou sempre olhando pro relógio, sempre enaltecendo os planos que eu tinha e que os outros boicotaram, sempre reclamando que os outros fazem tudo errado: faz-de-conta que dou conta do recado.
Debocho de festas e de roupas glamurosas, não entendo como é que alguém consegue dormir tarde todas as noites, convidados permanentes para baladas na área vip do inferno: faz-de-conta que não quero.
Choro ao assistir o telejornal, lamento a dor dos outros e passo noites em claro tentando entender corrupções, descasos, tudo o que demonstra o quanto foi desperdiçado meu voto: faz-de-conto que me importo.
Jogo uma perna pro alto, a outra pro lado, faço cara de gostosa, os cabelos escorridos na rosto, me retorço, gemo, sussurro, grito e poso: faz-de-conta que eu gozo.
Digo que perdôo, ofereço cafezinho, lembro dos bons momentos, digo que os ruins ficaram no passado, que já não lembro de nada, pessoas maduras sabem que toda mágoa é peso morto: faz-de-conta que não sofro.
Cito Aristóteles e Platão, aplaudo ferros retorcidos em galerias de arte, leio poesia concreta, compro telas abstratas, fico fascinada com um arranjo techno para uma música clássica e assisto sem legenda o mais recente filme romeno: faz-de-conta que eu entendo.
Tenho todos os ingredientes para um sanduíche inesquecível, a porta da geladeira está lotada de imãs de tele-entrega, mantenho um bar razoavelmente abastecido, um pouco de sal e pimenta na despensa e o fogão tem oito anos mas parece zerinho: faz-de-conta que eu cozinho.
Bem-vindo à Disney, o mundo da fantasia, qual é o seu papel? Você pode ser um fantasma que atravessa paredes, ser anão ou ser gigante, um menino prodígio que decorou bem o texto, a criança ingênua que confiou na bruxa, uma sex symbol a espera do seu cowboy: faz-de-conta que não dói.
Promessas matrimoniais
Em maio de 98, escrevi um texto em que afirmava que achava bonito o ritual do casamento na igreja, com seus vestidos brancos e tapetes vermelhos, mas que a única coisa que me desagradava era o sermão do padre: “Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe?” Acho simplista e um pouco fora da realidade. Dou aqui novas sugestões de sermões:
– Promete não deixar a paixão fazer de você uma pessoa controladora, e sim respeitar a individualidade do seu amado, lembrando sempre que ele não pertence a você e que está ao seu lado por livre e espontânea vontade?
– Promete saber ser amiga e ser amante, sabendo exatamente quando devem entrar em cena uma e outra, sem que isso lhe transforme numa pessoa de dupla identidade ou numa pessoa menos romântica?
– Promete fazer da passagem dos anos uma via de amadurecimento e não uma via de cobranças por sonhos idealizados que não chegaram a se concretizar?
– Promete sentir prazer de estar com a pessoa que você escolheu e ser feliz ao lado dela pelo simples fato de ela ser a pessoa que melhor conhece você e portanto a mais bem preparada para lhe ajudar, assim como você a ela?
– Promete se deixar conhecer?
– Promete que seguirá sendo uma pessoa gentil, carinhosa e educada, que não usará a rotina como desculpa para sua falta de humor?
– Promete que fará sexo sem pudores, que fará filhos por amor e por vontade, e não porque é o que esperam de você, e que os educará para serem independentes e bem informados sobre a realidade que os aguarda?
– Promete que não falará mal da pessoa com quem casou só para arrancar risadas dos outros?
– Promete que a palavra liberdade seguirá tendo a mesma importância que sempre teve na sua vida, que você saberá responsabilizar-se por si mesmo sem ficar escravizado pelo outro e que saberá lidar com sua própria solidão, que casamento algum elimina?
– Promete que será tão você mesmo quanto era minutos antes de entrar na igreja?
Sendo assim, declaro-os muito mais que marido e mulher: declara-os maduros
Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente.
Gostar de alguém é função do coração, mas esquecer, não. É tarefa da nossa cabecinha, que aliás é nossa em termos: tem alguma coisa lá dentro que age por conta própria, sem dar satisfação. Quem dera um esforço de conscientização resolvesse o assunto.
Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande, é a sua sensibilidade sem tamanho.
Sentir-se amado
O cara diz que te ama, então tá. Ele te ama.
Sua mulher diz que te ama, então assunto encerrado.
Você sabe que é amado porque lhe disseram isso, as três palavrinhas mágicas. Mas saber-se amado é uma coisa, sentir-se amado é outra, uma diferença de milhas, um espaço enorme para a angústia instalar-se.
A demonstração de amor requer mais do que beijos, sexo e verbalização, apesar de não sonharmos com outra coisa: se o cara beija, transa e diz que me ama, tenha a santa paciência, vou querer que ele faça pacto de sangue também?
Pactos. Acho que é isso. Não de sangue nem de nada que se possa ver e tocar. É um pacto silencioso que tem a força de manter as coisas enraizadas, um pacto de eternidade, mesmo que o destino um dia venha a dividir o caminho dos dois.
Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida, que zela pela sua felicidade, que se preocupa quando as coisas não estão dando certo, que sugere caminhos para melhorar, que coloca-se a postos para ouvir suas dúvidas e que dá uma sacudida em você, caso você esteja delirando. “Não seja tão severa consigo mesma, relaxe um pouco. Vou te trazer um cálice de vinho”.
Sentir-se amado é ver que ela lembra de coisas que você contou dois anos atrás, é vê-la tentar reconciliar você com seu pai, é ver como ela fica triste quando você está triste e como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo uma tempestade em copo d´água. “Lembra que quando eu passei por isso você disse que eu estava dramatizando? Então, chegou sua vez de simplificar as coisas. Vem aqui, tira este sapato.”
Sentem-se amados aqueles que perdoam um ao outro e que não transformam a mágoa em munição na hora da discussão. Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente bem-vindo, que se sente inteiro. Sente-se amado aquele que tem sua solidão respeitada, aquele que sabe que não existe assunto proibido, que tudo pode ser dito e compreendido. Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é, sem inventar um personagem para a relação, pois personagem nenhum se sustenta muito tempo. Sente-se amado quem não ofega, mas suspira; quem não levanta a voz, mas fala; quem não concorda, mas escuta.
Agora sente-se e escute: eu te amo não diz tudo .
Eu, modo de usar:
Pode invadir ou chegar com delicadeza, mas não tão devagar que me faça dormir. Não grite comigo, tenho o péssimo hábito de revidar. Acordo pela manhã com ótimo humor mas… permita que eu escove os dentes primeiro. Toque muito em mim, principalmente nos cabelos e minta sobre minha nocauteante beleza.
Tenho vida própria, me faça sentir saudades, conte algumas coisas que me façam rir, mas não conte piadas e nem seja preconceituoso, não perca tempo, cultivando este tipo de herança de seus pais. Viaje antes de me conhecer, sofra antes de mim para reconhecer-me um porto, um albergue da juventude. Eu saio em conta, você não gastará muito comigo. Acredite nas verdades que digo e também nas mentiras, elas serão raras e sempre por uma boa causa. Respeite meu choro, me deixe sozinha, só volte quando eu chamar e, não me obedeça sempre que eu também gosto de ser contrariada. (Então fique comigo quando eu chorar, combinado?).
Seja mais forte que eu e menos altruísta! Não se vista tão bem… gosto de camisa para fora da calça, gosto de braços, gosto de pernas e muito de pescoço. Reverenciarei tudo em você que estiver a meu gosto: boca, cabelos, os pelos do peito e um joelho esfolado, você tem que se esfolar às vezes, mesmo na sua idade. Leia, escolha seus próprios livros, releia-os. Odeie a vida doméstica e os agitos noturnos. Seja um pouco caseiro e um pouco da vida, não de boate que isto é coisa de gente triste. Não seja escravo da televisão, nem xiita contra. Nem escravo meu, nem filho meu, nem meu pai. Escolha um papel para você que ainda não tenha sido preenchido e o invente muitas vezes.
Me enlouqueça uma vez por mês mas, me faça uma louca boa, uma louca que ache graça em tudo que rime com louca: loba, boba, rouca, boca… Goste de música e de sexo. Goste de um esporte não muito banal. Não invente de querer muitos filhos, me carregar pra a missa, apresentar sua família… isso a gente vê depois… se calhar… deixa eu dirigir o seu carro, que você adora. Quero ver você nervoso, inquieto, olhe para outras mulheres, tenha amigos e digam muitas bobagens juntos. Não me conte seus segredos… me faça massagem nas costas. Não fume, beba, chore, eleja algumas contravenções. Me rapte! Se nada disso funcionar… experimente me amar!
VAMPIROS
Eu não acredito em gnomos ou duendes, mas vampiros existem. Fique ligado, eles podem estar numa sala de bate-papo virtual, no balcão de um bar, no estacionamento de um shopping. Vampiros e vampiras aproximam-se com uma conversa fiada, pedem seu telefone, ligam no outro dia, convidam para um cinema. Quando você menos espera, está entregando a eles seu rico pescocinho e mais. Este “mais” você vai acabar descobrindo o que é com o tempo.
Vampiros tratam você muito bem, têm muita cultura, presença de espírito e conhecimento da vida. Você fica certo que conheceu uma pessoa especial. Custa a se dar conta de que eles são vampiros, parecem gente. Até que começam a sugar você. Sugam todinho o seu amor, sugam sua confiança, sugam sua tolerância, sugam sua fé, sugam seu tempo, sugam suas ilusões. Vampiros deixam você murchinha, chupam até a última gota. Um belo dia você descobre que nunca recebeu nada em troca, que amou pelos dois, que foi sempre um ombro amigo, que sempre esteve à disposição, e sofreu tão solitariamente que hoje se encontra aí, mais carniça do que carne.
Esta é uma historinha de terror que se repete ano após ano, por séculos. Relações vampirescas: o morcegão surge com uma carinha de fome e cansaço, como se não tivesse dormido a noite toda, e você se oferece para uma conversa, um abraço, uma força. Aí ele se revitaliza e bate as asinhas. Acontece em São Paulo, Manaus, Recife, Florianópolis, em todo lugar, não só na Transilvânia. E ocorre também entre amigos, entre colegas de trabalho, entre familiares, não só nas relações de amor.
Doe sangue para hospitais. Dê seu sangue por um projeto de vida, por um sonho. Mas não doe para aqueles que sempre, sempre, sempre vão lhe pedir mais e lhe retribuir jamais.
Modo de usar-se
“Coitada, foi usada por aquele cafajeste”. Ouvi essa frase na beira da praia, num papo que rolava no guarda-sol ao lado. Pelo visto a coitada em questão financiou algum malandro, ou serviu de degrau para um alpinista social, sei lá, só sei que ela havia sido usada no pior sentido, deu pra perceber pelo tom do comentário. Mas não fiquei com pena da coitada, seja ela quem for.
Não costumo ir atrás desta história de “foi usada”. No que se refere a adultos, todo mundo sabe mais ou menos onde está se metendo, ninguém é totalmente inocente. Se nos usam, algum consentimento a gente deu, mesmo sem ter assinado procuração. E se estamos assim tão desfrutáveis para o uso alheio, seguramente é porque estamos nos usando pouco.
Se for este o caso, seguem sugestões para usar a si mesmo: comer, beber, dormir e transar, nossas quatro necessidades básicas, sempre com segurança, mas também sem esquecer que estamos aqui para nos divertir. Usar-se nada mais é do que reconhecer a si próprio como uma fonte de prazer.
Dançar sem medo de pagar mico, dizer o que pensa mesmo que isso contrarie as verdades estabelecidas, rir sem inibição – dane-se se aparecer a gengiva. Mas cuide da sua gengiva, cuide dos dentes, não se negligencie. Use seu médico, seu dentista, sua saúde.
Use-se para progredir na vida. Alguma coisa você já deve ter aprendido até aqui. Encoste-se na sua própria experiência e intuição, honre sua história de vida, seu currículo, e se ele não for tão atraente, incremente-o. Use sua voz: marque entrevistas. Use sua simpatia: convença os outros. Use seus neurônios: pra todo o resto.
E este coração acomodado aí no peito? Use-o, ora bolas. Não fique protegendo-se de frustrações só porque seu grande amor da adolescência não deu certo. Ou porque seu casamento até-que-a-morte-os-separe durou “apenas” 13 anos. Não enviuve de si mesmo, ninguém morreu.
Use-se para conseguir uma passagem para a Patagônia, use-se para fazer amigos, use-se para evoluir. Use seus olhos para ler, chorar, reter cenas vistas e vividas – a memória e a emoção vêm muito do olho. Use os ouvidos para escutar boa música, estímulos e o silêncio mais completo. Use as pernas para pedalar, escalar, levantar da cama, ir aonde quiser. Seus dedos para pedir carona, escrever poemas, apontar distâncias. Sua boca pra sorrir, sua barriga para gerar filhos, seus seios para amamentar, seus braços para trabalhar, sua alma para preencher-se, seu cérebro para não morrer em vida. Use-se. Se você não fizer, algum engraçadinho o fará. E você virará assunto de beira de praia.
Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade.
POEMA da SAUDADE
Em alguma outra vida,devemos ter feito algo muito grave,para sentirmos tanta saudade…
Trancar o dedo numa porta doí.
Bater o queixo no chão doí.
Doí morder a língua,cólica doí, doí torcer o tornozelo.
Doí bater a cabeça na quina da mesa,carie doí,pedras nos rins também doí.
Mas o que mais doí é a saudade.
Saudade de um irmão que mora longe.
Saudade de uma brincadeira de infância.
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais.
Saudade do amigo imaginário que nunca existiu.
Saudade de uma cidade.
Saudade de nós mesmo,o tempo não perdoá.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se Ama.
Saudade da pele,do cheiro,dos beijos.
Saudade da presença,e até da ausência consentida.
Você podia ficar na sala e ele no quarto,sem se verem,mas sabiam-se lá.
Você podia ir para o dentista e ele para a trabalho,mas sabiam-se onde.
Você podia ficar sem vê-lo,e ele sem vê-la,mas sabiam-se amanhã.
Contudo,quando o Amor de um acaba,ou torna-se menor no outro.
Sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é basicamente não saber.
Não saber se ele continua fungando num ambiente mais frio.
Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia.
Se aprendeu a entrar na internet,se aprendeu a ter calma no trânsito.
Se continua preferindo cerveja a uísque(e qual a cerveja)
Se continua sorrindo com aqueles olhos apertados,e que sorriso lindo.
Será que ele continua cantando aquelas mesmas musicas tão bem(ao menos eu admirava)?
Será que ele continua fumando e se continua adorando Mac Donald’s?
Será que ele continua não amando os livros,e ela cada vez mais?
E continua não gostando de dar longas caminhadas,e ela não assistindo televisão?
Será que ele continua gostando de filmes de ação,e ela de chorar em comédias.
Será que ela continua lendo os livros que já leu?
Será que ele continua tossindo cada vez que fuma?
Saber é não saber mesmo!!!
Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais longos,não saber como encontrar
tarefas que lhe cessem o pensamento.
Não saber como frear as lágrimas diante de uma música,não saber como vencer a dor
de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber se ele está com outra,e ao mesmo tempo querer.
É não saber se ele está feliz,e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso…
É não querer saber se ele está mais magro,se ele está mais belo.
Saudade é nunca mais saber de quem se Ama e ainda assim doer.
Saudade é isso que senti(e sinto) enquanto estive escrevendo e o que você (deveria)
provavelmente estar sentido agora depois que acabou de ler.”
Quem inventou a distância nunca sofreu a dor de uma saudade!
Crônica do Amor
Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário, os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.
O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.
Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.
Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.
Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então?
Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.
Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.
Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara?
Não pergunte para mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.
É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.
Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?
Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.
Não funciona assim.
Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o amor tem de indefinível.
Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!
Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.
A impontualidade do amor
Você está sozinho. Você e a torcida do Flamengo. Em frente a tevê, devora dois pacotes de Doritos enquanto espera o telefone tocar. Bem que podia ser hoje, bem que podia ser agora, um amor novinho em folha.
Trimmm! É sua mãe, quem mais poderia ser? Amor nenhum faz chamadas por telepatia. Amor não atende com hora marcada. Ele pode chegar antes do esperado e encontrar você numa fase galinha, sem disposição para relacionamentos sérios. Ele passa batido e você nem aí. Ou pode chegar tarde demais e encontrar você desiludido da vida, desconfiado, cheio de olheiras. O amor dá meia-volta, volver. Por que o amor nunca chega na hora certa?
Agora, por exemplo, que você está de banho tomado e camisa jeans. Agora que você está empregado, lavou o carro e está com grana para um cinema. Agora que você pintou o apartamento, ganhou um porta-retrato e começou a gostar de jazz. Agora que você está com o coração às moscas e morrendo de frio.
O amor aparece quando menos se espera e de onde menos se imagina. Você passa uma festa inteira hipnotizado por alguém que nem lhe enxerga, e mal repara em outro alguém que só tem olhos pra você. Ou então fica arrasado porque não foi pra praia no final de semana. Toda a sua turma está lá, azarando-se uns aos outros. Sentindo-se um ET perdido na cidade grande, você busca refúgio numa locadora de vídeo, sem prever que ali mesmo, na locadora, irá encontrar a pessoa que dará sentido a sua vida. O amor é que nem tesourinha de unhas, nunca está onde a gente pensa.
O jeito é direcionar o radar para norte, sul, leste e oeste. Seu amor pode estar no corredor de um supermercado, pode estar impaciente na fila de um banco, pode estar pechinchando numa livraria, pode estar cantarolando sozinho dentro de um carro. Pode estar aqui mesmo, no computador, dando o maior mole. O amor está em todos os lugares, você que não procura direito.
A primeira lição está dada: o amor é onipresente. Agora a segunda: mas é imprevisível. Jamais espere ouvir “eu te amo” num jantar à luz de velas, no dia dos namorados. Ou receber flores logo após a primeira transa. O amor odeia clichês. Você vai ouvir “eu te amo” numa terça-feira, às quatro da tarde, depois de uma discussão, e as flores vão chegar no dia que você tirar carteira de motorista, depois de aprovado no teste de baliza. Idealizar é sofrer. Amar é surpreender.
A fita métrica do amor
Como se mede uma pessoa? Os tamanhos variam conforme o grau de envolvimento. Ela é enorme pra você quando fala do que leu e viveu, quando trata você com carinho e respeito, quando olha nos olhos e sorri destravado. É pequena pra você quando só pensa em si mesmo, quando se comporta de uma maneira pouco gentil, quando fracassa justamente no momento em que teria que demonstrar o que há de mais importante entre duas pessoas: a amizade.
Uma pessoa é gigante pra você quando se interessa pela sua vida, quando busca alternativas para o seu crescimento, quando sonha junto. É pequena quando desvia do assunto.
Uma pessoa é grande quando perdoa, quando compreende, quando se coloca no lugar do outro, quando age não de acordo com o que esperam dela, mas de acordo com o que espera de si mesma. Uma pessoa é pequena quando se deixa reger por comportamentos clichês.
Uma mesma pessoa pode aparentar grandeza ou miudeza dentro de um relacionamento, pode crescer ou decrescer num espaço de poucas semanas: será ela que mudou ou será que o amor é traiçoeiro nas suas medições? Uma decepção pode diminuir o tamanho de um amor que parecia ser grande. Uma ausência pode aumentar o tamanho de um amor que parecia ser ínfimo.
É difícil conviver com esta elasticidade: as pessoas se agigantam e se encolhem aos nossos olhos. Nosso julgamento é feito não através de centímetros e metros, mas de ações e reações, de expectativas e frustrações. Uma pessoa é única ao estender a mão, e ao recolhê-la inesperadamente, se torna mais uma. O egoísmo unifica os insignificantes.
Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande. É a sua sensibilidade sem tamanho.
A TODOS…
A todos trato muito bem
sou cordial, educada, quase sensata,
mas nada me dá mais prazer
do que ser persona non grata
expulsa do paraíso
uma mulher sem juízo, que não se comove
com nada
cruel e refinada
que não merece ir pro céu, uma vilã de novela
mas bela, e até mesmo culta
estranha, com tantos amigos
e amada, bem vestida e respeitada
aqui entre nós
melhor que ser boazinha e não poder ser imitada.
Eu triste sou calada
Eu brava sou estúpida
Eu lúcida sou chata
Eu gata sou esperta
Eu cega sou vidente
Eu carente sou insana
Eu malandra sou fresca
Eu seca sou vazia
Eu fria sou distante
Eu quente sou oleosa
Eu prosa sou tantas
Eu santa sou gelada
Eu salgada sou crua
Eu pura sou tentada
Eu sentada sou alta
Eu jovem sou donzela
Eu bela sou fútil
Eu útil sou boa
Eu à toa sou tua.
Sensações, como são difíceis de serem expressas…
O coração bate tresloucadamente, as mãos suam, nervos à flor da pele e aquela incerteza latente: ligar ou não ligar? E se ele não lembrar de mim? E se simplesmente me ignorar? O que fazer…
Coração retumbando dentro do peito, ansiedade pura, pulsação como se tivesse acabado de correr uma maratona… E então ela decide: vou ligar e seja o que Deus quiser!
Levanta de sua mesa de trabalho, atrolhada de processos complicadíssimos que destrincha com a maior facilidade e o medo se apodera dela… Não vou desistir, hoje eu vou ligar… Seus dedos tremulam ao digitar os números, código da operadora,2 números, código da área, + 2, número do telefone, + 08, são doze intermináveis números que ela digita durante os quais ela simplesmente não raciocina para não desistir.
Números discados, telefone chamando, toca uma, duas, três, ela já até está querendo desligar pensando “viu, ele não atendeu, a culpa não foi minha”! Quando ouve um alô do outro lado, daquela voz tão conhecida, jamais esquecida, apesar do tempo passado, ela tira uma forca que não sabia que possuía e começa a falar… Primeiro coisas triviais, “como tu estás, e o trabalho, saúde?” e todo aquele papo educado que aprendemos a ter, como dizem os franceses “come il faut”… Perguntas que vão, respostas que vêm, questões respondidas e o tempo passando e ela pensando: “eu não vou conseguir…” Mas ela é uma mulher determinada, que aprendeu a lidar melhor com suas emoções e que acha extremamente injusto esconder seus sentimentos dos outros e de si própria…
Então menciona: “isto não têm nada a ver com você, eu é que preciso te dizer isso…” respira fundo e solta o verbo, com uma coragem que vem das entranhas: “tu não sabes como eu te amei naquela época…”, ela nunca havia dito isso com todas as palavras: EU TE AMO! Apesar das atitudes indicaram, os olhos falarem, mas a boca era reprimida… Não conseguia dizer durante todos os momentos apaixonados e maravilhosas vividos, essas palavras mágicas… ela ainda era uma menina-mulher, confusa, apaixonada… e achava que não dizendo isso, deixava de entregar o que já havia sido entregue há muito tempo: sua alma, seu coração e seu corpo… Quanta bobagem… só o tempo e a experiência a deixaram ver isso… Vitória! Ela disse! Conseguiu! Está em paz com sua consciência. Disse a quem nunca havia dito que o amava, apesar de um atraso de dez anos, mas isso é detalhe! Ela deixou de dizer, ele deixou de ouvir, será que mudaria algo? Agora isso não interessa… Ele pareceu um pouco perturbado e diz que ficou emocionado… Retribuí com o velho jargão “eu também gostei muito de ti”…
Ela não acredita que cumpriu a missão que tinha estabelecido para si mesma, então se despede: “um beijo para ti” e desliga.
Volta para sua sala, senta em sua mesa, em frente ao seu computador, como se nada tivesse acontecido! Tudo parece igual, seus colegas sérios trabalhando, os processos se avolumando e ela tenta se concentrar, seus olhos enchem de lágrimas, ela havia vencido mais uma batalha! Ela era uma mulher de verdade que não esconde o que sentiu, sente e sentirá! Cresceu e amadureceu!
Se parabeniza mentalmente e pensa: “a liberdade realmente é azul!”
O que é que ele vê nela?
E o que é que ela vê nele? Nossos amigos se interrogam sobre nossas escolhas, e nós fazemos o mesmo em relação às escolhas deles. O que é, caramba, que aquele Fulano tem de especial? E qual será o encanto secreto da Beltrana?
Vou contar o que ela vê nele: ela vê tudo o que não conseguiu ver no próprio pai, ela vê uma serenidade rara e isso é mais importante do que o Porsche que ele não tem, ela vê que ele se emociona com pequenos gestos e se revolta com injustiças, ela vê uma pinta no ombro esquerdo que estranhamente ninguém repara, ela vê que ele faz tudo para que ela fique contente, ela vê que os olhos dele franzem na hora de ler um livro e mesmo assim o teimoso não procura um oftalmologista, ela vê que ele erra, mas quando acerta, acerta em cheio, que ele parece um lorde numa mesa de restaurante mas é desajeitado pra se vestir, ela vê que ele não dá a mínima para comportamentos padrões, ela vê que ele é um sonhador incorrigível, ela o vê chorando, ela o vê nu, ela o vê no que ele tem de invisível para todos os outros.
Agora vou contar o que ele vê nela: ele vê, sim, que o corpo dela não é nem de longe parecido com o da Daniella Cicarelli, mas vê que ela tem uma coxa roliça e uma boca que sorri mais para um lado do que para o outro, e vê que ela, do jeito que é, preenche todas as suas carências do passado, e vê que ela precisa dele e isso o faz sentir importante, e vê que ela até hoje não aprendeu a fazer um rabo-de-cavalo decente, mas faz um cafuné que deveria ser patenteado, e vê que ela boceja só de pensar na palavra bocejo e que faz parecer que é sempre primavera, de tanto que gosta de flores em casa, e ele vê que ela é tão insegura quanto ele e é humana como todos, vê que ela é livre e poderia estar com qualquer outra pessoa, mas é ao seu lado que está, e vê que ela se preocupa quando ele chega tarde e não se preocupa se ele não diz que a ama de 10 em 10 minutos, e por isso ele a ama mesmo que ninguém entenda.
A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo. Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade.
Interrompendo as Buscas
Assistindo ao ótimo ‘Closer – Perto demais’, me veio à lembrança um poema chamado “Salvação”, de Nei Duelos, que tem um verso bonito que diz: “Nenhuma pessoa é lugar de repouso”. Volta e meia esse verso me persegue, e ele caiu como uma luva para a história que eu acompanhava dentro do cinema, em que quatro pessoas relacionam-se entre si e nunca se dão por satisfeitas, seguindo sempre em busca de algo que não sabem exatamente o que é. Não há interação com outros personagens ou com as questões banais da vida. É uma egotrip que não permite avanço, que não encontra uma saída – o que é irônico, pois o maior medo dos quatro é justamente a paralisia, precisam estar sempre em movimento. Eles certamente assinariam embaixo: nenhuma pessoa é lugar de repouso.
Apesar dos diálogos divertidos, é um filme triste. Seco. Uma mirada microscópica sobre o que o terceiro milênio tem a nos oferecer: um amplo leque de opções sexuais e descompromisso total com a eternidade – nada foi feito pra durar. Quem não estiver feliz, é só fazer a mala, sair e bater a porta. Relações mais honestas, mais práticas e mais excitantes. Deveria parecer o paraíso, mas o fato é que saímos do cinema com um gosto amargo na boca.
Com o tempo, nos tornamos pessoas maduras, aprendemos a lidar com as nossas perdas e já não temos tantas ilusões. Sabemos que não iremos encontrar uma pessoa que, sozinha, consiga corresponder a 100% de nossas expectativas – sexuais, afetivas e intelectuais. Os que não se conformam com isso adotam o rodízio e aproveitam a vida. Que bom, que maravilha, então deveriam sofrer menos, não? O problema é que ninguém é tão maduro a ponto de abrir mão do que lhe restou de inocência. Ainda dói trocar o romantismo pelo ceticismo, ainda guardamos resquícios dos contos de fada. Mesmo a vida lá fora flertando descaradamente conosco,nos seduzindo com propostas tipo “leve dois, pague um”, também nos parece tentadora a idéia de contrariar o verso de Duelos e encontrar alguém que acalme nossa histeria e nos faça interromperas buscas.
Não há nada de errado em curtir a mansidão de um relacionamento que já não é apaixonante, mas que oferece em troca a benção da intimidade e do silêncio compartilhado, sem ninguém mais precisar se preocupar em mentir ou dizer a verdade. Quando se está há muitos anos com a mesma pessoa, há grande chance de ela conhecer bem você, já não é preciso ficar explicando a todo instante suas contradições, motivos, desejos. Economiza-se muito em palavras, os gestos falam por si. Quer coisa melhor do que poder ficar quieto ao lado de alguém, sem que nenhum dos dois se atrapalhe com isso?
Longas relações conseguem atravessar a fronteira doestranhamento, um vira pátria do outro. Amizade com sexo também é um jeito legítimo de se relacionar, mesmo não sendo bem encarado pelos caçadores de emoções. Não é pela ansiedade que se mede a grandeza de um sentimento. Sentar, ambos, de frente pra lua, havendo lua, ou de frente pra chuva, havendo chuva, e juntos fazerem um brinde com as taças, contenham elas vinho ou café, a isso se chama trégua. Uma relação calma entre duas pessoas que,sem se preocuparem em ser modernas ou eternas, fizeram uma daoutra seu lugar de repouso. Preguiça de voltar à ativa? Muitas vezes, é. Mas também, vá saber, pode ser amor.
Dos ficantes aos namoridos
Se você é deste século, já sabe que há duas tribos que definem o que é um relacionamento moderno.
Uma é a tribo dos ficantes. O ficante é o cara que te namora por duas horas numa festa, se não tiver se inscrito no campeonato “Quem pega mais numa única noite”, quando então ele será seu ficante por bem menos tempo — dois minutos — e irá à procura de outra para bater o próprio recorde. É natural que garotos e garotas queiram conhecer pessoas, ter uma história, um romance, uma ficada, duas ficadas, três ficadas, quatro ficadas… Esquece, não acho natural coisa nenhuma. Considero um desperdício de energia.
Pegar sete caras. Pegar nove “mina”. A gente está falando de quê, de catadores de lixo? Pegar, pega-se uma caneta, um táxi, uma gripe. Não pessoas. Pegue-e-leve, pegue-e-largue, pegueeuse, pegue-e-chute, pegue-e-conte-para-os-amigos.
Pegar, cá pra nós, é um verbo meio cafajeste. Em vez de pegar, poderíamos adotar algum outro verbo menos frio. Porque, quando duas bocas se unem, nada é assim tão frio, na maioria das vezes esse “não estou nem aí” é jogo de cena. Vão todos para a balada fingindo que deixaram o coração em casa, mas deixaram nada. Deixaram a personalidade em casa, isso sim.
No entanto, quem pode contra o avanço (???) dos costumes e contra a vulgarização do vocabulário? Falando nisso, a segunda tribo a que me referia é a dos namoridos, a palavra mais medonha que já inventaram. Trata-se de um homem híbrido, transgênico.
Em tese, ele vale mais do que um namorado e menos que um marido. Assim que a relação começa, juntam-se os trapos e parte-se para um casamento informal, sem papel passado, sem compromisso de estabilidade, sem planos de uma velhice compartilhada — namoridos não foram escolhidos para serem parceiros de artrite, reumatismo e pressão alta, era só o que faltava.
Pois então. A ideia é boa e prática. Só que o índice de príncipes e princesas virando sapo é alta, não se evita o tédio conjugal (comum a qualquer tipo de acasalamento sob o mesmo teto) e pula-se uma etapa quentíssima, a melhor que há.
Trata-se do namoro, alguns já ouviram falar. É quando cada um mora na sua casa e tem rotinas distintas e poucos horários para se encontrar, e esse pouco ganha a importância de uma celebração.
Namoro é quando não se tem certeza absoluta de nada, a cada dia um segredo é revelado, brotam informações novas de onde menos se espera. De manhã, um silêncio inquietante. À tarde, um mal-entendido. À noite, um torpedo reconciliador e uma declaração de amor.
Namoro é teste, é amostra, é ensaio, e por isso a dedicação é intensa, a sedução é ininterrupta, os minutos são contados, os meses são comemorados, a vontade de surpreender não cessa — e é a única relação que dá o devido espaço para a saudade, que é fermento e afrodisíaco. Depois de passar os dias se vendo só de vez em quando, viajar para um fim de semana juntos vira o céu na Terra: nunca uma sexta-feira nasce tão aguardada, nunca uma segunda-feira é enfrentada com tanta leveza.
Namoro é como o disco “Sgt. Peppers”, dos Beatles: parece antigo e, no entanto, não há nada mais novo e revolucionário. O poeta Carlos Drummond de Andrade também é de outro tempo e é para sempre. É ele quem encerra esta crônica, dando-nos uma ordem para a vida: “Cumpra sua obrigação de namorar, sob pena de viver apenas na aparência. De ser o seu cadáver itinerante”.
O PERMANENTE E O PROVISÓRIO
O casamento é permanente, o namoro é provisório.
O amor é permanente, a paixão é provisória.
Uma profissão é permanente, um emprego é provisório.
Um endereço é permanente, uma estada é provisória.
A arte é permanente, a tendência é provisória.
De acordo? Nem eu.
Um casamento que dura 20 anos é provisório. Não somos repetições de nós mesmos, a cada instante somos surpreendidos por novos pensamentos que nos chegam através da leitura, do cinema, da meditação. O que eu fui ontem, anteontem, já é memória. Escada vencida degrau por degrau, mas o que eu sou neste momento é o que conta, minhas decisões valem pra agora, hoje é o meu dia, nenhum outro.
Amor permanente… como a gente se agarra nesta ilusão. Pois se nem o amor pela gente mesmo resiste tanto tempo sem umas reavaliações. Por isso nos transformamos, temos sede de aprender, de nos melhorar, de deixar pra trás nossos imensuráveis erros, nossos achaques, nossos preconceitos, tudo o que fizemos achando que era certo e hoje condenamos. O amor se infiltra dentro da nós, mas seguem todos em movimento: você, o amor da sua vida e o que vocês sentem. Tudo pulsando independentemente, e passíveis de se desgarrar um do outro.
Um endereço não é pra sempre, uma profissão pode ser jogada pela janela, a amizade é fortíssima até encontrar uma desilusão ainda mais forte, a arte passa por ciclos, e se tudo isso é soberano e tem valor supremo, é porque hoje acreditamos nisso, hoje somos superiores ao passado e ao futuro, agora é que nossa crença se estabiliza, a necessidade se manifesta, a vontade se impõe – até que o tempo vire.
Faço menos planos e cultivo menos recordações. Não guardo muitos papéis, nem adianto muito o serviço. Movimento-me num espaço cujo tamanho me serve, alcanço seus limites com as mãos, é nele que me instalo e vivo com a integridade possível. Canso menos, me divirto mais, e não perco a fé por constatar o óbvio: tudo é provisório, inclusive nós.
Avec Elegance
Hoje a maioria das pessoas que têm acesso à informação sabe que é peruíce usar uma blusa de paetês às duas da tarde e que é deselegante comparecer a um casamento sem gravata. Costanza Pascolato, Gloria Kalil e Claudia Matarazzo são alguns dos jornalistas especializados em ajudar os outros a não cometerem gafes na hora de se vestir ou de se portar à mesa. Mas existe uma coisa difícil de ser ensinada e que, talvez por isso, esteja cada vez mais rara: a elegância do comportamento.
É um dom que vai muito além do uso correto dos talheres e que abrange bem mais do que dizer um simples obrigado diante de uma gentileza. É a elegância que nos acompanha da primeira hora da manhã até a hora de dormir e que se manifesta nas situações mais prosaicas, quando não há festa alguma nem fotógrafos por perto. É uma elegância desobrigada.
É possível detectá-la nas pessoas que elogiam mais do que criticam. Nas pessoas que escutam mais do que falam. E quando falam, passam longe da fofoca, das pequenas maldades ampliadas no boca a boca.
É possível detectá-la nas pessoas que não usam um tom superior de voz ao se dirigir à empregadas domésticas, garçons ou frentistas. Nas pessoas que evitam assuntos constrangedores porque não sentem prazer em humilhar os outros. É possível detectá-la em pessoas pontuais.
Elegante é quem demonstra interesse por assuntos que desconhece, é quem dá um presente sem data de aniversário por perto, é quem cumpre o que promete e, ao receber uma ligação, não recomenda à secretária que pergunte antes quem está falando e só depois manda dizer se está ou não está.
Oferecer flores é sempre elegante. É elegante não ficar espaçoso demais. É elegante não mudar seu estilo apenas para se adaptar ao de outro. É muito elegante não falar de dinheiro em bate-papos informais. É elegante retribuir carinho e solidariedade.
Sobrenome, jóias e nariz empinado não substituem a elegância do gesto. Não há livro que ensine alguém a ter uma visão generosa do mundo, a estar nele de uma forma não arrogante. Pode-se tentar capturar esta delicadeza natural através da observação, mas tentar imitá-la é improdutivo.
A saída é desenvolver em si mesmo a arte de conviver, que independe de status social: é só pedir licencinha para o nosso lado brucutu, que acha que “com amigo não tem que ter estas frescuras”. Se os amigos não merecem uma certa cordialidade, os inimigos é que não irão um dia desfrutá-la. Educação enferruja por falta de uso. E, detalhe: não é frescura.
Mas não se esqueça: assim como não se deve misturar bebidas, misturar pessoas também pode dar ressaca.
Por que você ama quem você ama?
Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não-fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo à porta.
O amor não é chegado a fazer contas, não obedece a razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo.
Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.
Então que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.
Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não tem a maior vocação para príncipe encantado, e ainda assim você não consegue despachá-lo. Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita de boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara? Não pergunte para mim.
Você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem o seu valor. É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar (ou quase). Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível. Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém. Com um currículo desse, criatura, por que diabo está sem um amor?
Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados. Não funciona assim. Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível. Honestos existem aos milhares, generosos tem às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!
Mas ninguém consegue ser do jeito do amor da sua vida!
A morte devagar
Morre lentamente quem não troca de ideias, não troca de discurso, evita as próprias contradições.
Morre lentamente quem vira escravo do hábito, repetindo todos os dias o mesmo trajeto e as mesmas compras no supermercado. Quem não troca de marca, não arrisca vestir uma cor nova, não dá papo para quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru e seu parceiro diário. Muitos não podem comprar um livro ou uma entrada de cinema, mas muitos podem, e ainda assim alienam-se diante de um tubo de imagens que traz informação e entretenimento, mas que não deveria, mesmo com apenas 14 polegadas, ocupar tanto espaço em uma vida.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o preto no branco e os pingos nos is a um turbilhão de emoções indomáveis, justamente as que resgatam brilho nos olhos, sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho, quem não se permite, uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não acha graça de si mesmo.
Morre lentamente quem destrói seu amor-próprio. Pode ser depressão, que é doença séria e requer ajuda profissional. Então fenece a cada dia quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente quem não trabalha e quem não estuda, e na maioria das vezes isso não é opção e, sim, destino: então um governo omisso pode matar lentamente uma boa parcela da população.
Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da chuva incessante, desistindo de um projeto antes de iniciá-lo, não perguntando sobre um assunto que desconhece e não respondendo quando lhe indagam o que sabe.
Morre muita gente lentamente, e esta é a morte mais ingrata e traiçoeira, pois quando ela se aproxima de verdade, aí já estamos muito destreinados para percorrer o pouco tempo restante. Que amanhã, portanto, demore muito para ser o nosso dia. Já que não podemos evitar um final repentino, que ao menos evitemos a morte em suaves prestações, lembrando sempre que estar vivo exige um esforço bem maior do que simplesmente respirar.
Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo à porta.
Fizeram a gente acreditar que amor mesmo,
amor pra valer, só acontece uma vez
acionado, nem chega com hora marcada.
Fizeram a gente acreditar que cada um de
nós é a metade de uma laranja, e que a vida
só ganha sentido quando encontramos a
outra metade.
Não contaram que já nascemos inteiros,
que ninguém em nossa vida merece carregar
nas costas a responsabilidade de completar
o que nos falta: a gente cresce através da
gente mesmo. Se estivermos em boa companhia
é só mais agradável.
Fizeram a gente acreditar que só há uma
fórmula de ser feliz, a mesma para todos,
e os que escapam dela estão condenados
à marginalidade. Não contaram que estas
fórmulas dão errado, frustram as pessoas,
são alienantes, e que podemos tentar outras
alternativas.
Cada um vai ter que descobrir sozinho.
E aí, quando você estiver muito apaixonado
por você mesmo, vai poder ser muito feliz
e se apaixonar por alguém.
PEDAÇOS DE MIM
Eu sou feito de
Sonhos interrompidos
detalhes despercebidos
amores mal resolvidos
Sou feito de
Choros sem ter razão
pessoas no coração
atos por impulsão
Sinto falta de
Lugares que não conheci
experiências que não vivi
momentos que já esqueci
Eu sou
Amor e carinho constante
distraída até o bastante
não paro por instante
Já
Tive noites maldormidas
perdi pessoas muito queridas
cumpri coisas não prometidas
Muitas vezes eu
Desisti sem mesmo tentar
pensei em fugir, para não enfrentar
sorri para não chorar
Eu sinto pelas
Coisas que não mudei
amizades que não cultivei
aqueles que eu julguei
coisas que eu falei
Tenho saudade
De pessoas que fui conhecendo
lembranças que fui esquecendo
amigos que acabei perdendo
Mas continuo vivendo e aprendendo.
Sobre humilhação
Durante uma vida a gente é capaz de sentir de tudo, são inúmeras as sensações que nos invadem, e delas a arte igualmente já se serviu com fartura. Paixão, saudades, culpa, dor-de-cotovelo, remorso, excitação, otimismo, desejo – sabemos reconhecer cada uma destas alegrias e tristezas, não há muita novidade, já vivenciamos um pouco de cada coisa, e o que não foi vivenciado foi ao menos testemunhado através de filmes, novelas, letras de música.
Há um sentimento, no entanto, que não aparece muito, não protagoniza cenas de cinema nem vira versos com freqüência, e quando a gente sente na própria pele, é como se fosse uma visita incômoda. De humilhação que falo.
Há muitas maneiras de uma pessoa se sentir humilhada. A mais comum é aquela em que alguém nos menospreza diretamente, nos reduz, nos coloca no nosso devido lugar – que lugar é este que não permite movimento, travessia?. Geralmente são opressões hierárquicas: patrão-empregado, professor-aluno, adulto-criança. Respeitamos a hierarquia, mas não engolimos a soberba alheia, e este tipo de humilhação só não causa maior estrago porque sabemos que ele é fruto da arrogância, e os arrogantes nada mais são do que pessoas com complexo de inferioridade. Humilham para não se sentirem humilhados.
Mas e quando a humilhação não é fruto da hierarquia, mas de algo muito maior e mais massacrante: o desconhecimento sobre nós mesmos? Tentamos superar uma dor antiga e não conseguimos. Procuramos ficar amigos de quem já amamos e caímos em velhas ciladas armadas pelo coração. Oferecemos nosso corpo e nosso carinho para quem já não precisa nem de um nem de outro. Motivos nobres, mas os resultados são vexatórios.
Nesses casos, não houve maldade, ninguém pretendeu nos desdenhar. Estivemos apenas enfrentando o desconhecido: nós mesmos, nossas fraquezas, nossas emoções mais escondidas, aquelas que julgávamos superadas, para sempre adormecidas, mas que de vez em quando acordam para, impiedosas, nos colocar em nosso devido lugar.
O Medo do Amor
Medo de amar? Parece absurdo, com tantos outros medos que temos que enfrentar: medo da violência, medo da inadimplência, e a não menos temida solidão, que é o que nos faz buscar relacionamentos. Mas absurdo ou não, o medo de amar se instala entre as nossas vértebras e a gente sabe por quê.
O amor, tão nobre, tão denso, tão intenso, acaba. Rasga a gente por dentro, faz um corte profundo que vai do peito até a virilha, o amor se encerra bruscamente porque de repente uma terceira pessoa surgiu ou simplesmente porque não há mais interesse ou atração, sei lá, vá saber o que interrompe um sentimento, é mistério indecifrável. Mas o amor termina, mal-agradecido, termina, e termina só de um lado, nunca se encerra em dois corações ao mesmo tempo, desacelera um antes do outro, e vai um pouco de dor pra cada canto. Dói em quem tomou a iniciativa de romper, porque romper não é fácil, quebrar rotinas é sempre traumático. Além do amor existe a amizade que permanece e a presença com que se acostuma, romper um amor não é bobagem, é fato de grande responsabilidade, é uma ferida que se abre no corpo do outro, no afeto do outro, e em si próprio, ainda que com menos gravidade.
E ter o amor rejeitado, nem se fala, é fratura exposta, definhamos em público, encolhemos a alma, quase desejamos uma violência qualquer vinda da rua para esquecermos dessa violência vinda do tempo gasto e vivido, esse assalto em que nos roubaram tudo, o amor e o que vem com ele, confiança e estabilidade. Sem o amor, nada resta, a crença se desfaz, o romantismo perde o sentido, músicas idiotas nos fazem chorar dentro do carro.
Passa a dor do amor, vem a trégua, o coração limpo de novo, os olhos novamente secos, a boca vazia. Nada de bom está acontecendo, mas também nada de ruim. Um novo amor? Nem pensar. Medo, respondemos.
Que corajosos somos nós, que apesar de um medo tão justificado, amamos outra vez e todas as vezes que o amor nos chama, fingindo um pouco de resistência mas sabendo que para sempre é impossível recusá-lo.
Desconstruções
Quando a gente conhece uma pessoa, construímos uma imagem dela. Esta imagem tem a ver com o que ela é de verdade, tem a ver com as nossas expectativas e tem muito a ver com o que ela “vende” de si mesma. É pelo resultado disso tudo que nos apaixonamos. Se esta pessoa for bem parecida com a imagem que projetou em nós, desfazer-se deste amor, mais tarde, não será tão penoso. Restará a saudade, talvez uma pequena mágoa, mas nada que resista por muito tempo. No final, sobreviverão as boas lembranças. Mas se esta pessoa “inventou” um personagem e você caiu na arapuca, aí, somado à dor da separação, virá um processo mais lento e sofrido: a de desconstrução daquela pessoa que você achou que era real.
Desconstruindo Flávia, desconstruindo Gilson, desconstruindo Marcelo. Milhares de pessoas estão vivendo seus dias aparentemente numa boa, mas por dentro estão desconstruindo ilusões, tudo porque se apaixonaram por uma fraude, não por alguém autêntico. Ok, é natural que, numa aproximação, a gente “venda” mais nossas qualidades que defeitos. Ninguém vai iniciar uma história dizendo: muito prazer, eu sou arrogante, preguiçoso e cleptomaníaco. Nada disso, é a hora de fazer charme. Mas isso é no começo. Uma vez o romance engatado, aí as defesas são postas de lado e a gente mostra quem realmente é, nossas gracinhas e nossas imperfeições. Isso se formos honestos. Os desonestos do amor são aqueles que fabricam idéias e atitudes, até que um dia cansam da brincadeira, deixam cair a máscara e o outro fica ali, atônito.
Quem se apaixonou por um falsário, tem que desconstruí-lo para se desapaixonar. É um sufoco. Exige que você reconheça que foi seduzido por uma fantasia, que você é capaz de se deixar confundir, que o seu desejo de amar é mais forte do que sua astúcia. Significa encarar que alguém por quem você dedicou um sentimento nobre e verdadeiro não chegou a existir, tudo não passou de uma representação – e olha, talvez até não tenha sido por mal, pode ser que esta pessoa nem conheça a si mesma, por isso ela se inventa.
A gente resiste muito a aceitar que alguém que amamos não é, e nem nunca foi, especial. Que sorte quando a gente sabe com quem está lidando: mesmo que venha a desamá-lo um dia, tudo o que foi construído se manterá de pé.
NÃO DESISTA NUNCA
Se você não acreditar naquilo que você é capaz de fazer; quem vai acreditar?
Dizer que existe uma idade certa, tempo certo, local certo, não existe.
Somente quando você estiver convicto daquilo que deseja e esta convicção fizer parte integrante do processo.
Mas quando ocorre este momento? Imagine uma ponte sobre um rio.
Você está em uma margem e seu objetivo está na outra.
Você pensa, raciocina, acredita que a sua realização está lá.
Você atravessa a ponte, abraça o objetivo e não olha para traz.
Estoura a sua ponte.
Pode ser que tenha até dificuldades, mas se você realmente acredita que pode realizá-lo, não perca tempo: vá e faça.
Agora, se você simplesmente não quer ficar nesta margem e não tem um objetivo definido, no momento do estouro, você estará exatamente no meio da ponte.
Já viu alguém no meio de uma ponte na hora da explosão… eu também não.
Realmente não é simples.
Quando você visualizar o seu objetivo e criar a coragem suficiente em realizá-lo, tenha em mente que para a sua concretização, alguns detalhes deverão estar bem claros na cabeça ou seja, facilidades e dificuldades aparecerão, mas se realmente acredita que pode fazer, os incômodos desaparecerão.
É só não se desesperar.
Seja no mínimo um pouco paciente.
Pois é, as diferenças básicas entre os três momentos são:
ESTOURAR A PONTE ANTES DE ATRAVESSÁ-LA Você começou a sonhar… sonhar… sonhar! De repente, sentiu-se estimulado a querer ou gozar de algo melhor.
Entretanto, dentro de sua avaliação, começa a perceber que fatores que fogem ao seu controle, não permitem que suas habilidades e competências o realize.
Pergunto, vale a pena insistir?
Para ficar mais tangível, imaginemos que uma pessoa sonhe viver ou visitar a lua, mas as perspectivas do agora não o permitem, adianta ficar sonhando ou traçando este objetivo?
Para que você não fique no mundo da lua, meio maluquinho, estoure a sua ponte antes de atravessá-la, rompa com este objetivo e parta para outros sonhos! ESTOURAR A PONTE NO MOMENTO DE ATRAVESSÁ-LA Acredito que tenha ficado claro, mas cabe o reforço.
O fato de você desejar não ficar numa situação desagradável é válido, entretanto você não saber o que é mais agradável, já não o é! Ou seja, a falta de perspectiva nem explorada em pensamento, não leva a lugar algum. Você tem a obrigação consciencional de criar alternativas melhores.
Nos dias de hoje, não podemos nos dar ao luxo de sair sem destino.
O nosso futuro não é responsabilidade de outrem, nós é que construímos o nosso futuro. Sem desculpas, pode começar…
ESTOURAR A PONTE DEPOIS DE ATRAVESSÁ-LA.
No início comentei sobre as pessoas que realizaram o sucesso e outras que não tiveram a mesma sorte.
Em primeiro lugar, acredito que temos de definir o que é sucesso.
Sou pelas coisas simples, sucesso é gostar do que faz e fazer o que gosta.
Tentamos nos moldar em uma cultura de determinados valores, onde o sucesso é medido pela posse de coisas, mas é muito mesquinho você ter e não desfrutar daquilo que realmente deseja.
As pessoas que realizaram a oportunidade de estourar as suas pontes de modo adequado e consistente, não só imaginaram, atravessaram e encontraram os objetivos do outro lado.
Os objetivos a serem perseguidos, foram construídos dentro de uma visão clara do que se queria alcançar, em tempo suficiente, de modo adequado, através de fatores pessoais ou impessoais, facilitadores ou não, enfim o grau de comprometimento utilizado para a sua concretização.
A visão sem ação, não passa de um sonho.
A ação sem visão é só um passatempo.
A visão com ação pode mudar o mundo.
Perguntas
Quantas vezes você andava na rua e sentiu um perfume e lembrou de alguém que gosta muito?
Quantas vezes você olhou para uma paisagem em uma foto, e não se imaginou lá com alguém…
Quantas vezes você estava do lado de alguém, e sua cabeça não estava ali?
Alguma vez você já se arrependeu de algo que falou dois segundos depois de ter falado?
Você deve ter visto que aquele filme, que vocês dois viram juntos no cinema, vai passar na TV…
E você gelou porque o bom daquele momento já passou…
E aquela música que você não gosta de ouvir porque lembra algo ou alguém que você quer esquecer, mas não consegue?
Não teve aquele dia em que tudo deu errado, mas que no finzinho aconteceu algo maravilhoso?
E aquele dia em que tudo deu certo, exceto pelo final que estragou tudo?
Você já chorou por que lembrou de alguém que amava e não pôde dizer isso para essa pessoa?
Você já reencontrou um grande amor do passado e viu que ele mudou?
Para essas perguntas existem muitas respostas…
Mas o importante sobre elas não é a resposta em si…
Mas sim o sentimento…
Todos nós amamos, erramos ou julgamos mal…
Todos nós já fizemos uma coisa quando o coração mandava fazer outra…
Então, qual a moral disso tudo?
Nem tudo sai como planejamos portanto, uma coisa é certa…
Não continue pensando em suas fraquezas e erros, faça tudo que puder para ser feliz hoje!
Não deite com mágoas no coração.
Não durma sem ao menos fazer uma pessoa feliz!
E comece com você mesmo!
A Voz Do Silêncio
Paula Taitelbaum é uma poeta gaúcha que acaba de lançar seu segundo livro, Sem Vergonha, onde encontrei um poema com apenas dois versos que diz assim: “Pior do que uma voz que cala/É um silêncio que fala”.
Simples. Rápido. E quanta força. Imediatamente me veio a cabeça situações em que o silêncio me disse verdades terríveis, pois você sabe, o silêncio não é dado a amenidades.
Um telefone mudo. Um e-mail que não chega. Um encontro onde nenhum dos dois abre a boca. Silêncios que falam sobre desinteresse, esquecimento, recusas. Quantas coisas são ditas na quietude, depois de uma discussão. O perdão não vem, nem um beijo, nem uma gargalhada para acabar com o clima de tensão. Só ele permanece imutável, o silêncio, a ante-sala do fim.
É mil vezes preferível uma voz que diga coisas que a gente não quer ouvir, pois ao menos as palavras que são ditas indicam uma tentativa de entendimento. Cordas vocais em funcionamento articulam argumentos, expõem suas queixas, jogam limpo. Já o silêncio arquiteta planos que não são compartilhados. Quando nada é dito, nada fica combinado.
Quantas vezes, numa discussão histérica, ouvimos um dos dois gritar: “diz alguma coisa, diz que não me ama mais, mas não fica aí parado me olhando”. É o silêncio de um mandando más notícias para o desespero do outro.
É claro que há muitas situações em que o silêncio é bem-vindo. Para um cara que trabalha com uma britadeira na rua, o silêncio é um bálsamo. Para a professora de uma creche, o silêncio é um presente. Para os seguranças dos shows do Sepultura, o silêncio é uma megasena. Mesmo no amor, quando a relação é sólida e madura, o silêncio a dois não incomoda, pois é o silêncio da paz. O único silêncio que perturba é aquele que fala. E fala alto. É quando ninguém bate a nossa porta, não há recados na secretária eletrônica e mesmo assim você entende a mensagem.
Por que as pessoas entram na sua vida?
Pessoas entram na sua vida por uma “razão”, uma “estação” ou uma “vida inteira”. Quando você percebe qual deles é, você vai saber o que fazer por cada pessoa.
Quando alguém está em sua vida por uma “razão” é, geralmente, para suprir uma necessidade que você demonstrou. Elas vêm para auxiliá-lo numa dificuldade, te fornecer orientação e apoio, ajudá-lo física, emocional ou espiritualmente. Elas poderão parecer como uma dádiva de Deus e são! Elas estão lá pela razão que você precisa que eles estejam lá. Então, sem nenhuma atitude errada de sua parte, ou em uma hora inconveniente, esta pessoa vai dizer ou fazer alguma coisa para levar essa relação a um fim. Às vezes, essas pessoas morrem. Às vezes, eles simplesmente se vão. Às vezes, eles agem e te forçam a tomar uma posição. O que devemos entender é que nossas necessidades foram atendidas, nossos desejos preenchidos e o trabalho delas, feito. As suas orações foram atendidas. E agora é tempo de ir.
Quando pessoas entram em nossas vidas por uma “estação” é porque chegou sua vez de dividir, crescer e aprender. Elas trazem para você a experiência da paz, ou fazem você rir. Elas poderão ensiná-lo algo que você nunca fez. Elas, geralmente, te dão uma quantidade enorme de prazer. Acredite! É real! Mas somente por uma “estação”.
Relacionamentos de uma “vida inteira” te ensinam lições para a vida inteira: coisas que você deve construir para ter uma formação emocional sólida. Sua tarefa é aceitar a lição, amar a pessoa, e colocar o que você aprendeu em uso em todos os outros relacionamentos e áreas de sua vida. É dito que o amor é cego, mas a amizade é clarividente. Obrigado por ser parte da minha vida.
Pare aqui e simplesmente sorria!
O maior risco da vida é não fazer nada.
A DESPEDIDA DO AMOR
Existe duas dores de amor. A primeira é quando a relação termina e a gente, seguindo amando, tem que se acostumar com a ausência do outro, com a sensação de rejeição e com a falta de perspectiva, já que ainda estamos tão envolvidos que não conseguimos ver luz no fim do túnel.
A segunda dor é quando começamos a vislumbrar a luz no fim do túnel.
Você deve achar que eu bebi. Se a luz está sendo vista, adeus dor, não seria assim? Mais ou menos. Há, como falei, duas dores. A mais dilacerante é a dor física da falta de beijos e abraços, a dor de virar desimportante para o ser amado. Mas quando esta dor passa, começamos um outro ritual de despedida: a dor de abandonar o amor que sentíamos. A dor de esvaziar o coração, de remover a saudade, de ficar livre, sem sentimento especial por ninguém. Dói também.
Na verdade, ficamos apegados ao amor tanto quanto à pessoa que o gerou. Muitas pessoas reclamam por não conseguir se desprender de alguém. É que, sem se darem conta, não querem se desprender. Aquele amor, mesmo não retribuído, tornou-se um suvenir de uma época bonita que foi vivida, passou a ser um bem de valor inestimável, é uma sensação com a qual a gente se apega. Faz parte de nós. Queremos, logicamente, voltar a ser alegres e disponíveis, mas para isso é preciso abrir mão de algo que nos foi caro por muito tempo, que de certa maneira entranhou-se na gente e que só com muito esforço é possível alforriar.
É uma dor mais amena, quase imperceptível. Talvez, por isso, costuma durar mais do que a dor-de-cotovelo propriamente dita. É uma dor que nos confunde. Parece ser aquela mesma dor primeira, mas já é outra. A pessoa que nos deixou já não nos interessa mais, mas interessa o amor que sentíamos por ela, aquele amor que nos justificava como seres humanos, que nos colocava dentro das estatísticas: eu amo, logo existo.
Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente.
Obrigada por insistir.
Até o mais seguro dos homens e a mais confiante das mulheres já passaram por um momento de hesitação, por dúvidas enormes e dúvidas mirins, que talvez nem merecessem ser chamadas de dúvidas, de tão pequenas.
Vacilos, seria melhor dizer. Devo ir a este jantar, mesmo sabendo que a dona da casa não me conhece bem? Será que tiro o dinheiro do banco e invisto nesta loucura? Devo mandar um e-mail pedindo desculpas pela minha negligência? Nesta hora, precisamos de um empurrãozinho. E é aos empurradores que dedico esta crônica, a todos aqueles que testemunham os titubeios alheios e dizem: vá em frente!
“Obrigada por insistir para que eu pintasse, que eu escrevesse, que eu atuasse, obrigada por perceber em mim um talento que minha autocrítica jamais permitiria que se desenvolvesse.”
“Obrigada por insistir para que eu fosse visitar meu pai no hospital, eu não me perdoaria se não o tivesse visto e falado com ele uma última vez, eu não teria ido se continuasse sendo regida apenas pela minha teimosia e orgulho.”
“Obrigada por insistir para que eu conhecesse Veneza, do contrário eu ficaria para sempre fugindo de lugares turísticos e me considerando muito esperta, e com isso teria deixado de conhecer a cidade mais surreal e encantadora que meus olhos já viram.”
“Obrigada por insistir para que eu fizesse o exame, para que eu não fosse covarde diante das minhas fragilidades, só assim pude descobrir o que trago no corpo para tratá-lo a tempo. Não fosse por você, eu teria deixado este caroço crescer no meu pescoço e me engolir com medo e tudo.”
“Obrigada por insistir para eu voltar pra você, para eu deixar de ser adolescente e aceitar uma vida a dois, uma família, uma serenidade que eu não suspeitava. Eu não sabia que amava tanto você e que havia lhe dado boas pistas sobre isso, como é que você soube antes de mim?”
“Obrigada por insistir para que eu deixasse você, para que eu fosse seguir minha vida, obrigada pela sua confiança de que seríamos melhores amigos do que amantes, eu estava presa a uma condição social que eu pensava que me favorecia, mas nada me favorece mais do que esta liberdade para a qual você, que me conhece melhor do que eu mesma, apresentou-me como saída.”
“Obrigada por insistir para que eu não fosse àquela festa, eu não teria aguentado ver os dois juntos, eu não teria aturado, eu não evitaria outro escândalo, obrigada por ficar segurando minha mão e ter trancado minha porta.”
“Obrigada por insistir para eu cortar o cabelo, obrigada por insistir para eu dançar com você, obrigada por insistir para eu voltar a estudar, obrigada por insistir para eu não tirar o bebê, obrigada por insistir para eu fazer aquele teste, obrigada por insistir para eu me tratar.”
Em tempos em que quase ninguém se olha nos olhos, em que a maioria das pessoas pouco se interessa pelo que não lhe diz respeito, só mesmo agradecendo àqueles que percebem nossas descrenças, indecisões, suspeitas, tudo o que nos paralisa, e gastam um pouco da sua energia conosco, insistindo.
VOCÊ É
Você é os brinquedos que brincou, as gírias que usava, você é os nervos à flor da pele no vestibular, os segredos que guardou, você é sua praia preferida, Garopaba, Maresias, Ipanema, você é o renascido depois do acidente que escapou, aquele amor atordoado que viveu, a conversa séria que teve um dia com seu pai, você é o que você lembra.
Você é a saudade que sente da sua mãe, o sonho desfeito quase no altar, a infância que você recorda, a dor de não ter dado certo, de não ter falado na hora, você é aquilo que foi amputado no passado, a emoção de um trecho de livro, a cena de rua que lhe arrancou lágrimas, você é o que você chora.
Você é o abraço inesperado, a força dada para o amigo que precisa, você é o pêlo do braço que eriça, a sensibilidade que grita, o carinho que permuta, você é as palavras ditas para ajudar, os gritos destrancados da garganta, os pedaços que junta, você é o orgasmo, a gargalhada, o beijo, você é o que você desnuda.
Você é a raiva de não ter alcançado, a impotência de não conseguir mudar, você é o desprezo pelo o que os outros mentem, o desapontamento com o governo, o ódio que tudo isso dá, você é aquele que rema, que cansado não desiste, você é a indignação com o lixo jogado do carro, a ardência da revolta, você é o que você queima.
Você é aquilo que reinvidica, o que consegue gerar através da sua verdade e da sua luta, você é os direitos que tem, os deveres que se obriga, você é a estrada por onde corre atrás, serpenteia, atalha, busca, você é o que você pleiteia.
Você não é só o que come e o que veste. Você é o que você requer, recruta, rabisca, traga, goza e lê. Você é o que ninguém vê.
Tenho juízo, mas não faço tudo certo, afinal, todo paraíso precisa de um pouco de inferno!
Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Sou uma mulher madura
Que às vezes anda de balanço
Sou uma criança insegura
Que às vezes usa salto alto
Sou uma mulher que balança
Sou uma criança que atura
Desejo que desejes
Eu desejo que desejes ser feliz de um modo possível e rápido, desejo que desejes uma via expressa rumo a realizações não utópicas, mas viáveis, que desejes coisas simples como um suco gelado depois de correr ou um abraço ao chegar em casa, desejo que desejes com discernimento e com alvos bem mirados.
Mas desejo também que desejes com audácia, que desejes uns sonhos descabidos e que ao sabê-los impossíveis não os leve em grande consideração, mas os mantenha acesos, livres de frustração, desejes com fantasia e atrevimento, estando alerta para as casualidades e os milagres, para o imponderável da vida, onde os desejos secretos são atendidos.
Desejo que desejes trabalhar melhor, que desejes amar com menos amarras, que desejes parar de fumar, que desejes viajar para bem longe e desejes voltar para teu canto, desejo que desejes crescer e que desejes o choro e o silêncio, através deles somos puxados pra dentro, eu desejo que desejes ter a coragem de se enxergar mais nitidamente.
Mas desejo também que desejes uma alegria incontida, que desejes mais amigos, e nem precisam ser melhores amigos, basta que sejam bons parceiros de esporte e de mesas de bar, que desejes o bar tanto quanto a igreja, mas que o desejo pelo encontro seja sincero, que desejes escutar as histórias dos outros, que desejes acreditar nelas e desacreditar também, faz parte este ir-e-vir de certezas e incertezas, que desejes não ter tantos desejos concretos, que o desejo maior seja a convivência pacífica com outros que desejam outras coisas.
Desejo que desejes alguma mudança, uma mudança que seja necessária e que ela não te pese na alma, mudanças são temidas, mas não há outro combustível para essa travessia. Desejo que desejes um ano inteiro de muitos meses bem fechados, que nada fique por fazer, e desejo, principalmente, que desejes desejar, que te permitas desejar, pois o desejo é vigoroso e gratuito, o desejo é inocente, não reprima teus pedidos ocultos, desejo que desejes vitórias, romances, diagnósticos favoráveis, mais dinheiro e sentimentos vários, mas desejo, antes de tudo, que desejes, simplesmente.
EU TE AMO… NÃO DIZ TUDO!
Você sabe que é amado(a) porque lhe disseram isso?
A demonstração de amor requer mais do que beijos, sexo e palavras.
Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida.
Que zela pela sua felicidade,
Que se preocupa quando as coisas não estão dando certo.
Que se coloca a postos para ouvir suas dúvidas,
E que dá uma sacudida em você quando for preciso.
Ser amado é ver que ele(a) lembra de coisas que você contou dois anos atrás.
É ver como ele(a) fica triste quando você está triste,
E como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo uma tempestade em copo d’água.
Sente-se amado aquele que não vê transformada a mágoa em munição na hora da discussão.
Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente inteiro.
Aquele que sabe que tudo pode ser dito e compreendido.
Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é,
Sem inventar um personagem para a relação,
Pois, personagem nenhum se sustenta muito tempo.
Sente-se amado quem não ofega, mas suspira;
Quem não levanta a voz, mas fala;
Quem não concorda, mas escuta.
Agora, sente-se e escute: eu te amo não diz tudo!
“Trabalhe como se você não precisasse do dinheiro,
Ame como se você nunca tivesse sido magoado e dance como
se ninguém estivesse te observando.”
“O maior risco da vida é não fazer NADA.”
BEIJAR BEM
Ok: a gente quer encontrar alguém bonito, inteligente e espirituoso, alguém que não seja muito exibido nem vaidoso demais, que tenha um papo cativante e esteja parado na nossa. Mas e se beijar mal? Sem chance. Tem que beijar bem, tanto eles quanto elas.
Quando escuto alguém dizendo que Fulano beija bem e Sicrano beija mal, quase volto a acreditar em histórias da carochinha. Beijo é a sorte de duas bocas entrarem em comunhão. Pode um Rafael beijar uma Ana e ser uma explosão vulcânica, e o mesmo Rafael beijar uma Cristina e ser um encontro labial de dar sono. Pessoas não beijam bem ou mal: casais se beijam bem ou mal. Há sempre dois envolvidos.
A definição de um beijo bom é que pode ser questionável, mas quem está no meio do entrevero quase sempre reconhece o ósculo sublime.
Beijo bom é beijo decidido, mesmo que a decisão seja levá-lo devagar ao longe.
Beijo bom é beijo molhado, em que os beijadores doam tudo o que há para doar na cavidade bucal, sem assepsia, entrega absoluta.
Beijo bom é beijo sem pressa, que não foi condenado pelos ponteiros do relógio, que se perde em labirintos escuros já que, é bom lembrar, estamos de olhos fechados.
Beijo bom é beijo que você não consegue interromper nem que quisesse.
Beijo bom é beijo que não permite que seu pensamento tome forma e voe para outro lugar.
E, por fim, beijo bom é o beijo que está sendo dado na pessoa por quem você é completamente apaixonada.
Existe beijo ruim? Existe. Beijo sem alma, beijo educado demais, beijo cheio de cuidados, beijo curto, beijo seco. Mas uma coisa é certa: precisa dois para torná-lo frio ou torná-lo quente. Todo mundo pode beijar bem, basta nossa boca encontrar com quem.
Sorte e escolhas bem feitas
Pessoas consideradas inteligentes dizem que a felicidade é uma idiotice, que pessoas felizes não se deprimem, não têm vida interior, não questionam nada, são uns bobos alegres, enfim, que a felicidade anestesia o cérebro.
Eu acho justamente o contrário: cultivar a infelicidade é que é uma burrice. O que não falta nessa vida é gente sofrendo pelos mais diversos motivos: ganham mal, não têm um amor, padecem de alguma doença, sei lá, cada um sabe o que lhe dói. Todos trazem uns machucados de estimação, você e eu inclusive. No que me diz respeito, dedico a meus machucados um bom tempo de reflexão, mas não vou fechar a cara, entornar uma garrafa de uísque e me considerar uma grande intelectual só porque reflito sobre a miséria humana. Eu reflito sobre a miséria humana e sou muito feliz, e salve a contradição.
Felicidade depende basicamente de duas coisas: sorte e escolhas bem feitas. Tem que ter a sorte de nascer numa família bacana, sorte de ter pais que incentivem a leitura e o esporte, sorte de eles poderem pagar os estudos pra você, sorte por ter saúde. Até aí, conta-se com a providência divina. O resto não é mais da conta do destino: depende das suas escolhas.
Os amigos que você faz, se optou por ser honesto ou ser malandro, se valoriza mais a grana do que a sua paz de espírito, se costuma correr atrás ou desistir dos seus projetos, se nas suas relações afetivas você prioriza a beleza ou as afinidades, se reconhece os momentos de dividir e de silenciar, se sabe a hora de trocar de emprego, se sai do país ou fica, se perdoa seu pai ou preserva a mágoa pro resto da vida, esse tipo de coisa.
A gente é a soma das nossas decisões, todo mundo sabe. Tem gente que é infeliz porque tem um câncer. E outros são infelizes porque cultivam uma preguiça existencial. Os que têm câncer não têm sorte. Mas os outros, sim, têm a sorte de optar. E estes só continuam infelizes se assim escolherem.
O jeito deles
O que é que faz a gente se apaixonar por alguém? Mistério misterioso. Não é só porque ele é esportista, não é só porque ela é linda, pois há esportistas sem cérebro e lindas idem, e você, que tem um, não vai querer saber de descerebrados. Mas também não basta ser inteligente, por mais que a inteligência esteja bem cotada no mercado. Tem que ser inteligente e… algo mais. O que é este algo mais? Mistério decifrado: é o jeito.
A gente se apaixona pelo jeito da pessoa. Não é porque ele cita Camões, não é porque ela tem olhos azuis: é o jeito dele de dizer versos em voz alta como se ele mesmo os tivesse escrito pra nós; é o jeito dela de piscar demorado seus lindos olhos azuis, como se estivesse em câmera lenta.
O jeito de caminhar. O jeito de usar a camisa pra fora das calças. O jeito de passar a mão no cabelo. O jeito de suspirar no final das frases. O jeito de beijar. O jeito de sorrir. Vá tentar explicar isso.
Pelo meu primeiro namorado, me apaixonei porque ele tinha um jeito de estar nas festas parecendo que não estava, era como se só eu o estivesse enxergando. O segundo namorado me fisgou porque tinha um jeito de morder palitos de fósforo que me deixava louca – ok, pode rir. Ele era um cara sofisticado, e por isso mesmo eu vibrava quando baixava nele um caminhoneiro. O terceiro namorado tinha um jeito de olhar que parecia que despia a gente: não as roupas da gente, mas a alma da gente. Logo vi que eu jamais conseguiria esconder algum segredo dele, era como se ele me conhecesse antes mesmo de eu nascer. Por precaução, resolvi casar com o sujeito e mantê-lo por perto.
E teve aqueles que não viraram namorados também por causa do jeito: do jeito vulgar de falar, do jeito de rir – sempre alto demais e por coisas totalmente sem graça –, do jeito rude de tratar os garçons, do jeito mauricinho de se vestir: nunca um desleixo, sempre engomado e perfumado, até na beira da praia. Nenhum defeito nisso. Pode até ser que eu tenha perdido os caras mais sensacionais do universo.
Mas o cara mais sensacional do universo e a mulher mais fantástica do planeta nunca irão conquistar você, a não ser que tenham um jeito de ser que você não consiga explicar. Porque esses jeitos que nos encantam não se explicam mesmo.
De cara lavada – 177
hoje me desfiz dos meus bens
vendi o sofá cujo tecido desenhei
e a mesa de jantar onde fizemos planos
o quadro que fica atrás do bar
rifei junto com algumas quinquilharias
da época em que nos juntamos
a tevê e o aparelho de som
foram adquiridos pela vizinha
testemunha do quanto erramos
a cama doei para um asilo
sem olhar pra trás e lembrar
do que ali inventamos
aquele cinzeiro de cobre
foi de brinde com os cristais
e as plantas que não regamos
coube tudo num caminhão de mudança
até a dor que não soubemos curar
mas que um dia vamos
É NAMORO OU AMIZADE?
Coragem, confesse: você assiste ao programa Em nome do amor do Silvio Santos, domingos à tarde. É aquele programa onde garotas e rapazes que nunca se viram mais gordos tiram uns aos outros para dançar ao som de Julio Iglesias, enquanto aproveitam para trocar três palavras. No final da música, Silvio pergunta para cada casal: é namoro ou amizade? Se a menina responder amizade, volta para o banco de reservas. Se responder namoro, ganha um buquê de flores e sai de mãos dadas com um amor novinho em folha. Já pensou que paraíso se fosse fácil assim?
Você está no bar da faculdade tomando um suco quando surge aquele colega que é um gato e que só faz uma cadeira nas quintas. Ele vem na sua direção e sorri. É seu dia de sorte. Está cada vez mais perto. Finalmente chega e lhe entrega um minidicionário Aurélio. “Você deixou cair ali fora”. Antes que você consiga dizer obrigada, ele dá meia-volta, mas não consegue dar um passo. Silvio Santos está de microfone na mão interrompendo a fuga: é namoro ou amizade? “Namoro”, responde você. A platéia do bar aplaude, você segura a mão do cara e não larga nunca mais.
Você está de bobeira no posto de gasolina, sábado à noite, encostado num Kadett. Sua cerveja está ficando quente e você não tem mais um tostão no bolso. Olha para o relógio: hora de saltar fora. Nisso surge uma clone da Cameron Diaz e pede licença para sair com o carro. Você desencosta. “Está bem cuidado, princesa”, diz naquele seu jeito cafajeste. Ela entra, tenta arrancar mas quase atropela Silvio Santos, que surge não se sabe de onde, perguntando à queima-roupa: é namoro ou amizade? “Namoro”, responde você entrando no Kadett da loira. Arranjou uma carona e uma paixão.
Você é divorciada e não é uma ninfeta: quase já esqueceu para que serve um homem. Está no cinema sozinha, pra variar. Nisso entra um cinquentão boa pinta, sem aliança no dedo. Senta quase ao seu lado, apenas uma poltrona os separam. As luzes ainda estão acesas e na fila da frente três retardadas não páram de rir e de fazer barulho com o papel de bala. O bacana olha pra você e diz: “Espero que, quando o filme iniciar, esse frege termine”. Ele fala frege, como você. Feitos um para o outro. Nisso Silvio Santos materializa-se na poltrona do meio e lasca: “É namoro ou amizade?” Você agarra o microfone: “Namoro”. Silvio sai de fininho, você pula para a cadeira do lado e assiste todo o filme com a cabecinha apoiada no ombro do tipão.
Ou você põe a imaginação pra funcionar ou se inscreve no Em nome do amor. Mas vai ter que agüentar o Julio Iglesias.
CASAMENTO NA IGREJA
Tem gente que acha careta, tem gente que acha um luxo. A verdade é que ninguém é indiferente a uma cerimônia de casamento realizada na igreja, com direito a tapete vermelho, marcha nupcial, véu e grinalda. A maioria das garotas sonha com esse momento, o de ser entregue ao noivo pelas mãos do pai e de vestido branco, mesmo que essa simbologia tenha perdido o significado. Os futuros cônjuges podem estar dividindo o mesmo teto há meses e até ter um filhinho, quem se importa? A verdade é que casamento na igreja é um rito de passagem, um momento de bênção e de satisfação à família, aos amigos e à sociedade. O amor pode prescindir desse ritual todo, mas um pouco de pompa e circunstância não faz mal a ninguém.
Já que o casal optou pelo sacramento do matrimônio e quer fazê-lo diante de Deus, o mais seguro é não inovar. Nada de entrar na igreja sob os acordes da trilha sonora do Titanic, casar de vermelho e decorar a igreja com cactus. Você não está numa passarela do Dolce & Gabanna, está na capelinha da sua paróquia: Mendelssohn, velas, copos-de-leite e uma boa Ave-Maria na saída, quer coisa mais chique e inatacável?
Se eu tivesse casado na igreja seria a mais convencional das noivas. Só uma coisa eu tentaria mudar, ainda que levasse um sonoro não: o sermão do padre. “Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até os fins dos seus dias?” Nossa, não é tempo demais? Bonito, mas dramático. Os noivos saem da igreja com uma argola de ouro no dedo e uma bola de chumbo nos pés. Seria mais alegre e romântico um discurso assim:
Ela: “Prometo nunca sair da cama sem antes dar bom-dia, deixar você ver os jogos de futebol na tevê sem reclamar, ter paciência para ouvir você falar dos problemas do escritório, ter arroz e feijão todo dia no cardápio, acompanhar você nas caminhadas matinais de sábado, deixá-lo em silêncio quando estiver de mau humor, dançar só pra você, fazer massagens quando você estiver cansado, rir das suas piadas, apoiá-lo nas suas decisões e tirar o batom antes ser beijada”.
Ele: “Prometo deixar você sentar na janelinha do avião, emprestar aquele blusão que você adora, não reclamar quando você ficar quarenta minutos no telefone com uma amiga, provar a comida tailandesa que você preparou, abrir um champanhe no final de tarde de domingo, assistir junto o capítulo final da novela, ouvir seus argumentos, respeitar sua sensibilidade, não ter vergonha de chorar na sua frente, dividir vitórias e derrotas e passar todos os Natais do seu lado”.
Sim, sim, sim!!!
ENTRE AMIGOS
Para que serve um amigo? Para rachar a gasolina, emprestar a prancha, recomendar um disco, dar carona pra festa, passar cola, caminhar no shopping, segurar a barra. Todas as alternativas estão corretas, porém isso não basta para guardar um amigo do lado esquerdo do peito.
Milan Kundera, escritor tcheco, escreveu em seu último livro, “A Identidade”, que a amizade é indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do próprio eu. Chama os amigos de testemunhas do passado e diz que eles são nosso espelho, que através deles podemos nos olhar. Vai além: diz que toda amizade é uma aliança contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria desarmado contra seus inimigos.
Verdade verdadeira. Amigos recentes custam a perceber essa aliança, não valorizam ainda o que está sendo construído. São amizades não testadas pelo tempo, não se sabe se enfrentarão com solidez as tempestades ou se serão varridos numa chuva de verão. Veremos.
Um amigo não racha apenas a gasolina: racha lembranças, crises de choro, experiências. Racha a culpa, racha segredos.
Um amigo não empresta apenas a prancha. Empresta o verbo, empresta o ombro, empresta o tempo, empresta o calor e a jaqueta.
Um amigo não recomenda apenas um disco. Recomenda cautela, recomenda um emprego, recomenda um país.
Um amigo não dá carona apenas pra festa. Te leva pro mundo dele, e topa conhecer o teu.
Um amigo não passa apenas cola. Passa contigo um aperto, passa junto o réveillon.
Um amigo não caminha apenas no shopping. Anda em silêncio na dor, entra contigo em campo, sai do fracasso ao teu lado.
Um amigo não segura a barra, apenas. Segura a mão, a ausência, segura uma confissão, segura o tranco, o palavrão, segura o elevador.
Duas dúzias de amigos assim ninguém tem. Se tiver um, amém.
FEIOS PORÉM LINDOS
“As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”. Era um poeta maravilhoso, esse Vinicius de Moraes, mas deixou imortalizada uma frase que jamais sairia da boca de uma mulher. Aos feios, as mulheres dão boas vindas, desde que por trás do olho que não é azul e do corpo que não é atlético haja bom humor, inteligência e sex appeal.
Nunca veremos Brad Pitt e George Clooney namorando feinhas, mas já vimos Julia Roberts casar com Lyle Lovatt, um músico que tinha o rosto decorados com crateras, e a estonteante Sharon Stone desfilar com baixinhos barrigudos até contrair matrimônio com um senhor que mais parece um boneco de cêra. Há quem defenda a idéia de que mulheres casam com qualquer um, desde que tenha poder ou dinheiro. Poucas. Não foi o caso de Julia Roberts nem o de Sharon Stone, ricas e poderosas por si só, e também não é o caso de muitas Lucias, Andreas, Cristinas, Danielas, Fernandas e Jussaras anônimas. Mulheres preferem ser amadas do que invejadas.
Essa história de beleza tem a ver com atração, que tem a ver com “a primeira impressão é a que fica”, que tem a ver com inícios de relações. Se a garota for um canhão, as chances de conquistar um deus são quase zero (é uma generalização, toda regra tem exceções). Já se o garoto for feio, porém espirituoso, talentoso e auto-confiante, pode descolar o número do telefone da Marisa Monte. Lembrem-se que ela já namorou o Nando Reis, dos Titãs. Alguma coisa ele tem de lindo.
Mick Jagger é raquítico e branquela. Gerald Thomas é raquítico, branquela e usa óculos. Woody Allen é raquítico, branquela, usa óculos e está quase careca. Apesar desse quadro de horror, sei de muita mulher que não os expulsariam da sua cama. Será que elas nunca ouviram falar em Mel Gibson, Antonio Banderas, Pedro Bial? Elas nunca ouviram falar é que beleza garanta o conteúdo.
Mulher tem faro, não se contenta com a embalagem. É bem mais comum ver uma mulher linda acompanhada de um homem aparentemente sem graça do que o contrário. Não é (só) porque a concorrência é implacável e nos contentamos com o que sobra. É porque mulher tem raio-x: consegue olhar o que se esconde lá dentro. Se além de um belo coração e um cérebro em atividade ele ainda for apetecível, é lucro. Pena que a recíproca raramente seja verdadeira. Economizaríamos fortunas em cabeleireiros e academias se os homens fossem direto ao que interessa, na alma e no espírito, para os quais não adianta maquiagem.
DOR FÍSICA X DOR EMOCIONAL
O maior medo do ser humano, depois do medo da morte, é o medo da dor. Dor física: um corte, uma picada, uma ardência, uma distensão, uma fratura, uma cárie. Dor que só cessa com analgésico, no caso de ser uma dor comum, ou com morfina, quando é uma dor insuportável. Mas é a dor emocional a mais temível, porque essa não tem medicamento que dê jeito.
Uma vez, conversando com uma amiga, ficamos nessa discussão por horas: o que é mais dolorido, ter o braço quebrado ou o coração? Uma pessoa que foi rejeitada pelo seu amor sofre menos ou mais do que quem levou 20 pontos no supercílio? Dores absolutamente diferentes. Eu acho que dói mais a dor emocional, aquela que sangra por dentro. Qualquer mãe preferiria ter úlcera para o resto da vida do que conviver com o vazio causado pela morte de um filho.
As estatísticas não mentem: é mais fácil ser atingida por uma depressão do que por uma bala perdida. Existe médico para baixo astral? Psicanalistas. E remédio? Anti-depressivos. Funcionam? Funcionam, mas não com a rapidez de uma injeção, não com a eficiência de uma cirurgia. Certas feridas não ficam à mostra. Acabar com a dor da baixa auto-estima é bem mais demorado do que acabar com uma dor localizada.
Parece absurdo que alguém possa sofrer num dia de céu azul, na beira do mar, numa festa, num bar. Parece exagero dizer que alguém que leve uma pancada na cabeça sofrerá menos do que alguém que for demitido. Onde está o hematoma causado pelo desemprego, onde está a cicatriz da fome, onde está o gesso imobilizando a dor de um preconceito? Custamos a respeitar as dores invisíveis, para as quais não existem prontos-socorros. Não adianta assoprar que não passa.
Tenho um respeito tremendo por quem sofre em silêncio, principalmente pelos que sofrem por amor. Perder a companhia de quem se ama pode ser uma mutilação tão séria quanto a sofrida por Lars Grael, só que os outros não enxergam a parte que nos falta, e por isso tendem a menosprezar nosso martírio. O próprio iatista terá sua dor emocional prolongada por algum tempo, diante da nova realidade que enfrenta. Nenhuma fisgada se compara à dor de um destino alterado para sempre.
TIRE-O DA CABEÇA
Você estava apaixonado por alguém e levou um fora. Acontece mais do que acidente de avião, desastre com romeiros e incêndio na floresta. Corações partidos é o grande drama nacional. O que fazer? Ainda não lançaram um manual de auto-ajuda que consiga eliminar nossa fossa, e dos amigos só podemos esperar uma frase, repetida à exaustão: tire esse cara da cabeça. Parece fácil. Mas alguém aí me diga: como é que se tira alguém de um lugar tão cheio de mistérios?
Gostar de alguém é função do coração, mas esquecer, não. É tarefa da nossa cabecinha, que aliás é nossa em termos: tem alguma coisa lá dentro que age por conta própria, sem dar satisfação. Quem dera um esforço de conscientização resolvesse o assunto: não gosto mais dele, não quero mais saber daquele prepotente, desapareça, um, dois e já!
Parece que funcionou. Você sai na rua para testar. Sim, você conseguiu: olhou vitrines, comeu um sorvete e folheou duas revistas sem derramar uma única lágrima. Até que começa a tocar uma música no rádio e desanda a maionese. Você não tirou coisa alguma da cabeça, ele ainda está lá, cantando baixinho pra você.
Táticas. Não ficar em casa relendo cartas e revendo fotos. Descole uma festa e produza-se para matar. Você bem que tenta, mas nada sai como o planejado. Os casais que se beijam ao seu lado são como socos no estômago. Você se sente uma retardada na pista de dança. Um carinha puxa papo com você e tudo o que ele diz é comparado com o que o seu ex diria, com o que o seu ex faria. Chamem o EccoSalva.
Livros. Um ótimo hábito, mas em vez de abstrair, você acha que tudo o que o escritor escreve é para você em particular, tudo tem semelhança com o que você está vivendo, mesmo que você esteja lendo sobre a erupção do Vesúvio que soterrou Pompéia.
Viajar. Quem vai na bagagem? Ele. Você fica olhando a paisagem pela janela do ônibus e só no que pensa é onde ele estará agora, sem notar que ele está ali mesmo, preso na sua mente.
Livrar-se de uma lembrança é um processo lento, impossível de programar. Ninguém consegue tirar alguém da cabeça na hora que quer, e às vezes a única solução é inverter o jogo: em vez de tentar não pensar na pessoa, esgotar a dor. Permitir-se recordar, chorar, ter saudade. Um dia a ferida cicatriza e você, de tão acostumada com ela, acaba por esquecê-la. Com fórceps é que a criatura não sai.
AS RAZÕES QUE O AMOR DESCONHECE
Você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes do Ettore Scola, dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem o seu valor. É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de
viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettuccine al pesto é imbatível. Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desses, criatura, por que diabo está sem namorado?
Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.
Não funciona assim. Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não-fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo à porta. O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar. Costuma ser despertado mais pelas flechas do Cupido do que por uma ficha limpa.
Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai ligar e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário, ele só escuta Egberto Gismonti e Sivuca. Não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado, e ainda assim você não consegue despachá-lo. Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita de boca, adora animais e
escreve poemas. Por que você ama esse cara? Não pergunte pra mim.
Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco, você levou-a para conhecer sua mãe e ela foi de blusa transparente. Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina o Natal e ela detesta o Ano-Novo, nem no ódio vocês combinam.
Então? Então que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.
Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referências. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera. Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o amor tem de indefinível. Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó. Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é.
Julho de 1998
A IDADE DE CASAR
30 de junho de 1998
O amor pode surgir de repente, em qualquer etapa da vida, é o que todos os livros, filmes, novelas, crônicas e poemas nos fazem crer. É a pura verdade. O amor não marca hora, surge quando menos se espera. No entanto, a sociedade cobra que todos, homens e mulheres, definam seus pares por volta dos 25 e 30 anos. É a chamada idade de casar. Faça uma enquete: a maioria das pessoas casa dentro dessa faixa etária, o que de certo modo é uma vitória, se lembrarmos que antigamente casava-se antes dos 18. Porém, não deixa de ser suspeito que tanta gente tenha encontrado o verdadeiro amor na mesma época.
O grande amor pode surgir aos 15 anos. Um sentimento forte, irracional, com chances de durar para sempre. Mas aos 15 ainda estamos estudando. Não somos independentes, não podemos alugar um imóvel, dirigir um carro, viajar sem o consentimento dos pais. Aos 15 somos inexperientes, imaturos, temos muito o que aprender. Resultado: esse grande amor poderá ser vivido com pressa e sem dedicação, e terminar pela urgência de se querer viver os outros amores que o futuro nos reserva.
O grande amor pode, por outro lado, surgir só aos 50 anos. Você aguardará por ele? Aos 50 você espera já ter feito todas as escolhas, ter viajado pelo mundo e conhecido toda espécie de gente, ter uma carreira sedimentada e histórias pra contar. Aos 50 você terá mais passado do que futuro, terá mais bagagem de vida do que sonhos de adolescente. Resultado: o grande amor poderá encontrá-lo casado e cheio de filhos, e você, acomodado, terá pouca disposição para assumi-lo e começar tudo de novo.
Entre os 25 e 30 anos, o namorado ou namorada que estiver no posto pode virar nosso grande amor por uma questão de conveniência. É a idade em que cansamos de pular de galho em galho e começamos a considerar a hipótese de formar uma família. É quando temos cada vez menos amigos solteiros. É quando começamos a ganhar um salário mais decente e nosso organismo está a ponto de bala para gerar filhos. É quando nossos pais costumam cobrar genros, noras e netos. Uma marcação cerrada que nos torna mais tolerantes com os candidatos à cônjuge e que nos faz usar a razão tanto quanto a emoção. Alguns têm a sorte de encontrar seu grande amor no momento adequado. Outros resistem às pressões sociais e não trocam seu grande amor por outros planos, vivem o que há pra ser vivido, não importa se cedo ou tarde demais. Mas grande parte da população dança conforme a música. Um pequeno amor, surgido entre os 25 e 30 anos, tem tudo para virar um grande amor. Um grande amor, surgido em outras faixas etárias, tem tudo para virar uma fantasia.
LET ME TRY AGAIN
Você viveu um grande amor que terminou meses atrás. Está só. Nada nesta mão, nada na outra. A sexta-feira vai terminando e, enquanto seus colegas de trabalho aquecem as turbinas para o fim-de-semana, você procura no jornal algum filme que ainda não tenha visto na tevê. Ao descobrir que vai passar Kramer vs. Kramer de novo, não resiste e cai em tentação: liga para o ex.
Tentar outra vez o mesmo amor. Quem já não caiu nesta armadilha? Se ele também estiver sozinho, é sopa no mel. Os dois já se conhecem de trás para frente. Não precisam perguntar o signo: podem pular esta parte e ir direto ao que interessa. Sabem o prato preferido de cada um, se gostam de mar ou de montanha, enfim, está tudo como era antes, é só prorrogar a vigência do contrato. Tanto um como o outro sabem de cor o seu papel.
Porém, apesar de toda boa intenção, nenhum dos dois consegue disfarçar o cheirinho de comida requentada que fica no ar. O motivo que levou à separação continua por ali, escondido atrás do sofá, e qualquer hora aparece para um drinque. O fim de um romance quase nunca tem a ver com os rompimentos de novela, onde a mocinha abre mão do amado porque alguém a está chantageando ou porque descobriu que ele é, na verdade, seu irmão gêmeo. No último capítulo tudo se esclarece e a paixão segue sem cicatrizes. Já rompimentos causados por incompatibilidades reais não são assim tão fáceis de serem contornados.
Toda reconciliação é precedida por uma etapa onde o casal, cada um no seu canto, faz idealizações. As frases que não foram ditas começam a ser decoradas. As mancadas não serão repetidas. As discussões serão evitadas. Na nossa cabeça, tudo vai dar certo: o roteiro do romance foi reescrito e os defeitos foram retirados do script, ficando só as partes boas. Mas na hora de encenar, cadê o diretor? À sós no palco, constatamos que somos os mesmos de antigamente, em plena recaída.
Se alguém termina um namoro ou casamento, passa um tempo sozinho e depois resolve voltar só por falta de opção, está procurando sarna para se coçar. Até existe a possibilidade de dar certo, mas a sensação é parecida com a de rever um filme. Numa segunda apreciação, pode-se descobrir coisas que não haviam sido notadas na primeira vez, já que não há tanta ansiedade. Mas também não há impactos, surpresas, revelações. Ficamos preparados tanto para as alegrias como para os sustos e, cá entre entre nós, isso não mantém o brilho do olho.
Se já não há mais esperança para o relacionamento e tendo doído tanto a primeira separação, não há por que batalhar por uma sobrevida deste amor, correndo o risco de ganhar de brinde uma sobrevida para a dor também. É melhor aproveitar esta solidão indesejada para namorar um pouco a si mesmo e ir se preparando para o amor que vem. Evite a marcha a ré. Engate uma primeira nesse coração.
OS VIRGENS
Sou virgem e meu signo é Leão. Sou casada e sou virgem, tenho filhos e sou virgem. Tão virgem quanto você.
Quando falamos em virgindade, logo pensamos em sexo, e a partir do dia que o experimentamos, o mundo parece perder seu mistério maior. Não somos mais virgens – que grande ilusão de maturidade.
Virgindade é um conceito um tanto mais elástico. Somos virgens antes de voltar sozinhos do colégio pela primeira vez. Somos virgens antes do primeiro gole de vinho. Somos virgens antes de conhecer Nova York. Somos virgens antes do primeiro salário. E podemos já estar transando há anos e permanecermos virgens diante de um novo amor.
Por mais que já tenhamos amado e odiado, por mais que tenhamos sido rejeitados, descartados, seduzidos, conquistados, não há experiência amorosa que se repita, pois são variadas as nossas paixões e diferentes as nossas etapas, e tudo isso nos torna novatos.
As dores, também elas, nos pegam despreparadas. A dor de perder um amigo não é a mesma de perder um carro num assalto, que por sua vez não é a mesma de perder a oportunidade de se declarar para alguém, que por outro lado difere da dor de perder o emprego. Somos sempre surpreendidos pelo que ainda não foi vivido.
Mesmo no sexo, somos virgens diante de um novo cheiro, de um novo beijo, de um fetiche ainda não realizado. Se ainda não usamos uma lingerie vermelha, se ainda não fizemos amor dentro do mar, se ainda cultivamos alguns tabus, que espécie de sabe-tudo somos nós?
Eu ainda sou virgem da neve, que já vi estática em cima das montanhas, mas nunca vi cair. Sou virgem do Canadá, da Turquia, da Polinésia. Sou virgem de helicóptero, Jack Daniels, revólver, análise, transa em elevador, LSD, Harley Davidson, cirurgia, rafting, show do Neil Yong, siso e passeata. A virgindade existencial nos acompanha até o fim dos nossos dias, especialmente no último, pois somos todos castos frente à morte, nossa derradeira experiência inédita. Enquanto ela não chega, é bom aproveitar cada minuto dessa nossa inocência frente ao desconhecido, pois é uma aventura tão excitante quanto o sexo e não tem idade pra acontecer.
FELICIDADE REALISTA
De norte a sul, de leste a oeste, todo mundo quer ser feliz. Não é tarefa das mais fáceis. A princípio, bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos.
Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis. Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica, a bolsa Louis Vitton e uma temporada num spa cinco estrelas. E quanto ao amor? Ah, o amor… não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito.
É o que dá ver tanta televisão. Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista. Por que só podemos ser felizes formando um par, e não como ímpares? Ter um parceiro constante não é sinônimo de felicidade, a não ser que seja a felicidade de estar correspondendo às expectativas da sociedade, mas isso é outro assunto. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com três parceiros, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio.
Dinheiro é uma benção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo, usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado. E se a gente tem pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de criatividade.
Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável. Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno. Olhe para o relógio: hora de acordar. É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz, mas sem exigir-se desumanamente. A vida não é um game onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo.
O amor não acaba, nós é que mudamos
Um homem e uma mulher vivem uma intensa relação de amor, e depois de alguns anos se separam, cada um vai em busca do próprio caminho, saem do raio de visão um do outro. Que fim levou aquele sentimento? O amor realmente acaba?
O que acaba são algumas de nossas expectativas e desejos, que são subtituídos por outros no decorrer da vida. As pessoas não mudam na sua essência, mas mudam muito de sonhos, mudam de pontos de vista e de necessidades, principalmente de necessidades. O amor costuma ser amoldado à nossa carência de envolvimento afetivo, porém essa carência não é estática, ela se modifica à medida que vamos tendo novas experiências, à medida que vamos aprendendo com as dores, com os remorsos e com nossos erros todos. O amor se mantém o mesmo apenas para aqueles que se mantém os mesmos.
Se nada muda dentro de você, o amor que você sente, ou que você sofre, também não muda. Amores eternos só existem para dois grupos de pessoas. O primeiro é formado por aqueles que se recusam a experimentar a vida, para aqueles que não querem investigar mais nada sobre si mesmo, estão contentes com o que estabeleceram como verdade numa determinada época e seguem com esta verdade até os 120 anos. O outro grupo é o dos sortudos: aqueles que amam alguém, e mesmo tendo evoluído com o tempo, descobrem que o parceiro também evoluiu, e essa evolução se deu com a mesma intensidade e seguiu na mesma direção. Sendo assim, conseguem renovar o amor, pois a renovação particular de cada um foi tão parecida que não gerou conflito.
O amor não acaba. O amor apenas sai do centro das nossas atenções. O tempo desenvolve nossas defesas, nos oferece outras possibilidades e a gente avança porque é da natureza humana avançar. Não é o sentimento que se esgota, somos nós que ficamos esgotados de sofrer, ou esgotados de esperar, ou esgotados da mesmice. Paixão termina, amor não. Amor é aquilo que a gente deixa ocupar todos os nossos espaços, enquanto for bem-vindo, e que transferimos para o quartinho dos fundos quando não funciona mais, mas que nunca expulsamos definitivamente de casa.
O Fantasma da Ex
Dificilmente você namora ou está enrolado com uma pessoa 0km. Seu grande amor provavelmente já teve um outro grande amor antes de você, assim como você tem alguma quilometragem percorrida também. Normal. O problema é quando o ex do seu amor não ficou no passado: ainda ronda o presente.
Você achava que ele estava morto e enterrado, mas que nada, o fantasma ainda assombra. Manda e-mails pro seu amor, telefona de vez em quando, surge nos mesmos lugares em que vocês estão. Uma praga. Vocês construíram uma relação supersólida, está tudo indo mais do que bem, não há motivo para desconfiança ou insegurança. Mas até quando? O ser humano é saudosista por natureza. De repente, num momento de carência, você pode não estar por perto e o seu amor se deixar levar por uma sessão nostalgia. Quem garante que não?
Ninguém garante nada nesta vida. Mas não vejo muita razão para alguém se preocupar demasiadamente com os ex. Eles já tiveram sua vez. Por alguma razão, não deu certo. Eu sei, eu sei, isso não quer dizer absolutamente nada, os dois podem ter continuado a se amar mesmo assim, eles podem ter deixado arestas por apontar, eles podem ter coisas entaladas na garganta para dizer um ao outro. Brrrrr. Assustador. Mas também é muito provável que, se eles tentarem de novo, vão esbarrar nos mesmos problemas que os fizeram separar. Ex é prato requentado. Quase um parente.
Eu não tenho fobia com ex, ao menos não com uma ex que tenha sido bem vivida, bem curtida. Fico mais apreensiva em relação àquelas que podem vir a ser casos passageiros, aventurazinhas bobas, mas que podem surpreender. Não temo fantasmas, temo gente bem viva, bem acordada, oferecendo novidades, fantasias. Ex é um direito adquirido. Chegou antes. Tem privilégios. Merece respeito. E se seu grande amor cair nessa armadilha, terminar com você e voltar para o passado, relaxe, não se apavore. Será sua vez de assombrar. A ex agora é você.
Cardápio da alma
Arroz, feijão, bife, ovo. Isso nós temos no prato, é a fonte de energia que nos faz levantar de manhã e sair para trabalhar. Nossa meta primeira é a sobrevivência do corpo. Mas como anda a dieta da alma?
Outro dia, no meio da tarde, senti uma fome me revirando por dentro. Uma fome que me deixou melancólica. Me dei conta de que estava indo pouco ao cinema, conversando pouco com as pessoas, e senti uma abstinência de viajar que me deixou até meio tonta. Minha geladeira, afortunadamente, está cheia, e ando até um pouco acima do meu peso ideal, mas me senti desnutrida. Você já se sentiu assim também, precisando se alimentar?
Revista, jornal, internet, isso tudo nos informa, nos situa no mundo, mas não sacia. A informação entra dentro da casa da gente em doses cavalares e nos encontra passivos, a gente apenas seleciona o que nos interessa e despreza o resto, e nem levantamos da cadeira neste processo. Para alimentar a alma, é obrigatório sair de casa. Sair à caça. Perseguir.
Se não há silêncio a sua volta, cace o silêncio onde ele se esconde, pegue uma estradinha de terra batida, visite um sítio, uma cachoeira, ou vá para a beira da praia, o litoral é bonito nesta época, tem uma luz diferente, o mar parece maior, há menos gente.
Cace o afeto, procure quem você gosta de verdade, tire férias de rancores e mágoas, abrace forte, sorria, permita que lhe cacem também.
Cace a liberdade que anda tão rara, liberdade de pensamento, de atitudes, vá ao encontro de tudo que não tem regras, patrulha, horários. Cace o amanhã, o novo, o que ainda não foi contaminado por críticas, modismos, conceitos, vá atrás do que é surpreendente, o que se expande na sua frente, o que lhe provoca prazer de olhar, sentir, sorver. Entre numa galeria de arte. Vá assistir a um filme de um diretor que não conhece. Olhe para sua cidade com olhos de estrangeiro, como se você fosse um turista. Abra portas. E páginas.
Arroz, feijão, bife, ovo. Isso me mantém de pé, mas não acaba com meu cansaço diante de uma vida que, se eu me descuido, torna-se repetitiva, monótona, entediante. Mas nada de descuido. Vou me entupir de calorias na alma. Há fartas sugestões no cardápio. Quero engordar no lugar certo. O ritmo dos dias é tão intenso que às vezes a gente esquece de se alimentar direito.
Infeliz em público
O sofrimento, excentuando-se o que traz de dor, tem um certo glamour, é cinematográfico.
Cena 1: você atravessa a madrugada escutando músicas antigas, fumando dois maços e revendo fotos.
Cena 2: você se trancafia no banheiro, senta sobre a tampa do vaso sanitário e dissolve-se de tanto chorar.
Cena 3: você se revira na cama sem conseguir pregar o olho, pensando, lembrando, doendo.
Cena 4: você caminha por uma rua da cidade, sem rumo, parando para uma cerveja num boteco estranho, onde ninguém lhe conhece – que bom ser invisível.
Se é pra sofrer, que seja sozinho, onde seu rosto possa estampar desalento, inchaços, nariz vermelho, olhar perdido, boca crispada. Se é pra sofrer, que o corpo possa verter, vergar, amolecer. Se é pra sofrer, que possa ser descabelado, que possa ser de pés descalços, que possa ser em silêncio.
Que os demônios levem pro inferno aquele que bate à nossa porta bem no meio da nossa fossa, aquele que telefona bem no auge das nossas lágrimas, aquele que nos puxa para uma festa obrigatória. Malditos todos aqueles com quem não podemos compartilhar nossa dor, e nos obrigam a fingir que nada está se passando dentro da gente.
Disfarçar um sofrimento é trabalho de Hércules. Um prêmio para todos aqueles que conseguem fazer com que os outros não percebam sua falta de ânimo nos momentos em que ânimo é tudo o que esperam de nós: nas ceias de Natal, jantares em família, reuniões de trabalho. Você não quer estar ali, quer estar em Marte, quer estar em qualquer lugar onde não seja obrigado a sorrir.
Há sempre o momento de pedir ajuda, de se abrir, de tentar sair do buraco. Mas, antes, é imprescindível passar por uma certa reclusão. Fechar-se em si, reconhecer a dor e aprender com ela. Enfrentá-la sem atuações. Deixar ela escapar pelo nariz, pelos olhos, deixar ela vazar pelo corpo todo, sem pudores. Assim como protegemos nossa felicidade, temos também que proteger nossa infelicidade. Não há nada mais desgastante do que uma alegria forçada. Se você está infeliz, recolha-se, não suba ao palco. Disfarçar a dor é dor ainda maior.
Tô nem aí
Tô nem aí pro futuro, pra celulite, tô nem aí para queixas datadas, tô nem aí pro telefone mudo, pros surdos, pro preço do combustível, tô nem aí se vai chover amanhã, se o presidente vai viajar, se vai voltar, tô nem aí.
Pra discussão sobre maioridade penal, violência e barbárie, tô aí. Pro fim desta impunidade que incrementa a bestialização das nossas vidas, tô muito aí.
Tô nem aí pros especuladores da vida alheia, pro Schwarzenegger, pros índices de audiência, tô nem aí se fui convidada ou preterida, quem é a primeira da lista, a segunda, a última, tô nem aí pro novo namorado da Nicole, pras declarações da Luana, quem é gay ou não, com silicone ou sem, se é virgem, se é rodada.
Pros sentimentos das pessoas, tô aí. Para seus desejos e dúvidas, para seus medos e ousadias, tô aí. Para tudo aquilo que tem consistência, para tudo aquilo que nos comove, para o leve e o denso, para a alegria genuína e para o luto, tô aí, sim.
Tô nem aí para quantas calorias tem um bife, tô nem aí pra corrida espacial, se há vida após a morte, tô nem aí pro carro do ano, pra musa do próximo verão, pro gol mais bonito do domingo, pra manchete da capa de amanhã.
Para a grosseria e a falta de delicadeza que corrói as relações, tô aí. Para a brutalidade das pessoas, pro egoísmo, pra falta de educação e civilidade, para todos que possuem uma nuvem preta acima da cabeça e a carregam pra onde quer que vão, tô aí e me dói profundamente.
Tô nem aí pro que foi decidido na reunião de condomínio, na reunião de cúpula, na reunião de mães, nas reuniões que duram mais de dez minutos, tô nem aí pro salário dos outros, pras novas tendências, pra cotação das minhas ações no mercado externo.
Tô aí pra alguns, pros meus. Tô aí e estou aqui. Estou atenta. Estou dentro. Estou me vendo. Estou tentando. Estou querendo. Estou a postos só para o mínimo, o máximo. Para o que importa mesmo. Para o mistério. A verdade. O caos. O céu. O inferno. Essas coisas.
No mais, tô nem aí. Refrão e desabafo
Você é o que você gosta
Quem sou eu? Quando não temos nada de prático nos atazanando a vida, a preocupação passa a ser existencial. Pouco importa de onde viemos e para onde vamos, mas quem somos é crucial descobrir.
A gente é o que a gente gosta. A gente é nossa comida preferida, os filmes que a gente curte, os amigos que escolhemos, as roupas que a gente veste, a estação do ano preferida, nosso esporte, as cidades que nos encantam. Você não está fazendo nada agora? Eu idem. Vamos listar quem a gente é: você daí e eu daqui.
Eu sou outono, disparado. E ligeiramente primavera. Estações transitórias.
Sou Woody Allen. Sou Lenny Kravitz. Sou Marilia Gabriela. Sou Nelson Motta. Sou Nick Hornby. Sou Ivan Lessa. Sou Saramago.
Sou pães, queijos e vinhos, os três alimentos que eu levaria para uma ilha deserta, mas não sou ilha deserta: sou metrópole.
Sou bala azedinha. Sou coca-cola. Sou salada caprese. Sou camarão à baiana. Sou filé com fritas. Sou morango com sorvete de creme. Sou linguado com molho de limão. Sou cachorro-quente só com mostarda e queijo ralado. Do churrasco, sou o pão com alho.
Sou livros. Discos. Dicionários. Sou guias de viagem. Revistas. Sou mapas. Sou Internet. Já fui muito tevê, hoje só um pouco GNT. Rádio. Rock. Lounge. Cinema. Cinema. Cinema. Teatro.
Sou azul. Sou colorada. Sou cabelo liso. Sou jeans. Sou balaio de saldos. Sou ventilador de teto. Sou avião. Sou jeep. Sou bicicleta. Sou à pé.
Você está fazendo sua lista? Tô esperando.
Sou tapetes e panos. Sou abajur. Sou banho tinindo. Hidratantes. Não sou musculação, mas finjo que sou três vezes por semana. Sou mar. Não sou areia. Sou Londres. Rio. Porto Alegre.
Sou mais cama que mesa, mais dia que noite, mais flor que fruta, mais salgado que doce, mais música que silêncio, mais pizza que banquete, mais champanhe que caipirinha. Sou esmalte fraquinho. Sou cara lavada. Sou Gisele. Sou delírio. Sou eu mesma.
Agora é sua vez.
“Como Ser Legal” é o nome do livro que o escritor inglês Nick Hornby lançou este ano. Conta a história de um cara que era um chato e que, quando percebe que seu casamento está indo para as cucuias, resolve se transformar num benfeitor, num boa praça: e se torna mais chato ainda.
Todo mundo quer ser legal, e todo mundo se ferra na empreitada. É difícil ser legal o tempo inteiro. A gente consegue ser legal a maior parte do tempo, mas aí faz uma besteira e pronto: tudo o que você fez de bom é imediatamente esquecido e você se torna apenas aquele que fez a grande besteira. Aí você precisa de mais uns dois meses sendo exclusivamente legal para todo mundo esquecer da besteira. E quando eles esquecem, você faz outra, claro.
Mas você é legal. Você é simpático com os amigos, dá sempre uma força quando eles precisam. Você puxa papo com o garçom, abre a porta do elevador para sua vizinha entrar, você acaricia a cabeça das criancinhas, você é fiel à sua namorada, você até empresta seus discos. Você é 24 horas por dia legal, até o momento em que sua mãe pede para você almoçar na casa dela, você vai e diz que o suflê está intragável. Está mesmo. Mas ela diz que você fala isso só para implicar, aí você pede desculpas, aí ela diz que você nunca aparece e quando aparece é para reclamar, aí você diz para ela parar de fazer chantagem emocional e aí ela corre para o quarto chorando e você, que achava que sua mãe já estava na menopausa, descobre que ela ainda sofre de TPM.
Tem hora que é imprescindível chutar o balde. Tem hora que é fundamental deixar a verdade nua e crua vir à tona. Tem hora que você precisa dizer para sua namorada: eu te adoro, mas quero ficar sozinho hoje à noite, qual é o problema? O problema é que ela passa a te odiar. E você passa a achar que não tem vocação pra ser legal o tempo inteiro. E é verdade. Ninguém tem. É cansativo. Desgastante. Já somos legais à beça por tentar. Tem gente que nem isso.
BEIJO NA BOCA
Uma vez a atriz e cineasta Carla Camuratti declarou, numa entrevista, que um bom beijo é melhor do que uma transa insossa. Quando a escutei dizendo isso, pensei: “então não sou só eu”. Estou com Carla: o beijo é a parte mais importante da relação física entre duas pessoas, e se ele não funcionar, pode desistir do resto.
A Editora Mandarim acaba de lançar um livro que reúne ensaios de diversos intelectuais a respeito do assunto. O nome do livro é O Beijo – Primeiras Lições de Amor, História, Arte e Erotismo. Os autores discutem o beijo materno, o beijo nos contos-de-fadas, o beijo traiçoeiro de Judas, os primeiros beijos impressos em cartazes, o beijo na propaganda, o mais longo beijo do cinema e todas as suas simbologias. Às vezes o livro fica prolixo demais, mas ainda assim é um assunto tentador. Procure-o nas melhores casas do ramo. O livro, porque beijo não está à venda.
Todo mundo sonha com aquele beijo made in Hollywood, que tira o fôlego e dá início a um romance incandescente. Pena que nem sempre isso aconteça na vida real. O primeiro beijo entre um casal costuma ser suave, investigativo, decente. Aos pouquinhos, no entanto, acende-se a labareda e as bocas dizem a que vieram. Existe um prazo para isso acontecer: entre cinco minutos depois do primeiro roçar de lábios até, no máximo, cinco dias. Neste espaço de tempo, ainda compreende-se que os beijos sejam vacilantes: tratam-se de duas pessoas criando um vínculo e testando suas reações. Mas se a decência persistir, não espere ver estrelinhas na etapa seguinte. A química não aconteceu.
Beijo é maravilhoso porque você interage com o corpo do outro sem deixar vestígios, é um mergulho no escuro, uma viagem sem volta. Beijo é uma maneira de compartilhar intimidades, de sentir o sabor de quem se gosta, de dizer mil coisas em silêncio. Beijo é gostoso porque não cansa, não engravida, não transmite o HIV. Beijo é prático porque não precisa tirar a roupa, não precisa sair da festa, não precisa ligar no dia seguinte. E sem essa de que beijo é insalubre porque troca-se até 9 miligramas de água, 0,7 grama de albumia, 0,18 de substâncias orgânicas, 0,711 miligrama de matérias gordurosas e 0,45 miligrama de sais, sem contar os vírus e as bactérias. Quem está preocupado com isso? Insalubre é não amar.
Há homens que têm patroa.
Há homens que têm mulher.
E há mulheres que escolhem o que querem ser.
O silêncio é que é a verdadeira arma letal das relações humanas.
Mantenha-se atrás da faixa amarela, não chegue muito perto, não acerque-se de meus traumas, não invada meus mistérios, não atrite-se com o meu passado, não tente entender nada: é proibido tocar no sagrado de cada um.
Seu amor lhe dá um abraço de urso, faz estalar sua terceira e quarta vértebras e fala: “Que bom que você não vai embora, então que tal um cinema pra comemorar?” Ao se olhar no espelho você se depara com uma mulher seis anos mais velha e 750ml de lágrimas mais inchada, mas antes que comece a chorar de novo, ele diz: “Tá linda. Vamos nessa”.
Em tempos em que quase ninguém se olha nos olhos, em que a maioria das pessoas pouco se interessa pelo que não lhe diz respeito, só mesmo agradecendo àqueles que percebem nossas descrenças, indecisões, suspeitas, tudo o que nos paralisa, e gastam um pouco da sua energia conosco, insistindo.
Viva as válvulas de escape, que lamentavelmente não gozam de boa reputacão. Não sei quem inventou que é preciso ser a gente mesmo o tempo todo, que não se pode diversificar. Se fosse assim, não existiria o teatro, o cinema, a música, a escultura, a pintura, a poesia, tudo o que possibilita novas formas de expressão além do script que a sociedade nos intima a seguir: nascer-estudar-casar-ter filhos-trabalhar-e-morrer.
Quero ventilação, não morrer um pouquinho a cada dia sufocada em obrigações e em exigências de ser a melhor mãe do mundo, a melhor esposa do mundo, a melhor qualquer coisa. Gostaria de me reconciliar com meus defeitos e fraquezas, arejar minha biografia, deixar que vazem algumas idéias minhas que não são muito abençoáveis.
Nesta era de exaltação de celebridades – reais e inventadas – fica difícil mesmo achar que a vida da gente tem graça. Mas tem. Paz interior, amigos leais, nossas músicas, livros, fantasias, desilusões e recomeços, tudo isso vale ser incluído na nossa biografia
Mudem dos 18 para os 30, mudem dos 30 para os 50, mudem, porque desconfiado a gente tem que ficar de quem não muda jamais. São tantas as informações e vivências que absorvemos durante uma única vida que é impossível que elas não nos façam refletir e alterar nossa rota. Infeliz de quem passa a vida toda sendo fiel ao que os outros pensam a seu respeito.
Me permitir ser um pouco insignificante. E na minha insignificância, poder acordar um dia mais tarde sem dar explicação, conversar com estranhos, me divertir fazendo coisas que nunca imaginei, deixar de ser tão misteriosa pra mim mesma, me conectar com as minhas outras possibilidades de existir.
Adoro massas cinzentas, detesto cor-de-rosa. Penso como um homem, mas sinto como mulher. Não me considero vítima de nada. Sou autoritária, teimosa e um verdadeiro desastre na cozinha. Peça para eu arrumar uma cama e estrague meu dia. Vida doméstica é para os gatos.
Não voltaria no tempo para consertar meus erros, não voltaria para a inocência que eu tinha – e tenho ainda. Terei saudades da ingenuidade que nunca perdi? Não tenho saudades nem de um minuto atrás. Tudo o que eu fui prossegue em mim.
Desaprender para aprender. Deletar para escrever em cima. Houve um tempo em que eu pensava que, para isso, seria preciso nascer de novo, mas hoje sei que dá pra renascer várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar.
O melhor seria aceitarmos que todo paraíso precisa de um pouco de inferno. Agir direito é uma coisa, mas temos que ficar de olho nos que tentam “redesenhar” o mundo, apagando cigarros ou qualquer vestígio da nossa desajeitada humanidade. Se ficarmos muito bonzinhos, muito certinhos, muito perfeitinhos, acabaremos perdendo o que nos resta de humor.
Existe alguma possibilidade de encontrar vida inteligente em quem se despede dizendo “beijo no coração”? Mandemos beijos e abraços sem determinar onde, quem os receber tratará de senti-los no local adequado.
Não fale, não conte detalhes, não satisfaça a curiosidade alheia. A imaginação dos outros já é difamatória que chegue.
Tristeza é quando chove
quando está calor demais
quando o corpo dói
e os olhos pesam
tristeza é quando se dorme pouco
quando a voz sai fraca
quando as palavras cessam
e o corpo desobedece
tristeza é quando não se acha graça
quando não se sente fome
quando qualquer bobagem
nos faz chorar
tristeza é quando parece
que não vai acabar.
O amor é tudo…
Temos a mania de achar que o amor é algo que se busca. Buscamos o amor nos bares, buscamos o amor na internet, buscamos o amor na parada de ônibus.
Como num jogo de esconde-esconde, procuramos pelo amor que está oculto dentro das boates, nas salas de aula, nas platéias dos teatros.
Ele certamente está por ali, você quase pode sentir seu cheiro, precisa apenas descobri-lo e agarrá-lo o mais rápido possível, pois só o amor constrói,só o amor salva, só o amor traz felicidade.
Há quem acredite que amor é medicamento. Pelo contrário. Se você está deprimido, histérico ou ansioso demais, o amor não se aproxima, e, caso o faça, vai frustrar sua expectativa, porque o amor quer ser recebido com saúde e leveza, ele não suporta a idéia de ser ingerido de quatro em quatro horas, como um antibiótico para combater as bactérias da solidão e da falta de auto-estima.
Você já ouviu muitas vezes alguém dizer:
“Quando eu menos esperava, quando eu havia desistido de procurar, o amor apareceu”. Claro, o amor não é bobo, quer ser bem tratado, por isso escolhe as pessoas que, antes de tudo, tratam bem de si mesmas.
O amor, ao contrário do que se pensa, não tem de vir antes de tudo.
Antes de estabilizar a carreira profissional, antes de fazer amigos, de viajar pelo mundo, de curtir a vida. Ele não é uma garantia de que, a partir de seu surgimento, tudo o mais dará certo. Queremos o amor como pré-requisito para o sucesso nos outros setores, quando, na verdade, o amor espera primeiro você ser feliz para só então surgir, sem máscara e sem fantasia.
É esta a condição. É pegar ou largar. Para quem acha que isso é chantagem, arrisco-me a sair em defesa do amor:
Ser feliz é uma exigência razoável, e não é tarefa tão complicada. Felizes são aqueles que aprendem a administrar seus conflitos, que aceitam suas oscilações de humor, que dão o melhor de si e não se autoflagelam por causa dos erros que cometem. Felicidade é serenidade.
Não tem nada a ver com piscinas, carros e muito menos com príncipe encantados.
O amor é o prêmio para quem relaxa.
Para completar, cito um famoso jornalista e escritor americano, Norman Mailer: “As pessoas ficam procurando o amor como solução para todos os seus problemas quando, na realidade, o amor é a recompensa por você ter resolvido os seus problemas.”
Sempre desprezei as coisas mornas, as coisas que não provocam ódio nem paixão, as coisas definidas como mais ou menos. Um filme mais ou menos, um livro mais ou menos. Tudo perda de tempo. Viver tem que ser perturbador, é preciso que nossos anjos e demônios sejam despertados, e com eles sua raiva, seu orgulho, seu acaso, sua adoração ou seu desprezo. O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia.
Amor nenhum me fará amarrar um avental em torno da cintura e encarar uma cozinha.
(Divã)
Eu poderia falar três palavras sobre eu mesma e ainda assim seria um resumo.
Vida é memória.
Dei pra pensar que tudo que há de mais vivo em mim foi aquilo que já se foi.
As pessoas mais importantes foram as que ficaram.
E amigo é isso: aquele que a presença conforta sem precisar de muito gesto ou dramatização.
O silêncio enlouquece.
Sou feliz e não admito que ninguém me acorde.
Vamos deixar para sofrer pelo que é realmente trágico, e não por aquilo que é apenas um incômodo, senão fica impraticável atravessar os dias.
Amor de verdade liberta. Vício é jaula.
Quando olho para o meu passado, encontro uma mulher bem parecida comigo – por acaso, eu mesma – porém essa mulher sabia menos, conhecia menos lugares, menos emoções.
Eu me conheço bem, mas sei que posso me surpreender comigo mesmo, a qualquer minuto.
Ficar bonitinha, muitas conseguem, mas ter algo é para poucas.
Amar cria raíz, sim. Cria, independente de ser verbalizado. Basta sentir o amor para que fiquemos dependentes dele, uma dependência boa, daquilo que nos faz sentir vivos.
Quem é você, de verdade?
As pessoas mais talentosas, em sua maioria, são as mais modestas, autênticas e sem pose.
Faço menos planos e cultivo menos recordações. Não guardo muitos papéis, nem adianto muito o serviço. Movimento-me num espaço cujo tamanho me serve, alcanço seus limites com as mãos, é nele que me instalo e vivo com a integridade possível. Canso menos, me divirto mais, e não perco a fé por constatar o óbvio: tudo é provisório, inclusive nós.
Quem faz intrigas sobre a vida alheia quer ter algo de sua autoria, uma obra que se alastre e cresça, que se torne pública e que seja muito comentada. Algo que lhe dê continuidade. É por isso que fofocar é uma tentação. Porque nos dá, por poucos minutos, a sensação de ser portador de uma informação valiosa que está sendo gentilmente dividida com os outros. Na verdade, está-se exercitando uma pequena maldade, não prevista no Código Penal. Fofocas podem provocar lesões emocionais. Por mais inocente ou absurda, sempre deixa um rastro de desconfiança. Onde há fumaça há fogo, acreditam todos, o que transforma toda fofoca numa verdade em potencial. Não há fofoca que compense. Se for mesmo verdade, é uma bala perdida. Se for mentira, é um tiro pelas costas.
Apenas se sentem agredidos aqueles que te invejam.
O egoísmo unifica os insignificantes.
Sou tantas que mal consigo me distinguir. Sou estrategista, batalhadora, porém traída pela comoção. Num piscar de olhos fico terna, delicada.
A mulher e o homem da nossa vida é quem está à mão e nos faz feliz.
Se a sociedade não fosse viciada em hipocrisia, a infidelidade seria institucionalizada, você não acha?
… odeio a ignorância dessa aldeia.
Quero saber, entre todas aquelas que eu sou, quem é a chefe, quem manda dentro de mim.
Somos todos pontas de icebergs. Deixamos à mostra apenas um pedaço do que somos.
O tempo não cura tudo. Aliás, o tempo não cura nada, o tempo apenas tira o incurável do centro das atenções.
De toda minha literatura você ainda é a melhor página.
Toda felicidade é construída por emoções secretas. Podem até comentar sobre nós, mas nos capturar, só se permitirmos.
Meu mundo se resume a palavras que me perfuram, a canções que me comovem, a paixões que já nem lembro, a perguntas sem respostas, a respostas que não me servem, à constante perseguição do que ainda não sei. Meu mundo se resume ao encontro do que é terra e fogo dentro de mim, onde não me enxergo, mas me sinto.
Nada tenho a ver com não gostar de mim. Me aceito impura, me gosto com pecados e há muito me perdoei.
Não subestime os outros, nem os idolatre demais. Seja educada, mas não certinha. Faça coisas que nunca imaginou antes. Não minta, nem conte toda a verdade. Dance sozinha quando ninguém estiver olhando. Divirta-se enquanto seu lobo não vem.
É importante cultivar afinidades, mas as desafinações ensinam bastante. No mínimo, nos fazem dar boas risadas.
Vale amizade com executivo e com office-boy, com solteiros e casados, meninas e mulheraços, gente que torce para outro time e vota em outro partido.
Vale sempre que houver troca.
Inaugure sua própria fórmula de ser feliz e patenteie. Você ainda vai ficar rica com os direitos autorais.
Se por trás de todo grande homem existe uma grande mulher, então vale o inverso também: por trás de um pequeno homem talvez exista uma mulherzinha de nada.
Estão perdendo a viagem aqueles que não sabem de onde vieram nem tentam descobrir. Que não sabem para onde ir e nem tentam encontrar um caminho. Aqueles para quem a televisão pode tranqüilamente substituir as emoções.
(Perder a Viagem)
Viva hoje!
Arrisque hoje!
Faça hoje!
Não se deixe morrer lentamente!
“Quem você pensa que é?”
perguntou para mim de queixo em pé…
Sou forte,
fraca,
generosa,
egoísta,
angustiada,
perigosa,
infantil,
astuta,
aflita,
serena,
indecorosa,
inconstante,
persistente,
sensata e corajosa,
como é toda mulher,
poderia ter respondido,
mas não lhe dei essa colher.
Quando chegar
Quando chegar aos 30
serei uma mulher de verdade
nem Amélia nem ninguém
um belo futuro pela frente
e um pouco mais de calma talvez
e quando chegar aos 50
serei livre, linda e forte
terei gente boa ao lado
saberei um pouco mais do amor
e da vida quem sabe
e quando chegar aos 90
já sem força, sem futuro, sem idade
vou fazer uma festa de prazer
convidar todos que amei
registrar tudo que sei
e morrer de saudade.
Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.
Mamãe Noel
Sabe por que Papai Noel não existe? Porque é homem. Dá para acreditar que um homem vai se preocupar em escolher o presente de cada pessoa da família, ele que nem compra as próprias meias? Que vai carregar nas costas um saco pesadíssimo, ele que reclama até para colocar o lixo no corredor? Que toparia usar vermelho dos pés à cabeça, ele que só abandonou o marrom depois que conheceu o azul-marinho? Que andaria num trenó puxado por renas, sem ar-condicionado, direção hidráulica e air-bag? Que pagaria o mico de descer por uma chaminé para receber em troca o sorriso das criancinhas? Ele não faria isso nem pelo sorriso da Luana Piovani! Mamãe Noel, sim, existe.
Quem é a melhor amiga do Molocoton, quem sabe a diferença entre a Mulan e a Esmeralda, quem conhece o nome de todas as Chiquititas, quem merecia ser sócia-majoritária da Superfestas? Não é o bom velhinho.
Quem coloca guirlandas nas portas, velas perfumadas nos castiçais, arranjos e flores vermelhas pela casa? Quem monta a árvore de Natal, harmonizando bolas, anjos, fitas e luzinhas, e deixando tudo combinando com o sofá e os tapetes? E quem desmonta essa parafernália toda no dia 6 de janeiro?
Papai Noel ainda está de ressaca no Dia de Reis. Quem enche a geladeira de cerveja, coca-cola e champanhe? Quem providencia o peru, o arroz à grega, o sarrabulho, as castanhas, o musse de atum, as lentilhas, os guardanapinhos decorados, os cálices lavadinhos, a toalha bem passada e ainda lembra de deixar algum disco meloso à mão?
Quem lembra de dar uma lembrancinha para o zelador, o porteiro, o carteiro, o entregador de jornal, o cabeleireiro, a diarista? Quem compra o presente do amigo-secreto do escritório do Papai Noel? Deveria ser o próprio, tão magnânimo, mas ele não tem tempo para essas coisas. Anda muito requisitado como garoto-propaganda.
Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os mesmos presentes do ano passado?
Por trás do protagonista desse megaevento chamado Natal existe alguém em quem todos deveriam acreditar mais.
O tamanho das pessoas
Os tamanhos variam conforme o grau de envolvimento.
Uma pessoa é enorme para ti, quando fala do que leu e viveu, quando te trata com carinho e respeito, quando te olha nos olhos e sorri.
É pequena para ti quando só pensa em si mesma, quando se comporta de uma maneira pouco gentil, quando fracassa justamente no momento em que teria que demonstrar o que há de mais importante entre duas pessoas: a amizade, o carinho, o respeito, o zelo e até mesmo o amor.
Uma pessoa é gigante para ti quando se interessa pela tua vida, quando procura alternativas para o seu crescimento, quando sonha junto contigo. E pequena quando se desvia do assunto.
Uma pessoa é grande quando perdoa, quando compreende, quando se coloca no lugar do outro, quando age não de acordo com o que esperam dela, mas de acordo com o que espera de si mesma.
Uma pessoa é pequena quando se deixa reger por comportamentos da moda.
Uma mesma pessoa pode aparentar grandeza ou miudeza dentro de um relacionamento, pode crescer ou decrescer num espaço de poucas semanas.
Uma decepção pode diminuir o tamanho de um amor que parecia ser grande.
Uma ausência pode aumentar o tamanho de um amor que parecia ser ínfimo.
É difícil conviver com esta elasticidade: as pessoas se agigantam e se encolhem aos nossos olhos. O nosso julgamento é feito não através de centímetros e metros, mas de ações e reações, de expectativas e frustrações.
Uma pessoa é única ao estender a mão, e ao recolhê-la inesperadamente torna-se mais uma.
O egoísmo unifica os insignificantes.
Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande. É a sua sensibilidade, sem tamanho.
O que pode ser mais miserável do que uma pessoa faminta, sem teto, sem futuro, sem saúde? Sabemos que não são poucos os miseráveis do país, mas às vezes esquecemos da quantidade também imensa de miseráveis que está em nossa órbita, cuja barriga não está vazia, mas a cabeça, totalmente.
Uma pessoa é única ao estender
a mão, e ao recolhê-la
inesperadamente, se torna mais uma.
O egoísmo unifica os insignificantes.
Não é a altura, nem o peso, nem os
músculos que tornam uma pessoa grande.
É a sua sensibilidade, sem tamanho.
Gaste seu amor. Usufrua-o até o fim. Enfrente os bons e os maus momentos, passe por tudo que tiver que passar, não se economize. Sinta todos os sabores que o amor tem, desde o adocicado do início até o amargo do fim, mas não saia da história na metade. Amores precisam dar a volta ao redor de si mesmo, fechando o próprio ciclo. Isso é que libera a gente para ser feliz de novo.
Em Londres um pub está fazendo sucesso porque instalou para seus clientes uma cabine telefônica com uma sonorização peculiar: enquanto a pessoa fala ao telefone, pode acessar o som de um congestionamento, com muito buzinaço.
Ou pode acessar o som de um ambiente de escritório. Toda essa parafernália é para que quem esteja do outro lado da linha não identifique o som do bar.
Assim o bebum pode dar uma desculpa esfarrapada e chegar em casa sem levar uma descompostura, afinal, estava trabalhando até tarde, o coitado, e ainda por cima ficou preso num engarrafamento depois.
Essa cabine telefônica com efeitos especiais só vem demonstrar que os bares andam muito moderninhos, mas os casamentos continuam parados no tempo, mesmo na vanguardista Inglaterra. “Só vou se você for” segue na moda. Enquanto isso a hipocrisia deita e rola.
Muitas pessoas ainda têm uma idéia convencional do casamento: encaminham-se para o altar como quem encaminha-se para o supermercado em busca de um produto pronto, industrializado, com um rótulo dando as instruções de como utilizá-lo, e parece que a primeira instrução é: nenhum dos dois têm o direito de se divertir sozinho ou com os amigos, a menos que o cônjuge esteja junto.
Não é de estranhar que os prazos de validade do amor andem cada vez mais curtos.
Não há paixão que resista ao grude.
Não há paciência que resista à patrulha.
Não há grande amor que prescinda de outras amizades.
Sair sozinho para beber com os amigos deveria ser um dos 10 mandamentos para uma união estável, valendo para ambos os sexos. Quem não gosta de bar pode substituir por futebol, cinema, shows, sinuca, saraus ou o que o Caderno de Cultura sugerir.
E não perca tempo lamentando por aquele que vai ficar em casa. Provavelmente ele vai se divertir tanto quanto. Ouvir música, ver televisão, ler livros, abrir um vinho, tomar um banho de duas horas, navegar na internet, dormir cedinho, tudo isso também é um programação.
Quem não sabe ficar sozinho não pode casar, sob pena de transformar o matrimônio num presídio para dois. Tem muita coisa em Londres que eu gostaria de ter aqui: parques mais bem cuidados, mais livrarias, mais respeito à individualidade, melhor transporte público, prédios mais charmosos. Só dispensaria o clima e esse pub pra lá de vitoriano, onde pessoas adultas são incentivadas a inventar um álibi para justificar um atraso.
Atraso é ter que mentir para que o outro não perceba que você está feliz.
Não sei bem o que dizer sobre mim. Não me sinto uma mulher como as outras. Por exemplo, odeio falar sobre crianças, empregadas e liquidações. Tenho vontade de cometer haraquiri quando me convidam para um chá de fraldas e me sinto esquisita à beça usando um lencinho amarrado no pescoço. Mas segui todos os mandamentos de uma boa menina: brinquei de boneca, tive medo do escuro e fiquei nervosa com o primeiro beijo. Quem me vê caminhando na rua, de salto alto e delineador, jura que sou tão feminina quanto as outras: ninguém desconfia do meu hermafroditismo cerebral. Adoro massas cinzentas, detesto cor-de-rosa. Penso como um homem, mas sinto como mulher. Não me considero vítima de nada. Sou autoritária, teimosa, impulsiva e um verdadeiro desastre na cozinha. Peça para eu arrumar uma cama e estrague meu dia. Vida doméstica é para os gatos. (…)
Tenho um cérebro masculino, como lhe disse, mas isso não interfere na minha sexualidade, que é bem ortodoxa. Já o coração sempre foi gelatinoso, me deixa com as pernas frouxas diante de qualquer um que me convide para um chope. Faz eu dizer tudo ao contrário do que penso: nessas horas não sei onde vão parar minhas idéias viris. Afino a voz, uso cinta-liga, faço strip-tease. Basta me segurar pela nuca e eu derreto, viro pão com manteiga, sirva-se.
Sou tantas que mal consigo me distinguir. Sou estrategista, batalhadora, porém traída pela comoção. Num piscar de olhos fico terna, delicada. Acho que sou promíscua, doutor Lopes. São muitas mulheres numa só, e alguns homens também.
O Charme das Feias-bonitas
Se você não é nenhuma Gisele Bündchen, não há motivo para se desesperar em frente ao espelho. Quem dera ser uma deusa, mas não sendo, há chance de ser incluída no time das interessantes. Junte nove lindas e uma mulher interessante e será ela quem vai se destacar entre as representantes do marasmo estético. Perfeição, você sabe, entedia.
Mulher interessante é aquela que não nasceu com tudo no lugar, a não ser a cabeça – e, às vezes, nem isso, pois as malucas também têm um charme diabólico. A mulher interessante não é propriamente bonita, mas tem personalidade, tem postura, tem um enigma no fundo dos olhos, uma malícia que inquieta a todos quando sorri – e um nariz diferente. São também conhecidas como feias bonitas.
Eu poderia citar um batalhão de feias bonitas que, aqui no Brasil, são públicas e notórias, mas vá que elas não considerem isso um elogio. Então vou dar um exemplo clássico que vive a quilômetros de distância: Sarah Jessica Parker. É uma feia lindona. Uma feia classuda. Uma feia surpreendente. Adoro este tipo de visual. Mulheres com rostos difíceis de classificar, que não se enquadram em nenhum padrão.
Quando Meryl Streep estreou como coadjuvante em Manhattan, filme de Woody Allen, chamou a atenção não só pelo talento, mas pelo seu ar blasé, seu porte altivo e uma sobrancelha que arqueava interrogativamente, como se perguntasse: e aí, você já decidiu se lhe agrado ou não? Paralisante.
Esse gênero de mulher não figura nos anúncios da Lancôme e não possui um rosto desenhado com fita métrica: olhos, boca e nariz a uma distância equilibrada um dos outros. Nada disso. A feia bonita é aquela que não causa uma excelente impressão à primeira vista. Ao contrário, causa estranhamento. As pessoas se questionam. O que é que essa mulher tem? Ela tem algo. Pronome indefinido: algo.
Ficar bonitinha, muitas conseguem, mas ter algo é para poucas. Não dá para encomendar num consultório de cirurgia plástica. Não adianta musculação, dieta, hidratantes. Feias bonitas têm a boca larga demais. Ou um leve estrabismo. Ou um nariz adunco. Ou seja, este algo que elas têm é algo errado. Mas que funciona escandalosamente bem.
E há aquelas que não têm nada de errado, mas também nada de relevante. Um zero a zero completo, e ainda assim se destacam. Um exemplo? Aquela menina que atuou em Homem-Aranha e Maria Antonieta, a Kirsten Dunst. Jamais será uma Michelle Pfiefer, mas a menina tem algo. Quem dera esse algo fosse vendido em frascos nos freeshops da vida.
Se o fato de ser uma feia bonita é, digamos, uma ótima compensação, ser um feio bonito é o prêmio máximo. Não sei se você concorda, mas eles são mais atraentes que os bonitos bonitos. Não que seja tolerável um narigão num homem: ele tem que ter um! Nada de baby face. É obrigatório uma cicatriz, ou um queixo pronunciado, um olhar caído. Você está lembrando de um monte de cafajestes, eu sei. Ou de um monte de italianos. É esse tipo mesmo, você pegou o espírito da coisa.
Feias bonitas e feios bonitos tornam a vida mais generosa, democrática, divertida e interessante. Não podemos ter tudo, mas algo se pode ter.
Absolvendo o amor
Duas historinhas que envolvem o amor.
Uma mulher namora um príncipe encantado por dois meses e então descobre que ele não é príncipe porcaria nenhuma, e sim um bobalhão que não soube equalizar as diferenças e sumiu no mundo sem se despedir. Mais um, segundo ela. São todos assim, os homens. Ela resmunga que não dá mesmo para acreditar no amor.
Peraí. Por que o amor tem que levar a culpa por esses desencontros? Que a princesa não acredite mais no Pedro, no Paulo ou no Pafúncio, vá lá, mas responsabilizar o amor pelo fim de uma relação e não querer mais se envolver com ninguém é preguiça de continuar vivendo. Não foi o amor que caiu fora. Aliás, ele talvez nem tenha entrado nessa história. Quando entra, é para contribuir, para apimentar, para dar sabor, para ser feliz. Se o relacionamento não dá certo, ou dá certo por um determinado tempo e depois acaba, o amor merece um aperto de mãos, um muito obrigada e até a próxima. Fique com o cartão dele, com os contatos todos, você vai chamá-lo de novo, vai precisar de seus serviços, esteja certa. Dispense namorados, mas não dispense o amor, porque este estará sempre a postos. Viver sem amor por uns tempos é normal. Viver sem amor para sempre é azar ou incompetência. Mas não pode ser uma escolha, nunca. Escolher não amar é suicídio simbólico, é não ter razão para existir. Não me venha falar de amigos e filhos e cachorros, essas compensações amorosas sofisticadas, mas diferentes. Estamos falando de homens e mulheres que não se conhecem até que um dia, uau. Acontece.
Segunda história. Uma mulher ama profundamente, é amada profundamente, os dois dormem embolados e se gostam de uma forma indecente, de tão certo que dá a relação, e de tão gostosa que são inclusive as brigas. Tudo funciona como um relógio que ora atrasa, ora adianta, mas não pára, um tiquetaque excitante que ela não divulga para as amigas, não espalha, adivinhe por quê: culpa. Morre de culpa desse amor que funciona, desse amor que é desacreditado em matérias de jornal e em pesquisas, desse amor que deram como morto e enterrado, mas que na casa dela vive cheio de gás e ameaça ser eterno. Culpa, a pobre mulher sente, e mais: sente medo. Nem sabe de quê, mas sente. Medo de não merecê-lo, medo de perdê-lo, medo do dia seguinte, medo das estatísticas, medo dos exemplos das outras mulheres, daquele mulher lá do início do texto, por exemplo, que se iludiu com mais um bobalhão que desapareceu sem deixar rastro-ou bobalhona foi ela, nunca se sabe. Mas o fato é que terminou o amor da mulher lá do início do texto, enquanto essa criatura feliz e apaixonada, é ao mesmo tempo infeliz e temorosa porque sente aquilo que tanta gente busca e pouco encontra: o tal amor como se sonha.
Uma mulher infeliz por amar de menos, outra infeliz por amar demais, e o amor injustamente crucificado por ambas. Ele, coitado, sendo acusado de provocar dor, quando deveria ser reverenciado simplemente por ter acontecido na nossa vida, mesmo que sua passagem tenha sido breve. E se não foi, se permaneceu em nossa vida, aí nem se fala. Qualquer amor-até aqueles que a gente inventa- merece nossa total indulgência, porque quem costuma estragar tudo, caríssimos, somos nós.
Lá na infância
Qualquer pessoa que já tenha se separado e tenha filhos sabe como a gente se preocupa com a reação deles e procura amenizar qualquer estrago provocado por essa desestruturação. É preciso munir-se de muito respeito, delicadeza e amor para que essa ruptura seja bem assimilada e não produza traumas e inseguranças.
Muito do que somos hoje, do que sofremos e do que superamos, tem a ver com aquele lugar chamado “infância”, que nem sempre é um paraíso. Por mais que tenhamos brincado e recebido afeto, é lá na infância que começamos a nos formar e a nos deformar através de medos, dúvidas, sensações de abandono e, principalmente, através da busca de identidade.
Por tudo isso, estou até agora encantada com a leitura de Marcas de Nascença, fenomenal livro da canadense Nancy Huston e que deixo como dica antes de sair de férias. O livro é narrado por quatro crianças de uma mesma família, em épocas diferentes, todas quando tinham seis anos: primeiro, um garotinho totalmente presunçoso, morador da Califórnia, em 2004. Depois, o relato do pai dele, quando este também tinha seis anos, em 1982. A seguir, a avó, em 1962, e por fim a bisavó, em 1944. Ou seja, é um romance genealogicamente invertido, começando logo após o 11 de Setembro e terminando durante a Segunda Guerra Mundial, mas é também um romance psicanalítico, e é aí que se torna genial: relata com bom humor e sem sentimentalismo todo o caldeirão de emoções da infância, mostrando como nossas feridas infantis seguem abertas a longo prazo, como as fendas familiares determinam nossos futuros ódios e preconceitos e como somos “construídos” a partir das nossas dores e das nossas ilusões. Mas tudo isso numa narrativa sem ranço, absolutamente cativante, diria até alegre, mesmo diante dessas pequenas tragédias íntimas.
A autora é bastante conhecida fora do Brasil e ela própria, aos seis anos, foi abandonada pela mãe, o que explica muito do seu fascínio sobre as marcas que a infância nos impõe vida afora. É incrível como ela consegue traduzir os pensamentos infantis (que muitas vezes são adultos demais para a idade dos personagens, mas tudo bem), demonstrando que toda criança é uma observadora perspicaz do universo e que não despreza nada do que capta: toda informação e todo sentimento será transformado em traço de personalidade.
Comecei falando de separação, que é o fantasma familiar mais comum, mas há diversas outras questões que são consideradas “linhas de falha” pela autora e que são transmitidas de geração para geração. Permissividade demais gerando criaturinhas manipuladoras, mudanças constantes de endereço e de cidade provocando um desenraizamento perturbador, o testemunho constante de brigas entre pessoas que se dizem amar, promessas não-cumpridas, pais que trabalham excessivamente, a religião despertando culpas, a política induzindo a discordâncias e exílios, até mesmo uma boneca muito desejada que nunca chegou às nossas mãos: tudo o que nos aconteceu na infância ou o que não nos aconteceu acaba deixando marcas para sempre. Fazer o quê? Em vez de tentar escapar de certas lembranças, o melhor é mergulhar nelas e voltar à tona com menos desespero e mais sabedoria. Todos temos nossas dores de estimação. O que nos diferencia uns dos outros é a capacidade de conviver amigavelmente com elas.
Matemática da Vida
A matemática da vida não é simples
Cada soma é também uma subtração.
Quando somamos mais um ano àqueles que já vivemos, subtraímos um ano daqueles que nos restam para viver.
Esperamos demais para fazer o que precisa ser feito, num mundo que só nos dá um dia de cada vez, sem garantia do amanhã.
Enquanto lamentamos que a vida é curta,
Agimos como se tivéssemos à nossa disposição um estoque inesgotável de tempo.
Esperamos demais para dizer as palavras do perdão que devem ser ditas, para pôr de lado os rancores que devem ser expulsos, para expressar gratidão, para dar ânimo, para oferecer consolo.
Esperamos demais para enunciar as preces, para executar as tarefas que estão esperando, para serem cumpridas,
Para demonstrar amor que talvez não seja mais necessário amanhã.
Esperamos demais nos bastidores, quando a vida tem um papel para desempenharmos no palco.
Deus também está esperando nós pararmos de esperar.
Esperando nós começarmos a fazer agora tudo aquilo para o qual este dia e esta vida nos foram dados.
Meus amigos: é hora de viver.
Abalando estruturas
Uma amiga minha vive dizendo que odeia amarelo, que prefere tomar cianureto a usar uma roupa amarela. Quem a conhece já a ouviu dizer isso mil vezes, inclusive seu namorado. Pois uns dias atrás ela me contou que esse seu namorado chegou em sua casa e, mesmo os dois estando a uma semana sem se ver, brigaram nos primeiros cinco minutos de conversa e ele foi embora. “Mas o que aconteceu?” perguntei. “Eu sei lá”, me respondeu ela. “Estávamos morrendo de saudades um do outro, mas começamos a discutir por causa de uma bobagem”. Eu: “Que bobagem?”. Então ela me disse: “Você não vai acreditar, mas ele ficou desconcertado por eu estar usando uma camiseta amarela”.
Ora, ora. Era a oportunidade para eu utilizar meus dons de psicóloga de fundo de quintal. Perguntei para minha amiga: “Quer saber o que eu acho?”. A irresponsável respondeu: “Quero”. Mal sabia ela que eu recém havia assistido a uma palestra sobre as armadilhas da tão prestigiada estabilidade. Arregacei as mangas e mandei ver.
Você está namorando o cara há pouco tempo. Sabemos como funcionam esses primeiros encontros. Cada um vai fornecendo informações para o outro: eu adoro rock, eu tenho alergia a frutos do mar, tenho um irmão com quem não me dou bem, prefiro campo em vez de praia, não gosto de teatro, jamais vou ter uma moto, não uso roupa amarela. A gente então vai guardando cada uma dessas frases num baú imaginário, como se fosse um pequeno tesouro. São os dados secretos de um novo alguém que acaba de entrar em nossa vida. Assim vamos construindo a relação com certa intimidade e segurança, até que um belo dia nosso amor propaga as maravilhas de uma peça de teatro que acabou de assistir, ou sugere 20 dias de férias numa praia deserta, ou usa uma roupa amarela. Pô, como é que dá pra confiar numa criatura dessas?
Pois dá. Aliás, é mais confiável uma criatura dessas do que aquela que se algemou em meia dúzia de “verdades” inabaláveis, que não muda jamais de opinião, que registrou em cartório sua lista de aversões. Vale para essas bobagens de roupa amarela e praia deserta, e vale também para coisas mais sérias, como posicionamentos sobre o amor e o trabalho. Mudanças não significam fragilidade de caráter. É preciso ter uma certa flexibilidade para evoluir e se divertir com a vida. Mas ainda: essa flexibilidade é fundamental para manter nossa integridade, por mais contraditório que pareça. Me vieram agora à mente os altos edifícios que são construídos em cidades propensas a terremotos, que mantêm em sua estrutura um componente que permite que eles se movam durante o abalo. Um edifício que balança! Com que propósito? Justamente para não vir abaixo. Se ele não se flexibilizar, a estrutura pode ruir.
O fato de transgredirmos nossas próprias regras só demonstra que estamos conscientes de que a cada dia aprendemos um pouco mais, ou desaprendemos um pouco mais, o que também é amadurecer. Não estamos congelados em vida. Podemos mudar de idéia, podemos nos reapresentar ao mundo, podemos nos olhar no espelho de manhã e dizer: bom dia, muito prazer. Ninguém precisa ficar desconcertado diante de alguém que se desconstrói às vezes.
Eu também não gosto de roupa amarela. Quem abrir meu armário vai encontrar basicamente peças brancas, pretas, cinzas e em algumas tonalidades de verde. No entanto, hoje de manhã saí com um casaco amarelo canário! Tenho há mais de 10 anos e quase nunca usei. Pois hoje saí com ele para dar uma volta e retornei para casa sendo a mesmíssima pessoa, apenas um pouco mais alegre por ter me sentido diferente de mim mesma, o que é vital uma vez ao dia.
O anel que tu me deste
Aconteceu em 2005. Eu estava almoçando com uma amiga na cidade onde ela mora, fora do Brasil. Era a segunda vez que nos víamos. Os contatos anteriores haviam sido sempre por e-mail, nos quais tratávamos de assuntos profissionais. De repente, olhei para sua mão e fiz um elogio ao anel lindíssimo que ela usava. Ato contínuo, ela retirou o anel e me deu. “É seu.” Fiquei superconstrangida, não era essa minha intenção, queria apenas elogiar, mas ela me convenceu a ficar com ele, dizendo que ela mesma fazia aqueles anéis e que poderia fazer outro igualzinho. De fato, fez. Acabaram virando nossas “alianças”: desde então nossa amizade só cresceu.
Meses atrás, Marilia Gabriela entrevistou Ivete Sangalo em seu programa no GNT quando aconteceu uma cena idêntica. Ela elogiou o anel da cantora e esta, na mesma hora, tirou-o do dedo e deu de presente a Gabi, que ficou envergonhada, não estava ali para ganhar presentes e sim para trabalhar. Mas tanto Ivete insistiu, e com tanto carinho, que recusar seria deselegância, e lá se foi o anel da morena para a mão da loira.
Nesta era de acúmulo, egoísmo e posse, gestos de desapego são raros e transformam um dia banal em um dia especial. Não é comum alguém retirar do próprio corpo algo que deve gostar muito – ou não estaria usando – e dar de presente, numa reação espontânea de afeto. Pessoas assim fazem isso por nada, aparentemente, mas, na verdade, fazem por tudo. Por gostarem realmente da pessoa com quem estão. Por generosidade. Para exercitarem seu senso de oportunidade. Pelo prazer de surpreender. Por saberem que certas atitudes falam mais do que palavras. E por terem a exata noção de que um anel, ou qualquer outro bem material, pode ser substituído, mas um momento de extasiar um amigo é coisa que não vale perder.
Estou falando desse assunto não porque eu também seja uma desprendida. Bem pelo contrário. Já me desfiz de muita coisa, mas me desfaço com planejamento, pensando antes. Assim, de supetão, por impulso, raramente. Meu único mérito é reconhecer a grandeza alheia, coisa que também está em desuso, pois sei de muita gente que, ao ver gestos como o de Ivete e o da minha amiga, diria apenas: que trouxas.
Devo estar me transformando numa sentimentalóide, mas o fato é que acredito que esses pequenos instantes de delicadeza merecem um holofote, já que andamos todos muito rudes e autofocados. Desfazer-se dos seus bens para fazer o bem é uma coisa meio franciscana, mas não se pode negar que um pouco de desapego torna qualquer relação mais fácil. E não falo só de bens materiais. Desapego das mágoas, desapego da inveja, desapego das próprias verdades para ouvir atentamente a dos outros. Não seria um mundo melhor?
Bom, o anel que minha amiga me deu seguirá no meu dedo, nem adianta vir elogiá-lo pra ver se o truque funciona. Faz parte da minha história pessoal. Mas posso me desprender de outras coisas das quais gosto, basta que eu saiba que serão mais bem aproveitadas por outras pessoas. É com esse espírito de compartilhamento que encerro essa crônica desejando a todos os leitores um Natal com muitos presentes – mas no sentido de presença. Que na sua lista de chamada afetiva estejam todos ao seu lado, brindando o que lhes for mais importante: seja o nascimento de Jesus, ou a reunião familiar, ou apenas mais uma noite festiva de dezembro, ou um momento de paz entre tanto espanto, ou simplesmente a sensação de que uma inesperada gentileza pode ser o melhor pacotinho embaixo da nossa árvore.
Sentido único: em frente
Faço aniversário em agosto. Quando alguém, em julho, pergunta quantos anos eu tenho, já respondo com a idade nova. Não sei até quando terei essa coragem de me envelhecer antes da hora, mas, por enquanto, ainda arredondo pra cima. Com o ano novo, é a mesma coisa. Já estou em 2008 faz uns 20 dias. Coloquei-o em total vigência, é um ano em curso, mergulhei de cabeça nele. 2007 já era, já deu o que tinha que dar. Aliás, foi bom pra você?
Poucas pessoas viveram grandes feitos, grandes viagens ou grandes paixões. A maioria viveu o que podia ter vivido. Foi ao cinema e adorou (ou odiou) Tropa de Elite. Leu alguns livros. Curtiu alguns churrascos. Passou uns finais de semana fora da cidade. Reclamou da falta de dinheiro. Brigou com pais e irmãos. Fez as pazes com pais e irmãos. E depois brigou de novo.
Esperou em filas. Assistiu a pelo menos um show. Achou a Camila Pitanga linda em Paraíso Tropical. Reclamou muito do frio. Bebeu demais.
Pensou em casar. Pensou em descasar. Pensou em ter um cachorro.
“Ano da virada” é apenas força de expressão. A maioria de nós viveu um ano semelhante aos outros anos, salvo aqueles que foram colhidos por uma fatalidade – já não é fatalidade suficiente estar vivo?
Eu tive um ano muito bom e muito parecido com outros anos bons, inclusive nas partes ruins. Ainda assim, o melhor de chegar aqui, na saideira, é olhar para trás e concluir que o aconteceu de mais diferente foi eu mesma. Entrei de um jeito em 2007 e estou saindo outra, mesmo que eu pouco perceba essa alteração.
Recentemente ouvi alguém admitir que era uma pessoa melhor anos atrás. Duvido. Não se pode dizer isso pra valer. É muito desestimulante a gente acreditar que está involuindo. Quando olho para o meu passado, encontro uma mulher bem parecida comigo – por acaso, eu mesma – porém essa mulher sabia menos, conhecia menos lugares, menos emoções. Ora, por mais legal que a gente tenha sido, sempre fomos mais pobres em relação ao presente – e não estou falando de dinheiro, mas de vivência. Involuir é muito trabalhoso, exige que rejeitemos todos os aprendizados: quem faria essa maldade consigo mesmo? Evoluir é que está na ordem natural das coisas.
Portanto, tenho certeza de que em 2008 eu verei alguns filmes, assistirei pelo menos a um show, lerei alguns livros, sairei da cidade uns finais de semana, irei bater ótimos papos com os amigos, terei uns arranca-rabos em família e depois voltarei às boas, perderei tempo em filas e reclamarei do frio.
E mesmo sendo mais um ano como tantos outros – no caso de nenhuma fatalidade ocorrer – , sairei de 2008 melhor do que estou entrando, simplesmente porque é impossível desprezar conhecimentos, conversas, sensações – tudo o que parece repetitivo, mas que nos dá uma cancha necessária pra seguir adiante e viver melhor.
Então, feliz você novo, mesmo que pareça igualzinho.
Ser feliz não é pecado
A felicidade é desprezada por muita gente. A pessoa feliz sofre o preconceito de parecer uma pessoa vazia, sem conteúdo. No entanto, algo ela tem, senão não incomodaria tanto. Será que é porque ela nos confronta com nossa própria miséria existencial? É irritante ver alguém naturalmente linda, rica, simpática, inteligente, culta, talentosa, apaixonada e, ainda por cima, magra! Essa ninfa nunca ouviu falar em insônia, depressão, dívidas, mousse de chocolate?
Os felizes ainda estão associados ao padrão “comercial de margarina”, portanto, costumam ser idealizados – e desacreditados. É como se fossem marcianos, só que não são verdes. Por isso, damos mais crédito aos angustiados, aos irônicos, aos pessimistas. Por não aparentarem possuir vínculo com essa tal felicidade, dão a entender que têm uma vida muito mais profunda. Você é feliz? Não espalhe, já que tanta gente se sente agredida com isso. Mas também não se culpe, porque felicidade é coisa bem diferente do que ser linda, rica, simpática e aquela coisa toda. Felicidade, se eu não estiver muito enganada, é ter noção da precariedade da vida, é estar consciente de que nada é fácil, é tirar algum proveito do sofrimento, é não se exigir de forma desumana e, apesar (ou por causa) disso tudo, conseguir ter um prazer quase indecente em estar vivo.
O psicanalista Contardo Calligaris certa vez disse uma frase que sublinhei: “Ser feliz não é tão importante, mais vale ter uma vida interessante”. Creio que ele estava rejeitando justamente esta busca pelo kit felicidade, composto de meia dúzia de realizações convencionais. Ter uma vida interessante é outra coisa: é cair e levantar, se movimentar, relacionar-se com as pessoas, não ter medo de mudanças, encarar o erro como um caminho para encontrar novas soluções, ter a cara-de-pau de se testar em outros papéis – e humildade para abandoná-los se não der certo. Uma vida interessante é outro tipo de vida feliz: a que passou ao largo dos contos-de-fada. É o que faz você ter uma biografia com mais de 10 páginas.
Se você acredita que ser feliz compromete seu currículo de intelectual engajado, troque por outro termo, mas não cuspa neste prato. Embriague-se de satisfação íntima e justifique-se dizendo que é um louco, apenas isso. Como você sabe, os loucos sempre encontram as portas do céu abertas.
Rita Lee, que já passou por poucas e boas, mas nunca se queixou de não ter uma vida interessante, anos atrás musicou com Arnaldo Batista estes versos: “Se eles são bonitos, sou Alain Delon/ se eles são famosos/ sou Napoleão/se eles têm três carros/ eu posso voar”. Também faço da Balada do Louco meu hino, que assim encerra: “Mais louco é quem me diz que não é feliz”.
Eu sou feliz.
O capricho da simplicidade
Bom gosto e mau gosto custam a mesma coisa, me disseram certa vez. Adotei a frase como minha, tanto concordo com ela. Aliás, o mau gosto às vezes custa até mais caro.
Eu estava numa grande loja, naquele esquema de “só estou dando uma olhada”, quando vi uma senhora se apossar de uma bolsa como se tivesse encontrado o Santo Graal. Chamou a filha e mostrou: “Não é linda?”. Agarrada à bolsa em frente ao espelho, ela virava de um lado, de outro, extasiada com a própria imagem carregando aquela bolsa de couro azul-turquesa com umas 357 tachas pretas. Eu já vi bolsa feia nesta vida, mas como aquela, nem nos meus pesadelos mais tiranos.
Mas a tal senhora estava apaixonada pela bolsa. Mostrava a etiqueta com o preço para a filha e dizia: “E nem é tão cara!”.
Nem é tão cara? A loja deveria estender um tapete vermelho e chamar banda de música para quem levasse aquele troço por R$ 5.
E a senhora voltava pro espelho, se olhava, levo ou não levo? Eu tive vontade de cutucar o ombro dela e dizer pelamordedeus não faça essa loucura, olhe em volta, tem bolsa muito mais bonita, com mais classe, mais usável, deixe essa coisa medonha pra lá.
Claro que não me meti e saí da loja antes de ver a tragédia consumada.
E então fiquei pensando nessa história de bom gosto e mau gosto, classificação que os politicamente corretos rejeitam, dizendo que gosto cada um tem o seu e fim de papo. Não é bem assim: a diferenciação existe. O que não impede que pessoas de bom gosto errem, e pessoas de mau gosto acertem – de vez em quando.
Cheguei em casa e fui reler um texto escrito por Celso Sagastume, em que ele defende que bom gosto se aprende. Que uma pessoa começa a gostar do que é bom quando adquire bagagem cultural (através de viagens e do acesso à arte) e quando tem humildade para observar pessoas e lugares reconhecidamente sofisticados e extrair deles a informação necessária para compor o seu próprio bom gosto.
Sofisticação, no entanto, tem variadas interpretações. Eu não troco uma charmosa bolsa de palha por uma Louis Vuitton e pode me chamar de maluca. Nunca duvidei de que menos é mais, e acho que estou me saindo razoavelmente bem, com uma porcentagem aceitável de deslizes.
Bom gosto e mau gosto custam a mesma coisa, me disseram certa vez. Adotei a frase como minha, tanto concordo com ela. Aliás, o mau gosto às vezes custa até mais caro. Ninguém precisa de muito dinheiro quando tem capricho e noção.
Capricho para tornar sua casa confortável, alegre e preparada não para uma foto ou uma festa, mas para ter história. Capricho para escrever um e-mail mantendo certa diagramação e um português correto. Capricho ao se vestir, deixando de se monitorar por grifes e valorizando mais o estilo.
Capricho é cuidado e atenção. Flores frescas nos vasos, unhas limpas, música em volume adequado, educação ao falar, abajures em vez de luz direta, um toque personalizado e uma pitada de bom humor em tudo: nas atitudes, no visual, até na bagunça do escritório, que uma baguncinha também tem seu charme.
Onde eu quero chegar com isso? Na bolsa azul-turquesa com 357 tachas pretas que a gente carrega desnecessariamente por falta de treinar o olho para as coisas mais simples.
Povoar a solidão
Permita que sua solidão seja bem aproveitada, que ela não seja inútil. Não a cultive como uma doença, e sim como uma circunstância
A sua é de que tamanho? Difícil encontrar alguém que tenha uma solidão pequena, ajustada, do tipo baby look. Geralmente, a solidão é larga, esgarçada, como uma camiseta que poderia vestir outros corpos além do nosso. E costuma ser com outros corpos que se tenta combatê-la, mas combatê-la por quê?
Se nossa solidão pudesse ser visualizada, ela seria um vasto campo abandonado, um estádio de futebol numa segunda-feira de manhã. Dói, mas tem poesia. Talvez seja por aí que devamos reavaliá-la: no reconhecimento do que há de belo na sua amplitude.
A solidão não precisa ser aniquilada, ela só precisa de um sentido. Eu não saberia dizer que outra coisa mais benéfica há para isso do que livros. Uma biblioteca com mil volumes é um exército que não combate a solidão, mas a ela se alia.
A solidão costuma ser tratada como algo deslocado da realidade, como um tumor que invade um órgão vital. Ah, se todos os tumores pudessem ser curados com amigos. Uma pessoa que não fez amigos não teve pela sua vida nenhum respeito. Nossa solidão é nossa casa e necessita abrir horários de visita, hospedar, convidar para o almoço, cozinhar com afeto, revelar-se uma solidão anfitriã, que gosta de ouvir as histórias das solidões dos outros, já que todos possuem seus descampados.
A solidão não precisa se valer apenas do monólogo. Pode aprender a dialogar e deve exercitar isso também através da arte. Há sempre uma conversa silenciosa entre o ator no palco e o sujeito no escuro da platéia, entre o pintor em seu ateliê e o visitante do museu, entre o escritor e o seu leitor desconhecido. Ah, os livros, de novo. De todos os que preenchem nossa solidão, são os livros os mais anárquicos, os mais instigantes. Leia, e seu silêncio ganhará voz.
Às vezes, tratamos nosso isolamento com certa afetação. Acendemos um cigarro na penumbra da sala, botamos um disco dilacerante e aguardamos pelas lágrimas. Já fizemos essa cena num final de domingo – tem dia mais solitário? É comum que a gente entre na fantasia de que nossa solidão daria um filme noir, mas sem esquecer que ela continuará conosco amanhã e depois de amanhã, deixando de ser charmosa e nos acompanhando até o supermercado. Suporte-a com bom humor ou com mau humor, mas não a despreze.
Permita que sua solidão seja bem aproveitada, que ela não seja inútil. Não a cultive como uma doença, e sim como uma circunstância. Em vez de tentar expulsá-la, habite-a com espiritualidade, estética, memória, inspiração, percepções. Não será menos solidão, apenas uma solidão mais povoada. Quem não sabe povoar sua solidão, também não saberá ficar sozinho em meio a uma multidão, escreveu Baudelaire.
Ah, os livros, outra vez.
Recall da alma
Também gostaria que me chamassem para um recall, mas não para avaliarem meu carro, mas a mim mesma. Quem me convocaria?
Ora, quem? Deus, o dono da fábrica!
Todos nós saímos da linha de montagem com alguns defeitos, mas ninguém nos avisa disso.
À medida que vamos rodando é que as avarias vão surgindo, provocando acidentes que poderiam ser evitados caso alguém tivesse nos chamado para uma revisão.
– Olha, você tem um problema de superaquecimento. Cada vez que uma pessoa discorda do seu ponto de vista, sua tendência é perder a cabeça e sair agredindo, dizendo coisas que fazem os amigos se afastarem de você. Venha cá, vamos dar uma regulada nesse seu termostato.
– O problema está na aceleração. Já reparou como você é rapidinho? Quer tudo para ontem, não deixa as coisas acontecerem no seu tempo, atropela todo mundo. Encosta ali que já resolvo isso.
– Seu retrovisor interno é muito grande! Como é que eu deixei você ir pra rua assim? Você vive olhando pra trás, tem mania de perseguição, não se livra do passado. Vou diminuir esta sua tentação de ficar vivendo de lembranças para que você ganhe uma área maior de visão frontal.
– Seu caso, vejamos: você derrapa muito. E tem folga na direção. Precisa ser mais objetivo, dizer o que pensa, não ser assim tão escorregadio. Me alcança ali a chave de fenda que eu dou um jeito nisso agorinha. Seria a glória.
Mas creio que Deus anda muito ocupado para se dedicar a consertos.
Melhor resolver nossas falhas com um manualzinho caseiro mesmo.
Claro que não vai dar para ajeitar tudo: temos alguns bons anos de uso e certas peças já não são passíveis de reposição, mas não custa fazer um autobalanceamento de vez em quando, para a gente não se estragar no meio do caminho.
Recall, só de alma.
Para que serve uma relação?
Uma relação tem que servir para você se sentir 100% à vontade com outra pessoa,
À vontade para concordar com ela e discordar dela.
Para ter sexo sem “não-me-toques” ou para cair no sono logo após o jantar.
Uma relação tem que servir para você ter com quem ir ao cinema de mãos dadas.
Para ter alguém que instale o som novo enquanto você prepara uma omelete.
Para ter alguém com quem viajar para um país distante.
Para ter alguém com quem ficar em silêncio sem que nenhum dos dois se incomode com isso.
Uma relação tem que servir para, às vezes, estimular você a se produzir, e, quase sempre,
Estimular você a ser do jeito que é, de cara lavada e bonita a seu modo.
Uma relação tem que servir para um e outro se sentirem amparados nas suas inquietações
Para ensinar a confiar, a respeitar as diferenças que há entre as pessoas,
E deve servir para fazer os dois se divertirem demais, mesmo em casa, principalmente em casa.
Uma relação tem que servir para cobrir as despesas um do outro num momento de aperto,
E cobrir as dores um do outro num momento de melancolia,
E cobrirem o corpo um do outro quando o cobertor cair.
Uma relação tem que servir para um perdoar as fraquezas do outro,
Para um abrir a garrafa de vinho e para o outro abrir o jogo, e para os dois abrirem-se para o mundo, cientes de que o mundo não se resume aos dois.
Fecha e deixa solto
Muitos leitores mandam sugestões de tema para crônica, e nem sempre posso aproveitá-las, não porque não sejam boas, mas é preciso que eu comungue da mesma idéia, senão vira uma simples encomenda e o texto sai frio. Mas semana passada um internauta chamado Paulo me contou um papo que teve com um amigo e eu não pude desprezar o depoimento dele, até porque, além de divertido, considero o assunto de utilidade pública.
Ambos maduros, com alguns casamentos nas costas, estavam se queixando das namoradas. Não agüentavam mais a ladainha: “onde foi, onde estava, por que não ligou, não me disse que foi, de quem é esse número, liguei e não atendeu, eu vi que você olhou pra ela, a que horas você chegou, você não me convidou, por que você não atendeu, o que vamos fazer no Carnaval, você quer que eu vá ou não, assim não vou”.
Ri muito quando ele reproduziu esse pout-pourri de lamentações. É bem assim. Os apaixonados costumam massacrar. Eu só acrescentaria que esse massacre não é só feminino: tem muito homem que age da mesma forma.
Mas prosseguindo. O amigo de Paulo, durante a conversa, apontou uma saída: “Elas precisam aprender com os flanelinhas”.
Como?
“O flanelinha te indica um lugar pra estacionar e diz: fecha e deixa solto”. Não é simples?
Eis a fórmula sugerida por eles para fazer as relações durarem mais do que três semanas: fecha (sim, um relacionamento fechado, fiel, bacana), mas deixa solto. Mantenha um espaço para respirar. Permita um mínimo de mobilidade: poder empurrar um pouquinho pra frente, um pouquinho pra trás. Possibilite uma manobra, um encaixe. Não puxe o freio de mão.
Essa crônica foi praticamente escrita pelo meu leitor Paulo, cujo sobrenome não vou revelar para que suas namoradas não se sintam expostas. Mas seja para Paulos, Marias, Anetes ou Ricardos, a regra do flanelinha deve ser seguida e regulamentada: fecha e deixa solto. Confia. Ninguém quer invadir seu relacionamento, mas é preciso que haja flexibilidade, ajuste às novas situações, enfim, tem que relaxar um pouco.
Tem quê? Bom, talvez não tenha que relaxar, se esse tipo de queixa (onde foi, com quem estava, por que não ligou) for considerado um carinho, um cuidado, parte do jogo do amor, sem causar maiores irritações. Mas, antes de iniciar um interrogatório desse tipo, sonde o terreno, veja se está agradando. Geralmente, pessoas maduras já estão com a paciência esgotada para investigações minuciosas. Desconfio até que a irritação se dá por que “onde fomos, com quem fomos e por que não ligamos” não tem nada de excitante ou misterioso: fomos almoçar com a mãe e o celular ficou sem bateria. Se estivéssemos fazendo algo realmente condenável, aí sim, justificaria uma crucificação verbal. Ao menos as respostas exercitariam nossa criatividade e cinismo.
Mas como somos todos inocentes, feche e deixe solto.
Lúcifer e os lúcidos
“Lúcido deve ser parente de Lúcifer
a faculdade de ver deve ser coisa do demônio
lucidez custa os olhos da cara.”
Estou embriagada pelos novos poemas de Viviane Mosé. Esta é só uma palhinha de Pensamento Chão, um livro essencial nesses tempos em que já sabemos que não convém circular de Rolex por aí, já sabemos que certos políticos nunca ouviram falar em honra, já sabemos que o verão vai ser sufocante e só nos resta olhar um pouco para dentro de nós, o único lugar onde ainda encontramos alguma novidade.
Essa visão inusitada que Viviane nos oferece sobre lucidez, por exemplo, é um convite para a reflexão. Em tempos insanos, de tanta gente maluca por vaidade, maluca por juventude, maluca por dinheiro, maluca por poder, os lúcidos destacam-se pela raridade. São aqueles que não inventam personagens de si mesmos, não se trapaceiam, não criam fantasias, ao contrário: se comprometem com a verdade. E se envolver assim com a transparência dos fatos requer uma integridade diabólica. Para olhar o bicho nos olhos é preciso ser bicho também. Enfrentar a verdade é quase um ato de selvageria.
Mas que verdade é essa, afinal? É aí que o demônio apresenta sua conta, pois o lúcido tem que se confrontar com uma verdade desestabilizadora: a de que não existe verdade absoluta. Nossos pensamentos não estacionam, nossos desejos variam, o certo e o errado flertam um com o outro, não há permanência, tudo é provisório, e buscar um porto seguro é antecipar o fim: a única segurança está na morte, será ela nosso único endereço definitivo. Durante o percurso da vida, tudo é movimento, surpresa e sorte.
O lúcido faz parte do time – cada vez mais desfalcado – dos que se desesperam como todo mundo, porém de um modo mais íntimo e refinado. O lúcido organiza sua loucura, acondiciona o que está solto no ar, interliga várias idéias independentes para que, agarradas umas nas outras, não se dispersem, estejam ao alcance da mente. Quanto mais o lúcido pensa, mais percebe que lucidez plena não existe, o que existe são suposições, algumas até coerentes, o que nos mantêm no eixo. Lúcido é aquele que sabe que lucidez é uma falácia, e não pira com isso. Recebe a conta das mãos do demônio, calcula os ganhos e os prejuízos, e paga. Custa sim, Viviane, os olhos da cara, esse vício de pensar e repensar, pensar e compensar, pensar, pensar, pensar e morrer do mesmo jeito. Por isso achei tão interessante seu poema. Você matou a charada: Lúcifer é uma espécie de padroeiro dos lúcidos – e lúcido é só um outro nome para louco. O louco que tem a cabeça no lugar demais.
Já reparou que tem receita para tudo?
Já reparou que tem receita para tudo?
Como ser feliz no casamento…
Como ter uma trajetória de sucesso…
Como manter-se jovem…
Parece que meia dúzia de conselhos resolvem tudo!
Para ser feliz no casamento, todo mundo deve reinventar a relação diariamente.
Para ter uma trajetória de sucesso, todo mundo deve ser comunicativo e saber inglês, para se manter jovem, todo mundo deve parar de fumar e beber de comer. Todo mundo quem, cara pálida?
Todo mundo é um conceito abstrato, uma generalização.
Ninguém pode saber o que é melhor para cada um.
Fórmulas e tendências servem apenas como sinalizadores de comportamento, mas para conquistar satisfação pessoal para valer, só vivendo do jeito que a gente acha que deve, enquadrados ou não no que se convencionou chamar normal.
O casamento é a instituição com que todos convivem desde a infância.
Por isso, acreditamos saber, na prática, o que funciona e o que não funciona. Só que a prática dos nossos pais era deles, não nossa. A gente apenas testemunhou, e bem caladinhos.
Ainda assim, a maioria dos noivos diz ¿sim¿ diante do padre já com um roteiro esquematizado na cabeça, sabendo exatamente os exemplos que pretende reproduzir de seus pais e os exemplos a evitar
Porém, não tiveram os mesmos pais, e nada é mais diferente do que a família do vizinho.
É mais fácil imitar, seguir a onda, fazer de um jeito já testado por muitos e, se não der certo, tudo bem…
Nossas dores e nossos medos muitas vezes são herdados e a gente nem percebe.
Agir como todo mundo é moleza. Bendito descanso pra cabeça: é uma facilidade terem roteirizado a vida.
Mas, cedo ou tarde, a conta vem, e geralmente é salgada.
Fazer do seu jeito (amores, moda, horários, viagens, trabalho, ócio) é uma maneira de ficar em paz consigo mesmo e, de lambuja, firmar sua personalidade, destacar-se da paisagem.
Claro que não se deve lutar insanamente contra as convenções só por serem convenções (muitas delas nos servem e, se nos servem, nada há de errado com elas).
Mas, se não facilitam, outro jeito há de ter. Um jeito próprio de ser alguém, em vez de simplesmente reproduzir os diversos jeitos coletivos de ser mais um.
Por isso, que eu gosto da música do Frank Sinatra que diz: I did it my way (que significa fiz do meu jeito).
Autoria de Martha Medeiros
O futuro lá eu aqui – Martha Medeiros
Eu admiro muito este circo mais moderno que existe hoje, que não expõe animais amestrados e privilegia o equilíbrio, o ilusionismo, a movimentação, a fantasia, a música, a acrobacia e a arte, tais como o nosso Tholl e, naturalmente, o Cirque du Soleil. Quando eu soube que haveria uma apresentação do Cirque em Porto Alegre, vibrei. Quando? Na segunda quinzena de maio de 2008. Contando desde agora, faltam sete meses e meio. Temos que passar antes pela primavera, pelo verão, pelo Natal, pelo Ano-Novo, pelo Carnaval, pela Páscoa e ainda entrar em um novo outono. Não comprei os ingressos.
Sou uma mulher planejada, mas não consigo me antecipar tanto assim aos fatos. É bastante provável que eu esteja viva em maio de 2008, mas não posso garantir que não estarei envolvida com um problema de família, ou com uma viagem marcada para o Exterior, ou com uma dor-de-cotovelo gigantesca, daquelas que nos jogam na cama e nos fazem esbravejar diante da palavra Alegria. Ok, tudo desculpa esfarrapada, mas a verdade é que não quero deixar nada agendado para maio de 2008, nem para mês algum de 2008. Deve ser coisa da idade, claro. Quero parar o tempo, e não ser empurrada lá pra frente.
Fico imaginando que casais de namorados que compraram as entradas três meses atrás (quando um cartão de crédito fez uma tentadora promoção) talvez não estejam mais juntos ano que vem. Mas sentarão lado a lado, rosnando educadamente um para o outro. Mulheres que também compraram o ingresso em julho passado talvez tenham engravidado logo depois e estejam saindo da maternidade no dia do espetáculo. Algumas pessoas terão, neste meio tempo, recebido uma proposta de emprego, só que em outro Estado. Alguns poderão estar passando por dificuldades financeiras e acabarão vendendo seus ingressos na entrada, feito cambistas. Vá saber como estará sua vida em maio do ano que vem.
Acredito nas voltas do mundo, nas surpresas que nos aguardam, na velocidade das mudanças. Isso me impede de agendar compromissos com tanta antecedência, pois daria a entender que tenho controle sobre meu destino, e não tenho, ninguém tem. Não me comprometo com eventos profissionais muito longe do meu hoje, não reservo mesa em restaurantes da moda que possuem uma fila de espera de semanas, não compro bilhetes de viagem para datas que não possam ser anotadas na agenda que estou usando agora. Vou perder o Cirque du Soleil em Porto Alegre? Talvez não. Espero que não. Sou otimista o suficiente para acreditar que, chegando mais perto, conspirações cósmicas me ajudarão a adquirir um lugar na platéia, alguma venda extra há de ter. Mas se não conseguir, paciência. Não vou trazer o futuro para tão perto, prefiro chegar lá com mais calma. Já me basta a tortura de ter que começar a planejar o próximo Réveillon.
Em caso de despressurização
Eu estava dentro do avião, prestes a decolar, e pela milionésima vez escutava a orientação do comandante: “Em caso de despressurização da cabine, máscaras cairão automaticamente a sua frente. Coloque primeiro a sua e só então auxilie quem estiver a seu lado”. E a imagem no monitor mostrava justamente isso, uma mãe colocando a máscara no filho pequeno, estando ela já com a dela.
É uma imagem um pouco aflitiva, porque a tendência de todas as mães é primeiro salvar o filho e depois pensar em si mesma. Um instinto natural da fêmea que somos, todas. Mas a orientação dentro dos aviões tem lógica: como poderíamos ajudar quem quer que seja estando desmaiadas, sufocadas, despressurizadas?
Isso vem de encontro a algo que sempre defendi, por mais que pareça egoísmo: se quer colaborar com o mundo, comece por você.
Tem gente à beça fazendo discurso e reclamando em nome dos outros, mas mantém a própria vida desarrumada. Trabalham naquilo que não gostam, não se esforçam para manter uma relação de amor prazerosa, não cuidam da própria saúde, não se interessam por cultura e informação e estão mais propensos a rosnar do que a aprender. Com a cabeça assim minada, vão passar que tipo de tranqüilidade adiante? Que espécie de exemplo? E vão reivindicar o quê?
Quer uma cidade mais limpa, comece pelo seu quarto e seu banheiro. Quer mais justiça social, respeite os direitos da empregada que trabalha na sua casa. Um trânsito menos violento, é simples: avalie como você mesmo dirige. E uma vida melhor para todos? Pô, ajudaria muito colocar um sorriso neste rosto, parar de praguejar, encontrar soluções viáveis para seus problemas, dar uma melhorada em você mesmo. Tudo o que nos acontece é responsabilidade nossa, tanto a parte boa como a parte ruim da nossa história, salvo tragédias pessoais e abandonos sociais. E, mesmo entre os menos afortunados, há os que viram o jogo, ao contrário dos que viram uns chatos.
Antes de falar mal da Caras, pense se você mesmo não anda fazendo muita fofoca. Coloque sua camiseta pró-ecologia, mas antes lembre-se de não jogar lixo na rua e nem de usar o carro desnecessariamente. Uma coisa está relacionada com a outra: você e o universo. Quer salvá-lo? Garanta-se primeiro. Não se sinta culpado em pensar em si próprio. Cuide da sua saúde. Arrume o que é seu. Agora sim, estando quite consigo mesmo, vá em frente e mostre aos outros como se faz.
Amo você quando não é você
Parece aquelas notícias de jornal popular, mas merece uma página inteira na imprensa nobre. Escute só: um casal em crise estava, cada um, em segredo, trocando e-mails com um pretendente virtual. Ela querendo ver o marido pelas costas e total mente envolvida pelo cara com quem teclava todos os dias. E o marido querendo que a bruaca evaporasse para poder curtir a gata que conheceu num chat. Você certamente já matou a charada: cada um marcou um encontro às ganhas com seu amor clandestino e shazam: descobriram que estavam teclando um com o outro sem saber.
Ou seja, marido e mulher não se amavam mais, porém se apaixonaram um pelo outro pela internet, usando pseudônimos. Imagine a cena: você se arruma para um primeiro encontro com alta carga erótica e dá de cara com seu cônjuge. Eu iria rir da situação e tentaria reinvestir no casamento desgastado, dessa vez estabelecendo novos códigos, mas o casal em questão não teve senso de humor e pediu o divórcio, alegando que estavam sendo “traídos”. Moralismo nessa hora?
Não é preciso teses nem seminários: este fato, isoladamente, consegue explicar e exemplificar o ponto frágil dos casamentos de longa duração. Todo ser humano é vaidoso – uns mais, outros menos – e essa vaidade se estende ao campo da sedução. Por mais que a gente ame a pessoa com quem casamos, a passagem do tempo reduz o feedback sexual. As transas podem até continuar prazerosas e relativamente assíduas, mas já não temos certeza se seríamos capazes de chamar a atenção de alguém que nada soubesse sobre nós, e esta é uma necessidade que não esmorece nunca: seguimos interessantes? seguimos atraentes? E a pergunta mais séria entre todas: depois de tanto tempo fundidos com um parceiro, sabemos ainda quem somos nós?
Sendo assim, ficamos suscetíveis a uma paquera. Pela internet, parece seguro, sem conseqüências, mas não impede que nos apaixonemos – nem tanto pelo outro, mas principalmente por nós mesmos. Recuperamos a adolescência perdida: nos tornamos novamente audazes, sedutores e jovens – paixão rejuvenesce mais que botox. É a chance para a gente se reinventar e ganhar uma sobrevida neste mausoléu de sentimentos chamado “estabilidade afetiva”. Não, você não, que é de outra estirpe. Estou falando de gente comum.
Este casal pagou um mico, mas fez um alerta à humanidade: somos capazes de nos apaixonar por quem já fomos apaixonados, desde que esta pessoa se apresente a nós como uma novidade e nos dê também a chance de sermos quem a gente ainda não foi. Este marido, que em casa talvez fosse carrancudo e desleixado, revelou-se bem-humorado e empreendedor para sua nova “namorada”. A esposa, que em casa talvez bocejasse pelos cantos, mostrou-se alegre e entusiasmada para o novo “namorado”. Estavam o tempo inteiro conversando com quem conheciam há anos, mas, da forma que se apresentaram, desconheciam-se.
Já escrevi uma vez sobre este tema: a gente se apaixona para corrigir nosso passado. Agora fica claro que podemos corrigir nosso passado com os próprios protagonistas do nosso passado, desde que eles nos enxerguem com olhos mais curiosos, com um coração mais disposto e que acenem com um novo futuro.
A vida com legendas
Uma vez eu estava assistindo a um filme americano no DVD, quando uma amiga da minha filha chegou aqui em casa. Ela deu um alô de longe, para não atrapalhar a sessão, mas de repente algo chamou sua atenção na TV, e em seguida ela me olhou com uma expressão atônita. Achei que fosse me revelar um segredo de Fátima, mas o que ela me disse foi: “Tia, você não sabe? Dá para assistir ao filme dublado!”. Aquele “tia” não conseguiu estragar meu humor. “Eu sei, querida, mas eu prefiro assistir com legenda”.
A cara de espanto que ela fez, só vendo. Dava para ler seu pensamento: como alguém pode preferir ver um filme com legenda em vez de dublado??? Pois é.
Eu me rendo feliz às legendas, já que meu inglês não é nenhum espetáculo. Mas não é só por isso. Por melhores que sejam nossos dubladores, perde-se a interpretação original, o tom de voz, as interjeições. Fica um troço frio. Dublada, qualquer obra de arte parece filme de sessão da tarde. Vai pro ralo a magia do cinema.
Legenda, ao contrário, permite o confronto entre o que foi dito e o que foi compreendido. Temos acesso às duas versões. Aliás, não seria nada mal se legendassem algumas cenas da vida real, também.
Num antigo prédio onde morei, havia um porteiro muito gentil, mas que falava um idioma indecifrável. Vogais e consoantes embolavam-se de tal modo que qualquer coisa que ele dissesse parecia turco. O senhor pode repetir, seu Gomes? Vorwitzj shurtkwzç halytqjh. Sei, sei, obrigada, seu Gomes. E eu entrava no prédio sem saber se o elevador estava enguiçado, se a vizinha havia cometido suicídio ou se tinham assaltado meu apartamento.
Igualmente enigmáticos são certos depoimentos de políticos. Falam em português, sem dúvida, mas falta uma simetria com os fatos apurados. “Esta assinatura não é minha.” “Não tenho dinheiro em paraíso fiscal.” “Sou e sempre fui um cidadão honesto”.
Legendas, please. Eu não compreender.
Agora, intraduzíveis mesmo são os diálogos entre marido e mulher. Ele diz que vai se atrasar 10 minutos e ela conclui: ele tem outra. Ele diz que está com saudade e ela retruca: então por que só me ligou uma vez hoje? Ele diz que está infeliz no emprego e ela: não vem com frescura, o aluguel vai aumentar. Ele diz que a ama e ela: “Repete”.
“Eu te amo.”
“Ah, diz de novo.”
“Te amo.”
“Mais uma vez.”
“Te amo, caramba!”
“Eu sabia, você não me ama mais, se irrita por qualquer coisinha.”
Mas voltando ao assunto inicial desta crônica: soube que o mercado cinematográfico está colocando à disposição um número cada vez maior de cópias dubladas, não apenas de filmes infantis, o que se explica, mas também de filmes para adultos. E o público está aplaudindo a tendência, pois, segundo pesquisa, preferem mesmo assistir ao filme direto em português. Uma pena. Entendo que se queira facilitar a vida, mas quando se quer facilitar demais, perde-se algumas pequenas sofisticações, hoje cada vez mais raras
O ocasional e o essencial – Martha Medeiros
Uma das razões que torna o escritor Ian McEwan um dos grandes nomes da literatura contemporânea é que ele escreve tão bem que consegue nos capturar para dentro de seus livros. Você não lê: você vive aquilo que está escrito. No seu mais recente lançamento, Na Praia, os personagens Edward e Florence, recém casados, travam uma conversa que definirá o futuro de cada um. É um diálogo difícil, delicado, forte, emocionante, verdadeiro, triste e nenhum destes adjetivos vêm em nosso socorro para ajudar a compreender a cena, não é preciso: a gente está ali com eles, ouvindo tudo, sofrendo junto. Enquanto eles conversavam, escutei não apenas suas vozes, mas o barulho das ondas, a interferência da brisa e a lenta batida do coração de cada um. Quase paramos todos de respirar – o casal e eu.
A questão dolorosa do livro é uma pergunta para a qual dificilmente encontramos resposta: a pessoa que você amou e perdeu no passado era essencial na sua vida?
Uns tiveram muitos amores entre os 16 e os 80 anos, outros tiveram poucos, mas todos nós possuímos um passado, não há quem tenha vivido com o coração desocupado. Os dias que correm, hoje, indicam que nossa vida amorosa irá se intensificar ainda mais, uma vez que as possibilidades de encontro se multiplicam (a Internet fazendo sua parte), os preconceitos diminuem (aumentando a oferta de “composições”) e a necessidade de desejar e ser desejado tem se imposto à necessidade de casar e ter filhos. Na prática, estas mudanças já vêm acontecendo. Há diversas formas de se relacionar, e se o número de adeptos de formas menos tradicionais ainda não é volumoso, o respeito por todas elas está, ao menos, quase sedimentado.
Este entre-e-sai de homens e mulheres na vida uns dos outros dinamiza as relações, incrementa biografias, dá uma sensação de estarmos aproveitando bem o nosso tempo. E o amor não está excluído da festa, pode marcar presença forte em quaisquer dos novos padrões de comportamento. Mas este barulho todo não oculta nosso questionamento mais secreto: haverá alguém que, entre todos os que cruzaram nosso caminho, poderia ter nos transformado, nos acrescido, nos desviado desta eterna experimentação e justificado nossa existência de uma forma mais intensa? Terá esta pessoa cruzado por nós e a perdemos por causa de uma frase mal colocada, por uma palavra dita com agressividade, por uma precipitação, por um medo ou um equívoco?
Não é uma resposta que chegue cedo para todos. Sorte de quem já a tem. Em Na Praia, Ian McEwan não oferece um final infeliz a seus personagens, mas não os priva de uma dúvida comum a todos: que destino teríamos se um amor vivido errado tivesse sido vivido certo. Como assumir este amor sem sofrer as influências da época, da sociedade e da nossa própria imaturidade. Como valorizar o que se tem no momento em que se tem, e não depois. Como livrar-se do fantasma do “se eu tivesse dito, se eu tivesse feito, se eu…”.
O maravilhoso mundo das relações amorosas progride, se reinventa, se liberta das convenções, se movimenta para um lado e para o outro, mas seguimos mantendo a íntima esperança de que, entre todos os “muitos” que nos fizeram felizes, possamos reconhecer aquele “um” que calaria todas as nossas perguntas.
Outra pessoa
Sou fã da Gloria Kalil, uma mulher elegante em sua despretensiosa simplicidade e que consegue ser feminina e categórica ao mesmo tempo – combinação rara. Pois é ela que dá graça e leveza ao quadro Etiqueta Urbana, que apresenta junto com Renata Ceribelli no Fantástico, aos domingos. No último programa (22/07), o assunto era etiqueta nas relações amorosas: o que a intimidade permite e o que não permite. Todos deveriam nascer sabendo, mas há quem se atrapalhe, normal. O que é difícil de acreditar é que ainda exista, como o programa mostrou, mulheres que atendam o celular do parceiro para checar quem está ligando pra ele. Uma moça explicou que faz isso porque se sente no direito de saber quem está atrás do seu marido, e justificou: “se fosse outra pessoa, eu não faria”. No que Gloria Kalil, abismada, alertou: “mas ele é outra pessoa”.
Extra, extra! Notícia quente para quem está chegando agora da lua: nossos namorados, maridos e esposas são outras pessoas. Eles dizem que nos amam, e tudo indica que é verdade, mas isso não significa que o amor possua o dom de fundir o casal. Este ser com quem você divide o teto e as contas continua tendo amigos próprios, clientes próprios, vida própria. Você não vai acreditar: até pensamentos próprios! Pois é, criatura. Seu grande amor nasceu de uma família que não tem nada a ver com a sua, teve uma infância muito diferente da que você teve e viveu muito bem sem sonhar que você iria atravessar o destino dele – claro que, se ele for romântico, vai negar esta última parte e dizer que simplesmente não existiu antes de você aparecer. Como é que você tem coragem de xeretar a privacidade de um sujeito tão sedutor?
Celulares tocam numa tarde de domingo e isso não quer dizer que do outro lado da linha esteja um ricardão ou uma manteúda. Mas pode ser que esteja também, quem aqui tem bola de cristal? Só que não é esta a questão. O assunto em pauta é civilidade, lembra? Tem que ter! Educação segue sendo necessário até pra quem está casado há 82 anos, sem contar os sete de namoro. Se não houver gentileza e respeito, vira barraco. Baixaria. Fiasco. Portanto, pare de achar que está sendo traído e de ficar procurando evidências. Siga o conselho do sábio psiquiatra suíço Adolph Meyer: não coce onde não está coçando.
As relações amorosas seriam muito menos traumatizantes se os envolvidos tivessem a consciência de que estão vivenciando um excitante encontro entre adultos, e não um projeto de mútua adoção. Ninguém é criança, ninguém agüenta monitoramento constante. Morando em casas separadas ou na mesma casa, ele é uma pessoa, você é outra, e é aconselhável que cada um respire com o próprio nariz, pra não acabar em asfixia.
Ah! o coração …
Acho uma pena que falar em coração
tenha se tornado uma coisa tão antiga.
Mas o fato é que tornou-se.
Coração dilacerado, coração em pedaços, coração na mão…
Sentimos tudo isso, mas a verbalização soa piegas.
E, no entanto, estamos falando dele, do nosso órgão mais vital,
do nosso armazenador de emoções, do mais forte opositor do cérebro,
este sim, em fase de grande prestígio.
O que está em alta?
Inteligência, raciocínio, lógica, perspicácia!
Gostamos de pessoas que pensam rápido, que são coerentes,
que evoluem, que fazem os outros rirem com suas ironias
e comentários espertos.
Toda essa eficiência só corre risco de desandar quando entra em cena
o inimigo número 1 do cérebro: o coração.
É o coração que faz com que uma super mulher independente
derrame baldes de lágrimas por causa de uma discussão com o namorado.
É o coração que faz com que o empresário que precisa enxugar
a folha de pagamento relute em demitir um pai de família.
É o coração que faz com que todos tremam seus queixinhos
quando o Faustão põe no ar o quadro arquivo confidencial!
Eu gostaria que o coração fosse reabilitado, que a simples menção dessa palavra
não sugerisse sentimentalismo barato, mas para isso é preciso tratá-lo com o
mesmo respeito com que tratamos o cérebro, e com a mesma economia.
Se a expressão “beijo no coração” é considerada “over “, voltemos a ser simples.
Mandemos beijos e abraços sem determinar onde;
quem os receber, tratará de senti-los no local adequado.
Martha Medeiros
As verdadeiras mulheres felizes
Acabo de ler um livro de Eliette Abecassis, uma francesa que eu não conhecia. O nome da obra, no original, é Un Heureux Événement, que pode ser traduzido para Um Feliz Acontecimento, mas é um título irônico, pois o livro trata sobre o fator que, segundo a autora, destrói as relações amorosas: o nascimento de um filho. Num tom exageradamente desesperado, a personagem narra o fim do seu casamento depois que dá à luz. Concordo que a chegada de uma criança muda muita coisa entre o casal, mas a escritora carrega nas tintas e cria um quadro de terror para as mães de primeira viagem. Se o nascimento de um filho é sempre desconcertante, é preciso lembrar que é, ao mesmo tempo, uma emoção sem tamanho. De minha parte, só tenho bons momentos a recordar, nada foi dramático. Mas mesmo que, por experiência própria, eu não compartilhe com a desolação da autora, ainda assim ela diz no livro uma frase muito interessante. Ao enumerar as diversas mazelas por que passam as criaturas do sexo feminino, ela me veio com esta: “os homens são as verdadeiras mulheres felizes”.
Atente para a sutileza da frase. O que ela quis dizer? Que os homens saem pela porta de manhã e vão trabalhar sem pensar se os filhos estão bem agasalhados ou se fizeram o dever da escola. Os homens não menstruam, não têm celulite, não passam por alterações hormonais que detonam o humor. Os homens não se preocupam tanto com o cabelo e não morrem de culpa quando não telefonam para suas mães. Os homens comem qualquer coisa na rua e o cardápio do jantar não é da sua conta, a não ser quando decidem cozinhar eles próprios, e isso é sempre um momento de lazer, nunca um dever. Os homens não encasquetam tanto, são mais práticos. Eu, que estou longe de ser uma feminista e mais longe ainda de ser ranzinza, tenho que reconhecer o brilhantismo da frase: os homens são mulheres felizes. Eles fazem tudo o que a gente gostaria de fazer: não se preocupam em demasia com nada.
Porque nosso mal é este: pensar demais. Nós, as reconhecidas como sensíveis e afetivas, somos, na verdade, máquinas cerebrais. Alucinadamente cerebrais. Capazes de surtar com qualquer coisa, desde as mínimas até as muito mínimas. Somos mulheres que nunca estão à toa na vida, vendo a banda passar, e sim atoladas em indagações, tentando solucionar questões intrincadas, de olho sempre na hora seguinte, no dia seguinte, planejando, estruturando, tentando se desfazer dos problemas, sempre na ativa, sempre atentas, sempre alertas, escoteiras 24 horas.
Os homens, mesmo quando muito ocupados, são mais relax. Focam no que têm que fazer e deixam o resto pra depois, quando chegar a hora, se chegar. Não tentam salvar o mundo de uma tacada só. E a chegada de um filho, ainda que assuste a eles, como assusta a todos, é algo para se lidar com calma, é um aprendizado, uma curtição, nada de muito caótico. Eles não precisam dar de mamar de duas em duas horas, não ficam fora de forma, não enlouquecem. Isso é uma dádiva: os homens raramente enlouquecem.
Nós, nem preciso dizer. Nascemos doidas. Por isso somos tão interessantes, é verdade, mas felicíssimas, só de vez em quando, nas horas em que não nos exigimos desumanamente. Homens, portanto, são realmente as verdadeiras mulheres felizes. Que isso sirva de homenagem aos queridos, e sirva pra rir um pouco de nós mesmas, as que se agarram com unhas e dentes ao papel de vítimas porque ainda não aprenderam a ser desencanadas como eles.
O tempo perdoa tudo
Se alguém mata uma pessoa e consegue escapar da polícia, mantendo-se fora do alcance da lei por um longo período,o crime prescreve. Vinte anos depois do delito cometido, fica extinguida a punibilidade do criminoso por o estado não tê-lo julgado e condenado em tempo hábil. Agora pense bem: se até a Justiça admite que depois de os ânimos serenarem ninguém precisa mais de castigo, talvez a gente também devesse suspender a pena daqueles que cometeram crimes contra o nosso coração.
Mágoas entre pais e filhos, por exemplo. Não tem nada mais complicado do que família, você sabe. Amor à parte, os desentendimentos são generalizados, e às vezes uma frustração infantil segue perturbando a gente até a idade adulta. Seu pai nunca lhe deu um abraço? É um crime fazer isso com a criança, mas é preciso prescrevê-lo. Vinte anos depois, não da para continuar usando essa justificativa para explicar por que você usa drogas ou por que não consegue ser afetuoso com os outros. Cresça e perdoe.
Você jurou que nunca mais iria falar com aquele seu amigo que lhe dedurou no colégio? Eu também acho que duderagem é falta de caráter, e você teve toda a razão de ficar danado da vida. Mas quanto tempo faz isso? O cara agora está jogando futebol no seu time, tem sido um companheirão, e você segue não baixando a guarda por causa daquela molecagem do passado. Releve e chame o ex-inimigo para tomar uma cerveja, por conta dos novos tempos.
Dureza, agora: ele foi o amor da sua vida. Chegaram a noivar. Você já estava comprando o enxoval quando o cara terminou tudo. Por telefone. Não deu explicação: rompeu e desligou. Na mesma semana seguinte foi visto enrabichado numa bisca. Você deseja ardentemente que ambos caiam numa piscina lotado de piranhas famintas. Apoiado. Mas faz quanto tempo isso ? Você já casou, ele já casou, aquela bisca não durou nem duas semanas. Por que ainda fingir que não o vê quando o encontra num restaurante ? É bandeira demais ficar tanto tempo magoada. E a tal superioridade, onde anda ? Dê um abaninho pra ele.
Se quem estrangula e degola recebe o perdão da sociedade depois de duas décadas, os pequenos criminosos do cotidiano também merecem que a passagem do tempo atenue seus delitos. Não cultive rancor. Se não quiser mais conviver com aquele que lhe fez mal, não conviva, mas não fique até hoje armando estratégias de vingança. Perdoe. Vinte anos depois, bem entendido.
Texto do livro NON-STOP, dezembro de 1999
Espelhos Vivos
Estava assistindo ao RBS Notícias, meio distraída, quando apareceu na tela o depoimento de um homem. Eu não estava prestando atenção na matéria, não sei que assunto estava sendo tratado, mas aquele homem eu conhecia. Grisalho, óculos de grau, um senhor. Mas um senhor de feições familiares. Quando apareceu o nome dele nos créditos, pensei: eu conheci um cara com este nome. Claro!!! Era um amigo que eu não via há muito tempo. Pertencemos a uma mesma turma anos atrás. Muita praia pegamos juntos. Lembro dele surfando, namorando as garotas mais bonitas, um sujeito muito engraçado. Pois era ele que estava ali na tevê de terno e gravata, grisalho, de óculos, era ele aquele senhor – da minha idade!!!
Costumamos conferir os estragos do tempo nos espelhos de casa, mas eles já se acostumaram com a nossa imagem. A gente se enxerga tantas vezes por dia que não repara nas ruguinhas que surgem e nos fios de cabelo branco recém-nascidos. Tudo o que vemos demais se torna quase invisível. É preciso um impacto para a gente cair na real. Algo como dormir 15 anos e acordar de repente. Ou ver uma foto antiga. Ou assistir na tevê ao depoimento de um amigo sumido. Este amigo amadureceu, tornou-se um profissional respeitado, mas deve seguir o mesmo brincalhão de sempre. E é bem possível que, se ele me visse na tevê, pensasse o mesmo de mim: de onde eu conheço essa senhora? E cairia para trás ao lembrar que tivemos 20 anos de idade no mesmo verão.
O espelho mais realista são os outros. Quando vejo Robert Redford, hoje, não consigo acreditar que é o mesmo homem que atuou em Butch Cassidy, e o mesmo vale para sua versão nacional, o Francisco Cuoco, que foi o Gianecchini dos anos 70 e hoje é um charmoso matusalém. O tempo tem rosto, o tempo tem mãos, o tempo tem voz – e nada disso permanece o mesmo.
Minha mãe se mantém linda em qualquer idade, e a Tereza, empregada que trabalha com ela desde os 14 anos de idade e hoje é avó, não mudou nadinha. Um caso a ser estudado pela ciência.
A moral da história é que espelhos vivos podem nos dar boas ou más notícias. Depende do nosso olhar. E do nosso humor.
Quando o corpo fala
Nunca tinha escutado o nome de Louise L. Hay, que, pelo que eu soube, é uma psicóloga americana com vários livros publicados e traduzidos para diversos idiomas, inclusive para o português. Me parece que é de auto-ajuda, a julgar pelos títulos: Como curar sua vida e outros do gênero. Como se existisse fórmula mágica para alguma coisa. Se esses manuais funcionassem, seríamos todos belos, ricos, bem-casados, desenvoltos, empreendedores, bambambãs em tudo. Mas um dos temas que ela trata é bastante interessante e já inspirou vários batepapos entre amigos. Ela diz que todas as doenças que temos são criadas por nós. Pô, Louise. Como assim, “criadas”? Fosse simples desse jeito, bastaria a força da mente para evitar que o vírus da gripe infectasse o ser humano.
Porém, se não levarmos tudo o que ela diz ao pé da letra, se abstrairmos certos exageros, vamos chegar a um senso comum: nós realmente facilitamos certas invasões ao nosso corpo. É o que se chama somatizar, ou seja, é quando uma dor psíquica pode se manifestar fisicamente. Muitas vezes acontece, sim.
“Todas as doenças têm origem num estado de não-perdão”, diz a psicóloga. “Sempre que estamos doentes, necessitamos descobrir a quem precisamos perdoar.” Mais uma vez, o exagero, já que “sempre” é um amontoado de tempo que não sustenta nenhuma teoria. Mas ela insiste: “Pesar, tristeza, raiva e vingança são sentimentos que vieram de um espaço onde não houve perdão. Perdoar dissolve o ressentimento.”
Pois é, o perdão. Outro dia estava lendo um verso de uma poeta que já citei em outra oportunidade, a Vera Americano, em que ela diz: “Perdão/ duro rito/ da remoção do estorvo”. É difícil perdoar, mas que faz bem à saúde, não tenho a menor dúvida. Quanto mais leve a alma, mais forte o organismo. Por que não tentar?
Louise L. Hay acredita tanto, mas tanto nisso, que chegou a fazer uma lista de doenças e suas prováveis causas. Exemplo: apendicite vem do medo. Asma, de choro contido. Câncer, de mágoas mantidas por muito tempo. Derrame, da rejeição à vida. Dor de cabeça vem da autocrítica. Gastrite, de incertezas profundas. Hemorróidas vem do medo de prazos determinados e raiva do passado. A insônia vem da culpa. Os nódulos, do ego ferido. Sinusite é irritação com pessoa próxima.
Eu sei e os leitores também sabem que não é bem assim, que isso é uma generalização e que há vários outros fatores em jogo, mas não custa prestarmos atenção na interferência que nossos sentimentos têm sobre nosso corpo, assim poderemos ajudar no tratamento sendo menos tensos e angustiados.
Para quem é 100% cético, tudo isso é balela. Já fui desse modo. Tempos atrás, não daria a mínima para as afirmações de Louise L. Hay. Hoje me considero 70% cética e ainda pretendo reduzir este índice, pois reconheço que os meus parcos 30% de crença no que não é cientificamente provado é que me salvam de uma úlcera.
OS QUATRO FANTASMAS
Leiga, totalmente leiga em psicanálise, é o que eu sou. Mas interessada como se dela dependesse minha sobrevivência. Para saciar essa minha curiosidade, costumo ler alguns livros sobre o assunto, e outro dia, envolvida por um texto instigante – acho que da Viviane Mosé, que já foi mencionada nesta página anteriormente – me deparei com as quatro principais questões que assombram nossas vidas e que determinam nossa sanidade mental. São elas:
1) Sabemos que vamos morrer.
2) Somos livres para viver como desejamos.
3) Nossa solidão é intrínseca.
4) A vida não tem sentido.
Basicamente, isso. Nossas maiores angústias e dificuldades advêm da maneira como lidamos com nossa finitude, com nossa liberdade, com nossa solidão e com a gratuidade da vida. Sábio é aquele que, diante dessas quatro verdades, não se desespera.
Realmente, não são questões fáceis. A consciência de que vamos morrer talvez seja a mais desestabilizadora, mas costumamos pensar nisso apenas quando há uma ameaça concreta: o diagnóstico de uma doença ou o avanço da idade. As outras perturbações são mais corriqueiras. Somos livres para escolher o que fazer de nossas vidas, e isso é amedrontador, pois coloca responsabilidade em nossas mãos. A solidão assusta, mas sabemos que há como conviver com ela: basta que a gente dê conteúdo à nossa existência, que tenhamos uma vontade incessante de aprender, de saber, de se autoconhecer. Quanto à gratuidade da vida, alguns resolvem com religião, outros com bom humor e humildade. O que estamos fazendo aqui? Estamos todos de passagem. Portanto, não aborreça os outros e nem a si próprio, trade de fazer o bem e de se divertir, que já é um grande projeto pessoal. Volto a destacar: bom humor e humildade são essenciais para ficarmos em paz. Os arrogantes são os que menos conseguem conviver com a finitude, a liberdade, com a solidão e com a falta de sentido da vida. Eles se julgam imortais, eles querem ditar as regras para os outros, eles recusam o silêncio e não vivem sem os aplausos e holofotes, dos quais são patéticos dependentes. A arrogância e a falta de humor conduzem muita gente a um sofrimento que poderia ser bastante minimizado: bastaria que eles tivessem mais tolerância diante das incertezas.
Tudo é incerto, a começar pelo dia e a hora da nossa morte. Incerto é o nosso destino, pois, por mais que façamos escolhas, elas só se mostrarão acertadas ou desastrosas lá adiante, na hora do balanço final. Incertos são nossos amores, e por isso é tão importante sentir-se bem mesmo estando só. Enfim, incerta é a vida e tudo o que ela comporta. Somos aprendizes, somos novatos, mas beneficiários de uma dádiva: nascemos. Tivemos a chance de existir. De se relacionar. De fazer tentativas. O sentido disso tudo? Fazer parte. Simplesmente fazer parte.
Muitos têm uma dificuldade tremenda em aceitar essa transitoriedade. Por isso a psicoterapia é tão benéfica. Ela estende a mão e ajuda a domar nosso medo. Só convivendo com esses quatro fantasmas – finitude, liberdade, solidão e falta de sentido da vida – é que conseguiremos aravessar os dias de forma mais alegre e desassombrada.
Sentir-se amado é ver que ela lembra de coisas que você contou dois anos atrás, é vê-la tentar reconciliar você com seu pai, é ver como ela fica triste quando você está triste e como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo uma tempestade em copo d’água. “Lembra que quando eu passei por isso você disse que eu estava dramatizando?” Então, chegou sua vez de simplificar as coisas. “Vem aqui, tira esse sapato.”
Sentem-se amados aqueles que perdoam um ao outro e que não transformam a mágoa em munição na hora da discussão. Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente bem-vindo, que se sente inteiro. Sente-se amado aquele que tem sua solidão respeitada, aquele que sabe que não existe assunto proibido, que tudo pode ser dito e compreendido.
Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é, sem inventar um personagem para a relação, pois personagem nenhum se sustenta muito tempo. Sente-se amado quem não ofega, mas suspira; quem não levanta a voz, mas fala; quem não concorda, mas escuta.
Agora sente-se e escute: eu te amo não diz tudo.
Crônica de um amor anunciado
Toda pessoa apaixonada é um publicitário em potencial. Não anuncia cigarros, hidratantes ou máquinas de lavar, mas anuncia seu amor, como se vivê-lo em segredo diminuísse sua intensidade.
O hábito começa na escola. O caderno abarrotado de regras gramaticais, fórmulas matemáticas e lições de geografia, e lá, na última página, centenas de corações desenhados com caneta vermelha. Parece aula de ciências, mas é introdução à publicidade. Em breve se estará desenhando corações em árvores, escrevendo atrás da porta do banheiro e grafitando a parede do corredor: Suzana ama João.
A partir de uma certa idade, a veia publicitária vai tornando-se mais discreta. Já não anunciamos nossa paixão em muros e bancos de jardim. Dispensa-se a mídia de massa e parte-se para o telemarketing. Contamos por telefone mesmo, para um público selecionado, as últimas notícias da nossa vida afetiva. Mas alguns não resistem em seguir propagando com alarde o seu amor. Colocam anúncios de verdade no jornal, geralmente nos classificados: Kika, te amo. Beto, volta pra mim. Everaldo, não me deixe por essa loira de farmácia. Joana, foi bom pra você também?
O grau máximo de profissionalismo é atingido quando o apaixonado manda colocar sua mensagem num outdoor em frente a casa da pessoa amada. O recado é para ela, mas a cidade inteira fica sabendo que alguém está tentando recuperar seu amor. Em grau menor de assiduidade, há casos em que apaixonados mandam despejar de um helicóptero pétalas de rosas no endereço do namorado, ou gastam uma fortuna para que a fumaça de um avião desenhe as iniciais do casal no céu. A criatividade dos amantes é infinita.
O amor é uma coisa íntima, mas todos nós temos a necessidade de torná-lo público. É a nossa vitória contra a solidão. Assim como as torcidas de futebol comemoram seus títulos com buzinaços, foguetório e cantorias, queremos também alardear nossa conquista pessoal, dividir a alegria de ter alguém que faz nosso coração bater mais forte. É por isso que, mesmo não sendo adepta do estardalhaço, me consterno por aqueles que amam escondido, amam em silêncio, amam clandestinamente. Mesmo que funcione como fetiche, priva o prazer de ter um amor compartilhado.
Lendo uma entrevista do professor Hermógenes, 86 anos, considerado o fundador da ioga no Brasil, ouvi uma palavra inventada por ele que me pareceu muito procedente: ele disse que o ser humano está sofrendo de normose, a doença de ser normal. Todo mundo quer se encaixar num padrão. Só que o padrão propagado não é exatamente fácil de alcançar. O sujeito “normal” é magro, alegre, belo, sociável, e bem-sucedido. Quem não se “normaliza” acaba adoecendo. A angústia de não ser o que os outros esperam de nós gera bulimias, depressões, síndromes do pânico e outras manifestações de não enquadramento. A pergunta a ser feita é: quem espera o que de nós? Quem são esses ditadores de comportamento a quem estamos outorgando tanto poder sobre nossas vidas?
Eles não existem. Nenhum João, Zé ou Ana bate à sua porta exigindo que você seja assim ou assado. Quem nos exige é uma coletividade abstrata que ganha “presença” através de modelos de comportamento amplamente divulgados. Só que não existe lei que obrigue você a ser do mesmo jeito que todos, seja lá quem for todos. Melhor se preocupar em ser você mesmo.
A normose não é brincadeira. Ela estimula a inveja, a auto-depreciação e a ânsia de querer o que não se precisa. Você precisa de quantos pares de sapato? Comparecer em quantas festas por mês? Pesar quantos quilos até o verão chegar?
Não é necessário fazer curso de nada para aprender a se desapegar de exigências fictícias. Um pouco de auto-estima basta. Pense nas pessoas que você mais admira: não são as que seguem todas as regras bovinamente, e sim aquelas que desenvolveram personalidade própria e arcaram com os riscos de viver uma vida a seu modo. Criaram o seu “normal” e jogaram fora a fórmula, não patentearam, não passaram adiante. O normal de cada um tem que ser original. Não adianta querer tomar para si as ilusões e desejos dos outros. É fraude. E uma vida fraudulenta faz sofrer demais.
Eu não sou filiada, seguidora, fiel, ou discípula de nenhuma religião ou crença, mas simpatizo cada vez mais com quem nos ajuda a remover obstáculos mentais e emocionais, e a viver de forma mais íntegra, simples e sincera. Por isso divulgo o alerta: a normose está doutrinando erradamente muitos homens e mulheres que poderiam, se quisessem, ser bem mais autênticos e felizes.
35 anos para ser feliz
Uma notinha instigante na Zero Hora de 30/09: foi realizado em Madri o Primeiro Congresso Internacional da Felicidade, e a conclusão dos congressistas foi que a felicidade só é alcançada depois dos 35 anos. Quem participou desse encontro? Psicólogos, sociólogos, artistas de circo? Não sei. Mas gostei do resultado.
A maioria das pessoas, quando são questionadas sobre o assunto, dizem: “Não existe felicidade, existem apenas momentos felizes”. É o que eu pensava quando habitava a caverna dos 17 anos, para onde não voltaria nem puxada pelos cabelos. Era angústia, solidão, impasses e incertezas pra tudo quanto era lado, minimizados por um garden party de vez em quando, um campeonato de tênis, um feriadão em Garopaba. Os tais momentos felizes.
Adolescente é buzinado dia e noite: tem que estudar para o vestibular, aprender inglês, usar camisinha, dizer não às drogas, não beber quando dirigir, dar satisfação aos pais, ler livros que não quer e administrar dezenas de paixões fulminantes e rompimentos. Não tem grana para ter o próprio canto, costuma deprimir-se de segunda a sexta e só se diverte aos sábados, em locais onde sempre tem fila. É o apocalipse. Felicidade, onde está você? Aqui, na casa dos 30 e sua vizinhança.
Está certo que surgem umas ruguinhas, umas mechas brancas e a barriga salienta-se, mas é um preço justo para o que se ganha em troca.
Pense bem: depois dos 30, você paga do próprio bolso o que come e o que veste. Vira-se no inglês, no francês, no italiano e no iídiche, e ai de quem rir do seu sotaque. Não tenta mais o suicídio quando um amor não dá certo, enjoou do cheiro da maconha, apaixonou-se por literatura, trocou sua mochila por uma Samsonite e não precisa da autorização de ninguém para assistir ao canal da Playboy. Talvez não tenha se tornado o bam-bam-bam que sonhou um dia, mas reconhece o rosto que vê no espelho, sabe de quem se trata e simpatiza com o cara.
Depois que cumprimos as missões impostas no berço — ter uma profissão, casar e procriar — passamos a ser livres, a escrever nossa própria história, a valorizar nossas qualidades e ter um certo carinho por nossos defeitos. Somos os titulares de nossas decisões. A juventude faz bem para a pele, mas nunca salvou ninguém de ser careta. A maturidade, sim, permite uma certa loucura. Depois dos 35, conforme descobriram os participantes daquele congresso curioso, estamos mais aptos a dizer que infelicidade não existe, o que existe são momentos infelizes. Sai bem mais em conta.
O único silêncio que perturba é aquele que fala. E fala alto. É quando ninguém bate à nossa porta,não há emails na caixa de entrada, não há recados na secretária eletrônica e, mesmo assim, você entende a mensagem.
Morre lentamente
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê,
quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajetos,
quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor
ou não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente quem evita uma paixão,
quem prefere o negro sobre o branco
e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções
justamente as que resgatam o brilho dos olhos,
sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
quem não se permite pelo menos uma vez na vida fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante.
Morre lentamente quem abandona um projeto antes de iniciá-lo,
não pergunta sobre um assunto que desconhece
ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Morre lentamente…
O cara diz que te ama, então tá! Ele te ama.
Assunto encerrado.
Você sabe que é amado porque lhe disseram isso, as três palavrinhas mágicas.
Mas saber-se amado é uma coisa, sentir-se amado é outra, uma diferença de quilômetros.
A demonstração de amor requer mais do que beijos, sexo e palavras.
Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida, que zela pela sua felicidade, que se preocupa quando as coisas não estão dando certo, que coloca-se a postos para ouvir suas dúvidas e que dá uma sacudida em você quando for preciso.
Ser amado é ver que ele(a) lembra de coisas que você contou dois anos atrás, e vê-lo(a) tentar reconciliar você com seu pai, é ver como ele(a) fica triste quando você está triste, e como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo uma tempestade em copo d’água.
Sentem-se amados aqueles que perdoam um ao outro e que não transformam a mágoa em munição na hora da discussão.
Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente inteiro.
Sente-se amado aquele que tem sua solidão respeitada, aquele que sabe que tudo pode ser dito e compreendido.
Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é, sem inventar um personagem para a relação, pois personagem nenhum se sustenta muito tempo.
Sente-se amado quem não ofega, mas suspira;
quem não levanta a voz, mas fala;
quem não concorda, mas escuta.
O silêncio arquiteta planos que não são compartilhados. Quando nada é dito, nada fica combinado.
Se não era amor, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não se sabe se vai ser antes ou depois de se chocar contra o solo. Eu bati a 200 km por hora e estou voltando a pé pra casa, avariada.
Eu sei, não precisa me dizer outra vez. Era uma diversão, uma paixonite, um jogo entre adultos. Talvez este seja o ponto. Talvez eu não seja adulta o suficiente para brincar tão longe do meu pátio, do meu quarto, das minhas bonecas. Onde é que eu estava com a cabeça, de acreditar em contos de fada, de achar que a gente muda o que sente, e que bastaria apertar um botão que as luzes apagariam e eu voltaria a minha vida satisfatória, sem seqüelas, sem registro de ocorrência? Eu não amei aquele cara. Eu tenho certeza que não. Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada.
Não era amor,era uma sorte. Não era amor, era uma travessura. Não era amor, eram dois travesseiros. Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era amor, era de tarde. Não era amor, era inverno. Não era amor, era sem medo. Não era amor, era melhor.
Todos nós amamos, erramos ou julgamos mal…
Todos nós já fizemos uma coisa quando o coração mandava fazer outra…
Então, qual a moral disso tudo?
Nem tudo sai como planejamos portanto, uma coisa é certa…
Não continue pensando em suas fraquezas e erros, faça tudo que puder para ser feliz hoje!
Não deite com mágoas no coração.
Não durma sem ao menos fazer uma pessoa feliz!
E comece com você mesmo!
Quando recusei o seio ao toque
pro primeiro homem que amei
ele perguntou se dava choque
e eu deixei
Eu te amo… não diz tudo.
A Morte Devagar
Morre lentamente quem não troca de ideias, não troca de discurso, evita as próprias Morre lentamente quem não troca de idéias, não troca de discurso, evita as próprias contradições.
Morre lentamente quem vira escravo do hábito, repetindo todos os dias o mesmo trajeto e as mesmas compras no supermercado. Quem não troca de marca, não arrisca vestir uma cor nova, não dá papo para quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru e seu parceiro diário. Muitos não podem comprar um livro ou uma entrada de cinema, mas muitos podem, e ainda assim alienam-se diante de um tubo de imagens que traz informação e entretenimento, mas que não deveria, mesmo com apenas 14 polegadas, ocupar tanto espaço em uma vida.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o preto no branco e os pingos nos is a um turbilhão de emoções indomáveis, justamente as que resgatam brilho nos olhos, sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho, quem não se permite, uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não acha graça de si mesmo.
Morre lentamente quem destrói seu amor-próprio. Pode ser depressão, que é doença séria e requer ajuda profissional. Então fenece a cada dia quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente quem não trabalha e quem não estuda, e na maioria das vezes isso não é opção e, sim, destino: então um governo omisso pode matar lentamente uma boa parcela da população.
Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da chuva incessante, desistindo de um projeto antes de iniciá-lo, não perguntando sobre um assunto que desconhece e não respondendo quando lhe indagam o que sabe.
Morre muita gente lentamente, e esta é a morte mais ingrata e traiçoeira, pois quando ela se aproxima de verdade, aí já estamos muito destreinados para percorrer o pouco tempo restante. Que amanhã, portanto, demore muito para ser o nosso dia. Já que não podemos evitar um final repentino, que ao menos evitemos a morte em suaves prestações, lembrando sempre que estar vivo exige um esforço bem maior do que simplesmente respirar.
Quem procura palavras para se decifrar está buscando autenticar uma farsa. É sempre um parto difícil, induzido, e não se sabe o que vamos ter que adotar como nosso até o fim da vida. Quanta responsabilidade, identificar-se! “Esta sou eu, muito prazer. Sinto isso, gosto daquilo, sou contra, sou a favor…” É uma idiotice delimitar-se através de preferências e opiniões. E depois morrer justificando estas escolhas que foram apenas casuais, oportunas, apetecíveis num determinado momento, mas nunca para sempre. Que sorte têm os tolos, os desprovidos de inteligência, que não fazem a menor questão de saber quem são e muito menos de propagar sua descoberta. Quanta angústia poupada, quanto motivo para continuar sorrindo apenas por… por… espasmo.
Se fosse feita uma enquete nas ruas com a pergunta: “Você tem a vida que pediu a Deus?”, a maioria responderia com um sonoro “quá quá quá”.
Lógico que alguém desempregado, doente ou que tenha sido vítima de uma tragédia pessoal não estará muito entusiasmado.
Mas mesmo os que teriam motivos para estar (aqueles que possuem emprego, saúde e alguma relação afetiva, que é considerada a tríade da felicidade) também não têm achado muita graça na vida.
O mundo é habitado por pessoas frustradas com o próprio trabalho, pessoas que não estão satisfeitas com o relacionamento que construíram, pessoas saudosas de velhos amores, pessoas que gostariam de estar morando em outro lugar, pessoas que se julgam injustiçadas pelo destino, pessoas que não agüentam mais viver com o dinheiro contado, pessoas que gostariam de ter uma vida social mais agitada, pessoas que prefeririam ter um corpo mais em forma, enfim, os exemplos se amontoam.
Se formos espiar pelo buraco da fechadura de cada um, descobriremos que estão todos relativamente bem, mas poderiam estar melhor.
Por que não estão? Ora, a culpa é do governo, do papa, da sociedade, do capitalismo, da mídia, do inferno zodiacal, dos carboidratos, dos hormônios e demais bodes expiatórios dos nossos infernizantes dilemas. A culpa é de tudo e de todos, menos nossa.
Um amigo meu, psiquiatra, costuma dizer uma frase atordoante. Ele acredita que todas as pessoas possuem a vida que desejam. Podem até não estar satisfeitas, mas vivem exatamente do jeito que acham que devem. Ninguém as força a nada, nem o governo, nem o Papa, nem a mídia. A gente tem a vida que pediu, sim. Se ela não está boa, quem nos impede de buscar outras opções?
Quase subo pelas paredes quando entro neste papo com ele porque respeito muito as fraquezas humanas. Sei como é difícil interromper uma trajetória de anos e arriscar-se no desconhecido. Reconheço os diversos fatores – família, amigos, opinião alheia – que nos conduzem ao acomodamento.
Por outro lado, sei que este meu amigo está certo. Somos os roteiristas da nossa própria história, podemos dar o final que quisermos para nossas cenas. Mas temos que querer de verdade. Querer pra valer. É este o esforço que nos falta.
A mulher que diz que adoraria se separar mas não o faz por causa dos filhos, no fundo não quer se separar. O homem que diz que adoraria ganhar a vida em outra atividade, mas já não é jovem para experimentar, no fundo não quer tentar mais nada.
É lá no fundo que estão as razões verdadeiras que levam as pessoas a mudarem ou a manterem as coisas como estão. É lá no fundo que os desejos e as necessidades se confrontam. Em vez de nos queixarmos, ganharíamos mais se nadássemos até lá embaixo para trazer a verdade à tona. E então deixar de sofrer.
Tarde demais é uma expressão cruel.
Tarde demais é uma hora morta.
Tarde demais é longe à beça.
Não é lá que devemos deixar
florescer nossas descobertas.
Fizeram a gente acreditar que amor mesmo, amor pra valer, só acontece uma vez, geralmente antes dos 30 anos. Não contaram pra nós que amor não é racionado nem chega com hora marcada.
Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja, e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade. Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos falta: a gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia, é só mais rápido.
Fizeram a gente acreditar numa fórmula chamada “dois em um”, duas pessoas pensando igual, agindo igual, que isso era que funcionava. Não nos contaram que isso tem nome: anulação. Que só sendo indivíduos com personalidade própria é que poderemos ter uma relação saudável.
Fizeram a gente acreditar que casamento é obrigatório e que desejos fora de hora devem ser reprimidos. Fizeram a gente acreditar que os bonitos e magros são mais amados, que os que transam pouco são caretas, que os que transam muito não são confiáveis, e que sempre haverá um chinelo velho para um pé torto. Ninguém nos disse que chinelos velhos também têm seu valor, já que não nos machucam, e que existe mais cabeças tortas do que pés.
Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz, a mesma para todos, e os que escapam dela estão condenados à marginalidade. Não nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas, são alienantes, e que poderíamos tentar outras alternativas menos convencionais.
TEMPERAMENTOS E AFINIDADES
O que é melhor para o relacionamento de um casal: que eles sejam iguais ou diferentes? Alguns apostam nos casais siameses: os dois corintianos, os dois petistas, os dois fumantes. Já outros preferem o antagonismo: ele Corinthians, ela Palmeiras; ele PT, ela PMDB; ele fumante, ela presidente da Associação de Combate ao Câncer de Pulmão.
Cada casal tem sua fórmula para dar certo, mas um pouco de equilíbrio ajuda a manter a estabilidade. O melhor parceiro é aquele que é bem diferente de nós e ao mesmo tempo muito parecido. Como? Diferente no temperamento, mas com mil afinidades.
Dois calmos vão pegar no sono muito rápido. Dois gulosos vão passar muito tempo no supermercado. Dois sedentários vão emburrecer na frente da tevê. Dois avarentos nunca terão um champanhe dentro da geladeira. Dois falantes jamais vão escutar um ao outro.
Temperamentos iguais se neutralizam. Temperamentos opostos é que provocam faísca. Ele é super responsável, paga as contas em dia e jamais ficou sem combustível. Ela, ao contrário, é zen. Sua música preferida é um mantra. Não sabe que dia é hoje, mas tem certeza que é abril. Brigas à vista? Que nada. Ela o acalma, ele a acelera, e os dois inventam o próprio ritmo. O que importa é que avançam na mesma direção.
Quando o projeto de vida é antagônico, aí é que a coisa complica. Ele adora o campo, odeia produtos industrializados e não perde o Globo Rural. Ela almoça e janta hamburger, tem horror a qualquer ser vivo com mais de duas patas e raspou suas economias para ver o show dos Rolling Stones em São Paulo, sua cidade modelo.
Ele odeia a instituição chamada família. Ela, ao contrário, não abre mão das macarronadas dominicais na casa da mãe. Ele não sobe num avião nem sob decreto, ela sonha em dar a volta ao mundo. Ele quer ter quatro filhos, ela ligou as trompas quando fez 18 anos. Ele é ativista político, faz doações para o partido e participa de sindicatos. Ela vota em quem estiver liderando nas pesquisas. Ele não admite televisão em casa, ela não admite menos de três: uma na sala, outra no quarto e uma de dez polegadas na cozinha. Pode dar certo? Pode, mas alguém vai ter que abrir mão dos seus sonhos.
Temperamentos diferentes provocam discussões contornáveis. Já a falta de afinidades pode reduzir um dos dois a mero coadjuvante da vida do outro. Alguém vai ter que ceder muito, e se não tiver talento para a submissão, vai sofrer.
Logo, não importa se ele chega sempre atrasado e você é a rainha da pontualidade, desde que ambos tenham a mesma visão de mundo e os mesmos valores. Esse é o prato principal de todo relacionamento. O resto é tempero.
É o amor, e não o tempo que cura todas as feridas.
Nada se compara à dor de um destino alterado para sempre.
O tempo não cura nada, o tempo apenas tira o incurável do centro das atenções.
O contrário do amor não é o ódio, é a indiferença.
Relacionamentos de uma “Vida Inteira” te ensinam lições para a vida inteira: coisas que você deve construir para ter uma formação emocional sólida. Sua tarefa é aceitar a lição, amar a pessoa, e colocar o que você aprendeu em uso em todos os outros relacionamentos e áreas de sua vida. É dito que o amor é cego, mas a amizade é clarividente. Obrigado por ser parte da minha vida.
Pare aqui e simplesmente SORRIA.
“Trabalhe como se você não precisasse do dinheiro,
Ame como se você nunca tivesse sido magoado, e dance como
se ninguém estivesse te observando.”
“O maior risco da vida é não fazer Nada”
3 comments Novembro 22, 2006
Eu desejo que desejes
Eu desejo que desejes ser feliz de um modo possível e rápido,
desejo que desejes uma via expressa rumo a realizações não utópicas,
mas viáveis, que desejes coisas simples como um suco gelado
depois de correr ou um abraço ao chegar em casa,
desejo que desejes com discernimento e com alvos bem mirados.
Mas desejo também que desejes com audácia,
que desejes uns sonhos descabidos
e que ao sabê-los impossíveis não os leve em grande consideração,
mas os mantenha acesos, livres de frustração,
desejes com fantasia e atrevimento,
estando alerta para as casualidades e os milagres,
para o imponderável da vida, onde os desejos secretos são atendidos.
Desejo que desejes trabalhar melhor, que desejes amar com menos amarras,
que desejes parar de fumar, que desejes viajar para bem longe
e desejes voltar para teu canto, desejo que desejes crescer
e que desejes o choro e o silêncio, através deles somos puxados pra dentro,
eu desejo que desejes ter a coragem de se enxergar mais nitidamente.
Mas desejo também que desejes uma alegria incontida,
que desejes mais amigos, e nem precisam ser melhores amigos,
basta que sejam bons parceiros de esporte e de mesas de bar,
que desejes o bar tanto quanto a igreja,
mas que o desejo pelo encontro seja sincero,
que desejes escutar as histórias dos outros,
que desejes acreditar nelas e desacreditar também,
faz parte este ir-e-vir de certezas e incertezas,
que desejes não ter tantos desejos concretos,
que o desejo maior seja a convivência pacífica
com outros que desejam outras coisas.
Desejo que desejes alguma mudança,
uma mudança que seja necessária e que ela não te pese na alma,
mudanças são temidas, mas não há outro combustível para essa travessia.
Desejo que desejes um ano inteiro de muitos meses bem fechados,
que nada fique por fazer, e desejo, principalmente,
que desejes desejar, que te permitas desejar,
pois o desejo é vigoroso e gratuito, o desejo é inocente,
não reprima teus pedidos ocultos, desejo que desejes vitórias,
romances, diagnósticos favoráveis, mais dinheiro e sentimentos vários,
mas desejo, antes de tudo, que desejes, simplesmente.
Martha Medeiros
1 comment Novembro 22, 2006
Despedida
Existem duas dores de amor:
A primeira é quando a relação termina e a gente,
seguindo amando, tem que se acostumar com a ausência do outro,
com a sensação de perda, de rejeição e com a falta de perspectiva,
já que ainda estamos tão embrulhados na dor
que não conseguimos ver luz no fim do túnel.
A segunda dor é quando começamos a vislumbrar a luz no fim do túnel.
A mais dilacerante é a dor física da falta de beijos e abraços,
a dor de virar desimportante para o ser amado.
Mas, quando esta dor passa, começamos um outro ritual de despedida:
a dor de abandonar o amor que sentíamos.
A dor de esvaziar o coração, de remover a saudade, de ficar livre,
sem sentimento especial por aquela pessoa. Dói também…
Na verdade, ficamos apegados ao amor tanto quanto à pessoa que o gerou.
Muitas pessoas reclamam por não conseguir se desprender de alguém.
É que, sem se darem conta, não querem se desprender.
Aquele amor, mesmo não retribuído, tornou-se um souvenir,
lembrança de uma época bonita que foi vivida…
Passou a ser um bem de valor inestimável, é uma sensação à qual
a gente se apega. Faz parte de nós.
Queremos, logicamente, voltar a ser alegres e disponíveis,
mas para isso é preciso abrir mão de algo que nos foi caro por muito tempo,
que de certa maneira entranhou-se na gente,
e que só com muito esforço é possível alforriar.
É uma dor mais amena, quase imperceptível.
Talvez, por isso, costuma durar mais do que a ‘dor-de-cotovelo’
propriamente dita. É uma dor que nos confunde.
Parece ser aquela mesma dor primeira, mas já é outra. A pessoa que nos
deixou já não nos interessa mais, mas interessa o amor que sentíamos por
ela, aquele amor que nos justificava como seres humanos,
que nos colocava dentro das estatísticas: “Eu amo, logo existo”.
Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo.
É o arremate de uma história que terminou,
externamente, sem nossa concordância,
mas que precisa também sair de dentro da gente…
E só então a gente poderá amar, de novo.
Martha Medeiros
2 comments Novembro 22, 2006
Obrigada por insistir
Até o mais seguro dos homens e a mais confiante das mulheres já passaram por um momento de hesitação, por dúvidas enormes e dúvidas mirins, que talvez nem merecessem ser chamadas de dúvidas, de tão pequenas. Vacilos, seria melhor dizer. Devo ir a este jantar, mesmo sabendo que a dona da casa não me conhece bem? Será que tiro o dinheiro do banco e invisto nesta loucura? Devo mandar um e-mail pedindo desculpas pela minha negligência? Nesta hora, precisamos de um empurrãozinho. E é aos empurradores que dedico esta crônica, a todos aqueles que testemunham os titubeios alheios e dizem: vá em frente!
“Obrigada por insistir para que eu pintasse, que eu escrevesse, que eu atuasse, obrigada por perceber em mim um talento que minha autocrítica jamais permitiria que se desenvolvesse.”
“Obrigada por insistir para que eu fosse visitar meu pai no hospital, eu não me perdoaria se não o tivesse visto e falado com ele uma última vez, eu não teria ido se continuasse sendo regida apenas pela minha teimosia e orgulho.”
“Obrigada por insistir para que eu conhecesse Veneza, do contrário eu ficaria para sempre fugindo de lugares turísticos e me considerando muito esperta, e com isso teria deixado de conhecer a cidade mais surreal e encantadora que meus olhos já viram.”
“Obrigada por insistir para que eu fizesse o exame, para que eu não fosse covarde diante das minhas fragilidades, só assim pude descobrir o que trago no corpo para tratá-lo a tempo. Não fosse por você, eu teria deixado este caroço crescer no meu pescoço e me engolir com medo e tudo.”
“Obrigada por insistir para eu voltar pra você, para eu deixar de ser adolescente e aceitar uma vida a dois, uma família, uma serenidade que eu não suspeitava. Eu não sabia que amava tanto você e que havia lhe dado boas pistas sobre isso, como é que você soube antes de mim?”
“Obrigada por insistir para que eu deixasse você, para que eu fosse seguir minha vida, obrigada pela sua confiança de que seríamos melhores amigos do que amantes, eu estava presa a uma condição social que eu pensava que me favorecia, mas nada me favorece mais do que esta liberdade para a qual você, que me conhece melhor do que eu mesma, apresentou-me como saída.”
“Obrigada por insistir para que eu não fosse àquela festa, eu não teria agüentado ver os dois juntos, eu não teria aturado, eu não evitaria outro escândalo, obrigada por ficar segurando minha mão e ter trancado minha porta.”
“Obrigada por insistir para eu cortar o cabelo, obrigada por insistir para eu dançar com você, obrigada por insistir para eu voltar a estudar, obrigada por insistir para eu não tirar o bebê, obrigada por insistir para eu fazer aquele teste, obrigada por insistir para eu me tratar.”
Em tempos em que quase ninguém se olha nos olhos, em que a maioria das pessoas pouco se interessa pelo que não lhe diz respeito, só mesmo agradecendo àqueles que percebem nossas descrenças, indecisões, suspeitas, tudo o que nos paralisa, e gastam um pouco da sua energia conosco, insistindo.
Martha Medeiros
1 comment Novembro 14, 2006
Previous Posts
——————————————————————————–
Calendar
Julho 2008 S T Q Q S S D
« Mai
1 2 3 4 5 6
7 8 9 10 11 12 13
14 15 16 17 18 19 20
21 22 23 24 25 26 27
28 29 30 31
Posts by Month
Maio 2008
Maio 2007
Dezembro 2006
Novembro 2006
Posts by Category
*
Ailin Aleixo
Airton Luis Mendonça
Bukowski
Caio Fernando de Abreu
Carlos Drummond de Andrade
Carlos Favaro Fanta
Chico Buarque
Chico Xavier
Circuladô de Fulô
Clarice Lispector
Trechos
Cordel do fogo encantado
Exupery
Fernando Pessoa
Alberto Caeiro
Alvaro de campos
Bernardo Soares
Ferreira Gullar
Florbela Espanca
Frases soltas
Geraldo Azevedo
Herbert Viana
Hilda Hist
ihh não sei
joão cabral de melo neto
Lya Luft
Maria Mercè Marçal
Mario Quintana
Martha Medeiros
Natiruts
Nietzsche
Pablo Neruda
Pearl Jam
Postal service
Recortes
Renato Russo
Silvia Plath
Vínicius de Moraes
——————————————————————————–
Tem muita gente que se distrai e é feliz pra sempre, sem conhecer as delícias de ser feliz por uns meses, depois infeliz por uns dias, felicíssimo por uns instantes, em outros instantes achar que ficou maluco.
Morre lentamente quem abandona um projeto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples fato de respirar.
Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio esplêndido de felicidade…
De mim, que tanto falam
Quero que reste o que calei
Que tanto rezam por mim
Quero que fique o que pequei
De mim, que tanto sabem
Quero que saibam que não sei…
Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio, quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante.
Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um feito muito maior que o simples fato de respirar. Somente a ardente paciência fará com que conquistemos uma esplêndida felicidade.
Meu sumiço é covarde, mas atento; meio fajuto, meio autêntico; sumi porque sumir é um jogo de paciência, ausentar-se é risco e sapiência, pareço desinteressado, mas sumi para estar para sempre do seu lado, a saudade fará mais por nós dois que nosso amor e sua desajeitada e irrefletida permanência.
Eu sou feito de
sonhos interrompidos
detalhes despercebidos
amores mal resolvidos.
Miss Imperfeita
Sou a miss imperfeita, muito prazer.
Uma imperfeita que faz tudo o que precisa fazer, como boa profissional, mãe e mulher que também sou: trabalho todos os dias, ganho minha grana, vou ao supermercado, decido o cardápio, levo e trago filhos do colégio, almoço com eles, estudo com eles, telefono para minha mãe todas as noites, procuro as amigas, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, vou ao dentista, mamografia, caminho meia hora diariamente, faço reuniões ligados à minha profissão e ainda faço escova toda semana – e as unhas! E, entre uma coisa e outra, leio livros.
Portanto, sou ocupada, mas por mais disciplinada que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres. Primeiro: a dizer não. Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer não. Culpa por nada, aliás.
Culpa zero.
Quando você nasceu, nenhum profeta entrou na maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que você seria modelo!
Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que você não chorasse muito e mamasse direitinho.
Você é humildemente, uma mulher.
E, se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida interessante. Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos…
É ter tempo. Tempo para fazer nada. Tempo para fazer tudo. Tempo para dançar sozinha na sala.
Tempo para sumir dois dias com seu amor.
Tempo para uma massagem. Tempo para ver a novela.
Para procurar um abajur novo para seu quarto.
Tempo para voltar a estudar.
Para engravidar.
Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser profissional sem deixar de existir. Existir, a que será que se destina? Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra.
Portanto, não queria sair por aí batendo records…
Pense nisso!
Nossa liberdade é parcial, todos sabem. Não me refiro ao país, e sim à nossa liberdade individual, minha e sua. Sempre que toco nesse assunto me vem à cabeça aquela frase que citei outras vezes: ‘O máximo de liberdade que podemos almejar é escolher a prisão em que queremos viver.’ É isso aí. E quais são essas prisões? Pode ser um casamento, ou, ao contrário, um compromisso com a solidão. Pode ser um emprego ou uma cidade que não conseguimos abandonar. Pode ser a maternidade. Pode ser a política. Pode ser o apego ao poder. Enfim, todas as nossas escolhas, incluindo as felizes, implicam algum confinamento, em alguma imobilidade, e não há nada de errado com isso, simplesmente assim é a vida, feita de opções que nos definem e nos enraízam.
Mas às vezes exageramos. Costumamos nos acorrentar também a algumas certezas e pensamentos como forma de dizer ao mundo quem somos. É como se redigíssemos uma constituição própria, para através dela apresentar à sociedade nossos alicerces: sou contra o voto obrigatório, sou a favor da descriminação das drogas, sou contra a pena de morte, sou a favor do controle de natalidade, sou contra a proibição do aborto, sou a favor das pesquisas com célula-tronco. Esse é apenas um exemplo de identidade que forjamos ao longo da vida. Você deve ter a sua, eu tenho a minha.
Dá uma segurança danada saber exatamente o que queremos e o que não queremos, no que cremos e no que desacreditamos. Mas onde é que está escrito, de fato, que temos que pensar sempre a mesma coisa, reagir sempre da mesma forma?
Ao trocar de opinião ou de hábitos, infringimos nossas próprias regras e passamos adiante uma imagem incômoda: a de que não somos seres confiáveis. As pessoas à nossa volta já haviam aprendido tudo sobre nós, sabiam lidar como nossos humores e nossos revezes, estava tudo dentro do programa e, de repente, ao mudarmos de idéia ou fazermos algo que nunca havíamos feito, subvertemos a ordem natural das coisas.
Quando visito algumas escolas, encontro estudantes um pouco assustados com as escolhas que farão e que lhe parecem definitivas. Tento aliviá-los: pensem, repensem, mudem quantas vezes vocês quiserem, é permitido voltar atrás. Digo isso porque eu mesma já reprimi muito meus movimentos, minhas alternâncias, numa época em que eu achava que uma pessoa séria tinha que morrer com suas escolhas. Ainda há quem considere leviana a pessoa que se questiona e se contradiz, mas já bastam as prisões necessárias – para que cultivar as desnecessárias?
Optei pelas medidas provisórias. Por isso, todos os anos eu faço uns picotes na minha constituição imaginária e jogo os pedacinhos de papel pela janela: é assim que comemoro o Dia da Independência. Da minha.
Luz, câmera, ação: e então filma-se o silêncio entre um homem e uma mulher que não se veem há nove anos, e então filmam-se todas as dúvidas sobre se devem se tocar ou não, se beijar ou não. Então filma-se o papo inicial, cauteloso, até que chega a hora da explosão, dos desabafos, das acusações e do quase choro. Então filma-se o que poderia ter sido – especulações – e o que será daqui por diante – especulações também.
E se o que faz o amor sobreviver for justamente a falta de convivência e rotina? Quem apostaria num amor apenas idealizado? E se a nossa intuição for mesmo a melhor conselheira e não merece ser desprezada? E se nossas lembranças nos traírem? E se casamento nenhum for mais importante do que um único encontro?
O cinema pode colocar pessoas desafiando a gravidade, cortando o pescoço uns dos outros, fazendo o tempo andar pra trás, e eu não me emocionarei nem ficarei perplexa, mas me dê um pouco de realidade e isso me arrebata.
Luz, câmara e outro tipo de ação
Existem filmes de ação com tiroteios, velocidade, cenas multipicotadas, sustos, finais bombásticos, superproduções. De vez em quando, até gosto. Mas os filmes de ação que estão entre meus preferidos são aqueles que, aparentemente, não têm ação nenhuma.
Um bom exemplo é “Antes do Pôr do Sol”, que dá continuidade ao “Antes do Amanhecer” e que finalmente entrou em cartaz. O filme é um blá-blá-blá ininterrupto entre um casal que caminha por Paris e discute a vida e a relação. Filme cabeça ou filme chato, rotule você. Mas não diga que não é um filme de ação.
Medo, suspense, aflição, expectativa: diálogos também provocam tudo isso. Como não sentir-se especialmente tocado por uma jovem mulher que admite ter perdido a ilusão do amor e que passou a viver blindada, refratária a qualquer nova relação? Como não sentir-se mexido quando um homem admite que casou porque todos casam, que passa 24 horas por dia infeliz e que a única coisa que lhe justifica a vida é o filho de quatro anos? O que pode ser mais mirabolante, impactante, desestabilizante, emocionante do que ver duas frágeis criaturas, um homem e uma mulher predestinados um ao outro, enfrentando a crueza da distância física e do tempo, e a irrealização de seus sonhos? Não se costuma catalogar estas pequenas crises existenciais como filmes de ação, mas elas me prendem na cadeira como nem uma dezena de Matrix conseguiria.
Casamento é um estado de espírito
Pra começar, casamento não deveria ser um divisor de águas na vida de uma pessoa, com uma data escolhida para separar definitivamente o antes do depois.
Em vez de decidir casar, deveríamos permitir que o casamento acontecesse espontaneamente, sem que a gente nem percebesse. Comigo, sortuda que sou, aconteceu assim. Estávamos juntos havia um tempão e cada um morava no seu apartamento. Aos poucos, a cumplicidade foi aumentando, nossas roupas e discos começaram a se misturar, já não queríamos dormir separados. Não fazíamos muitos planos para o futuro, curtíamos a companhia um do outro serenamente, sem pactos nem juras de amor eterno, até que um belo dia nos demos conta de que já estávamos casados, casadíssimos, a questão era oficializar ou não. Oficializamos, assinamos os papéis, e o que mudou a partir daí? Nada. Qual é a data do nosso casamento? 13 de janeiro, 30 de março, 23 de outubro, 8 de dezembro… escolha você. Em cada dia dos nossos quatro anos de namoro a gente casou um pouquinho. O que equivale a dizer que começamos a casar no dia em que nos conhecemos: não foi um crime premeditado.
Casamento é grude? Só se o casal ambiciona o ódio mútuo. Casamento é a união de duas pessoas que têm afinidades, que gostam muito de conversar uma com a outra, de transar uma com a outra e que resolvem morar juntas porque é mais econômico e porque facilita na hora de ter filhos, que é uma aventura deliciosa a ser compartilhada. Se ambos estiverem de acordo quanto a isso, aceitarão com naturalidade que cada um tenha os próprios amigos, os próprios passatempos, suas viagens, seu trabalho, enfim, que sejam donos de uma vida individualizada e inteira, e não mutilada. Leva-se um tempo até descobrir que esse é um arranjo que funciona. Pena que, antes que o casal amadureça e chegue a esse ponto, muitos desistem por puro apego às convenções.
Você deve estar pensando: muito bem, e agora? Ela vai continuar enrolando ou vai tocar naquele ponto nevrálgico que implode a maioria das relações?
Não, ela não vai continuar enrolando. É hora de falar na dolorosa. A questão da fidelidade.
Se Jennifer Aniston continuar casada com Brad Pitt por mais dez anos, até ela, com aquele monumento em casa, vai começar a bocejar e a olhar impaciente pela janela. Não porque Brad Pitt tenha dentes feios e espinhas no rosto (foi o Rubens Ewald que disse isso; pra mim Brad segue perfeito). A razão será outra: amor e sexo não são da mesma família. O amor é de família nobre e tradicional, enquanto o sexo vem da periferia e é chegado numa promiscuidade. Nem os sentimentos mais elevados por nosso parceiro conseguem evitar que tenhamos desejos secretos e fora de hora. Desejar é humano, meritíssimo, não nos condene. Estranho seria se a gente não tivesse nenhuma fantasia, nenhuma excitação pelo que acontece do lado de fora da cela.
Homens sentem vontade de transar com outras mulheres, e mulheres sentem vontade de transar com outros homens pelas mais diversas razões: para testar seu poder de sedução, para dar um up na auto-estima, para recuperar a adolescência perdida ou porque se apaixonaram por outra pessoa inadvertidamente – arrisco até a dizer: inocentemente. Ninguém tem controle absoluto sobre si mesmo, pode acontecer com qualquer um. E aí, como se resolve?
Quem é temente a Deus reprime. Quem é temente aos olhos dos vizinhos reprime. Quem é temente a si mesmo reprime. Mas quem não quer passar o resto da vida privando-se de sonhar, de se encantar, de namorar outra vez encara e assume os riscos, que não são poucos. Muitos acabam se separando, mesmo tendo um casamento que era satisfatório. No entanto, a tal “pulada de cerca” às vezes não gera maiores conflitos internos, é apenas uma necessidade paralela.
Não é assunto fácil, tampouco é novo. É um problema antigo e cabeludo. Envolve religião e seu subproduto: culpa. Sentimos culpa por tudo. Culpa por sermos avançadas demais, medrosas demais, galinhas demais, santinhas demais. Culpa pela nossa libido, pelas nossas fraquezas, pela nossa coragem. Culpa por estarmos mentindo, omitindo, enganando. Por ter permitido que o casamento chegasse a esse ponto de fragilidade – ou de segurança extrema, acreditando que tudo será perdoado e compreendido.
Casamento é um compromisso sério, mas não deveria significar prisão, submissão, anulação, obediência e tudo mais que caracteriza uma relação tirânica. Casamento deve significar amizade, sexo, respeito, diversão e companhia. Casamento tem que ser alegre, tem que ter sintonia, liberdade e muito jogo de cintura. Casamento não é brincadeira de criança, mas tem que ser leve, e é imprescindível que haja maturidade e – atenção – inteligência! A burrice é inimiga das relações, ela é que permite o surgimento de mesquinharias, preconceitos, implicâncias e ciúmes doentios. Casamento tem que ser aberto, não necessariamente no sentido sexual – isso é negociado caso a caso -, mas aberto para a renovação, para a conversa franca, para as necessidades de cada um, para a intimidade que vai além dos corpos, intimidade de almas, intimidade que permite a gente enxergar o outro, aceitar o outro e viver de maneira menos repetitiva e convencional. Cada casamento exige uma fórmula própria, cada casal inventa a sua, mas de uma coisa não se pode prescindir: da flexibilidade.
Parece facílimo, mas é um deus-nos-acuda. De tudo o que foi dito, a única conclusão a que chego é que os casamentos seguirão desmoronando se não houver uma compreensão do assunto que ultrapasse o romantismo. Amor é fundamental, mas não basta. É preciso um não-sei-quê que a gente não explica, mas sente. Algo que está no ar, no olhar, e que dispensa racionalizações.
Eu amo pessoas “San Francisco”
Uma das coisas que fascinam na cidade de San Francisco é ela estar localizada sobre a falha de San Andreas, que provoca pequenos abalos sísmicos de vez em quando e grandes terremotos de tempos em tempos. Você está muito faceiro caminhando pela cidade, e de uma hora para outra pode perder o chão, ver tudo sair do lugar, ficar tontinho, tontinho. É pouco provável que vá acontecer justo quando você estiver lá, mas existe a possibilidade, e isso amedronta, mas, ao mesmo tempo excita, vai dizer que não? Assim também são as pessoas interessantes: têm falhas. Pessoas perfeitas são como Viena, uma cidade linda, limpa, onde tudo funciona e você quase morre de tédio. Pessoas, como cidades, não precisam ser excessivamente bonitas. É fundamental que tenham sinais de expressão no rosto, um nariz com personalidade, um vinco na testa que as caracterize. Pessoas, como cidades, precisam ser limpas, mas, não ao ponto de não possuírem máculas. É preciso suar na hora do cansaço, é preciso ter um cheiro próprio, uma camiseta velha para dormir, um jeans quase transparente de tanto que foi usado, um batom que escapou dos lábios depois de um beijo, um rímel que borrou um pouquinho quando você chorou. Pessoas, como cidades, têm que funcionar, mas não podem ser previsíveis. De vez em quando, sem abusar muito da licença, devem ser insensatas, ligeiramente passionais, demonstrar um certo desatino, ir contra alguns prognósticos, cometer erros de julgamento e pedir desculpas depois, pedir desculpas sempre, para poder ter crédito e errar outra vez. Pessoas, como cidades, devem dar vontade de visitar, devem satisfazer nossa necessidade de viver momentos sublimes, devem ser calorosas, ser generosas e abrir suas portas, devem nos fazer querer voltar, porém, não devem nos deixar 100% seguros, nunca. Uma pequena dose de apreensão e cuidado devem provocar. Nunca se deve deixar os outros esquecerem que pessoas, assim como cidades, têm rachaduras internas, portanto podem surpreender.
Falhas. Agradeça as suas, que é o que humaniza você, e nos fascina.
Atalhos
Quanto tempo a gente perde na vida? Se somarmos todos os minutos jogados fora, perdemos anos inteiros. Depois de nascer, a gente demora pra falar, demora pra caminhar, aí mais tarde demora pra entender certas coisas, demora pra dar o braço a torcer. Viramos adolescentes teimosos e dramáticos. Levamos um século para aceitar o fim de uma relação, e outro século para abrir a guarda para um novo amor, e já adultos demoramos para dizer a alguém o que sentimos, demoramos para perdoar um amigo, demoramos para tomar uma decisão. Até que um dia a gente faz aniversário. 37 anos. Ou 41. Talvez 48. Uma idade qualquer que esteja no meio do trajeto. E a gente descobre que o tempo não pode continuar sendo desperdiçado. Fazendo uma analogia com o futebol, é como se a gente estivesse com o jogo empatado no segundo tempo e ainda se desse ao luxo de atrasar a bola pro goleiro ou fazer tabelas desnecessárias. Que esbanjamento. Não falta muito pro jogo acabar. É preciso encontrar logo o caminho do gol.
Sem muita frescura, sem muito desgaste, sem muito discurso. Tudo o que a gente quer, depois de uma certa idade, é ir direto ao assunto. Excetuando-se no sexo, onde a rapidez não é louvada, pra todo o resto é melhor atalhar. E isso a gente só alcança com alguma vivência e maturidade.
Pessoas experientes já não cozinham em fogo brando, não esperam sentados, não ficam dando voltas e voltas, não necessitam percorrer todos os estágios. Queimam etapas. Não desperdiçam mais nada.
Uma pessoa é sempre bruta com você? Não é obrigatório conviver com ela.
O cara está enrolando muito? Beije-o primeiro.
A resposta do emprego ainda não veio? Procure outro enquanto espera.
Paciência só para o que importa de verdade. Paciência para ver a tarde cair. Paciência para sorver um cálice de vinho. Paciência para a música e para os livros. Paciência para escutar um amigo. Paciência para aquilo que vale nossa dedicação. Pra enrolação, atalho.
Não passam as dores, também não passam as alegrias. Tudo o que nos fez feliz ou infeliz serve para montar o quebra-cabeça da nossa vida, um quebra-cabeça de cem mil peças. Aquela noite que você não conseguiu parar de chorar, aquele dia que você ficou caminhando sem saber para onde ir, aquele beijo cinematográfico que você recebeu, aquela visita surpresa que ela lhe fez, o parto do seu filho, a bronca do seu pai, a demissão injusta, o acidente que lhe deixou cicatrizes, tudo isso vai, aos pouquinhos, formando quem você é. Não há nenhuma peça que não se encaixe. Todas são aproveitáveis. Como são muitas, você pode esquecer de algumas, e a isso chamamos de “passou”. Não passou. Está lá dentro, meio perdida, mas quando você menos esperar, ela será necessária para você completar o jogo e se enxergar por inteiro.
Mulheres que amam de menos…
Eu quero dar meu depoimento. Creio ter um problema. Se mulheres que amam demais são aquelas que sufocam seus parceiros, que não confiam neles, que investigam cada passo que eles dão e que não conseguem pensar em mais nada a não ser em fantasiosas traições, então eu preciso admitir: sou uma mulher que ama de menos.
Eu nunca abri a caixa de mensagens do celular do meu marido.
Eu nunca abri um papel que estivesse em sua carteira.
Eu nunca fico irritada se uma colega de trabalho telefona pra ele.
Eu não escuto a conversa dele na extensão.
Eu não controlo o tanque de gasolina do carro dele para saber se ele andou muito ou pouco.
Eu não me importo quando ele acha outra mulher bonita, desde que ela seja realmente bonita. Se não for, é porque ele tem mau gosto
Eu não me sinto insegura se ele não me faz declarações de amor a toda hora.
Eu não azucrino a vida dele.
Segundo o que tenho visto por aí, meu diagnóstico é lamentável: eu o amo pouco. Será?
Obsessão e descontrole são doenças sérias e merecem respeito e tratamento, mas batizar isso de “amar demais” é uma romantização e um desserviço às mulheres e aos homens. Fica implícito que amar tem medida, que amar tem limite, quando na verdade amar nunca é demais. O que existe são mulheres e homens que têm baixa auto-estima, que tem níveis exagerados de insegurança e que não sabem a diferença entre amor e possessão. E tem aqueles que são apenas ciumentos e desconfiados, tornando-se chatos demais.
Mas se todo mundo concorda que uma patologia pode ser batizada de “amor demais”, então eu vou fundar As Mulheres que Amam De Menos, porque, pelo visto, quem é calma, quem não invade a privacidade do outro e quem confia na pessoa que escolheu pra viver também está doente.
Quindins na Portaria
Estava lendo o novo livro do Paulo Hecker Filho, Fidelidades, onde, numa de suas prosas poéticas, ele conta que, antigamente, deixava bilhetes, livros e quindins na portaria do prédio do Mario Quintana: “Para estar ao lado sem pesar com a presença”. Há outras histórias e poemas interessantes no livro, mas me detive nesta frase , porque não pesar os outros com nossa presença é um raro estalo de sensibilidade.
Para a maioria das pessoas, isso que chamo de um raro estalo de sensibilidade tem outro nome: frescura. Afinal, todo mundo gosta de carinho, todo mundo quer ser visitado, ninguém pesa com sua presença num mundo já tão individualista e solitário. Ah, pesa… Até mesmo uma relação íntima exige certos cuidados. Eu bato na porta antes de entrar no quarto das minhas filhas e na de meu próprio quarto, se sei que está ocupado. Eu pergunto para minha mãe se ela está livre antes de prosseguir com uma conversa por telefone. Eu não faço visitas inesperadas a ninguém, a não ser em caso de urgência, mas até minhas urgências tive a sorte de que fossem delicadas. Pessoas não ficam sentadas em seus sofás aguardando a chegada do Messias, o que dirá a do vizinho. Pessoas estão jantando. Pessoas estão preocupadas. Pessoas estão com o seu blusão preferido, aquele meio sujo e rasgado, que elas só usam quando ninguém está vendo. Pessoas estão chorando. Pessoas estão assistindo a seu programa de tevê favorito. Pessoas estão se amando. Avise que está a caminho. Frescura, jura? Então tá, frescura, que seja.
Adoro e-mails justamente porque são sempre bem-vindos, e posso retribuí-los sabendo que nada interromperei do lado de lá. Sem falar que encurtam o caminho para a intimidade. Dizemos pelo computador coisas que face a face seriam mais trabalhosas. Por não ser ao vivo, perde o caráter afetivo? Nem se discute que o encontro é sagrado. Mas é possível estar ao lado de quem a gente gosta por outros meios. Quando leio um livro indicado por uma amiga, fico mais próxima dela. Quando mando flores, vou junto com o cartão. Já visitei um pequeno lugarejo só para sentir o impacto que uma pessoa querida havia sentido, anos antes. Também é estar junto. Sendo assim, bilhetes, e-mails, livros e quindins na portaria não é distância: é só um outro tipo de abraço.
Sinta-se abraçado.
Espelho e desejo
Uma amiga me diz que não suporta mais se olhar no espelho. Ela está se achando gorda, feia, desprezível. Antigamente, eu talvez dissesse a ela que está na hora de fazer uma dieta e dar uma ajeitada no visual, mas hoje em dia aconselho outra coisa: está na hora, isso sim, de trocar de espelho.
Ela está apenas um pouco acima do peso ideal, e feia não é de jeito nenhum. É uma mulher inteligente, divertida, bacana. O problema é que está totalmente focada no trabalho, não tem se relacionado com ninguém. Não namora. Não quer nem pensar em seduzir ou ser seduzida, fechou pra balanço. É é justamente este o espelho que está lhe faltando pra ver-se com olhos mais generosos.
A gente se apaixona por si próprio à medida que nos enxergamos através dos olhos dos outros. Isolados numa ilha – ou trancados num apartamento – a tendência é não enxergarmos grandes atrativos em nós. Mesmo sabendo que somos pessoas legais, quem confirma isso? Ok, com a auto-estima em dia, não dependemos tanto assim da apreciação alheia. Mas ninguém consegue manter-se em alta por muito tempo sem comprovar que é amado, gostado. Em suma, desejado.
Todo ser humano necessita despertar desejo. Quando as pessoas nos olham e não nos diferenciam de uma cadeira, a coisa vai mal. Isso acontece muito naquela instituição, como é mesmo o nome? Casamento. Os dois seguem se amando, mas já estão há tanto tempo juntos que não faz mais diferença se a mulher embarangou ou se o marido perdeu os dois dentes da frente: “amo você de qualquer jeito, bem”. Ama, sem dúvida. Mas não nos enxerga mais. É aí que mora o perigo. Homens e mulheres precisam de um espelho que lhes diga constantemente o quanto são interessantes e atraentes. Se o espelho rachou em casa e não reflete mais nada, das duas uma: ou a gente se entrega ao desleixo, ou vai buscar reflexos de si mesmo em outro alguém.
Conheço garotas muito mais gordas que minha amiga, e menos bonitas e inteligentes do que ela, mas que não sentem vergonha do próprio corpo, seguem no jogo da vida, ganhando mais do que perdendo. São bem amadas por amigos e namorados, portanto a imagem que têm delas mesmas é menos rigorosa. E acabam se tornando belas de verdade.
Saudade nenhuma de mim
Volta e meia, crônicas, romances e poemas terminam com a indefectível frase: “Saudades de mim”. Será que eu já escrevi isso alguma vez, que sinto saudades de mim? Devo ter cometido, eu também, esta dramatização barata, somos todos reincidentes nos clichês. Mas, olha, sinceramente, não sinto, não.
Lembro de uma menina que se sentia uma estranha na sala de aula. Que adorava tomar lanche nas Lojas Americanas do centro da cidade. Que ficava esperando ser tirada pra dançar nas reuniões dançantes, e quando acontecia, que êxtase! Na vez em que foi tirada pelo garoto de quem ela era a fim (e ele a apertou mais do que os bons modos permitiam), os pais da menina chegaram justo naquela hora para buscá-la, sua primeira grande frustração. Lembro do primeiro beijo da menina, ela completamente nervosa. Lembro da menina já grande, em seu primeiro estágio, iniciando vida profissional. Lembro da menina agindo como adulta, indo morar fora do país. Lembro da menina voltando, sem resquícios da menina que havia sido. Saudades dela? Afeto por ela. Saudades eu tenho de nada.
Não voltaria um único dia na minha vida, e lembranças boas é o que não me faltam. Não voltaria à infância – mesmo nunca mais tendo sentido tanto orgulho de mim quanto senti no dia em que ganhei minha primeira bicicleta sem rodinhas auxiliares, aos 6 anos, e saí pedalando sem ajuda, já no primeiro minuto, sem quedas no currículo. Não voltaria à adolescência, quando fiz minhas primeiras viagens sozinha com as amigas e aprendi um pouquinho mais sobre quem eu era – e sobre quem eu não era. Não voltaria ao dia em que minhas filhas nasceram, que foram os dias mais felizes da minha vida, de uma felicidade inédita porque dali por diante haveria alguma mutilação na liberdade que eu tanto prezava – mas, por outro lado, experimentaria um amor que eu nem sonhava que podia ser tão intenso. Não voltaria ao dia de ontem – e ontem eu era mais jovem do que hoje, ontem eu era mais romântica do que hoje, ontem eu nem tinha pensado em escrever esta crônica, ontem faz mil anos. Não tenho saudades de mim com menos celulite, não tenho saudades de mim mais sonhadora. Não voltaria no tempo para consertar meus erros, não voltaria para a inocência que eu tinha – e tenho ainda. Terei saudades da ingenuidade que nunca perdi? Não tenho saudades nem de um minuto atrás. Tudo o que eu fui prossegue em mim.
Pegação
Eu vou pegar uma caneta e já anoto seu número.
Eu vou pegar o próximo ônibus.
Eu vou pegar um copo d´água pra você.
Eu, bro? Vou pegar uma mulher!!! Duas, se bobearem…
Ah, língua portuguesa, que flexibilidade. O tempo passa e o nosso vocabulário muda, se expande, se transforma, ganha novos e riquíssimos significados, como este agora: pegar mulher. Aliás, pega-se homem, também.
É natural que garotos e garotas saiam pra noite querendo se dar bem, conhecer pessoas, ter uma história, um romance, uma ficada, duas ficadas, três ficadas, quatro ficadas… esquece, a partir daí já não acho natural coisa nenhuma. Acho um desperdício de energia. Pegar quatro caras. Pegar cinco minas. A gente está falando de quê, de catadores de lixo?
Parece.
Não se trata de caretice, mas de adequação. Pegar, pega-se coisas. Não gente. Coisas. Bonecos infláveis, que podemos segurar, tocar, lamber e descartar 10 minutos depois. Coisas. Produção industrial, sentimento nenhum, envolvimento zero. Coisas. Objetos inanimados. Sem voz, sem idéias, sem vida. Coisas. Pegue-e-leve, pegue-e-largue, pegue-e-use, pegue-e-chute, pegue-e-conte-para-os-amigos-depois. Pegar, cá pra nós, é um verbo muito cafajeste.
Tudo bem experimentar sensações diversas, conhecer de tudo, exercitar a sexualidade, mas em vez de “pegar”, poderíamos empregar algum outro verbo menos frio e automático. Porque, quando duas bocas se tocam, nada é assim tão frio e automático, na maioria das vezes a naturalidade é forçada, é a turma que dita as regras e exige que todos se comportem igual, então vão todos para a balada fingindo que deixaram o coração em casa, mas deixaram nada. Deixaram a personalidade em casa, isso sim.
Mas o que uma tia como eu pode fazer contra o avanço (avanço??) dos costumes e a vulgarização do vocabulário? Sou do tempo em que pegava-se uma carona, um avião, uma gripe. Quando o assunto era relação, por mais frágil e rápida que fosse, ninguém estava pegando ninguém. Ao contrário, estava todo mundo se soltando.
Grandes e pequenas mulheres
Há mulheres de todos os gêneros. Histéricas, batalhadoras, frescas, profissionais, chatas, inteligentes, gostosas, parasitas, sensacionais. Mulheres de origens diversas, de idades várias, mulheres de posses ou de grana curta. Mulheres de tudo quanto é jeito. Mas se eu fosse homem prestaria atenção apenas num quesito: se a mulher é do tipo que puxa pra cima ou se é do tipo que empurra pra baixo.
Dizem que por trás de todo grande homem existe uma grande mulher. Meia-verdade. Ele pode ser grande estando sozinho também. Mas com uma mulher xarope ele não vai chegar a lugar algum.
Mulher que puxa pra cima é mulher que aposta nas decisões do cara, que não fica telefonando pro escritório toda hora, que tem a profissão dela, que o apóia quando ele diz que vai pedir demissão por questões éticas e que confia que vai dar tudo certo.
Mulher que empurra pra baixo é a que põe minhoca na cabeça dele sobre os seus colegas, a que tem acessos de carência bem na hora que ele tem que entrar numa reunião, a que não avaliza nenhuma mudança que ele propõe, a que quer manter tudo como está.
Mulher que puxa pra cima é a que dá uns toques na hora de ele se vestir, a que não perturba com questões menores, a que incentiva o marido a procurar os amigos, a que separa matérias de revista que possam interessá-lo, a que indica livros, a que faz amor com vontade.
Mulher que empurra pra baixo é a que reclama do salário dele, a que não acredita que ele tenha taco pra assumir uma promoção, a que acha que viajar é despesa e não investimento, a que tem ciúmes da secretária.
Mulher que puxa pra cima é a que dá conselhos e não palpite, a que acompanha nas festas e nas roubadas, a que tem bom humor.
Mulher que empurra pra baixo é a que debocha dos defeitos dele em rodinhas de amigos e que não acredita que ele vá mais longe do que já foi.
Se por trás de todo grande homem existe uma grande mulher, então vale o inverso também: por trás de um pequeno homem talvez exista uma mulher pequena.
Coisa de adolescente
Uma amiga minha, com dois filhos pra criar, me conta que está trocando e-mails com um cineasta charmoso, aquelas coisas que caem do céu de uma hora pra outra. Ela me diz com todas as letras: “estou me sentindo uma adolescente!”
Numa novela, outro dia, o mesmo texto: mulher recém-separada, mais de 50 anos, declarando-se apaixonada feito… feito o quê? Feito uma advogada, feito uma manicure, feito uma professora? Não, feito uma adolescente.
Nem eu escapo. Outro dia, recebi uma cantada de um guapo nada desprezível, e do alto dos meus 43 anos – 16 de casada -, me senti igualmente uma menina. Ora vejam, só por causa de uma cantada inocente que não levou a nada, só por causa da nostalgia que me provocou.
Qual é? Agimos como se apenas os adolescentes tivessem o direito de vibrar. Como se adrenalina correndo nas veias fosse um direito exclusivo deles. Como se homens e mulheres maduros não pudessem se divertir, não pudessem azarar sem compromisso, não pudessem se presentear com instantes de total curtição. Quem declarou que isso seria um desajuste? Nós mesmos, quem mais.
Entusiasmo não é coisa de adolescente: é coisa de gente grande. Vou além: é coisa de gente velha, inclusive. Coisa de adolescente é depender de ajuda financeira dos pais, passar a madrugada bebendo cerveja em posto de gasolina, andar sempre em turma. E até isto não é propriedade privada deles. Mas entusiasmo, vibração, paixonite? Que insistência burra esta nossa ao afirmar, cada vez que vivemos algo novo e excitante, que estamos em surto de adolescência. Isso sim é falta de maturidade. Os maduros de verdade sabem que estão sujeitos a vibrações em qualquer etapa da vida. Alguém está morto aí? Eu, não.
Sei que é difícil, mas vou tentar nunca mais dizer que um entusiasmo é “coisa de adolescente”. É desrespeitoso com eles, que quase sempre amam com mais intensidade do que nós. E desrespeito conosco, porque nós, os que julgam que tudo viram e tudo sabem, ainda iremos nos surpreender muito nesta vida.
Não pode tocar
Entro num museu, paro em frente a um quadro, a uma escultura, a uma cerâmica, e enxergo o aviso: não pode tocar. Não posso, então não toco, tudo bem. Não tocarei pra não estragar, pra não quebrar, pra durar por muitos séculos. Nada de sentir a textura do material, nada de deixar minhas digitais impressas, nada de arranhar a tela com minhas unhas mal lixadas, de desgastar as cores com meus dedos imundos. Então a gente respeita, não chega muito perto, não atravessa a linha amarela, nada de macular a obra com nosso hálito quente e nosso olhar aproximado demais.
Assim é também entre homens e mulheres, entre pais e filhos, entre amigos que procuram se proteger: não se pode tocar em determinados assuntos.
Há questões que arriscam ser maculadas com palavras, que um olhar aproximado demais poderia danificar. Instaura-se sempre um silêncio de museu ao nos aproximarmos de temas perigosos. Tolera-se apenas o som da tevê, de um teclado de computador, de alguém falando ao telefone, ruídos parecidos com silêncio, já que não fazem barulho excessivo, não incomodam o suficiente. Palavras incomodam o suficiente. Vamos falar sobre o que nos aconteceu dez anos atrás. Vamos conversar sobre a morte do seu pai. Vamos tentar entender juntos a razão de você estar bebendo desse jeito. Me diz o que te perturbou na infância. Não, não quero tocar neste assunto.
Mantenha-se atrás da faixa amarela, não chegue muito perto, não acerque-se de meus traumas, não invada meus mistérios, não atrite-se com o meu passado, não tente entender nada: é proibido tocar no sagrado de cada um.
Todas as relações do mundo possuem sua prateleira de cristais. Há sempre um suspense, uma delicadeza ao transitar pela fragilidade do outro. Melhor não falar muito alto, é mais prudente ir devagar e com cuidado. Para não estragar, pra não quebrar, pra durar por muitos séculos.
Tentando um novo amor
Para curar uma dor de amor, digam o que quiserem, só conheço um remédio: um amor novinho em folha. Enquanto nosso coração não encontrar outro pretendente, ficaremos cultivando o velho amor, alimentando-o diariamente, sofrendo por ele e, no fundo, bem no fundinho, felizes por ter para quem dedicar nossos ais e nossa insônia. A gente só enterra mesmo o defunto quando outra pessoa surge para ocupar o posto.
Se isso lhe parece uma teoria simplista, toque aqui. É simplista sim. Isso de enterrar o defunto do dia pra noite só funciona quando o defunto era apenas uma paixonite, um entusiasmo, fogo de palha. Porém, se era algo realmente profundo, um sentimento maduro, aí o efeito do novo amor pode revelar-se um belo tiro pela culatra. Ele acabará servindo apenas para dar a você a total certeza de que aquele amor anterior era realmente um bem durável. E a dor voltará redobrada.
Um beijo que deveria inaugurar uma nova fase em sua vida pode trazer à tona lembranças fortes do passado, e nem é preciso comparar os beijos, apenas as sensações provocadas. Quem já vivenciou isso sabe o constrangimento que é beijar alguém e morrer de saudades do antecessor.
Um novo amor pode transformar o que era opaco em transparência: você não sabia exatamente o que sentia pelo ex, se era amor ou não, então surge outra pessoa e você descobre que sim, era amor, caso contrário não sentiria esse abandono, essa perturbação, essa forte impressão de que está fazendo uma tentativa inútil, de que não conseguirá ir adiante.
Mas o que fazer? Encarar uma vida monástica, celibatária? Nada disso. Viva as tentativas inúteis! Uma, duas, três, até que alguma delas consiga superar de vez a inquietação do passado, que venha realmente inaugurar uma nova fase em sua agenda amorosa, que deixe você tranqüilo em relação ao que viveu e ao que deve viver daqui pra frente.
No entanto, quanto mais escrevo, mais me dou conta de que não há fórmula que dê garantia para nossas atitudes, de que não há pessoa neste mundo que não possa nos surpreender, de que tudo o que vivemos são tentativas, e que inútil, inútil mesmo, nenhuma é.
Te cuida
A gente sai de casa para ir numa festa ou para pegar a estrada, e antes que a porta atrás de nós se feche, ouvimos a voz deles, pai e mãe: te cuida. A recomendação sai no automático: tchau, te cuida. Um lembrete amoroso: te cuida, meu filho. A vida anda violenta, mas a gente não dá a mínima para este “te cuida” que a gente ouve desde o primeiro passeio do colégio, desde o primeiro banho de piscina na casa de amigos, desde a primeira vez que saímos a pé sozinhos. Pai e mãe são os reis do “te cuida”, e a gente mal registra, tão acostumados estamos com estes que não fazem outra coisa a não ser querer nosso bem e nos amar para todo sempre, amém.
No entanto, lembro da primeira vez em que estava apaixonada, me despedindo dentro do carro, entre beijos mais do que bons, com aquele que devia ser um moleque mas para mim era um homem, e um homem estranho, uma vez que não era pai, irmão, primo, amigo ou colega. Depois do último beijo, abri a porta do carro e, antes de sair, ouvi ele dizer com uma voz grave e sedutora: te cuida.
Me cuidarei, pode deixar. Me cuidarei para estar inteira amanhã de novo, para te ver de novo, te beijar de novo. Me cuidarei para me tocares com suavidade, para nunca encontrares um arranhão sobre a minha pele. E cuidarei do meu humor, dos meus cabelos, cuidarei para não perder a hora, cuidarei para não me apaixonar por outro, cuidarei para não te esquecer, vou me cuidar.
Me cuidarei ao atravessar a rua, me cuidarei para não pegar um resfriado, me cuidarei para não ficar doente. Me cuidarei, meu amor, enquanto estiver longe dos teus olhos, nos momentos em que você não pode cuidar de mim.
Fica a meu encargo voltar pra você do mesmo jeito que você me viu hoje. É de minha responsabilidade não ficar triste, não deixar ninguém me magoar, não deixar que nada de ruim me aconteça porque você me ama e não agüentaria. Claro que me cuido, nem precisava pedir.
Te cuida, dissera ele. E eu ouvi como se fosse um te amo.
Meses depois, terminado o namoro sem beijos de despedida, saio do carro trancando o choro, ainda que o rompimento tenha sido resolvido de comum acordo. Abro a porta e já estou com uma perna pra fora quando ouço, sem nenhuma aflição por mim, apenas consciência de que não teríamos mais notícias um do outro: te cuida. Me cuidei. Só chorei quando já estava dentro do elevador.
Festa no outro apartamento
Anos atrás a cantora Marina compôs com o irmão dela, o poeta Antônio Cícero, uma música que dizia: “eu espero/acontecimentos/só que quando anoitece/é festa no outro apartamento”. Passei minha adolescência inteira com esta sensação: a de que algo muito animado estava acontecendo em algum lugar, porém eu não havia sido convidada.
Até aí, nada de novo. Não há um único ser humano que já não tenha se sentido deslocado e impedido de ser feliz como os outros são – ou aparentam ser. O problema está em como a gente reage a isso. A grande maioria que espera “acontecimentos” fica ligada demais na festa do vizinho, se perguntando: como fazer para ser percebido? A resposta deveria ser: percebendo-se a si mesmo. Mas é o contrário que acontece: a gente passa a se vestir como todo mundo, falar como todo mundo, pensar como todo mundo. Só então consegue passe livre: ok, agora você é um dos nossos, a casa é sua.
As festas em outros apartamentos são fruto da nossa imaginação tão infectada por falsos holofotes, falsos sorrisos e falsas notícias de jornal. As pessoas alardeiam muito suas vitórias, mas falam pouco das suas angústias, revelam pouco suas aflições, não dão bandeira das suas fraquezas, então fica parecendo que todos estão comemorando grandes paixões e fortunas, quando na verdade a festa lá fora não está tão animada assim.
É preciso amadurecer para descobrir que a grama do vizinho não é mais verde coisíssima nenhuma. Estamos todos no mesmo barco, com motivos pra dançar pela sala e também motivos pra se refugiar no escuro, alternadamente. Só que os motivos pra se refugiar no escuro não costumam ser revelados. Pra consumo externo, todos são belos, lúcidos, íntegros, perfeitos. “Nunca conheci quem tivesse levado porrada/todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”. Fernando Pessoa sacando que nada é o que parece ser.
Sua solidão, sua busca por paz interior, seus poucos e leais amigos, seus livros, suas músicas, fantasias, de desilusões e recomeços, tudo isso vale ser incluído na sua biografia, e pode ser mais divertido que uma balada em algum lugar distante. Pegar carona na alegria dos outros é preguiça, e quase sempre é furada. Quer festa? Promova-a dentro do seu apartamento.
Percepção de solidão
Uma mulher entra no cinema, sozinha. Acomoda-se na última fila. Desliga o celular e espera o início do filme. Enquanto isso, outra mulher entra na mesma sala e se acomoda na quinta fila, sozinha também. O filme começa.
Charada: qual das duas está mais sozinha?
Só uma delas está realmente sozinha: a que não tem um amor, a que não está com a vida preenchida de afetos. Já a outra foi ao cinema sozinha, mas não está só, mesmo numa situação idêntica a da outra mulher. Ela tem uma família, ela tem alguém, ela tem um álibi.
Muitas mulheres já viveram isso – e homens também. Você viaja sozinha, almoça sozinha em restaurantes, mas não se sente só porque é apenas uma contingência do momento – há alguém a sua espera em casa. Esta retaguarda alivia a sensação de solidão. Você está sozinha, não é sozinha.
Então de repente você perde seu amor e sua sensação de solidão muda completamente. Você pode continuar fazendo tudo o que fazia antes – sozinha – mas agora a solidão pesará como nunca pesou. Agora ela não é mais uma opção, é um fardo.
Isso não é nenhuma raridade, acontece às pencas. Nossa percepção de solidão infelizmente ainda depende do nosso status social. Se você tem alguém, você encara a vida sem preconceitos, você expõe-se sem se preocupar com o que pensam os outros, você lida com sua solidão com maturidade e bom humor. No entanto, se você carrega o estigma de solitária, sua solidão triplicará de tamanho, ela não será algo fácil de levar, como uma bolsa. Ela será uma cruz de chumbo. É como se todos pudessem enxergar as ausências que você carrega, como se todos apontassem em sua direção: ela está sozinha no cinema por falta de companhia! Por que ninguém aponta para a outra, que está igualmente sozinha?
Porque ninguém está, de fato, apontando para nenhuma das duas. Quem aponta somos nós mesmos, para nosso próprio umbigo. Somos nós que nos cobramos, somos nós que nos julgamos. Ninguém está sozinho quando curte a própria companhia, porém somos reféns das convenções, e quando estamos sós, nossa solidão parece piscar uma luz vermelha chamando a atenção de todos. Relaxe. A solidão é invisível. Só é percebida por dentro.
As fotos é que pagam o pato
Depois de uma briga histórica, daquelas de não deixar coisa nenhuma em pé, você se vê completamente sozinha, o romance acabou. Ele não era nada daquilo que você pensava, é um cafajeste, um galinha, um insensível. Você corre até a cozinha, pega uma tesoura afiada, voa para seu quarto e, bufando de ódio, tira do armário a caixa com todas as fotos que vocês tiraram durante o namoro e começa a (não faça isso, garota, você vai se arrepender, o cara fez parte da sua história, um dia esta raiva vai passar e você nem lembrará do rosto dele, vai querer recordá-lo, larga esta tesoura, não faz bobagem, me escu…) picar bem picadinho todas as fotos em que aparecem juntos, menos aquela em que você está uma deusa – esta você vai cortar pela metade, e a parte em que ele aparece vai para o lixo, naturalmente.
Serviço feito. Nem mesmo um expert em quebra-cabeças de 20.000 peças conseguiria juntar o olho direito com o olho esquerdo daquele infeliz, as fotos viraram farinha. E agora? Está se sentindo melhor?
Você está se sentindo um trapo. A dor da perda não se aplaca com um gesto extremado, e se o propósito era vingança, grande porcaria: o modelo fotográfico que foi esquartejado segue inteirinho da silva tocando a vida dele, não sentiu nem um arrepio quando você praticamente moeu seu sorriso lindo. Ele tinha um sorriso lindo, não tinha?
Você vai lembrar do sorriso, dos olhos, da boca ainda por muito tempo. Picotar fotos é só a materialização de um desejo: gostaríamos que certas pessoas saíssem da nossa vida instantaneamente, bastando pra isso uma tesourada. Mas o processo de despedida é bem mais lento e mais difícil. É preciso deixar o tempo agir. E o tempo age com mais parcimônia.
Mas quem quer saber de parcimônia? Mulheres com o orgulho ferido seguirão mutilando seus álbuns de fotografia, arrancando cabeças, amputando casais que pareciam colados com superbonder. Uma pena aleijar assim o passado, mas, por outro lado, talvez seja conveniente deixar bem livre este ímpeto destrutivo e o pouco apego às lembranças. Nenhum problema em descarregar nosso ódio num pedaço de papel. Sabe-se lá o que aconteceria se o engraçadinho aparecesse na nossa frente e nos encontrasse com uma tesoura na mão.
Amantes promovidos
Venho percebendo um fenômeno da ordem dos menos importantes, mas, ainda assim, curioso. Antigamente, a pessoa casada que vivia um relacionamento extra-conjugal tinha o quê? Um amante. Homens tinham amantes, mulheres tinham amantes, e amantes não tinham a menor chance de receber alguma condescendência por parte da sociedade. O povo caprichava na hora de estereotipá-los. No caso das amantes, eram descritas como notívagas que vestiam vermelho, mantinham garras afiadas, lingerie de tigrinho e cabelos excessivamente compridos. No caso dos amantes, eram homens com emprego incerto, que podiam escapar no meio da tarde, e que usavam camisas listradas. Por que camisas listradas? Sei lá, deve ter alguma relação com a imagem do malandro, uma coisa meio Moreira da Silva. Mas sem o chapéu.
Os amantes exalavam luxúria. Eram pessoas de índole duvidosa, já que pouco se importavam de estar colaborando para a ruína dos lares. As amantes eram umas sem-vergonhas que queriam fisgar um marido a qualquer preço, os amantes eram uns farristas que divertiam-se comendo a mulher do próximo. Um pessoal absolutamente sem coração.
Alguém ainda tem amante? Nunca mais ouvi falar. E olha que eu lido com gente à beça, de tudo quanto é tipo, formato, cor, idade, estado civil. Ninguém mais tem amante. É uma raça em extinção. As pessoas, agora, casam e são felizes para sempre. E, quando acham que o “pra sempre” anda meio tedioso, arranjam um namorado.
Homens têm a esposa e uma namorada. Mulheres têm o marido e um namorado. Nunca vi nada mais familiar. As namoradas são estudantes, médicas, bibliotecárias, mulheres que usam jeans e camiseta, cabelo curto e unhas curtas, elegantes e discretas. Discutem Nietzche, são companhia para um cinema, passam as festas de fim de ano com a turma sem reclamar.
Os namorados são surfistas, engenheiros, instrutores de informática. Mandam e-mails carinhosos, sugerem discos de jazz, dizem eu te amo.
Amante é coisa de quem curte relações clandestinas, transa atrás das portas e exagera no perfume. Uma decadência. Os amantes foram promovidos a namorados. Adeus vestidos vermelhos e camisas listradas.
Perder a viagem
Você pede ao patrão para sair mais cedo do trabalho, pega um ônibus lotado, vai para um consultório médico que fica no centro da cidade, gasta seus trocados, seu tempo e seu humor, e, ao chegar, esbaforido e atrasado, descobre através da secretária que sua hora, na verdade, está marcada para semana que vem. Sinto muito, você perdeu a viagem.
Todo mundo já passou por uma situação assim, de estar no lugar errado e na hora errada por pura distração. Acontecendo só de vez em quando, tudo bem, vai pra conta dos vacilos comuns a qualquer mortal. O problema é quando você se sente perdendo a viagem todos os dias. Todinhos. É o caso daqueles que ainda não entenderam o que estão fazendo aqui.
Estão perdendo a viagem aqueles que não se comprometem com nada: nem com um ofício, nem com um relacionamento, nem com as próprias opiniões. Estão sempre flanando, flutuando, pousando em sentimento nenhum, brigando por idéia nenhuma, jamais se responsabilizando pelo que fazem, pois nada fazem. Respirar já lhes é tarefa árdua e suficiente. E os dias passam, e eles passam, e nada fica registrado, nada que valha a pena lembrar.
Estão perdendo a viagem aqueles que, em vez de tratarem de viver, ficam patrulhando a existência alheia, decretando o que é certo e errado para os outros, não tolerando formas de vida que não sejam padronizadas, gastando suas bocas com fofocas, seus olhos com voyeurismo, sem dedicar o mesmo empenho e tempo para si mesmo.
Estão perdendo a viagem aqueles preguiçosos que levam semanas até dar um telefonema, que levam meses até concluir a leitura de um livro, que levam anos até decidir procurar um amigo. Pessoas que acham tudo cansativo, que acreditam que tudo pode esperar, que todos lhe perdoarão a ausência e o descaso.
Estão perdendo a viagem aqueles que não sabem de onde vieram nem tentam descobrir. Que não sabem para onde ir e nem tentam encontrar um caminho. Aqueles para quem a televisão pode tranqüilamente substituir as emoções.
Estão perdendo a viagem aqueles que se entregam de mão beijada às garras do tédio.
Caça
Por que é importante ler? Pergunta recorrente em qualquer encontro de escritores com estudantes. E a gente acaba desfiando um rosário de respostas prontas, um blá blá blá repetitivo, apesar de necessário. Mas hoje vou dar um exemplo prático. Estava lendo uma revista – nem era um livro – quando me deparei com uma entrevista feita com o chef Philippe Legendre, estrela da gastronomia francesa de quem nunca provei um ovo frito. Ignorante sobre quem era o cara, li. Lá pelas tantas, o repórter: “É verdade que o senhor adora caçar?” O chef: “Eu caço o silêncio. Atiro no barulho.”
Bum!
Perdizes, faisões, coelhos, sei lá o quê o tal homem caça todo final de semana – e nem me interessa. O importante foi o impacto causado por aquelas duas frasezinhas curtas que pareciam um poema e que empurraram meu pensamento para além daquelas páginas, me puseram a pensar sobre minhas próprias perseguições. Caço o silêncio. Atiro no barulho. Eu idem, monsieur.
Eu caço o sossego. Atiro na tevê.
Eu caço afeto. Atiro em gente rude.
Eu caço liberdade. Atiro na patrulha.
Eu caço amigos. Atiro em fantasmas.
Eu caço o amanhã. Atiro no ontem.
Eu caço prazeres. Atiro no tédio.
Eu caço o sono. Atiro no sol.
E quando caço o sol, atiro em relógios. Acho que é isto que a leitura faz. Nos solta na floresta com uma arma na mão. Nos dá munição para atirar em tudo o que nos distrai de nós mesmos, no que nos desconcentra. O livro não permite que fiquemos sem nos escutar. A leitura faz eu mirar em mim e acertar no que eu nem sabia que também sentia e pensava. E, por outro lado, me ajuda a matar tudo o que pode haver em mim de limitante: preconceitos, idéias fixas, hipocrisias, solenidades, dores cultuadas.
Lendo, eu caço a mim e atiro em mim.
Fecha e deixa solto…
Se você não aguenta mais ouvir aquela mesma ladainha de sempre seja do/da teu/tua namorado(a), marido (esposa), rolo, ficante ou caso, aquele questionamento irritante e initerrupto do tipo:
– “Onde foi?”
– “Onde estava?”
– “Por que não ligou?”
– “Não me disse que foi… “
– “De quem é esse número?”
– “Liguei e você não me atendeu… “
– “Eu vi que você olhou para ela (e)”
– “A que horas você chegou?”
QUER UMA SOLUÇÃO? Os apaixonados precisam aprender a lidar como os flanelinhas.
Como???
O flanelinha te orienta a estacionar num lugar e diz: FECHA E DEIXA SOLTO!
É simples assim… Esse é o segredo para fazer teu relacionamento durar mais que três semanas.
FECHA (sim, um relacionamento fechado, fiel e bacana), mas DEIXA SOLTO.
Possibilite uma manobra ou encaixe, mas nunca puxe o freio de mão. A saída é flexibilizar!!!
Gente light
Vou ao supermercado e observo o crescimento do setor de dietéticos. Abro revistas e me deparo com as exigencias de ter um corpo esbelto. As clínicas de cirurgia plástica estão com a agenda lotada de homens e mulheres esperando sua vez para lipoaspirar, contar, reduzir. A sociedade toda conspira a favor da magreza, e de certo modo isso é positivo, sem magro faz bem para a auto-estima e para a saúde. Mas não tenho visto ninguém estimular outro tipo de dieta igualmente necessária para o bem estar da população. Encontro suco light, chocolate light, iogurte light, mas pessoas light é raridade.
Muita gente se preocupa em ser magro, mas não se preocupa em ser leve. Tem criaturas aí pesando 48 quilos e é um chumbo. São aqueles que vivem se queixando. Possuem complexo de perseguição, acham que o planeta inteiro está contra eles. Não se dão conta de sua arrogância, possuem a certeza de que são a razão da existência do universo. Estão sempre dispostos a fazer uma piadinha maldosa, uma fofoquinha desabonadora sobre alguém. Ressintidos, puxam o tapete dos outros para se manter em pé. Não conseguem ver graça em nada, não relevam as chatices domuns do dia-a-dia, levam tudo demasiadamente a sério. são patrulhadores, censores, carregam as dores do mundo nas costas. Magrinhos, é verdade. Mas que gente pesada.
Ser minimalista todo mundo acha moderno, mas ser leve – cruzes! – parece pecado mortal. Os leves, segundo os pesados, não têm substância, não têm profundidade, não têm consciência intelectual: não são leves, e sim levianos. Os pesados não conseguem fechar o zíper das suas roupas de tanto preconceito saltando pra fora.
Não bastasse a carga tributária, a violência, a burocracia e a corrupção, ainda temos que enfrentar pessoas rudes, sem a menor vocação para se divertir. Diversão – segundo os pesados, mais uma vez – é algo alienante e sem serventia. Eles não entendem como alguém pode extrair prazer de coisas sérias como trabalho e família. Não entendem como é que tem gente que consegue viver sem armar barracos e criar problemas.
Eu proponho uma campanha de saúde pública: vamos ser mais bem-humorados, mais desarmados. Podemos ser cidadãos sérios e responsáveis e, ao mesmo tempo, leves. Basta agir com delicadeza, soltura, autenticidade, sem obediência cega às convenções, aos padrões, ao patrões. Um pouco mais de jogo de cintura, de criatividade, de respeito às escolhar alheias. Vamos deixar para sofrer pelo que é realmente trágico, e não por aquilo que é apenas um incômodo, senão fica impraticável atravessar os dias.
Dores de amor, falta de grana e angústias existenciais são contingências da vida, mas você não precisa soterrar os outros com seus lamentos e más vibrações. Sustente seu próprio fardo e esforce-se para aliviá-lo. Emagreça onde tem que emagrecer: no espírito, no humor. E coma de tudo, se isso ajudar.
Use-se
No que se refere a adultos, todo mundo sabe mais ou menos onde está se metendo, ninguém é totalmente inocente. Se nos usam, algum consentimento a gente deu, mesmo sem ter assinado procuração. E se estamos assim tão desfrutáveis para o uso alheio, seguramente é porque estamos nos usando pouco.
Se for este o caso, seguem sugestões para usar a si mesmo: comer, beber, dormir e transar, nossas quatro necessidades básicas, sempre com segurança, mas também sem esquecer que estamos aqui para nos divertir. Usar-se nada mais é do que reconhecer a si próprio como uma fonte de prazer.
Dançar sem medo de pagar mico, dizer o que pensa mesmo que isso contrarie as verdades estabelecidas, rir sem inibição. Dane-se se aparecer a gengiva. Mas cuide da sua gengiva, cuide dos dentes, não se negligencie. Use seu médico, seu dentista, sua saúde.
Use-se para progredir na vida. Alguma coisa você já deve ter aprendido até aqui. Encoste-se na sua própria experiência e intuição, honre sua história de vida, seu currículo, e se ele não for tão atraente, incremente-o. Use sua voz: marque entrevistas. Use sua simpatia: convença os outros. Use seus neurónios: para todo o resto.
E este coração acomodado aí no peito? Use-o, ora bolas. Não fique protegendo-se de frustrações só porque seu grande amor da adolescência não deu certo. Ou porque seu casamento até-que-a-morte-os-separe durou “apenas” 13 anos. Não enviuve de si mesmo, ninguém morreu.
Use-se para fazer amigos, use-se para evoluir. Use seus olhos para ler, chorar, reter cenas vistas e vividas – a memória e a emoção vêm muito do olho. Use os ouvidos para escutar boa música, estímulos e o silêncio mais completo. Use as pernas para pedalar, escalar, levantar da cama, ir aonde quiser.
Sua boca pra sorrir…
Sua barriga para gerar filhos…
Seus seios para amamentar…
Seus braços para trabalhar… Sua alma para preencher-se…
seu cérebro para não morrer em vida.
Use-se.
Se você não fizer, algum engraçadinho o fará.
QUERER MESMO !
É difícil conseguir o que se quer. Só se torna menos difícil quando se
quer mesmo !
O navegador Amyr Klink, ao ser perguntado por um repórter sobre o que
sentia a respeito das pessoas que passam 30 anos trabalhando no mesmo
escritório, sentadas a vida inteira diante da mesma escrivaninha,
respondeu: “Inveja”. Klink admira quem consegue ser feliz numa rotina
imutável e tediosa. Como ele não consegue, sai pelo mundo em busca de
desafios.
Foi uma resposta provocativa. Inveja é justamente o que nós, seres
confortavelmente acomodados, sentimos de Amyr Klink quando o vemos
excursionar por cenários glaciais de tirar o fôlego e fazendo a superação
dos seus medos a sua rotina. Qual o segredo desse cara, afinal, para
conciliar família e aventura ? A gente também adoraria essa vida, mas a
diferença entre ele e nós, acreditamos ingenuamente, é que ele tem
patrocínio para sua falta de juízo, enquanto que nós temos juízo de sobra e
dinheiro contadinho no final do mês.
Na verdade, nossa resignação é conveniente, já que realizar sonhos dá muito
trabalho. A única diferença entre ser um navegador e ser uma economista-que-
sonha-em-ser-um-navegador é que um quis mesmo. O outro não quis tanto
assim.
Para romper convenções, e arriscar-se no desconhecido, é preciso querer
mesmo. Querer mesmo escalar uma montanha, querer mesmo surfar uma onda
assassina, querer mesmo filmar um documentário na África, querer mesmo ser
correspondente de guerra, querer mesmo trabalhar na Nasa, só para citar
outras aventuras supostamente inatingíveis. Querer mesmo, em vez de apenas
querer, abre a cancela de qualquer fronteira, seja ela geográfica ou
emocional.
Antes de alcançar os pontos mais indevassáveis da Antártica a bordo de
barcos equipados com alta tecnologia, Klink remou bastante, não ficou em
casa mentalizando seu sonho. Querer mesmo significa abrir mão de uma série
de confortos, tomar muito chá de banco, ver inúmeras idéias darem errado
antes de darem certo. E, em troca, ser chamado de doido varrido.
Querer, a gente quer muita coisa. Mas quase sempre é um querer preguiçoso,
um querer que não nos impulsiona a levantar da cadeira, ainda mais quando
nosso projeto tem 0,5% de chance de sucesso. É difícil conseguiu o que se
quer. Só se torna menos difícil quando se quer mesmo. Pena que alguns só
querem mesmo é ser rico ou ser gostosa, para isso fazendo coisas muito mais
insanas do que faz Amyr Klink. O que todos deveriam querer, mas querer
mesmo, é fugir da mediocridade.
A minha felicidade não é a sua
No mais recente livro de Carlos Moraes, o ótimo ‘Agora Deus vai te pegar lá fora’, há um trecho em que uma mulher ouve a seguinte pergunta de um major: “Por que você não é feliz como todo mundo?”. A que ela responde mais ou menos assim: “Como o senhor ousa dizer que não sou feliz? O que o senhor sabe do que eu digo para o meu marido depois do amor? E do que eu sinto quando ouço Vivaldi?E do que eu rio com meu filho? E por que mundos viajo quando leio Murilo Mendes? A sua felicidade, que eu respeito, não é minha, major”.
E assim é. Temos a pretensão de decretar quem é feliz ou infeliz de acordo com nossa ótica particular, como se felicidade fosse algo que pudesse ser visualizado. Somos apresentados a alguém com olheiras profundas e imediatamente passamos a lamentar suas prováveis noites insones causadas por problemas tortuosos. Ou alguém faz uma queixa infantil da esposa e rapidamente decretamos que é um fracassado no amor, que seu casamento deve ser um inferno, pobre sujeito. É nessas horas que junto as pontas dos cinco dedos da mão e sacudo-a no ar, feito uma italiana indignada: mas que sabemos nós da vida dos outros, catzo?
Nossos momentos felizes se dão, quase todos, na intimidade, quando ninguém está nos vendo. O barulho da chave da porta, de madrugada, trazendo um adolescente de volta pra casa. O cálice de vinho oferecido por uma amiga com quem acabamos de fazer as pazes. Sentar no cinema, sozinha, para assistir o filme tão esperado. Depois de anos com o coração em marcha lenta, rever um ex-amor e descobrir que ainda é capaz de sentir palpitações. Os acordos secretos que temos com com filhos, netos, amigos. A emoção provocada por uma frase de um livro. A felicidade de uma cura. E a infelicidade aceita como parte do jogo – ninguém é tão feliz quanto aquele que lida bem com suas precariedades.
O que sei eu sobre aquele que parece radiante e aquela outra que parece à beira do suicídio? Eles podem parecer o que for e eu seguirei sem saber de nada, sem saber de onde eles extraem prazer e dor, como administram seus azedumes e seus êxtases, e muito menos por quanto anda a cotação de felicidade em suas vidas. Costumamos julgar roupas, comportamento, caráter – juízes indefectíveis que somos da vida alheia-, mas é um atrevimento nos outorgarmos o direito de reconhecer, apenas pelas aparências, quem sofre e quem está em paz.
A sua felicidade não é a minha, e a minha não é a de ninguém. Não se sabe nunca o que emociona intimamente uma pessoa, a que ela recorre para conquistar serenidade, em quais pensamentos se ampara quando quer descansar do mundo, o quanto de energia coloca no que faz, e no que ela é capaz de desfazer para manter-se sã. Toda felicidade é construída por emoções secretas. Podem até comentar sobre nós, mas nos capturar, só se permitirmos.
Terapia do amor
O filme Terapia do Amor conta a história de uma mulher de 37 anos que se envolve com um garotão de 23, e a coisa funciona às maravilhas, é claro, porque um homem e uma mulher a fim um do outro é sempre uma combinação explosiva, não importa a idade. Mas como em todo conto-de-fadas que se preze, há a bruxa, no caso a mãe do guri, que não gosta nadinha da idéia, mesmo sendo uma psicanalista de cabeça feita – aliás, psicanalista da própria nora, descobre ela tarde demais. Deste “triângulo” surgem as tiradas engraçadas (Meryl Streep dando show, como sempre) e também a partezinha do filme que faz pensar.
Pensei. Mas não na questão da diferença de idade, tão comum nas relações atuais. Se antes era natural homens mais velhos se relacionarem com ninfetas, agora as mulheres mais maduras (não existe mulher velha antes dos cem) se relacionam com caras mais jovens e está tudo certo, até porque eles também tiram proveito. A troco de quê gastar energia com uma garotinha cheia de inseguranças? Mais vale uma quarentona que perdeu a chatice natural de toda mulher e se tornou serena, independente, auto-confiante e bem-humorada. São mais relaxadas, garantem o próprio sustento e não perdem tempo fazendo drama à toa. Qual o homem que não vai querer uma mulher assim? Se você acha que este parágrafo foi uma defesa em causa própria e a de todo o mulherio que não tem mais 20 anos, acertou, parabéns, pegue seu prêmio na saída.
Sem brincadeira: o mais interessante do filme, a meu ver, foi mostrar que é difícil viver um relacionamento sabendo que ele vai terminar ali adiante, mas nunca será tempo perdido. Fomos todos criados para o “pra sempre”, como se o objetivo de todos os casais ainda fosse o de constituir família. Quando é, convém pensar a longo prazo. Só que hoje muitas pessoas se relacionam sem nenhum outro objetivo que não seja o de estar feliz naquele exato momento, mesmo sabendo que as diferenças de religião, idade, condição social ou ideologia poderão encurtar a história (poderão, não quer dizer que irão). Há cada vez menos iludidos. Poucos são aqueles que atravessam uma vida tendo um único amor, então, vale o que está sendo vivido, o momento presente. “Dar certo” não está mais relacionado ao ponto de chegada, mas ao durante.
A personagem de Meryl Streep, depois de ter todos os chiliques normais de uma mãe que acha que o filhote está perdendo em vez de estar ganhando com a experiência, organiza melhor seus pensamentos e diz, ao final do filme, uma coisa que pode parecer fria para ouvidos mais sensíveis, mas é um convite a cair na real: “Podemos amar, aprender muito com este amor e partir pra outra”. O compromisso com a eternidade é opcional e ninguém merece ser chamado de frívolo por não fazer planos de aposentar-se juntos.
Já escrevi sobre isso em outras ocasiões e sempre acham que estou descrevendo o apocalipse. Ao contrário, triste é passar a vida falando mal do casamento – estando casado – e colecionando casos extraconjugais e mentiras dolorosas. Melhor legitimar os amores mais leves, menos fóbicos, comprometidos com os sentimentos e não com as convenções. Estes serão os melhores amores, que poderão, quem sabe, até durar para sempre, o que será uma agradável surpresa, jamais uma condenação.
PEDIR EM AMIZADE
Uma vez uma menininha de uns oito anos se aproximou de mim e disse: “eu queria pedir tua filha em amizade”. Ela já andava rondando a casa, pois havia percebido a presença de uma criança da idade dela e estava louca para brincar, mas achei de uma singeleza ela “pedir” para ser amiga da minha filha, como se pedia em namoro duzentos anos atrás.
Crianças têm esse hábito. Lembro que, no tempo do colégio, às vezes alguma menina se aproximava e pedia: posso ser tua amiga? Geralmente era alguém desenturmado, que não conhecia outra maneira de criar laços a não ser solicitando formalmente. Raramente dava certo, pois amizade é uma coisa que se constrói devagarinho, depois de muitas emoções vivenciadas em conjunto…
Mas se fosse fácil, se bastasse pedir, eu saberia pra quem. Bateria no ombro do Guga e do Fernando Meligeni e com a cara-de-pau que Deus me deu, perguntaria: posso ser amiga de vocês? Aquele sorrisão que o Meligeni deu ao terminar o último jogo da Copa Davis vale mais do que qualquer atestado de idoneidade. Esses guris são muito gente boa. Eu não suporto videokê, mas com eles eu passaria horas cantando o repertório do Só Pra Contrariar e iria me divertir feito uma pagodeira nata.
Para a Marília Gabriela, eu pediria de joelhos: deixa, deixa eu ser sua amiga. A gente passaria tardes falando sobre tudo e sobre todos, seríamos duas entrevistadoras e duas entrevistadas, duas verborrágicas, duas mulheres tentando entender o mundo.
Para o Nelson Motta e a Constanza Pascolato, eu pediria com delicadeza: posso ser amiga da dupla? Tanto faz se no Rio ou em Nova York, se é para falar de música ou de moda, ouvir gospell ou jazz, tenho certeza que a elegância e o sorriso mandariam na conversa.
Eu gosto de pessoas inteligentes que enxergam o mundo com humor. Não precisa ser famoso. Tem muitas pessoas em quem eu bato o olho e penso: deve ser legal ser amiga dele. É gente que não carrega o mundo nas costas, que fala olhando nos olhos, que não se leva tão a sério, que é franca na hora do sim e na hora do não. É difícil sacar as qualidades de uma pessoa sem antes conhecê-la, mas intuição existe pra isso. Tenho vários amigos que enriquecem minha vida e se encaixam no meu conceito de “pessoas especiais”, mas meu coração é espaçoso e está em condições de receber novos inquilinos: Pedro Bial, se você quiser, ainda tem lugar.
Pra me conquistar…
pra me conquistar
basta dizer tudo aquilo
que nunca ouvi de ninguém
vestir como homem e não como gay
me tocar sem medo, sem segredo
entrar e sair da rotina sem que eu note
me levar para lugares exóticos
e lugares comuns
saber ficar em silêncio e assim me dizer tudo
gostar de rock como eu gosto
e de coisas que eu não gosto
compreender a vida como é
e buscar o outro lado
saber a hora exata de ficar
e ir embora
mas não vá
Eu te amo, mas quero viver sozinha
eu não te amo, mas preciso dormir com alguém
eu te amo, mas sonho em ter outros homens
eu não te amo, mas quero ter um filho
eu te amo, mas não posso prometer nada
eu não te amo, mas prefiro jantar acompanhada
eu te amo, mas preciso fazer uma viagem
eu não te amo, mas me cobram uma companhia
eu te amo, mas não sei amar
eu não te amo, mas queria.
INTIMIDADE: PRÓS E CONTRAS
As pessoas desancam o casamento. Dizem que o amor mingüa, que o sexo começa a rarear, que a rotina é acachapante. Dizem, dizem, mas as pessoas seguem casando e mantendo-se casadas por quilométricos anos. Qual é a boa dessa história? Uma jóia chamada intimidade. Íntimos, muitos acreditam, são duas pessoas que possuem relações físicas e emocionais entre si. É bem mais que isso. Intimidade é você não precisar verbalizar tudo o que pensa, é aceitar a solidão do outro, é estarem familiarizados com o silêncio de cada um. Intimidade é não precisar estar linda em todos os momentos, não precisar ser coerente em todas as atitudes, é rirem juntos de uma história que só eles conhecem o final.
Intimidade é ler os olhos, os lábios e as mãos de quem está com você. Mais do que repartir um endereço, é repartir um projeto de vida. Não basta estar disponível, não basta apoiar decisões, não basta acompanhar no cinema: intimidade é não precisar ser acionado, pois já se está mentalmente a postos.
Intimidade é não ter vergonha de ser o que a gente é, não precisar explicar coisa alguma, ser compreendido e brigar sabendo que nada irá se romper. Intimidade é não precisar andar na ponta dos pés pelos corredores de uma vida compartilhada.
Muitos mantém-se casados por causa desse idílio que é não precisar se anunciar todo dia como um investimento seguro, podendo inclusive usar aquelas camisetas puídas e comer o “s” de um palavra no plural sem que a sua cotação desabe. Só há uma coisa ruim na intimidade: a falta que faz um pouco de cerimônia.
Calcinhas penduradas no banheiro, o telefonema sempre na mesma hora da tarde, o arroto que dispensa o pedido de desculpas, o lençol amarfanhado, a TPM todo santo mês, o mesmo perfume, as mesmas reações, o mesmo cardápio. O lado negro de um matrimônio feliz.
O casamento dá uma intimidade rara, apaziguadora, salutar. Não há máscaras nem teatro: é o habitat natural de um homem e de uma mulher que se querem como são. A intimidade salva as relações extensas, a não ser quando as corrói. Contradição maquiavélica. O melhor e o pior dos mundos, nos obrigando a escolher entre o habitual e a novidade, entre a paz e a adrenalina, entre a rede e o salto. Sedução x segurança: que vença o melhor.
Se você quiser me contar seus segredos
Sou de todo ouvido.
Se os seus sonhos não derem certo,
Estarei sempre lá para você.
Se precisar se esconder,
Terá sempre minha mão.
Mesmo se o céu desabar,
Estarei sempre contigo.
Sempre que precisar de um lugar,
Haverá meu canto, pode ficar.
Se alguém quebrar seu coração.
Juntos cuidaremos.
Quando sentir um vazio,
Você não estará sozinha.
Se você se perder lá fora,
Te buscarei.
Te levarei prá algum lugar
Se precisar pensar.
E quando tudo parecer estar perdido,
E você precisar de alguém
Eu estarei sempre aqui.
A VIDA E AS ESTAÇÕES
Eu queria que a vida fosse dividida em quatro estágios, mas que não acabasse nunca
A infância é como a primavera. É pura novidade e um calor que não sufoca nem faz pensar bobagens. Tem uma inocência quase cafona, uma singeleza clássica, e traz no íntimo a certeza de que pela frente vem coisa boa. A gente quer que passe logo, mas sabe que nunca mais será tão protegido, a mordomia não será eterna. É quando as coisas acontecem pela primeira vez, é quando num arbusto verde vemos surgir alguns vermelhos, é surpresa, a primeira de uma série.
A adolescência é como o verão. Quente, petulante, libidinosa.
Parece que não vai haver tempo para fazer tudo o que se quer e o que se teme. É musical e fotogênica. Dúvidas, dúvidas, dúvidas em frente ao mar. Mergulha-se no profundo e no raso. Pouca roupa, pouca bagagem. Curiosidade. Vontade que dure para sempre, certeza de que passa.
Noção do corpo. Festas e religião. Amor e fé.
A maturidade é como o outono. Um longo e instável outono,
que alterna dias quentes e frios, que nos emociona e nos gripa. Há mais beleza e o ar é mais seco, porém é quando se colhem os melhores abraços. Ficar sozinho passa a não ser tão aterrorizante. Fugimos para a praia, fugimos para a serra, as idéias aprendem a se movimentar, a fazer a mala rápido, a trocar de rota se o desejo se impuser, e não é preciso consultar o pai e a mãe antes de errar. É o outono que tentamos conservar.
O inverno é como a velhice. Tem sua beleza igualmente, exige lã, bolsa de água quente, termômetro e uma janela bem vedada. O que não queremos que entre? Maus presságios. O inverno é frio como despedida de um grande amor, mas sabemos que tudo voltará a ser ameno. Queremos que passe, temos medo que termine. Ficar sozinho volta a ser aterrorizante. O inverno é branco, é cinza, é prata. É grisalho.
E, de repente, também passa.
Eu queria que tudo fosse verdade, que a vida fosse assim dividida em quatro estágios que mais parecem estações do ano, mas que não acabasse, que depois do inverno viesse outra primavera, e outro verão, e outro outono, que nunca são iguais, mas sempre se repetem, sempre voltam, são tão certos quanto o sol e a lua, todo dia, toda noite. Eu queria.
A mulher e a patroa
Há homens que têm patroa. Ela sempre está em casa quando ele chega do trabalho. O jantar é rapidamente servido à mesa. Ela recebe um apertão na bochecha. A patroa pode ser jovem e bonita, mas tem uma atitude subserviente, o que lhe confere um certo ar robusto, como se fosse uma senhora de muitos anos atrás.
Há homens que têm mulher. Uma mulher que está em casa na hora que pode, às vezes chega antes dele, às vezes depois. Sua casa não é sua jaula nem seu fogão é industrial. A mulher beija seu marido na boca quando o encontra no fim do dia e recebe dele o melhor dos abraços. A mulher pode ser robusta e até meio feia, mas sua independência lhe confere um ar de garota, regente de si mesma.
Há homens que têm patroa, e mesmo que ela tenha tido apenas um filho, ou um casal, parece que gerou uma ninhada, tanto as crianças a solicitam e ela lhes é devota. A patroa é uma santa, muito boa esposa e muito boa mãe, tão boa que é assim que o marido a chama quando não a chama de patroa: mãezinha.
Há homens que têm mulher. Minha mulher, Suzana. Minha mulher, Cristina. Minha mulher, Tereza. Mulheres que têm nome, que só são chamadas de mãe pelos filhos, que não arrastam os pés pela casa nem confiscam o salário do marido, porque elas têm o dela. Não mandam nos caras, não obedecem os caras: convivem com eles.
Há homens que têm patroa. Vou ligar pra patroa. Vou perguntar pra patroa. Vou buscar a patroa. É carinho, dizem. Às vezes, é deboche. Quase sempre é muito cafona.
Há homens que têm mulher. Vou ligar para minha mulher. Vou perguntar para minha mulher. Vou buscar minha mulher. Não há subordinação consentida ou disfarçada. Não há patrões nem empregados. Há algo sexy no ar.
Há homens que têm patroa.
Há homens que têm mulher.
E há mulheres que escolhem o que querem ser.
Todo o resto
Certo e errado são convenções que se confirmam com meia dúzia de atitudes. Certo é ser gentil, respeitar os mais velhos, seguir uma dieta balanceada, dormir oito horas por dia, lembrar dos aniversários, trabalhar, estudar, casar e ter filhos, certo é morrer bem velho e com o dever cumprido. Errado é dar calote, repetir o ano, beber demais, fumar, se drogar, não programar um futuro decente, dar saltos sem rede. Todo mundo de acordo?
Todo mundo teoricamente de acordo, porém a vida não é feita de teorias. E o resto? E tudo aquilo que a gente mal consegue verbalizar, de tão intenso? Desejos, impulsos, fantasias, emoções. Ora, meia dúzia de normas preestabelecidas não dão conta do recado. Impossível enquadrar o que lateja, o que arde, o que grita dentro de nós.
Somos maduros e ao mesmo tempo infantis, por trás do nosso autocontrole há um desespero infernal. Possuímos uma criatividade insuspeita: inventamos músicas, amores e problemas, e somos curiosos, queremos espiar pelo buraco da fechadura do mundo para descobrir o que não nos contaram. Todo o resto.
O amor é certo, o ódio é errado e o resto é uma montanha de outros sentimentos, uma solidão gigantesca, muita confusão, desassossego, saudades cortantes, necessidade de afeto e urgências sexuais que não se adaptam as regras do bom comportamento. Há bilhetes guardados no fundo das gavetas que contariam outra versão da nossa história, caso viessem a público.
Todo o resto é o que nos assombra: as escolhas não feitas, os beijos não dados, as decisões não tomadas, os mandamentos que não obedecemos, ou que obedecemos bem demais – a troco de que fomos tão bonzinhos?
Há o certo, o errado e aquilo que nos dá medo, que nos atrai, que nos sufoca, que nos entorpece. O certo é ser magro, bonito, rico e educado, o errado é ser gordo, feio, pobre e analfabeto, e o resto nada tem a ver com estes reducionismos: é nossa fome por ideias novas, é nosso rosto que se transforma com o tempo, são nossas cicatrizes de estimação, nossos erros e desilusões.
Todo o resto é muito vasto. É nossa porra-louquice, nossa ausência de certezas, nossos silêncios inquisidores, a pureza e a inocência que se mantêm vivas dentro de nós mas que ninguém percebe, só porque crescemos. A maturidade é um álibi frágil. Seguimos com uma alma de criança que finge saber direitinho tudo o que deve ser feito, mas que no fundo entende muito pouco sobre as engrenagens do mundo. Todo o resto é tudo que ninguém aplaude e ninguém vaia, porque ninguém vê.
QUANTO VALE UM SIM
Você consegue um bom emprego na hora que bem entender?
Você descola um amor do dia para a noite?
Se entrar num banco, sai de lá com um empréstimo sem burocracia?
Se você respondeu sim para todas estas perguntas, parabéns. E fique atento para o horário de partida do seu disco voador, pois a qualquer momento você terá que voltar para o seu planeta.
Entre nós, terrestres, o sim é uma resposta rara. Na maioria das vezes, não há vagas, não querem editar nossos poemas, não temos fiador, a garota não quer ouvir uns discos na sua casa, o garoto não quer usar camisinha e o guarda de trânsito não foi com sua cara e vai multá-lo, sim senhor. Não está fácil pra ninguém.
Ao contrário do que possa parecer, esta não é uma visão pessimista da vida. As coisas são assim, dão certo e dão errado.
Pessimismo é acreditar que ouvir um não seja uma barreira para realizar nossos planos.
Tem gente que fica paralisado diante de um não. Nunca mais vai à luta.
Já o otimista resmunga um pouco e em seguida respira fundo e segue em frente.
Quando eu tinha 17 anos, mandei uns versos para um concurso de poesia. Não ganhei nem menção honrosa. Daí entreguei meus versos para o Mário Quintana avaliar. Ele não respondeu.
Neste meio tempo eu estava apaixonada por um cara que ignorava a minha existência. Quando eu não estava pensando nele, fazia planos de morar sozinha, mas o meu estágio não era remunerado. Aí quis viajar para a Europa, mas não consegui entrar num programa de intercâmbio.
Surpreendentemente, não passou pela cabeça a idéia de me atirar embaixo de um caminhão.
Hoje tenho nove livros publicados (cinco deles de poesia), sou casada com o homem que amo, tenho a profissão dos sonhos e viajo uma vez por ano, e tudo isso sem ganhar na megasena, sem cirurgia plástica, sem pistolão ou pacto com o demônio.
O segredo: cada não que eu recebi na vida entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Não os colecionei. Não foram sobrevalorizados.
Esperei, sem pressa, a hora do sim. O não é tão freqüente que chega a ser banal. O não é inútil, serve só para fragilizar nossa auto-estima. Já o sim é transformador.
O sim muda a sua vida. Sim, aceito casar com você. Sim, você foi selecionado. Sim, vamos patrocinar sua peça.
Quando não há o que detenha você, as coisas começam a acontecer, sim.
O mulherão
Peça para um homem descrever um mulherão. Ele imediatamente vai falar do tamanho dos seios, na medida da cintura, no volume dos lábios, nas pernas, bumbum e cor dos olhos. Ou vai dizer que mulherão tem que ser loira, 1,80m, siliconada, sorriso colgate. Mulherões, dentro deste conceito, não existem muitas: Vera Fischer, Leticia Spiller, Malu Mader, Adriane Galisteu, Lumas e Brunas. Agora pergunte para uma mulher o que ela considera um mulherão e você vai descobrir que tem uma a cada esquina.
Mulherão é aquela que pega dois ônibus por dia para ir para o trabalho e mais dois para voltar, e quando chega em casa encontra um tanque lotado de roupa e uma família morta de fome. Mulherão é aquela que acorda de madrugada para pegar a senha da matrícula na escola e aquela aposentada que passa horas em pé na fila do banco para buscar uma pensão merreca. Mulherão é a empresária que administra dezenas de funcionários de segunda a sexta, e uma família todos os dias da semana. Mulherão é quem volta do supermercado segurando várias sacolas depois de ter pesquisado preços e feito malabarismo com o orçamento. Mulherão é aquela que se depila, que passa cremes, que se maquia, que faz dieta, que malha, que usa salto alto, meia-calça, ajeita o cabelo e se perfuma, mesmo sem nenhum convite para ser capa de revista. Mulherão é quem leva os filhos na escola, busca os filhos na escola, leva os filhos pra natação, busca os filhos na natação, leva os filhos pra cama, conta histórias, dá um beijo e apaga a luz. Mulherão é aquela mãe de adolescente que não dorme enquanto ele não chega, e que de manhã bem cedo já está de pé, esquentando o leite.
Mulherão é quem leciona em troca de um salário mínimo, é quem faz serviços voluntários, é quem colhe uva, é quem opera pacientes, é quem lava roupa pra fora, é quem bota a mesa, cozinha o feijão e à tarde trabalha atrás de um balcão. Mulherão é quem cria filhos sozinha, quem dá expediente de oito horas e enfrenta menopausa, TPM e menstruação. Mulherão é quem arruma os armários, coloca flores nos vasos, fecha a cortina para o sol não desbotar os móveis, mantém a geladeira cheia e os cinzeiros vazios. Mulherão é quem sabe onde cada coisa está, o que cada filho sente e qual o melhor remédio pra azia.
Lumas, Brunas, Carlas, Luanas e Sheilas: mulheres nota dez no quesito lindas de morrer, mas MULHERÃO É QUEM MATA UM LEÃO POR DIA.
Aprendendo a desaprender
Passamos a vida inteira ouvindo os sábios conselhos dos outros. Tens que aprender a ser mais flexível, tens que aprender a ser menos dramática, tens que aprender a ser mais discreta, tens que aprender… praticamente tudo.
Mesmo as coisas que a gente já sabe fazer, é preciso aprender a fazê-las melhor, mais rápido, mais vezes. Vida é constante aprendizado. A gente lê, a gente conversa, a gente faz terapia, a gente se puxa pra tirar nota dez no quesito “sabe-tudo”. Pois é. E o que a gente faz com aquilo que a gente pensava que sabia?
As crianças têm facilidade para aprender porque estão com a cabeça virgem de informações, há muito espaço para ser preenchido, muitos dados a serem assimilados sem a necessidade de cruzá-los: tudo é bem-vindo na infância. Mas nós já temos arquivos demais no nosso winchester cerebral. Para aprender coisas novas, é preciso antes deletar arquivos antigos. E isso não se faz com o simples apertar de uma tecla. Antes de aprender, é preciso dominar a arte de desaprender.
Desaprender a ser tão sensível, para conseguir vencer mais facilmente as barreiras que encontramos no caminho. Desaprender a ser tão exigente consigo mesmo, para poder se divertir com os próprios erros. Desaprender a ser tão coerente, pois a vida é incoerente por natureza e a gente precisa saber lidar com o inusitado. Desaprender a esperar que os outros leiam nosso pensamento: em vez de acreditar em telepatia,é melhor acreditar no poder da nossa voz. Desaprender a autocomiseração: enquanto perdemos tempo tendo pena da gente mesmo, os dias passam cheios de oportunidades.
A solução é voltar ao marco zero. Desaprender para aprender. Deletar para escrever em cima. Houve um tempo em que eu pensava que, para isso, seria preciso nascer de novo, mas hoje sei que dá pra renascer várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar.
Quando falamos em virgindade, logo pensamos em sexo, e a partir do dia que o experimentamos, o mundo parece perder seu mistério maior. Não somos mais virgens – que grande ilusão de maturidade.
Virgindade é um conceito um tanto mais elástico. Somos virgens antes de voltar sozinhos do colégio pela primeira vez. Somos virgens antes do primeiro gole de vinho. Somos virgens antes de conhecer Nova York. Somos virgens antes do primeiro salário. E podemos já estar transando há anos e permanecermos virgens diante de um novo amor.
Por mais que já tenhamos amado e odiado, por mais que tenhamos sido rejeitados, descartados, seduzidos, conquistados, não há experiência amorosa que se repita, pois são variadas as nossas paixões e diferentes as nossas etapas, e tudo isso nos torna novatos.
As dores, também elas, nos pegam despreparadas. A dor de perder um amigo não é a mesma de perder um carro num assalto, que por sua vez não é a mesma de perder a oportunidade de se declarar para alguém, que por outro lado difere da dor de perder o emprego. Somos sempre surpreendidos pelo que ainda não foi vivido.
Mesmo no sexo, somos virgens diante de um novo cheiro, de um novo beijo, de um fetiche ainda não realizado. Se ainda não usamos uma lingerie vermelha, se ainda não fizemos amor dentro do mar, se ainda cultivamos alguns tabus, que espécie de sabe-tudo somos nós?
Eu ainda sou virgem da neve, que já vi estática em cima das montanhas, mas nunca vi cair. Sou virgem do Canadá, da Turquia, da Polinésia. Sou virgem de helicóptero, Jack Daniels, revólver, análise, transa em elevador, LSD, Harley Davidson, cirurgia, rafting, show do Neil Yong, siso e passeata. A virgindade existencial nos acompanha até o fim dos nossos dias, especialmente no último, pois somos todos castos frente à morte, nossa derradeira experiência inédita. Enquanto ela não chega, é bom aproveitar cada minuto dessa nossa inocência frente ao desconhecido, pois é uma aventura tão excitante quanto o sexo e não tem idade pra acontecer.
Pedaços de mulher
(…) Quantos pedaços formam uma mulher? Tantos que ela vive inacabada.
Nossos pedaços custam a se encaixar. O epicentro do quebra-cabeça costuma ser a maternidade, um pedaço grande que precisa combinar com o pedaço da luxúria, com o pedaço da solidão e também com aquela partezinha da preguiça, que ninguém avisou que fazia parte do jogo.
Há peças variadas, que vistas separadamente, não têm nada a ver uma com a outra, mas juntas fazem o shazam. O pedaço da submissão que precisava encaixar com o pedaço da rebeldia, o pedaço da juventude que tem que encaixar com o pedaço da menopausa, um pedaço desgarrado que tem que encaixar com o imenso pedaço da nossa árvore genealógica, e vários outros pedaços aparentemente sem combinação: nossa parte homem, nossa parte criança, nossa parte louca, nossa parte santa, nossa parte lúcida, nossa parte conveniente, nossa parte viciada, e mais aquelas desgastadas pelo uso, e umas que se perderam, e outras tão pequenas que ficaram invisíveis. Como encaixar o que não se revela nem para nós mesmas?
Almadôvar filma as mulheres como se elas fossem pizzas de vários sabores. Mezzo freiras, mezzo HIV positivas. Mezzo doces, mezzo apimentadas. Mezzo dramáticas, mezzo divertidas. Almadôvar nunca fecha o quebra cabeça, apenas esparrama na tela os vários pedaços que, unidos, nos transformariam num ser único, e que, uma vez pronto, já não empolgariam ninguém.Daí a importância se haver sempre uma peça faltando, pois é isso que nos mantém acordados, assim no cinema como na vida.
O ponto G
(…)
Ah, o ponto G, esse paraíso secreto que leva os homens a explorações minuciosas. Tanto trabalho por nada. Não temos um ponto G, mas dois, um em cada lateral da cabeça, e não é preciso tirar nossa roupa para nos deixar em êxtase. Falem, rapazes. Digam tudo o que sentem por nós, assim, assim… isso.
Concordo com a autora de “A casa dos espíritos”: o melhor afrodisíaco é a declaração de amor. Não aquelas mecânicas, faladas no piloto automático, mas as verdadeiras, sentidas, aquelas que os homens imaginam que basta serem ditas com o olhar e com as mãos, mas que fazemos questão de escutar, também com a voz. “Como eu gosto de estar com você, como você é linda, esqueço do tempo ao seu lado, que horas são? Já? Que me esperem, não consigo desgrudar de você, amor.” Caetano Veloso vendeu um milhão de cópias do seu último disco e tenho certeza que não foi por causa de “vou me embora, vou me embora, prenda minha…” e sim “por que você me deixa tão solto, por que você não cola em mim?”
As feministas mais ortodoxas deve estar bufando. Tanta coisa pra se exigir de um homem: mais espaço na política, mais ajuda em casa, salários iguais e nada de gracinhas no escritório, e vem essa daí clamar por palavras! Pois essa daqui acha tão interessante a idéia de igualdade entre os sexos que adoraria vê-los soltar o verbo como nós fazemos, expressar os sentimentos sem medo de ser piegas, afirmar e reafirmar diariamente como a gente é importante para eles e que saudades estavam do perfume dos nossos cabelos. Clichê em último grau, reconheço, mas quem quer ser moderna nessa hora? Tudo o que se reivindica é o desbloqueio emocional masculino. Nossos hormônios saberão como agradecer.
Você é importante!
Leva
um
minuto
para
conhecer
uma
pessoa
especial,
uma
hora
para
apreciá-la,
um
dia
para
amá-la,
e
mais
do
que
uma
vida
inteira
para
esquecê-la.
Como é ruim ser esquecido pelas pessoas que gostamos.
Procuro-me
Lembra daquele anúncio de “procura-se” que saiu algumas vezes aqui em Zero Hora? Que coisa esquisita. “Procura-se”. Ao melhor estilo faroeste, o jornal fazendo papel de poste. À primeira vista, achei que fosse algum anúncio publicitário, mas não: uma família foi assaltada e decidiu ir à caça dos bandidos por conta própria. É provável que houvesse algo de muito valor afetivo a ser recuperado, ou a motivação foi vingança. Seja o que for, achei tudo muito estranho e ligeiramente incômodo. Pois agora esse anúncio voltou à minha mente, e já explico por quê.
Zero Hora publicou ontem uma história hilária que me aconteceu. Quinta-feira passada, um senador italiano leu um texto meu em plenário e com isso ajudou a provocar a queda do primeiro-ministro daquele país. Dizem que o momento da leitura do texto foi uma comoção. Só que o tal senador creditou o texto a Pablo Neruda, pois foi desse modo que ele o recebeu pela internet. No dia seguinte, quem diria: os principais jornais da Itália estampavam uma foto minha, creditando a mim a verdadeira autoria do texto que abalou o governo. Meus 15 minutos de fama internacional.
Achei a maior graça, vou fazer o quê, chorar? Jamais um texto meu seria lido tão longe e por um motivo tão sério se não achassem que o autor era um Nobel de Literatura. Francamente, quem é que sabe que eu existo na Itália? Bom, agora sabem.
Indiretamente, saí ganhando com esse equívoco, mas vamos pensar juntos: por que o senador não leu um texto com autoria comprovada? Simples: porque foi mais um que se deixou levar pelas “facilitações” da internet. Porque é provável que ele nunca tenha lido Neruda na vida, ou saberia reconhecer o estilo do chileno. Porque ele foi apressado e confiou demais no mundo virtual quando deveria seguir confiando em livros.
Eu sou fã da internet, mas é preciso saber usá-la com mais parcimônia. Me incomoda ver as pessoas se desabituando a privilegiar a cultura impressa, documentada, com marca registrada e direito autoral garantido. Assim como também estão se desabituando a ter relações reais, de toque, olho no olho, emoções com algum registro sensorial comprovado.
Então volto ao assunto lá do início dessa crônica: não estaremos todos meio foragidos de nós mesmos? Inspirada naquele anúncio de “procura-se”, resolvi lançar a seguinte campanha: “procuro-me”. Tenho tido provas cabais de que estou perdendo a identidade nesse mundo excessivamente virtual. Não sei você, mas vou atrás de mim mesma. Estou saindo de férias, volto assim que me encontrar.
Amor e perseguição
“As pessoas ficam procurando o amor como solução para todos os seus problemas quando, na realidade, o amor é a recompensa por você ter resolvido os seus problemas”. Norman Mailer. Copiem. Decorem. Aprendam.
Temos a mania de achar que amor é algo que se busca. Buscamos o amor nos bares, buscamos o amor na internet, buscamos o amor na parada de ônibus. Como num jogo de esconde-esconde, procuramos pelo amor que está oculto dentro das boates, nas salas de aula, nas platéias dos teatros. Ele certamente está por ali, você quase pode sentir o seu cheiro, precisa apenas descobri-lo e agarrá-lo o mais rápido possível, pois lhe ensinaram que só o amor constrói, só o amor salva, só o amor traz felicidade.
Amor não é medicamento. Se você está deprimido, histérico ou ansioso demais, o amor não se aproximará, e, caso o faça, vai frustrar sua expectativa, porque o amor quer ser recebido com saúde e leveza, ele não suporta a idéia de ser ingerido de quatro em quatro horas, como um antibiótico para combater as bactérias da solidão e da falta de auto-estima. Você já ouviu muitas vezes alguém dizer: “quando eu menos esperava, quando eu havia desistido de procurar, o amor apareceu”. Claro, o amor não é bobo, quer ser bem tratado, por isso escolhe as pessoas que, antes de tudo, tratam bem de si mesmas.
O amor, ao contrário do que se pensa, não tem que vir antes de tudo: antes de estabilizar a carreira profissional, antes de viajar pelo mundo, de curtir a vida. Ele não é uma garantia de que, a partir do seu surgimento, tudo o mais dará certo. Queremos o amor como pré-requisito para o sucesso nos outros setores, quando, na verdade, o amor espera primeiro você ser feliz para só então surgir diante de você sem máscara e sem fantasia. É esta a condição. É pegar ou largar.
Para quem acha que isso é chantagem, arrisco sair em defesa do amor: ser feliz é uma exigência razoável e não é tarefa tão complicada. Felizes são aqueles que aprendem a administrar seus conflitos, que aceitam suas oscilações de humor, que dão o melhor de si e não se autoflagelam por causa dos erros que cometem. Felicidade é serenidade. Não tem nada a ver com piscinas, carros e muito menos com príncipes encantados. O amor é o prêmio para quem relaxa.
Era uma festa familiar, dessas que reúnem tios, primos, avós e alguns agregados ocasionais que ninguém conhece direito. Jogada no sofá, uma garota não estava lá muito sociável, a cara era de enterro. Quieta, olhava para a parede como se ali fosse encontrar a resposta para a pergunta que certamente martelava em sua cabeça: o que estou fazendo aqui? De soslaio, flagrei a mãe dela também observando a cena, inconsolável, ao mesmo tempo em que comentava com uma tia: “Olha pra essa menina. Sempre com esta cara. Nunca está feliz. Tem emprego, marido, filho. O que ela pode querer mais?”
Nada é tão comum quanto resumirmos a vida de outra pessoa e achar que ela não pode querer mais. Fulana é linda, jovem e tem um corpaço, o que mais ela quer? Sicrana ganha rios de dinheiro, é valorizada no trabalho e vive viajando, o que é que lhe falta?
Imaginei a garota acusando o golpe e confessando: sim, quero mais. Quero não ter nenhuma condescendência com o tédio, não ser forçada a aceitá-lo na minha rotina como um inquilino inevitável. A cada manhã, exijo ao menos a expectativa de uma surpresa, quer ela aconteça ou não. Expectativa, por si só, já é um entusiasmo.
Quero que o fato de ter uma vida prática e sensata não me roube o direito ao desatino. Que eu nunca aceite a idéia de que a maturidade exige um certo conformismo. Que eu não tenha medo nem vergonha de ainda desejar.
Quero uma primeira vez outra vez. Um primeiro beijo em alguém que ainda não conheço, uma primeira caminhada por uma nova cidade, uma primeira estréia em algo que nunca fiz, quero seguir desfazendo as virgindades que ainda carrego, quero ter sensações inéditas até o fim dos meus dias.
Quero ventilação, não morrer um pouquinho a cada dia sufocada em obrigações e em exigências de ser a melhor mãe do mundo, a melhor esposa do mundo, a melhor qualquer coisa. Gostaria de me reconciliar com meus defeitos e fraquezas, arejar minha biografia, deixar que vazem algumas idéias minhas que não são muito abençoáveis.
Queria não me sentir tão responsável sobre o que acontece ao meu redor. Compreender e aceitar que não tenho controle nenhum sobre as emoções dos outros, sobre suas escolhas, sobre as coisas que dão errado e também sobre as que dão certo. Me permitir ser um pouco insignificante.
E, na minha insignificância, poder acordar um dia mais tarde sem dar explicação, conversar com estranhos, me divertir fazendo coisas que nunca imaginei, deixar de ser tão misteriosa pra mim mesma, me conectar com as minhas outras possibilidades de existir. O que eu quero mais? Me escutar e obedecer o meu lado mais transgressor, menos comportadinho, menos refém de reuniões familiares, marido, filhos, bolos de aniversário e despertadores na segunda-feira de manhã. E também quero mais tempo livre . E mais abraços.
Pois é, ninguém está satisfeito. Ainda bem.
AS VOLTAS DO MUNDO E DO AMOR
No livro Perto do Coração Selvagem, romance de estréia da escritora Clarice Lispector, a personagem Joana, em um determinado momento, sente-se confusa por estar sofrendo por algo que, um dia, a tornou terrivelmente feliz.
Acontece muito. A dor e o prazer alternarem-se em volta do mesmo motivo. Passam-se anos, ou meses, ou horas, e aquilo que nos deu tamanha vontade de viver torna-se a razão de tanta angústia e lágrima. E o mais exaustivo é que este é um fenômeno incompreensível.
Sendo de impossível entendimento, nada pode-se esclarecer aqui, a não ser dizer que, na maioria das vezes, é o amor que provoca tal contradição. O tempo passa e o amor sofre mutações: de ansioso passa a ser calmo, de constante passa a ser inconstante, de onipotente passa a ser falível.
Nós, por outro lado, também mudamos. De carentes a auto-suficientes, de infantis a maduros, de ternos a ríspidos. Somos igualmente poderosos e igualmente fracos. E a metamorfose do ser humano, como a metamorfose do amor, gera pânico: que amor é esse que um dia me faz explodir de alegria e que no outro dia me implode? Que ser é esse que sou, que um dia aceita as contingências de um sentimento mutante e que no outro dia o quer estático, igual como sempre foi?
Há exemplos mais simples. Ele te amou e isso te fez feliz. Ele deixou de te amar e isso te tornou infeliz. Felicidade e dor em alternados momentos e pelo mesmo motivo.
Ela era passiva e caseira, e isso deixou você apaixonado. Ela manteve-se passiva e caseira, e você passou a sonhá-la agitada e independente, e de repente não a quis mais. Ela não mudou, mas você mudou, e o amor acompanhou a mudança.
Não há como parar o tempo, cristalizar o que nos enche de êxtase. Este êxtase um dia se tranformará em algo que nos perfurará feito lâmina. Porque assim é: a terra gira em torno do sol e nós giramos em torno de nós mesmos, sem descanso.
Assistir uma mulher desabotoar suas fantasias, suas dores, sua história. É erótico ver uma mulher que sorri que chora, que vacila, que fica linda sendo sincera, que fica uma delícia sendo divertida, que deixa qualquer um maluco sendo inteligente. Uma mulher que diz o que pensa, o que sente e o que pretende, sem meias verdades, sem esconder seus pequenos defeitos – Aliás, deveríamos nos orgulhar de nossas falhas, é o que nos torna humanas, e não bonecas de porcelanas. Arrebatador é assistir ao desnudamento de uma mulher em que sempre se poderá confiar, mesmo que vire ex, mesmo que saiba demais. Não é fácil tirar a roupa e ficar pendurada numa banca de jornal mas difícil por difícil, também é complicado abrir mão de pudores verbais, expor nosso segredos e insanidade, revelar nosso interior. Mas é com certeza o que devemos continuar fazendo. Despir nossa alma e mostrar pra valer quem somos e o que trazemos de belo de lindo de maravilhoso por dentro.
Não conheço strip-tease mais sedutor.
Super gaúcha
Sou urbana, gosto de cidade grande, não gosto de mato, de bicho e de pão feito em casa. Pronto. Falei. Acredite: não é um desvio de caráter. É o meu jeito. Minhas preferências. Não jogue no lixo tudo o que a gente construiu juntos só por causa deste detalhezinho bobo. Desde que eu era pequena que sítios, fazendas e assemelhados nunca me seduziram. Tenho medo de cobra, não sei andar a cavalo e suo frio só em pensar em encontrar uma perereca no banheiro. Eu bem que gostaria de me adaptar, pois se todo mundo diz que não há nada melhor do que a vida no campo, alguma verdade há nisso. Eu gosto de árvores, de flores, de silêncio, eu fiz minhas tentativas. Eu tentei ser normal. Achei que bastaria calçar botas de couro, mas é pouco. É preciso vocação.
Minha inaptidão para o mundo campeiro fica bem demonstrada quando o assunto é gastronomia. Eu não gosto de charque. Eu não gosto de chimarrão. Eu não gosto de doce de abóbora. Eu não gosto de leite recém tirado da vaca. Restou-me a resignação: vim ao mundo com este defeito de fábrica e não há nada que se possa fazer. Todas as pessoas possuem uma espécie de deficiência, e algumas são bem piores do que as minhas. Há quem seja vegetariano. Não cheguei a esse extremo. Uma picanha, não recuso. Mal passada, melhor ainda.
Estamos vivendo uma fase de ufanismo gaudério. De repente, o Rio Grande do Sul ganhou destaque, devido à minissérie e ao livro A Casa das Sete Mulheres, da minha talentosa amiga Leticia Wierzchovski. Toda a população está se sentindo orgulhosa de pertencer a esta terra. Uma rede de lojas, recentemente, colocou uma campanha publicitária no ar com a seguinte pergunta: o que é ser gaúcho? As melhores respostas ganharam prêmios.
Eu não ganharia nem um tapinha nas costas.
Ser gaúcha, eu responderia, é gostar de ler Michael Cunningham, de ir ao cinema, de viajar para o Rio, para Punta, para Nova York. É caminhar na esteira de uma academia, trabalhar até tarde num escritório e antes de voltar pra casa passar no Zaffari e comprar uma pizza congelada. Ser gaúcha é ouvir bossa nova, gostar de praia e ficar só de camiseta e meias comendo Ruffles na frente da tevê. É preocupar-se com a meteorologia porque amanhã é dia de fazer escova e você morre de medo que chova e o cabelo vá por água abaixo. É acordar com as galinhas, mas sem ver as galinhas, a não ser na hora do almoço, grelhadas. Ser gaúcha é ter bom humor e nojo de barata, é adorar a Internet e assistir ao pôr-do-sol da sacada. Ser gaúcha é ter nascido aqui mas ser feliz em qualquer lugar, com o estilo de vida que escolher.
Eu me sinto tão gaúcha quanto as prendas que dançam nos CTGs, tão gaúcha quanto as mulheres que encilham cavalos, que cozinham em fogões a lenha, que ordenham vacas e bordam tapetes. Aliás, eu bordo tapetes. Aliás, eu nasci neste Estado. Aliás, somos todos gaúchos, nenhum mais gaúcho que o outro.
AMOR EM ESTADO BRUTO
Tempo, pensamento, libido e energia são solteiros e morrerão assim, mesmo contra nossa vontade.
O que é, o que é? Faz você ter olhos para uma única pessoa, faz você não precisar mais ficar sozinho, faz você querer trocar de sobrenome, faz você querer morar sob o mesmo teto. Errou. Não é amor.
Todo mundo se pergunta o que é o amor. Há quem diga que ele nem existe, que é na verdade uma necessidade supérflua criada por um estupendo planejamento de marketing: desde criança somos condicionados a eleger um príncipe ou uma princesa e com eles viver até que a morte nos separe. Assim, a sociedade se organiza, a economia prospera e o mundo não foge do controle.
O parágrafo anterior responde o primeiro. Não é amor querer fundir uma vida com outra. Isso se chama associação: duas pessoas com metas comuns escolhem viver juntas para executar um projeto único, que quase sempre é o de construir família. Absolutamente legítimo, e o amor pode estar incluído no pacote. Mas não é isso que define o amor.
Seguramente, o amor existe. Mas, por não termos vontade ou capacidade para questionar certas convenções estabelecidas, acreditamos que dar amor a alguém é entregar a essa pessoa nossa vida. Não só nosso eu tangível, mas entregar também nosso tempo, nosso pensamento, nossas fantasias, nossa libido, nossa energia: tudo aquilo que não se pode pegar com as mãos, mas se pode tentar capturar através da possessão.
O amor em estado bruto, o amor 100% puro, o amor desvinculado das regras sociais é o amor mais absoluto e o que maior felicidade deveria proporcionar. Não proporciona porque exigimos que ele venha com certificado de garantia, atestado de bons antecedentes e comprovante de renda e de residência. Queremos um amor ficha-limpa para que possamos contratá-lo para um cargo vitalício. Não nos agrada a idéia de um amor solteiro. Tratamos rapidamente de comprometê-lo, não com o nosso amor, mas com nossas projeções.
O amor, na essência, necessita de apenas três aditivos: correspondência, desejo físico e felicidade. Se alguém retribui seu sentimento, se o sexo é vigoroso e se ambos se sentem felizes na companhia um do outro, nada mais deveria importar. Por nada, entenda-se: não deveria importar se outro sente atração por outras pessoas, se outro gosta de fazer algumas coisas sozinho, se o outro tem preferências diferentes das suas, se o outro é mais moço ou mais velho, bonito ou feio, se vive em outro país ou no mesmo apartamento e quantas vezes telefona por dia. Tempo, pensamento, fantasia, libido e energia são solteiros e morrerão solteiros, mesmo contra nossa vontade. Não podemos lutar contra a independência das coisas. Aliança de ouro e demais rituais de matrimônio não nos casam. O amor é e sempre será autônomo.
Fácil de escrever, bonito de imaginar, porém dificilmente realizável. Não é assim que estruturamos a sociedade. Amor se captura, se domestica e se guarda em casa. Às vezes forçamos sua estada e quase sempre entregamos a ele os direitos autorais de nossa existência. Quando o perdemos, sofremos. Melhor nem pensar na possibilidade de que poderíamos sofrer menos.
LIBERDADE E CONTROLE
Eu não sei você, mas eu faço o tipo controladora, gosto de estar na regência de tudo o que me cerca, vivo a ilusão de que sem mim as coisas não irão funcionar, me sinto necessária, e isso me agrada e ao mesmo tempo me angustia, gostaria de ser mais relaxada e mais resignada diante da minha falta de controle absoluta: pois é, a gente pensa que tem controle sobre tudo, mas não temos controle sobre nada.
Se você curte se auto-investigar, bem-vindo ao clube.
Passei horas, outro dia, conversando com um amigo sobre este instigante assunto: temos ou não temos controle sobre nossas vidas? Minha tendência é acreditar que há um controle ao menos parcial. Senão vejamos: eu tenho o poder de fazer escolhas. Posso dizer sim ou não, ir para a esquerda ou para a direita. Posso me separar, continuar casada, ter mais um filho, posso mudar a cor do cabelo, posso abandonar o emprego, passar dois meses sozinha numa ilha ou me internar num convento. O que me impede?
Você mesma se impede, responde ele.
Tem razão, o problema é que não somos livres. Eu, ao menos, não acredito em liberdade enquanto houver dependências afetivas. Para ser livres, precisaríamos não manter nenhuma espécie de laço com ninguém, o que é impensável: abrir mão de pai, mãe, irmãos, filhos, amigos, um amor. É um preço alto demais para pagar pelo ir-e-vir. Estou de acordo com um psicanalista que disse que o máximo de liberdade que podemos almejar é escolher a prisão em que queremos viver. Eu escolhi a adorável prisão dos afetos.
Meu amigo considera interessante essa história de escolhermos nossas prisões, mas diz que isso só prova que somos 100% livres. Poderíamos escolher prisão nenhuma, mas nos é intolerável a idéia de viver soltos. Então vamos construindo nossas cercas: uma mãe doente a quem não podemos decepcionar, uma esposa que iria se suicidar se a deixássemos, filhos que iriam ficar traumatizados com nosso divórcio, um emprego ótimo que seria loucura abandonar, enfim, vamos inventando empecilhos para não sair da jaula. A liberdade é desestabilizadora, e queremos tudo, menos a subversão.
Pergunto: que mal há em sermos corretos, em agirmos com decência e discernimento, em não frustrar as expectativas que depositaram em nós?
Mal nenhum, responde meu amigo. É até muito nobre, diga-se. Mas quem inventou as definições de correção e decência? E quanto às suas próprias frustrações, são menos importantes do que as que os outros têm em relação a você?
Pois é, de vez em quando entro em uns debates insanos sobre liberdade e controle, e onde chego com tudo isso? A um papo excitante, o que já é muito. Pensar é um ensaio de liberdade. Que poucos se atrevem, aliás. É o que por hora me permito enquanto eu não for — na prática e às ganhas — totalmente livre.
Eu não sou daqui
Qualquer pessoa que comece a escrever poesia irá, cedo ou tarde, usar como tema a sensação de ser um estrangeiro. Em seus versos, dirá que não pensa como os outros, que tem a impressão de ter vindo de outro planeta, que não se reconhece entre seus pares. Quem faz música também acaba falando sobre isso, mais dia, menos dia. É um assunto que cativa, já que todos nós, em um determinado momento da vida (geralmente na adolescência) nos achamos, mesmo, muito diferente dos outros.
O psicanalista Contardo Calligaris, em sua recente palestra em Porto Alegre, no Fronteiras do Pensamento, disse que, quando garoto, tinha certeza de que os marcianos viriam buscá-lo em seu quarto, já que se sentia mais sintonizado com eles do que com sua própria família. Não é exatamente uma novidade: o “eu não sou daqui” já foi frase recorrente na nossa cabeça. E sejamos sinceros: alguns seguem pensando assim até o fim dos dias.
Contardo explica que, na puberdade, temos necessidade de fugir das nossas origens para que possamos criar uma identidade própria. E que essa identidade nunca é lógica, ao contrário, é sempre embaralhada, por isso a importância de a gente, ao longo dos anos, aprender não só a viver bem, mas a contar bem a nossa história para os outros. Aliás, o título da palestra era: A Ficção Como Linha de Conduta Para Inventar a Vida.
Quando ele diz que somos todos ficcionistas, não está sugerindo que somos todos uns fingidos. O que eu compreendo disso é que, ao nascer, recebemos mais ou menos o mesmo dote: uma família, algum amor e alguns ensinamentos. Para quem é um pouco preguiçoso ou carente de imaginação, isso basta como baliza. Irá se satisfazer com o que foi recebido e contar sempre a mesma história sobre si mesmo. Mas há os desassossegados de nascença: louvados sejam. Para esses, a vida é um livro em branco, uma oportunidade desafiadora de criar o seu próprio personagem e enriquecê-lo com experiências, desejos, erros, acertos, alegrias, tristezas. Qual é o maior presente que nossos pais podem nos dar, além de algum amor e algum ensinamento? É justamente essa fagulha acesa no olhar, esse espírito aberto, o empurrão para ir além do “prefácio” e buscar a construção de si próprio visitando outras galáxias – que nada mais são do que outras pessoas e vivências. É através dessa matéria-prima que iremos estabelecer o fio da nossa narrativa, é que permitiremos que os outros nos conheçam – e que a gente se autoconheça mais um pouco também, através do olhar de fora.
É uma vida inventada? No melhor sentido. É uma vida que se atreveu a ir além dos 10 mandamentos iniciais. É uma vida regida por outros tantos: não julgarás os diferentes de ti, não criticarás o próximo sem antes ouvir suas razões, não te contentarás com o que aprendestes em casa, não evitarás estradas só por não saber onde elas levam, não abdicarás de conhecer mais a ti mesmo, não censurarás aquilo que não compreendes, não te acorrentarás ao que te dá segurança, não te conformarás com tua ignorância, não temerás a amplificação do teu universo.
Em suma, o “eu não sou daqui” é a frase dos que não se atreveram a desbravar o mundo, preferiram se manter estrangeiros por orgulho e por medo. Só quando saímos do nosso esconderijo é que descobrimos que somos todos do mesmo lugar.
SALVEM AS VOGAIS
O que pode ser mais miserável do que uma pessoa faminta,
sem teto, sem futuro, sem saúde? Sabemos que não são
poucos os miseráveis do país, mas às vezes esquecemos da
quantidade também imensa de miseráveis que está em nossa
órbita, cuja barriga não está vazia, mas a cabeça, totalmente.
Acompanhei a transcrição dos chats que foram divulgados pela
imprensa, para que se saiba mais sobre o que aconteceu com
aquele rapaz que morreu num posto de gasolina, depois de uma
briga. Lula nem precisava levar os ministros para o Nordeste para
que eles conhecessem a pobreza extrema, bastaria que entrassem
numa sala de bate-papo virtual. Miséria psicológica também atola
um país.
Dependendo da escolha do assunto, é possível encontrar na
internet conversas que fazem sentido, com frases que têm começo,
meio e fim, mas na maioria das salas o que costuma rolar é um papo
furado da pior qualidade, com altos teores de vulgaridade e agressividade.
Um bando de seres abreviados, tal como escrevem. Um miserê de dar medo.
A fome de pão e leite tem que ser saciada com urgência, mas
nossa miséria é mais ampla e se manifesta de várias maneiras,
não só através da perda de peso e dos ossos aparecendo sob
a pele. Miséria é perda de discernimento. Perda de amor-próprio.
Perda de limites. Até perda de vogais: vc q tc cmg? Normal: códigos
de internautas. Mas me diz se não é o retrato da penúria?
Eu vejo miséria por todos os lados, em todos os andares dos edifícios,
dentro dos carros, fora deles, em portas de escolas e dentro delas, do
lado de fora da nossa casa ae também ali comodamente instalada,
miséria espiritual, miséria afetiva, miséria intelectual, indigências que
tornam o ser humano cada dia mais tosco e bruto. Eu sei que a vida
é assim mesmo, que os tempos são outros, que não adianta vir com
moralismo e com este papo de que a família tem que participar mais
da vida dos filhos, nada adianta, o rio vai seguir correndo para a mesma
direção. Eu sei. Mas não me conformo.
O alfabeto tem 21 consoantes, se contarmos o K, o Y e o W.
E apenas cinco vogais. Perdê-las é uma metáfora da miséria
humana. Cada dia abandonamos as poucas coisas em nós que
são abertas e pronunciáveis. Daqui a pouco vamos apenas rugir.
Grrrrrrr. E voltar para a caverna de onde todos viemos.
Diminutivos
Domingo que vem, Mario Quintana faria cem anos. Um poeta superlativo,
que de franzino só tinha a aparência. Mas houve quem tentasse fazê-lo
parecer menor do que era. É sabido que certa vez um figurão disse a ele:
“Gostei muito dos seus versinhos”, no que Quintana rebateu: “Obrigado
pela sua opiniãozinha”.
Diminutivos caem bem quando aplicados aos nomes próprios. Verinha,
Tavinho, Soninha. Há até quem tenha recebido este carinho já na certidão
de nascimento: a maioria das Terezas que eu conheço são, na verdade,
Terezinhas, assim registradas em cartório. No mais, os diminutivos são
aceitáveis no universo infantil, quando a vida parece o Minimundo.
“Gostou do brinquedinho?” “Quer mais uma bananinha?”
E ficamos por aqui. Conversa entre gente grande não comporta excesso
de “inhos” e “inhas”, a não ser que se esteja a serviço de um plano de
tortura.
Uma vez, entrei numa loja cuja funcionária conseguiu abalar meus
nervos. “Oi, amorzinho, posso te ajudar?” “Qual é o teu nomezinho?”
“Esta blusinha vai ficar uma gracinha”. Parecia que eu estava na Saci.
Lembra da Saci, aquela loja de roupa infantil do tempo em que criança
se vestia de criança? Não agüentei nem dois minutos, fui embora antes
que ela me fizesse regredir ao útero materno.
Tem aquela situação clássica: quando te chamam de filhinha. Uma vez
testemunhei um palestrante responder assim à pergunta de uma moça
na platéia: “Veja bem, filhinha…” Eu teria me levantado e dado boa-noite.
Atender por filhinha e filhinho, só se forem seus pais chamando, e eles
sempre lhe chamarão deste modo, mesmo que você seja um filhão de
57 anos com 1m90cm de altura.
Escolha: ganhar um beijinho ou um beijo? Descolar um dinheirinho ou
ganhar dinheiro? Comprar um carrinho ou um carro? A maneira como
falamos revela como nos sentimos: se fazendo conquistas ou recebendo
esmolas da vida.
Para as gurias: jamais tolere ser chamada de mulherzinha.
Imediatamente você estará permitindo que lhe etiquetem
as piores qualificações, já que mulherzinha é fragilzinha,
dependentezinha, medrosinha, boazinha. Que boazinha,
o quê. Mulher tem que ser boa. Ou má.
Melhor se precaver contra os que se aproximam cheios de
diminutivos. Pode ser afeto, mas também pode ser ódio.
Quando uma mulher chama outra de “queridinha”, está,
no fundo, querendo saltar na jugular da querida. Quando
um homem diz: “Vou ali falar com aquele carinha”, há
grande chance de o papo terminar em pancadaria.
Pra completar, tem aqueles que aprontam com você e
depois dizem “foi brincadeirinha”.
Cuidado com tanta meiguice.
Duas idades
Sou nostálgica, mas reconheço que os tempos de agora trouxeram
uma novidade: eliminaram diferenças de geração. Podemos ser tudo
em qualquer idade
Idades só há duas: ou se está vivo ou morto.
A frase acima é uma das tantas definições precisas de Mario Quintana,
que, devido à atualidade da sua obra e pensamento, está e não está
morto, possui as duas idades que ele reconhecia. Faria cem anos neste
domingo, e o que significa isso de fato? Nada. É apenas mais uma razão
para lembrá-lo, e a tudo o que ele deixou escrito e que permanece.
Este é um ano em que muitas pessoas que amo completaram idades
redondas: 10, 15, 45, 70. Cada uma experimentando uma etapa
diferente da vida, mas todas com algo mágico em comum: possuem a
mesma idade, estão vivas. Sou nostálgica, tenho a tendência a achar
que o antes era sempre melhor – não havia tanta violência, nem vaidade
extrema, e os sentimentos eram mais verdadeiros -, mas reconheço que
os tempos de agora trouxeram uma novidade bombástica: eliminaram as
diferenças de geração. Podemos ser tudo em qualquer idade. Jovens
responsáveis e maduros, adultos rebeldes e inconseqüentes, velhos
produtivos e fazendo planos pro futuro. Todos combinam entre si em
suas ambições e desejos. Estão todos na mesma festa, comemorando
a mesma idade: vivos.
O garoto de 12 que entra pro Guinness, a jornalista de 58 que namora
um Apolo de 33, o escritor que lança seu primeiro livro aos 60, a ex-vedete
que aos 99 ainda exibe boas pernas, o homem que aos 28 se tornou um dos deputados mais votados, a mulher que foi mãe aos 56. O que nos impede de
realizar nossos objetivos? Milhares de coisas, eu sei: a falta de dinheiro, de
incentivo, de força de vontade. Mas que ninguém venha reclamar que não tem
mais idade para alguma coisa, seja lá que coisa for esta.
Não foi só a medicina e a ciência que possibilitaram uma vida
útil muito mais extensa: nossa mentalidade vem mudando.
Claro que nem tudo é positivo: meninas engravidam quando
deveriam estar brincando e crianças trabalham quando deveriam
estar estudando. De um lado, falta orientação e informação; de
outra, sobra exploração e necessidade de sustento. Afora essas
tragédias sociais que já deveriam estar sendo combatidas, a parte
boa da história é que nosso tempo esticou, e os estigmas encolheram.
Falta bastante ainda: falta emprego para quem tem mais de 40, falta
aposentadoria decente, um sistema de saúde com mais eficiência, falta
a parte do governo, como é praxe. Mas o nível de desistência pessoal
caiu drasticamente – poucos hoje se acomodam. Nunca o ditado “quem
é vivo sempre aparece” foi tão realista. Estão todos bem à vista, loucos
para serem aproveitados.
Mario Quintana aproveitou-se. Não viveu apenas cronologicamente,
sabia ter todas as idades num único dia. Num poema, era um garoto
de 14 anos. Em outro, tinha 30. Em sua maioria, era eterno. A cada
página, um estado de espírito: ora meio infantil, ora um sábio, às vezes
um transtornado. Porque é assim mesmo que somos, de adolescentes a
caducos num estalar de dedos, a emoção é que determina nossa data de
nascimento.
Hoje ele teria 100, teria 13, teria 52, ele teria o quê, vivo estivesse?
Perguntemos a nós mesmos que idade magnífica temos neste instante.
Em vez de tentar escapar de certas lembranças, o melhor é mergulhar nelas e voltar à tona com menos desespero e mais sabedoria.
Paciência só para o que importa de verdade. Paciência para ver a tarde cair. Paciência para sorver um cálice de vinho. Paciência para a música e para os livros. Paciência para escutar um amigo. Paciência para aquilo que vale nossa dedicação.
Amigos secretos e outros segredos
No Sul, chama-se amigo secreto. Em outros Estados, amigo oculto. É quando realiza-se um sorteio para ver quem-vai-dar-presente-pra-quem no Natal ou em qualquer outra data festiva em que participe um grupo. Nesse final de ano, você terá pelo menos um amigo secreto na família, na turma, na escola ou no trabalho. Quem será?
Surpresa. Amigos secretos revelam-se na hora, faz parte da brincadeira. O que você talvez não saiba, e continue a não saber por toda a vida, é que também existe o apaixonado secreto.
Na loteria do destino, alguém abriu o coração e saiu seu nome. Talvez tenha tentado se aproximar e você não percebeu. Talvez faça parte do seu grupo há muitos anos e você nunca o tenha reparado. Talvez tenha lhe encontrado namorando, ou já casado, e discretamente escondeu o interesse para não perturbar a sua paz. Você pode ter, sim, um amor secreto e não saber a falta que pra ele você faz.
O presente que essa pessoa gostaria de lhe dar não se compra em shopping, não se paga à vista, não se financia. Você esteve ali ali para receber um beijo-surpresa, mas seu amor secreto não teve essa ousadia.
Ele pode estar há quilômetros de distância, se comunicando com você pela Internet, ou pode morar no mesmo prédio, estudar na mesma aula, freqüentar a mesma praia. Você não sente sua presença, mas talvez sinta sua ausência.
Seu amor secreto não revela-se porque sabe que você detesta cigarro, e ele fuma. Porque sabe que você só namora pessoas da sua idade, e ele é muito mais moço. Porque sabe que você riria da sua gagueira, da sua falta de grana, de seu embaraço. Seu amor secreto lhe deixaria atônito. Por isso, ele mantém-se discreto, platônico.
Entre amigos não há sigilo, só um suspense durante a festa, até saber quem irá, afinal, nos abraçar e revelar que está ao grupo representando. Já entre amores secretos não há abraços nem revelações. Alguém lhe ama em segredo, e o presente é manter você acreditando.
ATÉ A RAPA
Olhe para um lugar onde tenha muita gente: uma praia num domingo de 40 graus, uma estação de metrô, a rua principal do centro da cidade. Pois metade deste povaréu sofre de dor-de-cotovelo.
Alguns trazem dores recentes, outros trazem uma dor de estimação, mas o certo é que grande parte desses rostos anônimos têm um amor mal resolvido, uma paixão que não se evaporou completamente, mesmo que já estejam em outra relação.
Por que isso acontece? Eu tenho uma teoria, ainda que eu seja tudo, menos teórica no assunto. Acho que as pessoas não gastam seu amor. Isso mesmo. Os amores que ficam nos assombrando não foram amores consumidos até o fim.
Você sabe, o amor acaba.
É mentira dizer que não. Uns acabam cedo, outros levam 10 ou 20 anos para terminar, talvez até mais. Mas um dia acaba e se transforma em outra coisa: amizade, parceria, parentesco, e essa transição não é dolorida se o amor foi devorado até a rapa.
Dor-de-cotovelo é quando o amor é interrompido antes que se esgote. O amor tem que ser vivenciado. Platonismo funciona em novela, mas na vida real demanda muita energia, sem falar do tempo que ninguém tem para esperar. E tem que ser vivido em sua totalidade. É preciso passar por todas as etapas: atração-paixão-amor-convivência-amizade-tédio-fim.
Como já foi dito, este trajeto do amor pode ser percorrido em algumas semanas ou durar muitos anos, mas é importante que transcorra de ponta a ponta, senão sobra lugar para fantasias, idealizações, enfim, tudo aquilo que nos empaca a vida e nos impede de estar aberto para novos amores.
Se o amor foi interrompido sem ter atingido o fundo do pote, ficamos imaginando as múltiplas possibilidades de continuidade, tudo o que a gente poderia ter dito e não disse, feito e não fez.
Gaste seu amor. Usufrua-o até o fim. Enfrente os bons e os maus momentos, passe por tudo que tiver que passar, não se economize. Sinta todos os sabores que o amor tem, desde o adocicado do início até o amargo do fim, mas não saia da história na metade. Amores precisam dar a volta ao redor de si mesmo, fechando o próprio ciclo.
Isso é que libera a gente para ser feliz de novo.
Test drive para o amor
Existem muitas maneiras de duas pessoas apaixonadas se conhecerem melhor: irem juntas ao cinema, sairem para um chope, passearem de bicicleta, fazerem festa com os amigos, motel. É a programação clichê da maioria dos namorados. Mas será que isso basta para conhecer alguém? Um homem e uma mulher podem tomar quatrocentos litros de chope juntos e continuarem sabendo muito pouco um do outro. Uma coisa é saber o que ele pensa, e isso pode ser feito numa mesa de bar. Outra é saber como ele é, e isso requer mais intimidade, e não é de sexo que se está falando. É de convivência 24 horas.
Como descobrir, antes de casar ou morar junto, se ele ronca, se ela demora no banho, se ele usa fio dental, se ela acorda de mau humor, se ele sabe lidar com o inesperado, se ela é mesmo independente? Pegando a estrada.
Viajar juntos é o grande teste para um casal. Passar alguns dias acampando, ou num hotel, numa casa alugada, não importa onde, desde que seja um território neutro onde se possa repartir os bons e maus momentos, descobrir as manias de cada um, os hábitos que foram herdados dos pais, a verdadeira face oculta, que dificilmente se revela numa festa de sábado.
Ela sempre aparecia cheirosa nos encontros. Perfumaria. Viajando juntos, você descobre que ela é adepta do banho de gato, uns respingos e deu. Dorme com uma baba no cabelo, que é pra não ressecar. Usa a mesma camiseta cinco dias seguidos e sua escova de dentes completou três aninhos em agosto.
Ele sempre falou que honestidade era sua maior virtude. Nota-se. Na estrada, tentou subornar dois guardas. Chegando na casa que alugaram, ele deu um jeito de emperrar uma janela para pedir um abatimento no preço. Ao fazerem as primeiras compras no mercadinho da cidade, você o flagrou escondendo uma barra de chocolate no casaco e passando pelo caixa sem pagar. Um exemplo de dignidade.
É claro que, na maioria das vezes, uma viagem confirma que a pessoa que elegemos é mesmo maravilhosa, e novas qualidades são descobertas. Mas é conveniente não reservar as surpresas para a lua-de-mel. Pequenas viagens de fins-de-semana, ao longo do relacionamento, podem ser muito reveladoras. Você já sabe que ele gosta de filmes de ação e que ela prefere comer peixe, mas os dois só saberão dos detalhes da personalidade de cada um se criarem uma pequena rotina doméstica, fora da vida social. Isso é brincar de casinha? Que seja. Ainda é o melhor teste para saber se o amor resistirá a uma vida de verdade.
Vou chegar atrasada e distraída,
como quem saiu do trabalho e foi direto pro bar.
Vou pedir um hi-fi inocente
e olhar toda hora pro relógio
como se estivesse alguém me esperando em outro lugar.
Vou rir bastante, manter um ar distante
e esquecer quanto tempo faz.
Vou perguntar pelos amigos e, se aceitar carona,
deixar cair um brinco no banco de trás…
Quando dou pra ti,
sou mulher.
Quando dou por mim,
solidão.
RELAÇÕES VIRTUAIS
Fui absolutamente rendida pelo poder das relações virtuais. Acredito que é possível conhecer alguém por e-mail, se apaixonar por e-mail, odiar por e-mail, tudo isso sem jamais ter visto a pessoa. As palavras escritas no computador podem muito. Mas nem sempre enxergam a verdade.
São sete horas de uma manhã chuvosa. Você não dormiu bem à noite. Põe pra tocar um som instrumental que deixa suas emoções à flor da pele. Vai para o computador e começa a escrever para alguém especial as coisas mais íntimas que lhe passam no coração. Chora. Escreve. Olha para a chuva. Escreve mais um pouco. Envia.
São onze horas da noite deste mesmo dia. O destinatário da sua mensagem está dando uma festa. Todo mundo fala alto, ri muito, rola a maior sonzeira. Ele pega uma cerveja e dá uma escapada até o computador. Abre o correio. Está lá a mensagem. Um texto longo que ele lê com pressa. Destaca algumas palavras: “a saudade é tanta… sozinha demais… dividir o que sinto…” Papo brabo. Responderá amanhã. Deleta.
Alguém pode escrever com raiva, escrever com dor, escrever com ironia, escrever com dificuldade, escrever debochando, escrever apressado, escrever na obrigação, escrever com segundas intenções. Nada disso chegará no outro lado da tela: a pressa, a hesitação, a tristeza. As palavras chegarão desacompanhadas. Será preciso confiar no talento do remetente em passar emoção junto de cada frase. Como pouquíssimas pessoas têm esse dom, uma mensagem sensível poderá ser confundida com secura, tudo porque faltou um par de olhos, faltou um tom de voz.
Se você passou a desprezar alguém, pode escrever “não quero mais te ver”. Se você ama muito alguém, mas a falta de sintonia lhe vem machucando, pode escrever “não quero mais te ver”.
Uma mesma frase e duas mensagens diferentes. Palavras são apenas resumos dos nossos sentimentos profundos, sentimentos que para serem explanados precisam mais do que um sujeito, um verbo e um predicado. Precisam de toque, visão, audição. Amor virtual é legal, mas o teclado ainda não dá conta de certas sutilezas.
VELHOS AMIGOS, NOVOS AMIGOS
Quem é seu melhor amigo(a)? Deixe ver se adivinho: estuda na mesma escola ou cursinho, tem a mesma idade (talvez um ano a mais ou a menos), frequenta o mesmo clube ou a mesma praia.
Se errei, foi por pouco. Não é vidência: minha melhor amiga também foi minha colega tanto na escola quanto na faculdade e nascemos no mesmo ano. São amizades extremamente salutares, pois podemos dividir com eles angústias e alegrias próprias do momento que se está vivendo. Mas fique esperto. Fechar a porta para pessoas diferentes de você é sinal de inteligência precária.
Durante a adolescência, é vital repartir nossas experiências com pessoas que pensem como nós e que tenham o mesmo pique: é importante sentir-se incluído num grupo, de pertencer a uma turma. Perde-se, no entanto, o convívio com pessoas de outras idades e de outros “planetas”, que muito poderiam lapidar a nossa visão de mundo.
Entre iguais, tudo é igual. A vida ganha movimento é na diferença. Se você é rato de biblioteca, iria se divertir ouvindo as histórias contadas por um alpinista experiente.
Se você tem muita grana, ficaria surpreso em saber como dá duro o cara que trabalha de
dia para poder estudar à noite e o quanto ele precisa economizar para tomar dois chopes no sábado. Se você curte música, seria bacana conversar com quem curte teatro.
Se você é derrotista, seria uma boa bater um papo com quem já sofreu de verdade.
Você, que se acha uma velha aos 27 anos, iria se divertir muito com os relatos de uma cinquentona irada. E você, beirando os 60, se surpreenderia com a maturidade de um garoto de 18.
Para os de meia-idade, nada melhor do que ter amigos nos dois extremos: da garotada que lhe arrasta para dançar até aqueles que estão numa marcha mais lenta, que já viveram de tudo e de tudo podem falar.
A cabeça da gente comporta rafting e música lírica, videoclipes e dança flamenca, ficar com alguém por uma noite e ficar para sempre.
É importante cultivar afinidades, mas as desafinações ensinam bastante. No mínimo, nos fazem dar boas risadas.
Vale amizade com executivo e com office-boy, com solteiros e casados, meninas e mulheraços, gente que torce para outro time e vota em outro partido.
Vale sempre que houver troca. Vale inclusive pai e mãe.
Os excluídos
Ao contrário do que o título desta crônica possa sugerir, não vou falar sobre aqueles que vivem à margem da sociedade, sem trabalho, sem estudo e sem comida. Quero fazer uma homenagem aos excluídos emocionais, os que vivem sem alguém para dar as mãos no cinema, os que vivem sem alguém para telefonar no final do dia, os que vivem sem alguém com quem enroscar os pés embaixo do cobertor. São igualmente famintos, carentes de um toque no cabelo, de um olhar admirado, de um beijo longo, sem pressa pra acabar.
A maioria deles são solteiros, os sem-namorado. Os que não têm com quem dividir a conta, não têm com quem dividir os problemas, com quem viajar no final de semana. É impossíver ser feliz sozinho? Não, é muito possível, se isso é um desejo genuíno, uma vontade real, uma escolha. Mas se é uma fatalidade ao avesso – o amor esqueceu de acontecer – aí não tem jeito: faz falta um ombro, faz falta um corpo.
E há aqueles que têm amante, marido, esposa, rolo, caso, ficante, namorado, e ainda assim é um excluído. Porque já ultrapassou a fronteira da excitação inicial, entrou pra zona de rebaixamento, onde todos os dias são iguais, todos os abraços, banais, todas as cenas, previsíveis. Não são infelizes e nem se sentem abandonados. Eles possuem um relacionamento constante, alguém para acompanhá-los nas reuniões familiares, alguém para apresentar para o patrão nas festas da empresa. Eles não estão sós, tecnicamente falando. Mas a expulsão do mundo dos apaixonados se deu há muito. Perderam a carteirinha de sócios. Não são mais bem-vindos ao clube.
Como é que se sabe que é um excluído? Vejamos: você passa por um casal que está se beijando na rua – não um beijinho qualquer, mas um beijo indecente como tem que ser, que torna tudo em volta irrelevante – você inclusive. Se lhe bate uma saudade de um tempo que parece ter sido vivido antes de Cristo, se você sente uma fisgada na virilha e tem a impressão que um beijo assim é algo que jamais se repetirá em sua vida, se de certa forma este beijo que você assistiu lhe parece um ato de violência – porque lhe dói – então você está fora de combate, é um excluído.
A boa notícia: você não é um sem trabalho, sem estudo e sem comida – é apenas um sem-paixão. Sua exclusão pode ser temporária, não precisa ser fatal. Menos ponderação, menos acomodação, e olha só você atualizando sua carteirinha. O clube segue de portas abertas.
A Raça dos Desassossegados
À raça dos desassossegados pertencemos todos, negros e brancos, ricos e pobres, jovens e velhos, desde que tenhamos como característica desta raça comum, a inquietação que nos torna insuportavelmente exigentes com a gente mesmo e a ambição de vencer não os jogos, mas o tempo, este adversário implacável.
Desassossegados do mundo correm atrás da felicidade possível, e uma vez alcançado seu quinhão, não sossegam: saem atrás da felicidade improvável, aquela que se promete constante, aquela que ninguém nunca viu, e por isso sua raridade.
Desassossegados amam com atropelo, cultivam fantasias irreais de amores sublimes, fartos e eternos, são sabidamente apressados, cheios de ânsias e desejos, amam muito mais do que necessitam e recebem menos amor do que planejavam.
Desassossegados pensam acordados e dormindo, pensam falando e escutando, pensam ao concordar e, quando discordam, pensam que pensam melhor, e pensam com clareza uns dias e com a mente turva em outros, e pensam tanto que pensam que descansam.
Desassossegados não podem mais ver o telejornal que choram, não podem sair mais às ruas que temem, não podem aceitar tanta gente crua habitando os topos das pirâmides e tanta gente cozida em filas, em madrugadas e no silêncio dos bueiros.
Desassossegados vestem-se de qualquer jeito, arrancam a pele dos dedos com os dentes, homens e mulheres soterrados, cavando uma abertura, tentando abrir uma janela emperrada, inventando uns desafios diferentes para sentir sua vida empurrada, desassossegados voltados pra frente.
Desassossegados desconfiam de si mesmos, se acusam e se defendem, contradizem-se, são fáceis e difíceis, acatam e desrespeitam as leis e seus próprios conceitos, tumultuados e irresistíveis seres que latejam.
Desassossegados têm insônia e são gentis, lhes incomodam as verdades imutáveis, riem quando bebem, não enjoam, mas ficam tontos com tanta idéia solta, com tamanha esquizofrenia, não se acomodam em rede, leito, lamentam a falta que faz uma paz inconsciente.
Desta raça somos todos, eu sou, só sossego quando me aceito.
O GRITO
Não sei o que está acontecendo comigo, diz a paciente para o psiquiatra.
Ela sabe.
Não sei se gosto mesmo da minha namorada, diz um amigo para outro.
Ele sabe.
Não sei se quero continuar com a vida que tenho, pensamos em silêncio.
Sabemos, sim.
Sabemos tudo o que sentimos porque algo dentro de nós grita. Tentamos abafar este grito com conversas tolas, elocubrações, esoterismo, leituras dinâmicas, namoros virtuais, mas não importa o método que iremos utilizar para procurar uma verdade que se encaixe nos nossos planos: será infrutífero. A verdade já está dentro, a verdade se impõe, fala mais alto que nós, ela grita.
Sabemos se amamos ou não alguém, mesmo que esteja escrito que é um amor que não serve, que nos rejeita, um amor que não vai resultar em nada. Costumamos desviar este amor para outro amor, um amor aceitável, fácil, sereno. Podemos dar todas as provas ao mundo de que não amamos uma pessoa e amamos outra, mas sabemos, lá dentro, quem é que está no controle.
A verdade grita. Provoca febres, salta aos olhos, desenvolve úlceras. Nosso corpo é a casa da verdade, lá de dentro vêm todas as informações que passarão por uma triagem particular: algumas verdades a gente deixa sair, outras a gente aprisiona. Mas a verdade é só uma: ninguém tem dúvida sobre si mesmo.
Podemos passar anos nos dedicando a um emprego sabendo que ele não nos trará recompensa emocional. Podemos conviver com uma pessoa mesmo sabendo que ela não merece confiança. Fazemos essas escolhas por serem as mais sensatas ou práticas, mas nem sempre elas estão de acordo com os gritos de dentro, aquelas vozes que dizem: vá por este caminho, se preferir, mas você nasceu para o caminho oposto. Até mesmo a felicidade, tão propagada, pode ser uma opção contrária ao que intimamente desejamos. Você cumpre o ritual todinho, faz tudo como o esperado, e é feliz, puxa, como é feliz. E o grito lá dentro: mas você não queria ser feliz, queria viver!
Eu não sei se teria coragem de jogar tudo para o alto.
Sabe.
Eu não sei por que sou assim.
Sabe.
O que quer uma mulher
Um bebê nasce. O médico anuncia: é uma menina! A mãe da criança, então, se põe a sonhar com o dia em que a sua princesinha terá um namorado de olhos verdes e casará com ele, vivendo feliz para sempre.
A garotinha ainda nem mamou e já está condenada a dilacerar corações.
Laçarotes, babados, contos de fadas: toda mulher carrega a síndrome de Walt Disney.
Até as mais modernas e cosmopolitas têm o sonho secreto de encontrar um príncipe encantado. Como não existe um Antonio Banderas para todas, nos conformamos com analistas de sistemas, gerentes de marketing, engenheiros mecânicos. Ou mecânicos de oficina mesmo, a situação não anda fácil. Serão eles desprezíveis? Que nada. São gentis, nos ajudam com as crianças, dão um duro danado no trabalho e têm o maior prazer em nos levar para jantar. São príncipes à sua maneira, e nós, cinderelas improvisadas, dizemos sim! sim! sim! diante do altar; mas, lá no fundo, a carência existencial herdada no berço jamais será preenchida.
Queremos ser resgatadas da torre do castelo. Queremos que o nosso pretendente enfrente dragões, bruxas, lobos selvagens. Queremos que ele sofra, que vare a noite atrás de nós, que faça tudo o que o José Mayer, o Marcelo Novaes e o Rodrigo Santoro fazem nas novelas. Queremos ouvir “eu te amo” só no último capítulo, de preferência num saguão de aeroporto, quando ele chegará a tempo de nos impedir de embarcar.
O amor na vida real, no entanto, é bem menos arrebatador. “Eu te amo” virou uma frase tão romântica quanto “me passa o açúcar”. Entre casais, é mais fácil ouvir eu “te amo” ao encerrar uma ligação telefônica do que ao vivo e a cores. E fazem isso depois de terem se xingado por meia-hora. “Você vai chegar tarde de novo? Tenha a santa paciência, o que é que você tanto faz nesse escritório? Ontem foi a mesma coisa, que inferno! Eu é que não vou preparar o jantar para você às dez da noite, te vira. Tchau, também te amo.” E batem o telefone possessos.
Sim, sabemos que a vida real não combina com cenas hollywoodianas.
Sabemos que há apenas meia dúzia de castelos no mundo, quase todos abertos à visitação de turistas. Sabemos que os príncipes, hoje, andam meio carecas, usam óculos e cultivam uma barriguinha de chope. Não são heroicos nem usam capa e espada, mas ao menos são de carne e osso, e a maioria tentaria nos resgatar de um prédio em chamas, caso a escada magirus alcançasse o nosso andar. Não é nada, não é nada, mas já é alguma coisa.
Dificilmente um homem consegue corresponder à expectativa de uma mulher, mas vê-los tentar é comovente. Alguns mandam flores, reservam quarto em hotéizinhos secretos, surpreendem com presentes, passagens aéreas, convites inusitados. São inteligentes, charmosos, ousados, corajosos, batalhadores.
Disputam nosso amor como se estivessem numa guerra, e pra quê? Tudo o que recebem em troca é uma mulher que não pára de olhar pela janela, suspirando por algo que nem ela sabe direito o que é.
Perdoem esse nosso desvio cultural, rapazes. Nenhuma mulher se sente amada o suficiente.
MEU CANDIDATO A PRESIDENTE
Ele, ou ela, tem entre 40 e 60 anos, talvez uma pouco menos ou um pouco mais, a chamada meia-idade, em que já se fizeram algumas besteiras e por conta delas sabe-se o que vale a pena e o que não vale nessa vida.
Nasceu no Norte ou no Sul, não importa., desde que tenha estudado, e se foi em escola pública ou privada, também não importa, desde que tenha lido muito na juventude e mantido o hábito até hoje, e que através da leitura tenha descoberto que o mundo é injusto, mas não está estragado para sempre, que um pouco de idealismo é necessário, mas só um pouco, e que coisas como bom senso e sensibilidade não precisam sobreviver apenas na ficção.
Ele, ou ela, é prático, objetivo e bem-humorado, mas não é idiota. Está interessado em ter parceiros que governem como quem opera, como quem advoga, como quem canta, como quem leciona: com profissionalismo e voltado para o bem do outro, e que o dinheiro seja um pagamento pelos serviços prestados, não um meio ilícito de enriquecer. Alianças, ele quer fazer com todos os setores da sociedade, e basta, e já é muito.
Ele, ou ela, sabe comunicar-se porque seu ofício exige isso, mas comunicar-se é dizer o que pensa e o que faz, e como faz, e por que faz, e se ele possui ou não carisma, é uma questão de sorte, se calhar até tem. Mas não é bonito nem feio: é inteligente. Não é comunista nem neoliberal: é sensato. Não é coronelista nem ex-estudante de Harvard: é honesto.
Meu candidato, ou candidata, é casado, ou solteiro, ou ajuntado, ou gay, pode ter filhos ou não; problema dele. Paga os impostos em dia, tem orgulho suficiente para zelar por seu currículo, possui um projeto realista e bem traçado, e não está muito interessado em ser moderno, mas em ser útil.
Meu candidato, ou candidata, é católico, evangélico, ateu, budista, não sei, não é da minha conta. É avançado quando se trata de melhorar as condições de vida das minorias estigmatizadas e das maiorias excluídas, e é retrógrado em questão de finanças; só gasta o que tem em caixa, e não tem duas.
Ele, ou ela, é uma pessoa que tem idéias praticáveis, que aceita as boas sugestões vindas de outros partidos, que não tem vergonha de não ser malandro e sim vergonha de pertencer a uma classe tão desprovida de credibilidade, e tenta reverter isso cumprindo sua missão, que é curta, e sendo curta ele concentra nela todos os seus esforços.
Pronto. Abri meu voto.
Carta Extraviada 3
Não é da minha natureza esperar que me deem liberdade,
não espero pelo pouco que há de essencial na vida.
Sendo liberdade uma delas, eu mesmo me concedo.
Ser livre não me ensinou a amar direito, se por direito entende-se
este amor preestabelecido, mas me ensinou as sutilezas do sentimento, que, afinal, é o que caracteriza e o torna pessoal e irreproduzível.
Te amo muito, até quando não percebo.
O amor que sinto pode parecer estranho, e é por isso que o reconheço como amor, pois não há amor universal: não, caríssima.
Não há um amor internacional, assim como são proclamados os
cidadãos do mundo. Cada cidadão, um coração, e em cada um deles,
códigos delicados. Se não é este amor que queres, não queres amor, queres romance, este, sim, divulgadíssimo.
Te amo muito, e não sinto medo.
Bela e cega, busca em mim o que poderias encontrar em qualquer canto, em todo corpo, homens e mulheres ao alcance de teus lábios e dedos, romance: conhecido o enredo, é fácil desempenhá-lo.
E se casam os românticos, e fazem filhos e fazem cedo.
O amor que sinto poderia gerar casamento, pequenos acertos, distribuição de tarefas, mas eu gosto tanto, inteiro, que não quero me ocupar de outra coisa que não seja de você, de mim, do nosso segredo.
Te amo muito, e pouco penso.
Esta carta não chegará, como não chegarão ao seu entendimento estas
palavras risíveis, estes conceitos que aos outros soariam como desculpa de aventureiro ou até mesmo plágio, já que não há originalidade na ideia, muito difundida, porém bastante censurada.
Serei eu o romântico, o ingênuo?
Serei o que quiseres em teu pensamento, tampouco me entendo,
mas sinto-me livre para dizer: te amo muito, sem rendimento, aceso,
amor sem formato, altura ou peso, amor sem conceito, aceitação,
impassível de julgamento, aberto, incorreto, amor que nem sabe se é este o nome direito, amor, mas que seja amor.
Te amo muito, e subscrevo-me.
Razoavelmente Felizes
Lá vai ela, toda segura com seu casaquinho Chanel, comandar mais uma reunião da empresa, a superprofissional, mulher independente, decidida, bonita, bem-resolvida, com saldo invejável no banco, amigos diversos, saúde pra dar e vender. Ela é razoavelmente feliz. Seria estupidamente feliz se tivesse um cara esperando por ela em casa pra fazer uma massagem nos pés e dividir uma pizza. Está sem namorado desde antes de Cristo.
Que tal aquele garotão ali, não estará avulso, disponível? Não, não estará. O garotão sarado tem uma namorada linda, eles correm no calçadão todas as manhãs, parecem um casal de propagandas de leite desnatado, e não pense que são dois descerebrados: são inteligentes, belos, saudáveis, possuem um bom papo, estão de bem com a vida, adoram viajar pra Europa, comprar livros de arte e alugar DVDs. Mas não têm feito nada disso, correm no calçadão porque é de graça, nuca estiveram tão duros. Ela, arquiteta, está sem um projeto há cinco meses. Ele, engenheiro e igualmente desempregado, tem segurando a barra dando aula particular de italiano. Sabe quantas pessoas estão a fim de aprender italiano?
Aquela senhora ali quer. Está doente para aprender italiano. Já se aposentou, os filhosestão bem criados e distribuídos pelo mundo, e o marido segue ativa em todos os sentidos. Ela nunca se sentiu tão linda depois que fez vários reparos faciais e vive num megaapartamento com vista para todo o azul e todo o verde da cidade, e o tempo que lhe sobra é igualmente escancarado: está lhe faltando uma compromisso, uma ocupação, um sentido para a vida. Aprender italiano, fazer origami, um curso de roteiros, alguém leh dê uma idéia que a deixe mais do que razoavelmente feliz, que a deixe insuportavelmente feliz.
“Vendem-se idéias”, está no anúncio da agência de publicidade cujo dono é aquele sujeito ali bem de grana, bem de mulher, bem realizado no ofício que escolheu por conta dos prêmios que abocanhou. Mas ele acorda com dores lombares, tem tido uns acessos de tosse, está com os dias contados, é no que pensa dia e noite, o coitado. Não adianta o médico dizer que sua saúde está perfeita e que vai chegar inteiraço aos 100 anos, ele se sente condenado, vive e ama como se não houvesse amanhã, igualzinho à música do Renato Russo. O cara vive razoavelmente feliz suas 24 horas de cada vez, mas seria diabolicamente feliz sem a hipocondria, sem as palpitações que não acusam nada além de ansiedade.
A felicidade é uma mesa de três pés, há sempre uma pendência. Equilíbrio total, todos os lados funcionando, nadinha pra reclamar? Impossível. A vida não teria a mínima credibilidade sem o pedaço que falta.
Ciúmes do passado
Não há casal no mundo que não discuta o ciúme, que não vivencie o ciúme. Uns levam o assunto com tranquilidade, sentem ciúmes civilizados, que não tumultuam a relação. E outros são atormentados por esta praga, não podem olhar para os lados que o parceiro já fica de antena ligada. Uma chateação cotidiana.
Isso é cuidar do relacionamento? Isso é prova de amor? De certo modo, sim, é um zelo, um carinho – desde que as proporções sejam razoáveis. Você não quer perder seu amor para outra pessoa, então fica de olho. Não dá pra dizer que é uma insanidade, você está apenas reafirmando a posse do que julga ser seu.
A sensatez vai pras cucuias quando o ciúme não está mais relacionado ao presente, e sim ao passado de quem você ama, um passado que não foi compartilhado, um passado que você não conhece, um passado onde você não existia, onde você não foi traído, portanto.
Mas uma garota não quer saber de sensatez quando sente uma dor profunda ao ver, por exemplo, fotos do namorado cinco anos atrás, feliz da vida ao lado de amigos e amigas que ela não conhece. Ela sente ciúme dos discos que foram comprados antes da relação começar, sente ciúmes dos presentes que foram recebidos antes, sente ciúmes de roupas que foram compradas sem a opinião dela, sente ciúmes das alegrias que foram vividas bem longe da sua presença. Como você pode acreditar quando ele diz que não consegue se imaginar sendo feliz sem você, se cinco anos atrás ele estava passando férias em Trancoso com um sorriso de orelha a orelha? Algumas pessoas não colocam os pés em lugares onde seu amor foi feliz na companhia de outros. Se ele foi feliz em Trancoso, que Trancoso arda em chamas!
Já não é ciúmes o nome disso. Já nem mesmo é amor.
Todo mundo sonha com aquele beijo made in Hollywood, que tira o fôlego e dá início a um romance incandescente. Pena que nem sempre isso aconteça na vida real. O primeiro beijo entre um casal costuma ser suave, investigativo, decente. Aos pouquinhos, no entanto, acende-se a labareda e as bocas dizem a que vieram. Existe um prazo para isso acontecer: entre cinco minutos depois do primeiro roçar de lábios até, no máximo, cinco dias. Neste espaço de tempo, ainda compreende-se que os beijos sejam vacilantes: tratam-se de duas pessoas criando um vínculo e testando suas reações. Mas se a decência persistir, não espere ver estrelinhas na etapa seguinte. A química não aconteceu.
Beijo é maravilhoso porque você interage com o corpo do outro sem deixar vestígios, é um mergulho no escuro, uma viagem sem volta. Beijo é uma maneira de compartilhar intimidades, de sentir o sabor de quem se gosta, de dizer mil coisas em silêncio. Beijo é gostoso porque não cansa, não engravida, não transmite o HIV. Beijo é prático porque não precisa tirar a roupa, não precisa sair da festa, não precisa ligar no dia seguinte. E sem essa de que beijo é insalubre porque troca-se até 9 miligramas de água, 0,7 grama de albumia, 0,18 de substâncias orgânicas, 0,711 miligrama de matérias gordurosas e 0,45 miligrama de sais, sem contar os vírus e as bactérias. Quem está preocupado com isso? Insalubre é não amar.
Hoje não escondo nada do que sinto e penso, e às vezes também sofro com isso, mas ao menos não compactuo mais com um tipo de silêncio nocivo: o silêncio que tortura o outro, que confunde, o silêncio a fim de manter o poder num relacionamento.
Você planeja terminar um relacionamento. Chegou à conclusão que não quer mais ter a seu lado uma pessoa distante, que não leva nada à sério, que vive contando piadinhas preconceituosas e que não parece estar muito apaixonado. Por que levar a história adiante? Melhor terminar tudo hoje mesmo. Marca um encontro. Ele chega no horário, você também. Começam a conversar. Você engata o assunto. Para sua surpresa, ele ficou triste. Não quer se separar de você. E para provar, segura seu rosto com as duas mãos e tasca-lhe um beijo. Danou-se.
Onde foram parar as teorias, os diálogos que você planejou, a decisão que parecia irrevogável? Tomaram Doril. Você agora está sob os efeitos do cheiro dele, está rendida ao gosto dele, está ligada a ele pela derme e epiderme. A gravação do seu celular informa: seus neurônios estão fora da área de cobertura ou desligados.
Isso nunca aconteceu com você? Reluto entre dar-lhe os parabéns ou os pêsames. Por um lado, é ótimo ter controle absoluto de todas as suas ações e reações, ter força suficiente para resistir ao próprio desejo. Por outro lado, como é bom dar folga ao nosso raciocínio e deixar-se seduzir, sem ficar calculando perdas e danos, apenas dando-se ao luxo de viver o seu dia de Pigmaleão.
A carne é fraca, mas você tem que ser forte, é o que recomendam todos. Tente, ao menos de vez em quando, ser não ceder às tentações. Se conseguir, bravo: terá as rédeas de seu destino na mão. Mas se não der certo, console-se. Criaturas que derretem-se, entregam-se, consomem-se e não sabem negar-se costumam trazer um sorriso enigmático nos lábios. Alguma recompensa há de ter.
Por mais que já tenhamos amado e odiado, por mais que tenhamos sido rejeitados, descartados, seduzidos, conquistados, não há experiência amorosa que se repita, pois são variadas as nossas paixões e diferentes as nossas etapas, e tudo isso nos torna novatos.
De todos os que preenchem nossa solidão, são os livros os mais anárquicos, os mais instigantes. Leia, e seu silêncio ganhará voz.
NÃO NOS CONTARAM
Hoje é o momento ideal pra falar de sacanagem. Mas nada de ménage à trois, sexo selvagem e práticas perversas, sinto muito.
Pretendo, sim, é falar das sacanagens que fizeram com a gente.
Fizeram a gente acreditar que amor mesmo, amor pra valer, só acontece uma vez, geralmente antes dos 30 anos.
Não nos contaram que amor não é acionado nem chega com hora marcada.
Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja, e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade.
Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos falta: a gente cresce através da gente mesmo.
Se estivermos em boa companhia, é só mais agradável.
Fizeram a gente acreditar numa fórmula chamada “dois em um”, duas pessoas pensando igual, agindo igual, que isso era que funcionava.
Não nos contaram que isso tem nome: anulação.
Que só sendo indivíduos com personalidade própria é que poderemos ter uma relação saudável.
Fizeram a gente acreditar que casamento é obrigatório e que desejos fora de hora devem ser reprimidos.
Fizeram a gente acreditar que os bonitos e magros são mais amados, que os que transam pouco são caretas, que os que transam muito não são confiáveis, e que sempre haverá um chinelo velho para um pé torto.
Só não disseram que existe muito mais cabeça torta do que pé torto.
Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz, a mesma para todos, e os que escapam dela estão condenados à marginalidade.
Não nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas, são alienantes, e que podemos tentar outras alternativas.
Ah, nem contaram que ninguém vai contar.
Cada um vai ter que descobrir sozinho.
E aí, quando você estiver muito apaixonado por você mesmo, vai poder ser muito feliz se apaixonar por alguém.
Diga a verdade
Ao menos uma vez na vida
Você se apaixonou
Pelos meus erros…♫
A verdade é que o que dizemos não tem tanta importância. Para saber quem somos, basta que se observe o que fizemos da nossa vida. Os fatos revelam tudo, as atitudes confirmam. O que você diz – com todo o respeito – é apenas o que você diz.
EU, MODO DE USAR
Pode invadir
Ou chegar com delicadeza,
Mas não tão devagar que me faça dormir.
Não grite comigo, tenho o péssimo habito de revidar…
Toque muito em mim
Principalmente nos cabelos
E minta sobre a nocauteante beleza.
tenha vida própria,
Me faça sentir saudades,
Conte algumas coisas que me fazem rir…
Viaje antes de me conhecer,
Sofra antes de mim para reconhecer-me…
Acredite nas verdades que digo
E também nas mentiras, elas serão raras
e sempre por uma boa causa.
Respeite meu choro,
Me deixe sozinha,
Só volte quando eu chamar e,
Não me obedeça sempre
que eu também gosto de ser contrariada
Então fique comigo quando eu chorar, combinado?
Me conte seus segredos…
Me faça massagem nas costas
Não fume,
Beba,
Chore,
eleja algumas contravenções.
Me rapte!
se nada disso funcionar…
Experimente me amar!
Para saber quem somos, basta que se observe o que fizemos da nossa vida. Os fatos revelam tudo, as atitudes confirmam. O que você diz – com todo respeito – é apenas o que você diz.
Você é os brinquedos que brincou, as gírias que usava, os segredos que guardou, você é sua praia preferida, você é o renascido depois do acidente que escapou, aquele amor atordoado que viveu, a conversa séria que teve um dia com seu pai, você é o que você lembra. Você é a saudade que sente da sua mãe, a infância que você recorda, a dor de não ter dado certo, de não ter falado na hora, a emoção de um trecho de livro, a cena de rua que lhe arrancou lágrimas, você é o que você chora. Você é o abraço inesperado, a força dada para o amigo que precisa, a sensibilidade que grita, o carinho que permuta, os pedaços que junta, a gargalhada, o beijo, você é o que você desnuda, você é o que você curte. Você é a raiva de não ter alcançado, a impotência de não conseguir mudar, o desapontamento com o governo, o ódio que tudo isso dá. Você é o que ninguém vê.
A pior vontade de viver
Ela é complexa, angustiante, subjetiva e intensa. Ela, a pior vontade de viver. A que não está disposta a negociar com a vontade dos outros.Todos são tão compreensivos, aceitam tão bem suas escolhas, torcem por tudo o que você faz, não é mesmo? Desde que você faça o que está no script. Que siga o que foi determinado no roteiro, aquele que foi escrito sabe-se lá por quem e homologado no instante mesmo em que você nasceu. Mas e quem não quiser seguir este script?
Clarice Lispector, que entendia de subversões emocionais, morreu há 30 anos e recebeu uma justa homenagem na última terça-feira, no Teatro Renascença, numa performance dirigida pelo incansável Luciano Alabarse e para o qual fui convidada, mas não pude participar. Em função deste evento, estive pensando muito em Clarice e lembrei de como ela descreveu, certa vez, o sentimento de um personagem: “Seu coração enchera-se com a pior vontade de viver”. Ela é complexa, angustiante, subjetiva e intensa. Ela, a pior vontade de viver. A que não está disposta a negociar com a vontade dos outros. No entanto, esta que foi chamada de a “pior” vontade pode ser também uma vontade genuína e inocente. É a vontade da criança que ainda levamos dentro, entranhada. É o desejo de açúcar, de traquinagem, de fazer algo escondido, de quebrar algumas regras, de imitar os adultos. A “pior” vontade é curiosa, quer observar pelo buraco da fechadura e depois, mais ousadamente, abrir a porta e entrar no quarto proibido. A “pior” vontade é a de não se enraizar, não assinar contrato de exclusividade, não firmar compromisso, não render-se às vontades fixas, apenas às vontades momentâneas, porque as fixas correm o risco de deixar de serem vontade para se transformarem em vaidade – como se sabe, há sempre aqueles que se envaidecem da própria persistência. A “pior” vontade não quer ganhar medalha de honra ao mérito, não quer posar para fotografias, não quer completar bodas de ouro nem ser jubilada. A “pior” vontade não faz a menor questão de ser percebida, ela quer ser realizada. É quando você sabe que não deveria, mas vai. Sabe que não será fácil, mas enfrenta. Sabe que tomarão como agressão, mas arrisca. Anote: apenas sentem-se agredidos aqueles que te invejam. A vontade oficial, a vontade santinha, a que não causa incômodo é a outra, a aprovada pela sociedade, a que não leva em conta o que vai no seu íntimo, e sim a opinião pública. É a vontade que todos nós, de certa forma, temos de mostrar para os outros que somos felizes, sem saber que para conseguir isso é preciso, antes, ter a “pior” vontade, aquela que faz você descobrir que ser feliz é ter consciência do efêmero, é saber-se capaz de agarrar o instante, é lidar bem com o que não é definitivo – ou seja, tudo. É com esta “pior” vontade de viver que você atrai os outros, que seu magnetismo cresce, que seu rosto rejuvenesce e que você fica mais interessante.
É uma pena que nem todos tenham a sorte de deixar vir à tona esta que Clarice Lispector chamou de a pior vontade de viver, que, secretamente, é a melhor.
sou impaciente
anuncio todos os meus atos
uma semana antes.
Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio.
No mesmo vagão, eu e alguém
Conversa vai, conversa vem
Chega a estação
Lembrança vai, lembrança vem
Meu coração
Até hoje não desceu do trem
Casada, três filhos, arquiteta
não foi vista tomando um campari
na companhia de um turista alemão
Senhor respeitável, discreto, comprometido
não foi apanhado em flagrante
com uma morena gostosa sem sutiã
Filha de deputado, 17 anos, namorado firme
não foi surpreendida nos braços de outro
quando deveria estar na aula de inglês
Senhora decente, viúva, cinquentona
não foi alvo de comentários
por hospedar na sua casa o marido de alguém
Fidelidade é não contar nada a ninguém
Se é pra sofrer, que seja sozinho, onde seu rosto possa estampar desalento, inchaços, nariz vermelho, olhar perdido, boca crispada. Se é pra sofrer, que o corpo possa verter, vergar, amolecer. Se é pra sofrer, que possa ser descabelado, que possa ser de pés descalços, que possa ser em silêncio.
basta me segurar pela nuca e eu derreto, viro pao com manteira, sirva-se
De todo o minimalismo
clichês e letras de música
de toda minha literatura
você ainda é a melhor página.
Trancar o dedo numa porta dói, torcer o tornozelo dói.
Um tapa, um soco, um pontapé, doem.
Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pôr um piercing dói.
Mas o que mais dói é a saudade.
Saudade de alguém que morreu, do amigo confidente.
Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.
Saudade de parentes que moram longe.
Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama.
Saudade de alguém que está longe fisicamente, de alguem que não vê há muito tempo ou até mesmo que se vê raramente.
Saudade da pele, do cheiro, dos abraços, do jeito, do jeito de tocar a mão, da presença, e até da ausência consentida.
Saudade que ninguém sabe como deter, saudade é basicamente não saber.
Não saber mais se ela continua pensando em você;
Não saber se ela tem comido bem, se continua saudável;
Se ela continua ouvindo aquela música, e amando aquele cantor;
Se ela continua preferindo tal coisa; se continua com o mesmo corte de cabelo;
Se ela ainda tem a nossa foto impressa; se sente saudade;
Se ela continua usando o mesmo perfume; se ela continua odiando praia;
Saudade é não saber mesmo!
Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos com a falta dela;
Não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento;
Não saber como frear as lágrimas diante de uma música que lembra ela;
Não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber onde ela está, e ao mesmo tempo perguntar às suas amigas por isso..
É não saber se ela está feliz, e ao mesmo tempo querer isso;
É não poder estar com ela quando só se quer fazer isso.
Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo
E o que você, provavelmente, está sentindo agora depois que acabou de ler.
Se não era amor, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não se sabe se vai ser antes ou depois de se chocar contra o solo.
Beijo é maravilhoso porque você interage com o corpo do outro sem deixar vestígios, é um mergulho no escuro, uma viagem sem volta. Beijo é uma maneira de compartilhar intimidades, de sentir o sabor de quem se gosta, de dizer mil coisas em silêncio. Beijo é gostoso porque não cansa, não engravida, não transmite o HIV. Beijo é prático porque não precisa tirar a roupa, não precisa sair da festa, não precisa ligar no dia seguinte. E sem essa de que beijo é insalubre porque troca-se até 9 miligramas de água, 0,7 grama de albumia, 0,18 de substâncias orgânicas, 0,711 miligrama de matérias gordurosas e 0,45 miligrama de sais, sem contar os vírus e as bactérias. Quem está preocupado com isso? Insalubre é não amar.
Depois de um bom tempo dizendo que eu era a mulher da vida dele, um belo dia eu recebo um e-mail dizendo “olha, não dá mais”. Tá certo que a gente tava quase se matando e que o namoro já tinha acabado mesmo,mas não se termina nenhuma história de amor (e eu ainda o amava muito) com um e-mail, não é mesmo?
Liguei pra tentar conversar e terminar tudo decentemente e ele respondeu “mas agora eu to comendo um lanche com amigos”. Enfim, fiquei pra morrer algumas semanas até que decidi que precisava ser uma mulher melhor para ele. Quem sabe eu ficando mais bonita, mais equilibrada ou mais inteligente, ele não voltava pra mim?
Foi assim que me matriculei simultaneamente numa academia de ginástica, num centro budista e em um curso de cinema. Nos meses que se seguiram eu me tornei dos seres mais malhados, calmos, espiritualizados e cinéfilos do planeta. E sabe o que aconteceu? Nada, absolutamente nada, ele continuou não lembrando que eu existia.
Aí achei que isso não podia ficar assim, de jeito nenhum, eu precisava ser ainda melhor pra ele, sim, ele tinha que voltar pra mim de qualquer jeito. Decidi ser uma mulher mais feliz, afinal, quando você é feliz com você mesma, você não põe toda a sua felicidade no outro e tudo fica mais leve. Pra isso, larguei de vez a propaganda, que eu não suportava mais, e resolvi me empenhar na carreira de escritora, participei de vários livros, terminei meu próprio livro, ganhei novas colunas em revistas, quintupliquei o número de leitores do meu site e nada aconteceu.
Mas eu sou taurina com ascendente em áries, lua em gêmeos e filha única Eu não desisto fácil assim de um amor, e então resolvi que eu tinha que ser uma super ultra mulher para ele, só assim ele voltaria pra mim. Foi então que passei 35 dias na Europa, exclusivamente em minha companhia, conhecendo lugares geniais, controlando meu pânico em estar sozinha e longe de casa, me tornando mais culta e vivida. Voltei de viagem e tchân, tchân, tchân, tchân: nem sinal de vida.
Comecei um documentário com um grande amigo, aprendi a fazer strip, cortei meu cabelo 145 vezes, aumentei a terapia, li mais uns 30 livros, ajudei os pobres,rezei pra Santo Antonio umas 1.000 vezes, torrei no sol, fiz milhares de cursos de roteiro, astrologia e história, aprendi a nadar, me apaixonei por praia, comprei todas as roupas mais lindas de Paris.
Como última cartada para ser a melhor mulher do planeta, eu resolvi ir morar sozinha. Aluguei um apartamento charmoso, decorei tudo brilhantemente, chamei amigos para a inauguração, servi bom vinho e comidinhas feitas, claro, por mim, que também finalmente aprendi a cozinhar.Resultado disso tudo: silêncio absoluto.
O tempo passou, eu continuei acordando e indo dormir todos os dias querendo ser mais feliz para ele, mais bonita para ele, mais mulher para ele. Até que algo sensacional aconteceu. Um belo dia eu acordei tão bonita, tão feliz, tão realizada, tão mulher que eu acabei me tornando mulher demais para ele. Ele quem mesmo?
No interessante livro HOMEM LENTO, de J.M. Coetzee, há uma passagem que me marcou. É um confronto verbal entre o personagem principal do livro, um homem de mais de 60 anos que teve uma perna amputada depois de um acidente de bicicleta, e um garoto adolescente. Ambos estão no sombrio e decadente aparatamento do velho, que resmunga: “Eu fui ultrapassado pelo tempo. Este apartamento e tudo o que existe dentro dele foi ultrapassado pelo tempo”. O garoto pergunta se ele não gosta de coisas novas. O velho (que nem é tão velho) responde: “Isso tudo um dia foi novo. Tudo no mundo um dia foi novo. Até eu fui novo. Na hora em que nasci, eu era a coisa mais moderna da face da terra”.
Nada é tão moderno quanto nós ao nascermos. Sublinhei.
Prosseguindo o diálogo, o garoto então comenta, como quem não quer nada, que um dia foi visitar o avô para mostrar como funcionava um computador. O avô era bem velho e também tinha sido ultrapassado pelo tempo. Hoje fazia compras pela internet, enviava e-mails, recebia fotos.
“E daí?”, pergunta o mal-humorado sem perna.
“Daí que dá pra escolher”.
Eis uma frase, uma verdade, um verso: dá pra escolher. Todo dia, ao levantar da cama, eu procuro me lembrar: dá pra escolher. Nem eu nem você estamos jogados ao léu, nas mãos do destino. Não temos controle sobre tudo, mas dá pra escolher entre ter amigos ou viver recluso, dá pra escolher entre privilegiar um amor ou ter vários casos superficiais, dá pra escolher entre participar ativamente de um projeto que alavanque nosso bem-estar ou ficar de fora apenas criticando, dá pra escolher entre se refugiar num lugar tranqüilo ou aprender a lidar com o stress urbano, dá pra escolher entre levar a vida com bom-humor ou levar a vida na ponta da faca.
Tudo é uma escolha, inclusive ser velho ou ser jovem, e isto não se resolve apenas numa clínica de estética. Todas as nossas escolhas passam pelo estado de espírito. É ele que vai determinar se vamos viver uma vida mais simples ou mais complicada, mais solitária ou mais social, mais produtiva ou mais lerda. Dá pra escolher entre ser carnívoro ou vegetariano, entre fumar ou não, entre correr na praia ou ficar um pouco mais na cama, entre jogar paciência ou ler um livro, entre amores serenos ou amores turbulentos. Se a escolha será acertada, aí já é outro assunto, o futuro vai dizer. Pensando bem, acertos e erros nem estão em pauta aqui. O que importa é ter consciência de que ficar sentado esperando que a vida escolha por nós não é uma opção confortável como parece. Descansados da silva, vem o tempo e crau: nos ultrapassa.
As boazinhas que me perdoem
Qual o elogio que uma mulher adora receber? Bom, se você está com tempo, pode-se listar aqui uns 700: mulher adora que verbalizem seus atributos, sejam eles físicos ou morais. Diga que ela é uma mulher inteligente, e ela irá com a sua cara. Diga que ela tem um ótimo caráter e um corpo que é uma provocação, e ela decorará o seu número. Fale do seu olhar, da sua pele, do seu sorriso, da sua presença de espírito, da sua aura de mistério, de como ela tem classe: ela achará você muito observador e lhe dará uma cópia da chave de casa. Mas não pense que o jogo está ganho: manter o cargo vai depender da sua perspicácia para encontrar novas qualidades nessa mulher poderosa, absoluta. Diga que ela cozinha melhor que a sua mãe, que ela tem uma voz que faz você pensar obscenidades, que ela é um avião no mundo dos negócios. Fale sobre sua competência, seu senso de oportunidade, seu bom gosto musical. Agora quer ver o mundo cair? Diga que ela é muito boazinha.
Descreva uma mulher boazinha. Voz fina, roupas pastéis, calçados rente ao chão. Aceita encomendas de doces, contribui para a igreja, cuida dos sobrinhos nos finais de semana. Disponível, serena, previsível, nunca foi vista negando um favor. Nunca teve um chilique. Nunca colocou os pés num show de rock. É queridinha. Pequeninha. Educadinha. Enfim, uma mulher boazinha.
Fomos boazinhas por séculos. Engolíamos tudo e fingíamos não ver nada, ceguinhas. Vivíamos no nosso mundinho, rodeadas de panelinhas e nenezinhos. A vida feminina era esse frege: bordados, paredes brancas, crucifixo em cima da cama, tudo certinho. Passamos um tempão assim, comportadinhas, enquanto íamos alimentando um desejo incontrolável de virar a mesa. Quietinhas, mas inquietas.
Até que chegou o dia em que deixamos de ser as coitadinhas. Ninguém mais fala em namoradinhas do Brasil: somos atrizes, estrelas, profissionais. Adolescentes não são mais brotinhos: são garotas da geração teen. Ser chamada de patricinha é ofensa mortal. Quem gosta de diminutivos, definha.
Ser boazinha não tem nada a ver com ser generosa. Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo. As boazinhas não têm defeitos. Não têm atitude. Conformam-se com a coadjuvância. PH neutro. Ser chamada de boazinha, mesmo com a melhor das intenções, é o pior dos desaforos.
Mulheres bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, é isso que somos hoje. Merecemos adjetivos velozes, produtivos, enigmáticos. As “inhas” não moram mais aqui. Foram para o espaço, sozinhas.
Use-se para progredir na vida. Alguma coisa você já deve ter aprendido até aqui. Encoste-se na sua própria experiência e intuição, honre sua história de vida, seu talento inquestionável, o que voce representa para algumas pessoas…
Use sua simpatia: convença os outros. Use seus neurônios: pra todo o resto.
E este coração acomodado aí no peito? Use-o, ora bolas. Não fique protegendo-se de frustrações só porque 2 ou 3 babacas fizeram voce desgastar sua preciosa massa cinzenta com algumas horas, ou ate mesmo dias na companhia deles, ou porque seu casamento até-que-a-morte-os-separe durou “apenas” 07 anos. Não enviuve de si mesmo, ninguém morreu.
Use-se para conseguir uma passagem para a Patagônia, use-se para fazer amigos, use-se para evoluir. Use seus olhos para ler, chorar, reter cenas vistas e vividas – a memória e a emoção vêm muito do olho. Use os ouvidos para escutar boa música, estímulos e o silêncio mais completo. Use as pernas para pedalar, escalar, levantar da cama, ir aonde quiser. Seus dedos para pedir carona, escrever poemas, apontar distâncias. Sua boca para sorrir MUITO, porque afinal, você sabe ( e todos também) que seu sorriso é único. Use seus braços para trabalhar, sua alma para preencher-se, seu cérebro para não morrer em vida.
Use-se. Se você não fizer, algum engraçadinho o fará. E você virará assunto na boca de mediocres!
USE-SE! Declare, diariamente, seu amor a si mesma.
Saudade eu tenho do que não nos coube.
A coisa mais cruel que alguém pode fazer é permitir que alguém se apaixone por você, quando você não pretende fazer o mesmo.
Idealizar é sofrer. Amar é surpreender.
A TRISTEZA PERMITIDA
Se eu disser pra você que hoje acordei triste, que foi difícil sair da cama, mesmo sabendo que o sol estava se exibindo lá fora e o céu convidava para a farra de viver, mesmo sabendo que havia muitas providências a tomar, acordei triste e tive preguiça de cumprir os rituais que faço sem nem prestar atenção no que estou sentindo, como tomar banho, colocar uma roupa, ir pro computador, sair pra compras e reuniões – se eu disser que foi assim, o que você me diz? Se eu lhe disser que hoje não foi um dia como os outros, que não encontrei energia nem pra sentir culpa pela minha letargia, que hoje levantei devagar e tarde e que não tive vontade de nada, você vai reagir como?
Você vai dizer “te anima” e me recomendar um antidepressivo, ou vai dizer que tem gente vivendo coisas muito mais graves do que eu (mesmo desconhecendo a razão da minha tristeza), vai dizer pra eu colocar uma roupa leve, ouvir uma música revigorante e voltar a ser aquela que sempre fui, velha de guerra.
Você vai fazer isso porque gosta de mim, mas também porque é mais um que não tolera a tristeza: nem a minha, nem a sua, nem a de ninguém. Tristeza é considerada uma anomalia do humor, uma doença contagiosa, que é melhor eliminar desde o primeiro sintoma. Não sorriu hoje? Medicamento. Sentiu uma vontade de chorar à toa? Gravíssimo, telefone já para o seu psiquiatra.
A verdade é que eu não acordei triste hoje, nem mesmo com uma suave melancolia, está tudo normal. Mas quando fico triste, também está tudo normal. Porque ficar triste é comum, é um sentimento tão legítimo quanto a alegria, é um registro de nossa sensibilidade, que ora gargalha em grupo, ora busca o silêncio e a solidão. Estar triste não é estar deprimido.
Depressão é coisa muito séria, contínua e complexa. Estar triste é estar atento a si próprio, é estar desapontado com alguém, com vários ou consigo mesmo, é estar um pouco cansado de certas repetições, é descobrir-se frágil num dia qualquer, sem uma razão aparente – as razões têm essa mania de serem discretas.
“Eu não sei o que meu corpo abriga/ nestas noites quentes de verão/ e não me importa que mil raios partam/ qualquer sentido vago da razão/ eu ando tão down…” Lembra da música? Cazuza ainda dizia, lá no meio dos versos, que pega mal sofrer. Pois é, pega mal. Melhor sair pra balada, melhor forçar um sorriso, melhor dizer que está tudo bem, melhor desamarrar a cara. “Não quero te ver triste assim”, sussurrava Roberto Carlos em meio a outra música. Todos cantam a tristeza, mas poucos a enfrentam de fato. Os esforços não são para compreendê-la, e sim para disfarçá-la, sufocá-la, ela que, humilde, só quer usufruir do seu direito de existir, de assegurar seu espaço nesta sociedade que exalta apenas o oba-oba e a verborragia, e que desconfia de quem está calado demais. Claro que é melhor ser alegre que ser triste (agora é Vinícius), mas melhor mesmo é ninguém privar você de sentir o que for. Em tempo: na maioria das vezes, é a gente mesmo que não se permite estar alguns degraus abaixo da euforia.
Tem dias que não estamos pra samba, pra rock, pra hip-hop, e nem pra isso devemos buscar pílulas mágicas para camuflar nossa introspecção, nem aceitar convites para festas em que nada temos para brindar. Que nos deixem quietos, que quietude é armazenamento de força e sabedoria, daqui a pouco a gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais uma dor – até que venha a próxima, normais que somos.
Minha boca
é pouca
pro desejo
que anda à solta.
Mal te vi, já me fiz malandra…
Não me arrependo de nada
que tenha alcançado as coxas
não nego coisa alguma
que passe perto do coração
se fiquei roxa
foi porque teve ação.
Pena
a juíza das minhas loucuras
é severa demais pra me inocentar
não cobra depoimentos
nem sopra os ferimentos da tortura
simplesmente decreta pra minha culpa
prisão domiciliar
O que me prejudica
é essa mania de dizer a verdade
quando deveria mentir
e fingir que estou à vontade
quando na verdade machuca.
Quem me vê caminhando na rua, de salto alto e delineador, jura que sou tão feminina quanto as outras: ninguém desconfia do meu hermafroditismo cerebral. (…) Penso como um homem, mas sinto como mulher.
Canso menos, me divirto mais, e não perco a fé por constatar o óbvio: tudo é provisório, inclusive nós.
Quando a estrada fica interrompida… o desvio pode ser interessante.
“Viaje antes de me conhecer, sofra antes de mim para reconhecer-me um porto, um albergue da juventude.”
Mesmo onde você enxerga o vazio, pode ter gente dentro.
Pode invadir ou chegar com delicadeza, mas não tão devagar que me faça dormir.
A solidão só me dá prazer na medida em que sei que ela é uma escolha. Solidão só dói quando é inevitável.
Mas saber-se amado é uma coisa, sentir-se amado é outra, uma diferença de quilômetros.
Sozinha a gente apenas se preserva. A nossa existência, pra valer, só se confirma através dos outros.
Ninguém sai assobiando de um encontro com o próprio passado
Não consigo molhar os pés apenas
eu mergulho e só paro quando me afogo
eu me queimo e só paro quando derreto
eu me jogo e só paro quando me param.
Saudade a gente tem é dos pedaços de nós que ficam pelo caminho
O amor ainda tem o poder de unir duas pessoas que não se conhecem
A princípio, bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos.
Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis. Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica, a bolsa Louis Vuitton e uma temporada num spa cinco estrelas. E quanto ao amor? Ah, o amor… não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito.
É o que dá ver tanta televisão. Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista.
Você sabe que não sou mulher de arrependimentos, de olhar pra trás, essas coisas. A gente tem que mirar no alvo e atirar, pronto, foi. A flecha não volta. Se acertamos ou erramos, não tem volta. Foi assim que levei a vida sempre.
Mulheres Possíveis
Eu não sirvo de exemplo para nada, mas, se você quer saber se isso é possível, me ofereço como piloto de testes.
Sou a Miss Imperfeita, muito prazer.
Uma imperfeita que faz tudo o que precisa fazer, como boa profissional e mulher que também sou: trabalho todos os dias, ganho minha grana,vou ao supermercado algumas vezes por semana, decido o cardápio das refeições, telefono para minha mãe, para minha sogra, procuro minhas amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, respondo a toneladas de e-mails, faço revisões no dentista, mamografia, faço academia,compro flores para casa, providencio os consertos domésticos, participo de eventos e reuniões ligados à minha profissão e ainda faço escova toda semana – e as unhas! E, entre uma coisa e outra, leio livros. Portanto, sou ocupada, mas não uma workaholic. Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas queoperam milagres. Primeiro: a dizer NÃO. Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO. Culpa por nada, aliás. Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero. Pois inclua na sua lista a Culpa Zero. Quando você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo para os outros. Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que você não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho. Você não é Nossa Senhora. Você é, humildemente, uma mulher. E, se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida interessante. Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta, não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos e criar para si a falsa impressão de ser indispensável. É ter tempo. Tempo para fazer nada. Tempo para fazer tudo. Tempo para dançar sozinha na sala. Tempo para bisbilhotar uma loja de discos. Tempo para sumir dois dias com seu amor. Três dias. Cinco dias! Tempo para uma massagem. Tempo para ver a novela. Tempo para receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza. Tempo para fazer um trabalho voluntário. Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto. Tempo para conhecer outras pessoas. Voltar a estudar. Para engravidar. Tempo para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado. Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e profissional sem deixar de existir. Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal. Existir, a que será que se destina? Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra. A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada. Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem. Precisa respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si. Se o trabalho é um pedação de sua vida, ótimo! Nada é mais elegante, charmoso e inteligente do que ser independente. Mulher que se sustenta fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e vir. Desde que lembre de separar alguns bons momentos da semana para usufruir essa independência, senão é escravidão, a mesma que nos mantinha trancafiadas em casa, espiando a vida pela janela. Desacelerar tem um custo. Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C. Mas, se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso,francamente, está precisando rever seus valores. E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida interessante.
A carne é fraca, mas você tem que ser forte, é o que recomendam todos. (…) Se conseguir, bravo: terá as rédeas de seu destino na mão. Mas se não der certo, console-se. Criaturas que derretem-se, entregam-se, consomem-se e não sabem negar-se costumam trazer um sorriso enigmático nos lábios. Alguma recompensa há de ter.
Não tenho culpa se meus dias têm nascido completamente coloridos. Simplesmente quando acordo decido que quero ser feliz, mas alguns ainda cismam em querer borrar minhas cores.
Assim como tem gente que para vencer o alcoolismo evita dar o primeiro gole, algumas pessoas precisam aprender a evitar o primeiro beijo para não reincidir num amor que faz mal à saúde.
Fizeram a gente acreditar
Fizeram a gente acreditar que amor mesmo, amor pra valer, só acontece uma vez, geralmente antes dos 30 anos. Não contaram pra nós que amor não é acionado, nem chega com hora marcada.
Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja, e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade.
Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas responsabilidade de completar o que nos falta: a gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia, é só mais agradável.
Fizeram a gente acreditar numa fórmula chamada “dois em um”: duas pessoas pensando igual, agindo igual, que era isso que funcionava.
Não nos contaram que isso tem nome: anulação. Que só sendo indivíduos com personalidade própria é que poderemos ter uma relação saudável.
Fizeram a gente acreditar que casamento é obrigatório e que desejos fora de hora devem ser reprimidos.
Fizeram a gente acreditar que os bonitos e magros são mais amados, que os que transam pouco são caretas, que os que transam muito não são confiáveis, e que sempre haverá um chinelo velho para um pé torto. Só não disseram que existe muito mais cabeça torta do que pé torto.
Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz, a mesma para todos, e os que escapam dela estão condenados à marginalidade. Não nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas, são alienantes, e que podemos tentar outras alternativas.
Ah, também não contaram que ninguém vai contar isso tudo pra gente. Cada um vai ter que descobrir sozinho. E aí, quando você estiver muito apaixonado por você mesmo, vai poder ser muito feliz e se apaixonar
Trancar o dedo numa porta dói.
Bater com o queixo no chão dói.
Torcer o tornozelo dói.
Um tapa, um soco, um pontapé, doem.
Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua,
dói cólica, cárie e pedra no rim.
Mas o que mais dói é a saudade.
Saudade de um irmão que mora longe.
Saudade de uma cachoeira da infância.
Saudade de um filho que estuda fora.
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais.
Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu.
Saudade de uma cidade.
Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.
Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama.
Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.
Saudade da presença, e até da ausência consentida.
Você podia ficar na sala e ela no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá.
Você podia ir para o dentista e ela para a faculdade, mas sabiam-se onde.
Você podia ficar o dia sem vê-la, ela o dia sem vê-lo, mas sabiam-se amanhã.
Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor,
Ou quando alguém ou algo não deixa que esse amor siga,
Ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é basicamente não saber.
Não saber mais se ela continua fungando num ambiente mais frio.
Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia.
Não saber se ela ainda usa aquela saia.
Não saber se ele foi na consulta com o dermatologista como prometeu.
Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania
de estar sempre ocupada;
se ele tem assistido às aulas de inglês,
se aprendeu a entrar na Internet
e encontrar a página do Diário Oficial;
se ela aprendeu a estacionar entre dois carros;
se ele continua preferindo Malzebier;
se ela continua preferindo suco;
se ele continua sorrindo com aqueles olhinhos apertados;
se ela continua dançando daquele jeitinho enlouquecedor;
se ele continua cantando tão bem;
se ela continua detestando o MC Donald’s;
se ele continua amando;
se ela continua a chorar até nas comédias.
Saudade é não saber mesmo!
Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos;
não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento;
não saber como frear as lágrimas diante de uma música;
não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber se ela está com outro, e ao mesmo tempo querer.
É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso…
É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela.
Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer;
Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo e o que você,
provavelmente, está sentindo agora depois que acabou de ler…
Melhor uma ausência honesta do que uma presença desaforada.
Você conhece o tipo. Ela é uma graça de pessoa, excelente companhia para um cinema, para uma caminhada no calçadão, para uma balada dançante. Uma amiga querida. Mas não dá para convidá-la para almoçar na sua casa. É daquelas chatas pra comer.
A pessoa chata pra comer teve uma infância complicada neste setor: não comia nada. Criança que não gosta de legumes e verduras é normal, mas ela não gostava de cachorro-quente, não gostava de presunto e queijo, não gostava de banana, de doce-de-leite, de molho algum, nem de temperos, implicava com as cores e os cheiros dos alimentos, uma chata.
Deveria ter recebido, naquela época, os corretivos adequados, mas a mãe e o pai não quiseram se dar ao incômodo e agora está ela aí, adulta, simpática, bonita, inteligente, divertida, encantadora… mas chata pra comer.
A chata pra comer não consegue trocar de marca. Aos quatro anos de idade comeu um iogurte de determinada marca e nunca mais quis nem chegar perto de qualquer outra embalagem que não fosse aquela sua velha conhecida. Ela estranha muito os novos gostos, mesmo que a diferença seja imperceptível. E é assim com mostardas, maioneses, conservas, café em pó, sopas de pacote: ela é fidelíssima ao primeiro amor – quando há troca de nome ou fabricante, ela nem olha.
A chata pra comer é alérgica a frutos do mar. Implica com tudo que leve ovo. Tira todas as nervuras do bife, e também as bordas, não come as bordas nem do filé. A chata pra comer pergunta por ingredientes que ela não identifica. Tem cebola neste arroz? Tem champignon neste estrogonofe? Tem palmito neste pastel? Tem bacon nesta batata? Ah, então não vou querer, obrigada. Ela é muito educada, a chata.
Ela também não come comida que seja regional. Sarapatel, carreteiro de charque, buchada de bode? Credo. Ela é fã de cozinha internacional de restaurante, a ver: suprema de frango, massa aos quatro queijos, camarão à grega. Ela é alérgica a frutos do mar, mas de camarão ela gosta. Frutos do mar, pra ela, são aquelas outras coisas nojentas: lula, mariscos, mexilhões.
A chata pra comer acha comida caseira sem graça. E o resto, sofisticado demais. Não gosta de nada muito apimentado, nem muito salgado, nem de carnes estranhas como javali, pernil e pato, nem de molho agridoce, nem de comida crua, nem de cozinha étnica. Junkie food, tudo bem, desde que sem picles e catchup. Pizza? Margherita, superoriginal. Sobremesa? Não é chegada a doces.
A chata pra comer ao menos bebe. Se não bebesse, seria insuportável.
Mas ela não é insuportável: é gentil, espirituosa, culta, empreendedora, charmosa e, claro, sendo chatíssima pra comer, a desgraçada é magra.
Tenho urgência de tudo
que deixei para amanhã.
O melhor lugar do mundo é dentro de um abraço
Toda mulher é doida. Impossível não ser. A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor, a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar o nosso poder de sedução para encontrar “the big one”, aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais. Uma tarefa que dá para ocupar uma vida, não é mesmo? Mas além disso, temos que ser independentes, bonitas, ter filhos e fingir, às vezes, que somos santas, ajuizadas, responsáveis, e que nunca, mas nunca, pensaremos em jogar tudo para o alto e embarcar num navio pirata comandado pelo Johnny Depp, ou então virar loura e cafetina, sei lá, diga aí uma fantasia secreta, sua imaginação deve ser melhor que a minha.
Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante. Pois então. Também é louca. E fascinante.
Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que tenham. Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota. Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada? Você vai concordar comigo: só sendo louca de pedra.
Quero uma primeira vez outra vez. (…) quero ter sensações inéditas até o fim dos meu dias.
Tarde demais
Conheço uma mulher, já quase cinqüentona, que passou boa parte da sua vida apaixonada pelo primeiro namorado. Eles tiveram um romance caliente lá nos seus 18 anos, depois se separaram e cada um tomou seu rumo. Ele casou e teve filhos, ela casou e teve filhos. Nas raras vezes em que se cruzavam pelas ruas da cidade, cumprimentavam-se, perguntavam como andava a vida de um e de outro, mas nada além disso. A verdade é que ela preservou o sentimento que tinha por ele por muitos anos, mesmo sendo feliz no seu casamento. Era um amor de estimação. Até que esse amor, tão sem ressonância, tão sem retribuição, tão sem aditivos, um dia evaporou. Perdeu o prazo de validade. Expirou.
Dia desses esta mulher recebeu um telefonema. Era ele. Oi, tudo bom? Há quanto tempo? Trivialidades de quem não se fala há anos. Ela perguntou: o que você conta? Ele respondeu que estava ligando para dizer uma única coisa: eu te amo.
Corta. Não teve happy end. Ela agradeceu o telefonema, desligaram e ambos seguiram suas vidas. Conversando com ela sobre isso, senti sua felicidade e desilusão ao mesmo tempo. Felicidade, logicamente, por ter deixado marcas profundas no coração dele: nem em sonhos ela imaginou que ele também tivesse levado esse sentimento tão adiante. E a tristeza veio da falta de ressonância, mais uma vez. Por que a demora? Por que a falta de sincronia? Como teria sido se ele houvesse dito isso alguns anos antes? Agora já não adiantava.
A beleza e a tristeza da vida podem estar em situações como esta: descobrir, tarde demais, que se ama uma pessoa. Pode acontecer até com quem está ao nosso lado neste instante. Parece que é um amor morno e sem graça, e que se acabar, tanto faz, e só daqui a muitos anos descobrir que nada era mais forte e raro do que este sentimento. Tarde demais é uma expressão cruel. Tarde demais é uma hora morta. Tarde demais é longe à beça. Não é lá que devemos deixar florecer nossas descobertas.
Amar é supreender…
Você gostaria de ter um amor que fosse estável, divertido e fácil. O objeto desse amor nem precisaria ser muito bonito, nem rico. Uma pessoa bacana, que te adorasse e fosse parceira já estaria mais do que bom. Você quer um amor assim. É pedir muito? Ora, você está sendo até modesto.
O problema é que todos imaginam um amor a seu modo, um amor cheio de pré-requisitos. Ao analisar o currículo do candidato, alguns itens de fábrica não podem faltar. O seu amor tem que gostar um pouco de cinema, nem que seja pra assistir em casa, no DVD. E seria bom que gostasse dos seus amigos. E precisa ter um objetivo na vida. Bom humor, sim, bom humor não pode faltar. Não é querer demais, é? Ninguém está pedindo um piloto de Fórmula 1 ou uma capa da Playboy. Basta um amor desses fabricados em série, não pode ser tão impossível.
Aí a vida bate à sua porta e entrega um amor que não tem nada a ver com o que você queria. Será que se enganou de endereço? Não. Está tudo certinho, confira o protocolo. Esse é o amor que lhe cabe. É seu. Se não gostar, pode colocar no lixo, pode passar adiante, faça o que quiser. A entrega está feita, assine aqui, adeus.
E agora está você aí, com esse amor que não estava nos planos. Um amor que não é a sua cara, que não lembra em nada um amor idealizado. E, por isso mesmo, um amor que deixa você em pânico e em êxtase. Tudo diferente do que você um dia supôs, um amor que te perturba e te exige, que não aceita as regras que você estipulou. Um amor que a cada manhã faz você pensar que de hoje não passa, mas a noite chega e esse amor perdura, um amor movido por discussões que você não esperava enfrentar e por beijos para os quais nem imaginava ter tanto fôlego. Um amor errado como aqueles que dizem que devemos aproveitar enquanto não encontramos o certo, e o certo era aquele outro que você havia solicitado, mas a vida, que é péssima em atender pedidos, lhe trouxe esse e conforme-se, saboreie esse presente, esse suspense, esse nonsense, esse amor que você desconfia que não lhe pertence. Aquele amor em formato de coração, amor com licor, amor de caixinha, não apareceu. Olhe pra você vivendo esse amor a granel, esse amor escarcéu, não era bem isso que você desejava, mas é o amor que lhe foi destinado, o amor que começou por telefone, o amor que começou pela internet, que esbarrou em você no elevador, o amor que era pra não vingar e virou compromisso, olha você tendo que explicar o que não se explica, você nunca havia se dado conta de que amor não se pede, não se especifica, não se experimenta em loja – ah, este me serviu direitinho!
Aquele amor corretinho por você tão sonhado vai parar na porta de alguém que despreza amores corretos, repare em como a vida é astuciosa. Assim são as entregas de amor, todas como se viessem num caminhão da sorte, uma promoção de domingo, um prêmio buzinando lá fora, mesmo você nunca tendo apostado. Aquele amor que você encomendou não veio, parabéns! Agradeça e aproveite o que lhe foi entregue por sorteio.
A ninguém ofereço meu vinho branco
Não empresto minhas roupas mais caras
E são só meus os meus segredos.
…vive dizendo que mata, estrangula, devora; mas quando muito, enforca umas segundas-feiras.
Não tenho mais idade pra brincar de esconde-esconde.
Vem me pegar.
você
não sente a minha falta
e eu
sem ti
descubro meus vícios assim
cheguei na cabana e pensei
sem têvê eu não fico
sem você eu não vivo
A força de um ato
Dura o tempo exato
Para ser compreendida
Depois disso é bobagem
Vira longa-metragem
Por acaso estendida
Fora o essencial
Nada mais é natural
Vira apenas suporte
Pena a vida não ter corte
Emoção, que traidora você me saiu!
Me desmente assim na frente de todos,
Me faz tomar atitudes ridículas
que eu sempre detestei e neguei e nem sei.
Amanhã vou estar mais suave
E quarta vai ser o meu dia
O fim-de-semana promete
Domingo vai ter que dar sol
Segunda vou acontecer
Não posso perder o teu show
Pro mês vou te visitar
É agora que eu saio de vez
Que bom que eu vou te encontrar
Amanhã vou estar mais feliz
Eu não sou nada disso
que você está pensando.
por isso venha com calma
que eu conheço este tipo.
Quem quer acertar na mosca,
acaba errando de sopa.
Não devia te contar.
Se você guardar segredo,
Eu revelo este meu medo
De não saber amar.
Não devia te amar,
Mas se você guardar meu medo,
Eu revelo este segredo
Que não sei contar.
Se vivo só
É marcha-a-ré
Se nego o sol
Só penso em mi
Se sofro lá
Ninguém tem dó
Se você fá
Eu quero si
Me recuso a dar informações
Sobre o paradeiro das minhas idéias malditas
Elas se escondem bem demais
Só eu sei o caminho só eu sei
Em quem dói mais
O que faço de bom, faço malfeito
Pareço artificial quando sincera
Mera falta de jeito pra viver…
Sou a filha predileta do defeito.
Aquele amor poderia ter me matado
Como mata centenas de mulheres por aí
Certos amores não passam
De uma bomba a ser desativada a tempo
Um telefone ao alcance da mão,
Um número decorado na cabeça
E uma aflição no coração.
É aí que mora o perigo…
Carrego um revólver na bolsa
E um disparo no coração
Espelho, espelho meu, existe no mundo, alguém que reflita mais do que eu?
Sempre desprezei as coisas mornas, as coisas que não provocam ódio nem paixão, as coisas definidas como mais ou menos. Um filme mais ou menos, um livro mais ou menos. Tudo perda de tempo. Viver tem que ser perturbador, é preciso que nossos anjos e demônios sejam despertados, e com eles sua raiva, seu orgulho, seu acaso, sua adoração ou seu desprezo. O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia.
(…) as coisas muito boas e as coisas muito ruins exigem explicação. Coisas mais ou menos estão explicadas por si mesmas.
(…) Não gosto de nada que é raso, de água pela canela. Ou mergulho até encontrar o reino submerso de Atlântida, ou fico à margem, espiando de fora. Não consigo gostar mais ou menos das pessoas, e não quero essa condescendência comigo também.
Assim como protegemos nossa felicidade, temos também que proteger nossa infelicidade. Não há nada mais desgastante do que uma alegria forçada. Se você está infeliz, recolha-se, não suba ao palco. Disfarçar a dor é dor ainda maior.
Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referências. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera. Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o amor tem de indefinível. Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó. Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é.
Dá pra escolher entre ser carnívoro ou vegetariano, entre fumar ou não, entre correr na praia ou ficar um pouco mais na cama, entre jogar paciência ou ler um livro, entre amores serenos ou amores turbulentos. Se a escolha será acertada, aí já é outro assunto, o futuro vai dizer. Pensando bem, acertos e erros nem estão em pauta aqui. O que importa é ter consciência de que ficar sentado esperando que a vida escolha por nós não é uma opção confortável como parece. Descansados da silva, vem o tempo e crau: nos ultrapassa.
(…) O tempo passou, eu continuei acordando e indo dormir todos os dias querendo ser mais feliz para ele, mais bonita para ele, mais mulher para ele. Até que algo sensacional aconteceu. Um belo dia eu acordei tão bonita, tão feliz, tão realizada, tão mulher que eu acabei me tornando mulher demais para ele.(…)
Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja, e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade. Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos falta. A gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia, é só mais agradável. Fizeram a gente acreditar que os bonitos e magros são mais amados, que os que transam pouco são caretas, que os que transam muito não são confiáveis, e que sempre haverá um chinelo velho para um pé torto. Só não disseram que existe muito mais cabeça torta do que pé torto… Ah, também não contaram que ninguém vai contar isso tudo pra gente. Cada um vai ter que descobrir sozinho. E aí, quando você estiver muito apaixonado por você mesmo, vai poder ser muito feliz e se apaixonar por alguém.
Um Deus que sorri
Eu acredito em Deus.
Mas não sei se o Deus em que eu acredito é o mesmo Deus em que acredita o balconista, a professora, o porteiro.
O Deus em que acredito não foi globalizado.
O Deus com quem converso não é uma pessoa, não é pai de ninguém.
É uma idéia, uma energia, uma eminência.
Não tem rosto, portanto não tem barba.
Não caminha, portanto não carrega um cajado.
Não está cansado, portanto não tem trono.
O Deus que me acompanha não é bíblico.
Jamais se deixaria resumir por dez mandamentos, algumas parábolas e um pensamento que não se renova.
O meu Deus é tão superior quanto o Deus dos outros, mas sua superioridade está na compreensão das diferenças, na aceitação das fraquezas e no estímulo à felicidade.
O Deus em que acredito me ensina a guerrear conforme as armas que tenho e detecta em mim a honestidade dos atos.
Não distribui culpas a granel: as minhas são umas, as do vizinho são outras, e nossa penitência é a reflexão.
Ave Maria, Pai Nosso, isso qualquer um decora sem saber o que está dizendo.
Para o Deus em que acredito só vale o que se está sentindo.
O Deus em que acredito não condena o prazer. Se ele não tem controle sobre enchentes e violência, se não tem controle sobre traficantes, corruptos e vigaristas, se não tem controle sobre a miséria, o câncer e as mágoas, então que Deus seria ele se ainda por cima condenasse o que nos resta: o lúdico, o sensorial, a libido que nasce com toda criança e se desenvolve livre, se assim o permitirem?
O Deus em que acredito não é tão bonzinho: me castiga e me deixa uns tempos sozinha.
Não me abandona, mas me exige mais do que uma visita à igreja, uma flexão de joelhos e uma doação aos pobres: cobra caro pelos meus erros e não aceita promessas performáticas, como carregar uma cruz gigante nos ombros.
A cruz pesa onde tem que pesar: dentro. É onde tudo acontece e tudo se resolve.
Este é o Deus que me acompanha.
Um Deus simples.
Deus que é Deus não precisa ser difícil e distante, sabe-tudo e vê-tudo.
Meu Deus é discreto e otimista. Não se esconde, ao contrário, aparece principalmente nas horas boas para incentivar, para me fazer sentir o quanto vale um pequeno momento grandioso: um abraço numa amiga, uma música na hora certa, um silêncio.
É onipresente, mas não onipotente.
Meu Deus é humilde.
Não posso imaginar um Deus repressor e um Deus que não sorri.
Quem não te sorri não é cúmplice.
não faz diferença
se você vem amanhã
ou não vem
desisti de esperar
por alguém
cuja ausência
me faz companhia
solidão que tanto temem
que tanto ignoram o bem que faz
sozinha não minto, não finjo
não causo nenhum escarcéu
sozinha não maltrato, não disfarço
não há pesquisa que me sonde
sozinha não retruco, não provoco
não deixo ninguém sem resposta
sozinha não julgo nem condeno
não trato ninguém como réu
sozinha não grito, não rogo praga
não renego meu deleite
sozinha não trapaceio, não peco
não falto nem chego atrasada
sozinha não sumo, não volto
não tenho presença notada
sozinha eu sou quem eu posso
sozinha eu faço o que quero
sozinha não há céu que me rejeite
sou uma mulher mais ou menos
abandonada
um pouco me dou o direito
um pouco aconteceu assim
às vezes cansa ser independente
hoje me sustente não me deixe me alimente
quero alguém para pentear meus cabelos
sou uma mulher mais ou menos maltratada
um pouco por descuido
um pouco por querer
gosto da impressão esfomeada
às vezes cansa ser milionária
quero sair das páginas dos jornais
hoje me adote me faça um carinho deboche
me ponha no colo e abotoe minha blusa
me faça dormir e sonhar com o mocinho
sou uma mulher mais ou menos alucinada
um pouco foi o acaso
um pouco é exagero
hoje me expulse se irrite me bata
diga abracadabra e me faça sumir
às vezes cansa ser louca demais
mas gosto do medo que sentem
de se envolver com uma mulher assim
hoje quero alguém mais ou menos
apaixonado por mim
não morro de amores
por pessoas sem mistério
quando se é muito transparente
muito risonho e educado
é raro ser levado a sério
prefiro os mais silenciosos
os que abrem a boca de menos
os mais serenos e mais perigosos
aqueles que ninguém define
e que sempre analisam os fatos
por um novo enfoque
prefiro os que têm estoque
aos que deixam tudo à mostra na vitrine.
foi então que ela viu no calendário
um sofrimento diário
uma dor que tinha número
e uma aflição já havia um mês
foi então que resolveu queimá-lo
e trocá-lo por uma ampulheta
que baixa a dor mais rápido
e mata o amor de vez
aquele poema em que saiu seu nome
não liga não é você
não vou te comprometer com a minha ilusão
foi erro de revisão
Se eu fosse eu, reagiria. Diria exatamente o que eu penso e sinto quando alguém me agride sem perceber. Deixaria minhas lágrimas rolarem livremente, não regularia o tom de voz, nem pensaria duas vezes antes de bronquear, mesmo que mexicanizasse a cena. Reclamaria em vez de perdoar e esquecer, em vez de deixar o tempo passar a fim de que a amizade resista, em vez de sofrer quieta no meu canto.
Se eu fosse eu, não providenciaria almoço nem jantar, comeria quando tivesse fome, dormiria quando tivesse sono, e isso seria lá pelas nove da noite, quando cai minha chave-geral. Acordaria então às cinco, com toda a energia do mundo, para recepcionar o sol com um sorriso mais iluminado que o dele, e caminharia a cidade inteira, até perder o rumo de casa, até encontrar o rumo de dentro.
Se eu fosse eu, riria abertamente do que acho mais graça: pessoas prepotentes, que pensam saber mais do que os outros, e encorajaria os que pensam que sabem pouco, e sabem tanto. Eu faço isso às vezes, mas não faço sempre, então nem sempre sou eu.
Se eu fosse eu, não evitaria dizer palavrões, não iria em missa de sétimo dia, não fingiria sentir certas emoções que não sinto, nem fingiria não sentir certas raivas que disfarço, certos soluços que engulo. Se eu fosse eu, precisaria ser sozinha.
Se eu fosse eu, agiria como gata no cio, diria muito mais sim.
Se eu fosse eu, falaria muito, muito menos.
E menos mal que sou eu na maior parte do dia e da noite, que sou eu mesma quando escrevo e choro, quando rio e sonho, quando ofendo e peço perdão. Sou eu mesma quando acerto e erro, e faço isso no espaço de poucas horas, mal consigo me acompanhar. Se eu fosse indecentemente eu, aquele eu que refuta a Bíblia e a primeira comunhão, aquele eu que não organiza sua trajetória e se deixa levar pela intuição, aquele eu que prescinde de qualquer um, de qualquer sim e não, enlouqueceria, eu.
Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo à porta. O amor não é chegado em fazer contas, não obedece a razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo. Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referências. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.
Estou saindo de férias, volto assim que me encontrar.
A prisão de cada um
Martha Medeiros
O psiquiatra Paulo Rebelato, em entrevista para a revista gaúcha Red 32, disse que o máximo de liberdade que o ser humano pode aspirar é escolher a prisão na qual quer viver.
Pode-se aceitar esta verdade com pessimismo ou otimismo, mas é impossível refutá-la. A liberdade é uma abstração.
Liberdade não é uma calça velha, azul e desbotada, e sim, nudez total, nenhum comportamento para vestir.
No entanto, a sociedade não nos deixa sair à rua sem um crachá de identificação pendurado no pescoço.
Diga-me qual é a sua tribo e eu lhe direi qual é a sua clausura.
São cativeiros bem mais agradáveis do que o Carandiru: podemos pegar sol, ler livros, receber amigos, comer bons pratos, ouvir música, ou seja, uma cadeia à moda Luis Estevão, só que temos que advogar em causa própria e hábeas corpus, nem pensar.
O casamento pode ser uma prisão.
E a maternidade, a pena máxima.
Um emprego que rende um gordo salário trancafia você, o impede de chutar o balde e arriscar novos vôos.
O mesmo se pode dizer de um cargo de chefia.
Tudo que lhe dá segurança ao mesmo tempo lhe escraviza.
Viver sem laços igualmente pode nos reter.
Uma vida mundana, sem dependentes para sustentar, o céu como limite: prisão também.
Você se condena a passar o resto da vida sem experimentar a delícia de uma vida amorosa estável, o conforto de um endereço certo e a imortalidade alcançada através de um filho.
Se nem a estabilidade e a instabilidade nos tornam livres, aceitemos que poder escolher a própria prisão já é, em si, uma vitória.
Nós é que decidimos quando seremos capturados e para onde seremos levados.
É uma opção consciente.
Não nos obrigaram a nada, não nos trancafiaram num sanatório ou num presídio real, entre quatro paredes.
Nosso crime é estar vivo e nossa sentença é branda, visto que outros, ao cometerem o mesmo crime que nós – nascer – foram trancafiados em lugares chamados analfabetismo, miséria e exclusão.
Brindemos: temos todos, cela especial.
Me tornei mulher porque me tornei independente, antes de tudo.
Não sou de frescura e muito menos de compulsões consumistas.
Mas ainda tenho um lado mulherzinha: choro à beça, sou louca por flores, não vivo sem meus hidratantes, aprecio o cavalheirismo, gosto de ficar de mãos dadas no cinema, devoro revistas de moda, me interesso por decoração e fico chocada quando escuto expressões grosseiras.
Ah, e calço 36.
Acredito em saudade, sei o quanto uma ausência pode doer, provocar contração muscular e até náusea.
Ausência física, ausência da voz e do cheiro, das risadas e do piscar de olhos, saudade da amizade que ficará na lembrança e em algumas fotos.
Foi um beijo…
foi um beijo onde não importava a boca
só tuas mãos quentes me apertando pelas costas
nada estava acontecendo na minha frente
e a ansiedade que havia não era pouca
teus dedos perguntavam pra minha blusa
se meu corpo acolheria um delinquente
descoladas as línguas um instante
minha resposta saiu um tanto rouca
Eu saio em conta, você não gastará muito comigo.
Eu carente, sou insana.
Eu à toa, sou tua.
Dificilmente um homem consegue corresponder à expectativa de uma mulher, mas vê-los tentar é comovente. Alguns mandam flores, reservam quarto em hotéizinhos secretos, surpreendem com presentes, passagens aéreas, convites inusitados. São inteligentes, charmosos, ousados, corajosos, batalhadores. Disputam nosso amor como se estivessem numa guerra, e pra quê? Tudo o que recebem em troca é uma mulher que não pára de olhar pela janela, suspirando por algo que nem ela sabe direito o que é.
Perdoem esse nosso desvio cultural, rapazes. Nenhuma mulher se sente amada o suficiente.
Não era amor, era melhor.
Maior e melhor que amor
Às vezes me pergunto por que o amor, que dizem ser a coisa mais forte e importante que há, faz tanta gente sofrer. Entendo que algumas pessoas amam com impaciência, amam com possessão, amam com insegurança, amam com violência, amam com preguiça, amam das formas mais desajeitadas, e nada disso é coisa fácil de lidar. Mas o amor é assim mesmo, vem acompanhado de várias outras sensações, todas elas fora do nosso controle. O amor é lindo, mas também pode ser tenso, fóbico, difícil. Billie Holliday cantava: “Não me ameace com amor, baby/vamos só caminhando na chuva”.
Chego à conclusão, então, de que se o amor é nobre e, ao mesmo tempo, ameaçador, deve existir algo muito melhor que amor. Muito maior que ele. Um sentimento que vários de nós talvez já tenhamos experimentado, só que, como esse sentimento nunca foi batizado, não o reconhecemos com facilidade. É difícil classificar as coisas sem nome.
Maior que o amor, melhor que o amor: um sentimento que ultrapasse todos os padrões convencionais de relacionamento. Que prescinda de fogos de artifício por ter chegado e também dispense velório por ter partido, que se instale sem radares em volta, que não nos deixe apreensivos para entendê-lo e nem para traduzir os seus sinais. Um sentimento que não se atenha à longevidade nem a uma intensidade medida pelo número de declarações verbais. Que seja algo que supere conceitos como matrimônio, família, adequação social. Que seja individualizado, amplo e sem contra-indicações.
O amor — como o conhecemos — é apenas um aprendizado, um estágio antes de a gente alcançar isso que é maior e melhor: um sentimento que independe da presença constante do outro, que confere leveza à vida, que nos deixa absolutamente plenos e livres. Plenos o amor nos torna; mas livres? Não. O amor termina e isso nos atormenta. Quando é maior e melhor que amor, não termina, mesmo quando a relação se desfaz.
É um sentimento que, quanto mais forte, mais calmo. Quanto maior, mais discreto. A gente não o pensa, não o discute, não o compara, não o idealiza. Ele simplesmente encontra asilo dentro de nós e cresce sem a aflição daquelas regrinhas impostas ao amor: “tem que cultivar, tem que reinventar, tem que…”. Tem que nada. Tem que apenas curtir. É até bom que ele não tenha nome, símbolo, cor e teorias. Melhor assim, sem estampar capas de revista, sem que ninguém o use como argumento para cometer insanidades, sem virar mote para propaganda, sem fazer sofrer nas novelas e nem na vida.
Simplesmente enorme assim, sem ameaçar. Transcendente como um convite para caminhar na chuva…
O que eu fui ontem e anteontem já é memória. Escada vencida degrau por degrau, mas o que eu sou neste momento é o que conta, minhas decisões valem para agora, hoje é o meu dia, nenhum outro.
“Só nós dois sabemos que não se trata de sucesso ou fracasso. Só nós dois sabemos que o que se sente não se trata — e é em nome deste intratável que um dia nos fez estremecer que agora nos separamos. Para lá da dilaceração dos dias, dos livros, discos e filmes que nos coloriram a vida, encontramo-nos agora juntos na violência do sofrimento, na ausência um do outro como já não nos lembrávamos de ter estado em presença. É uma forma de amor inviável, que, por isso mesmo, não tem fim.”
Temos a mania de achar que amor é algo que se busca. Buscamos o amor nos bares, na internet, nas paradas de ônibus. Como num jogo de esconde-esconde, procuramos pelo amor que está oculto dentro das boates, nas salas de aula, nas platéias dos teatros. Ele certamente está por ali, você quase pode sentir seu cheiro, precisa apenas descobri-lo e agarrá-lo o mais rápido possível, pois só o amor constrói, só o amor salva, só o amor traz felicidade. Há quem acredite que o amor é medicamento. Pelo contrário. Se você está deprimido, histérico ou ansioso demais, o amor não se aproxima, e caso o faça, vai frustrar sua expectativa, porque o amor quer ser recebido com saúde e leveza, ele não suporta a idéia de ser ingerido de quatro em quatro horas, como um antibiótico para combater as bactérias da solidão e da falta de auto-estima. Você já ouviu muitas vezes alguém dizer: “Quando eu menos esperava, quando eu havia desistido de procurar, o amor apareceu.” Claro, o amor não é bobo, quer ser bem tratado, por isso escolhe as pessoas que, antes de tudo, tratam bem de si mesmas. O Amor, ao contrário do que se pensa, não tem de vir antes de tudo. Antes de estabilizar a carreira profissional, antes de fazer amigos, de viajar pelo mundo, de curtir a vida. Ele não é uma garantia de que, a partir de seu surgimento, tudo o mais dará certo. Queremos o amor como pré-requisito para o sucesso nos outros setores, quando, na verdade, o amor espera primeiro você ser feliz para só então surgir, sem máscara e sem fantasia. É esta a condição. É pegar ou largar. Para quem acha que isso é chantagem, arrisco-me a sair em defesa do amor: ser feliz é uma exigência razoável, e não é tarefa tão complicada. Felizes são aqueles que aprendem a administrar seus conflitos, que aceitam suas oscilações de humor, que dão o melhor de si e não se autoflagelam por causa dos erros que cometem.
Felicidade é serenidade. Não tem nada a ver com piscinas, carros e muito menos com príncipes encantados. O amor é o prêmio para quem relaxa.
Toda mulher é doida.Impossivel não ser.A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa que sem amor, a vida não vale a pena
A falta de definição, por si só, define a vida. Tudo é transitório, nossas manias, nossos pensamentos, nossos amores, nossos pontos de vista. Sabemos quem somos e o que sentimos, mas não sabemos até quando. Estamos em trânsito, e a definição só virá quando não estivermos mais aqui para entendê-la.
Morre lentamente quem não
vira a mesa quando está infeliz!
Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.
Morre lentamente quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.
Não voltaria um único dia na minha vida, e lembranças boas é o que não me faltam. Não voltaria à infância – mesmo nunca mais tendo sentido tanto orgulho de mim quanto senti no dia em que ganhei minha primeira bicicleta sem rodinhas auxiliares, aos 6 anos, e saí pedalando sem ajuda, já no primeiro minuto, sem quedas no currículo. Não voltaria à adolescência, quando fiz minhas primeiras viagens sozinha com as amigas e aprendi um pouquinho mais sobre quem eu era – e sobre quem eu não era. Não voltaria ao dia em que minhas filhas nasceram, que foram os dias mais felizes da minha vida, de uma felicidade inédita porque dali por diante haveria alguma mutilação na liberdade que eu tanto prezava – mas, por outro lado, experimentaria um amor que eu nem sonhava que podia ser tão intenso. Não voltaria ao dia de ontem – e ontem eu era mais jovem do que hoje, ontem eu era mais romântica do que hoje, ontem eu nem tinha pensado em escrever esta crônica, ontem faz mil anos. Não tenho saudades de mim com menos celulite, não tenho saudades de mim mais sonhadora. Não voltaria no tempo para consertar meus erros, não voltaria para a inocência que eu tinha – e tenho ainda. Terei saudades da ingenuidade que nunca perdi? Não tenho saudades nem de um minuto atrás. Tudo o que eu fui prossegue em mim.
A cada manhã, exijo ao menos a expectativa de uma surpresa, quer ela aconteça ou não. Expectativa, por si só, já é um entusiasmo.
Quero que o fato de ter uma vida prática e sensata não me roube o direito ao desatino.
Desilusão é simplesmente parar de acreditar que se é mais esperto que os outros.
Que eu consiga ser quem eu sou e bata palmas no final! Mesmo que eu escorregue em mim e puxe a cortina antes do espetáculo acabar. Quem vai dizer que não era essa a melhor parte do show?
A desculpa é esfarrapada mas é legítima.
Me enlouqueça uma vez por mês mas, me faça uma louca boa, uma louca que ache graça em tudo que rime com louca: loba, boba, rouca, boca … Goste de música e de sexo. Goste de um esporte não muito banal. Não invente de querer muitos filhos, me carregar pra a missa, apresentar sua família… isso a gente vê depois … Se calhar … Deixa eu dirigir o seu carro, que você adora. Quero ver você nervoso, inquieto, olhe para outras mulheres, tenha amigos e digam muitas bobagens juntos. Não me conte seus segredos … Me faça massagem nas costas. Não fume, beba, chore, eleja algumas contravenções. Me rapte! Se nada disso funcionar … experimente me amar!
O caminho é este
tem pedra, tem sol
tem bandido, mocinho
tem você amando
tem você sozinho
é só escolher
ou vai, ou fica.
Fui.
O HOMÃO
Alguns anos atrás, escrevi um texto chamado O Mulherão para o Dia Internacional da Mulher. Fez um razoável sucesso, tanto que até hoje esse texto é lido e publicado em diversos veículos de comunicação quando chega março.
Pois cá estamos, novamente, na vizinhança desta data comemorativa, e desta vez minha homenagem vai para o homão, aquele que não tem dia algum no calendário para valorizar seus esforços.
Homão é aquele que tem assistido a ascensão feminina nas empresas, na política, na arte, no esporte e tem achado tudo mais do que justo. Nunca li um artigo de um homem reclamando por as mulheres estarem dominando o mundo (não acredito que escrevi isso!). Ao contrário: os inteligentes (e todo homão é inteligente) estão tendo muito prazer em compartilhar seus gabinetes conosco e não choram pelos cantos caso tenham uma chefe mulher (homão chora, mas chora por amor, não por motivos toscos).
Homão gosta de mulher. Parece óbvio, mas há muitos homens (não homões) que só gostam de mulher para cama, mesa e banho. O homão gosta de mulher para cama, mesa, banho, escritório, livraria, cinema, restaurante, sala de parto, beira de praia, estrada, museu, palco, estádio. E, às vezes, pode nem gostar delas pra cama, mesa e banho, e ainda assim continuar um homão.
Homão é aquele que encara parque no final de semana, faz um jantar delicioso, dá conselho, pede conselho, trabalha até tarde da noite, compensa no outro dia buscando os filhos na escola, dirige o carro, em outras vezes é co-piloto, não acha ruim ela ganhar mais do que ele, não acha nada ruim quando ela propõe uma noitada das arábias, recebe amor, dá amor, é bom de contabilidade e sabe direitinho o que significa fifty-fifty.
Homão é aquele que compreende que TPM não é frescura e que reconhece que filhos geralmente sobrecarregam mais as mães do que os pais, então eles correm atrás do prejuízo, aliviando nossa carga com prazer. Homão acha um porre discutir a relação, mas discute. Homão não concorda com tudo o que a gente diz e faz, senão não seria um homão, e sim um panaca, mas escuta, argumenta e acrescenta idéias novas. Homão não fica dizendo que no tempo do pai dele é que era bom, o pai mandava e a mãe obedecia. Homão reconhece as vantagens de estar interagindo com seres do mesmo calibre e não depende de uma arma ou de um carro ultrapotente para provar que é um homão. O homão sabe que não há nada como ter uma grande mulher a seu lado.
Eu gosto do estranho, do incomum. Gosto daquilo que confunde, que permite diferentes interpretações, que fica nas entrelinhas.
Creio que fui abençoada com um coração gigantesco e em contrapartida com um pavio bem curto, são os ápices que me mantém em pé!
Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve.
“Te cuida”, dissera ele. E eu ouvi como se fosse um “te amo”.
Até Santo Agostinho, que foi santo, uma vez se rebelou e disse uma frase mais ou menos assim: ‘Deus, dai-me continência e castidade, mas não agora’… Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem, podemos (devemos?) desejar vários pedaços de pudim, bombons de muitos sabores, vários beijos bem dados, a água batendo sem pressa no corpo, o coração saciado. Um dia a gente cria juízo.
Um dia. Não tem que ser agora.
Como é incômodo estar diante de uma pessoa com quem se trocou emoção intensa e depois cruzar com ele na rua e dizer apenas: tudo bem?
Você já parou pra pensar no que machuca mais: fazer algo e desejar que não tivesse feito, ou não fazer e desejar que tivesse? Você já teve medo de começar um relacionamento? Medo de não ser a hora ou a pessoa certa? Seu coração não escolhe quem amar, e faz por conta própria, quando você menos espera, ou mesmo quando você não quer. Quantas vezes você deixou passar momentos importantes que não voltam mais? Quantas vezes você quis esquecer uma história ou alguém, que permaneceu na sua cabeça por um tempo longo? Você já se sentiu sozinho mesmo cercado de um monte de pessoas? Ou já beijou alguém que fez a multidão sumir? Você já passou um dia sentindo muitas saudades do que viveu?Você já viveu uma situação tão boa e feliz que até deu medo de tudo ser muito passageiro?
Pode parecer confuso mas é um alento. Olhe para o lado: estamos vivendo numa era em que pessoas matam em briga de trânsito, matam por um boné, matam para se divertir. Além disso, as pessoas estão sem dinheiro. Quem tem emprego, segura. Quem não tem, procura. Os que possuem um amor desconfiam até da própria sombra, já que há muita oferta de sexo no mercado. E a gente corre pra caramba, é escravo do relógio, não consegue mais ficar deitado numa rede, lendo um livro, ouvindo música. Há tanta coisa pra fazer que resta pouco tempo pra sentir.
Por isso, qualquer sentimento é bem-vindo, mesmo que não seja uma euforia, um gozo, um entusiasmo, mesmo que seja uma melancolia. Sentir é um verbo que se conjuga para dentro, ao contrário do fazer, que é conjugado pra fora.
Sentir alimenta, sentir ensina, sentir aquieta. Fazer é muito barulhento.
Sentir é um retiro, fazer é uma festa. O sentir não pode ser escutado, apenas auscultado. Sentir e fazer, ambos são necessários, mas só o fazer rende grana, contatos, diplomas, convites, aquisições. Até parece que sentir não serve para subir na vida.
Uma pessoa triste é evitada. Não cabe no mundo da propaganda dos cremes dentais, dos pagodes, dos carnavais. Tristeza parece praga, lepra, doença contagiosa, um estacionamento proibido. Ok, tristeza não faz realmente bem pra saúde, mas a introspecção é um recuo providencial, pois é quando silenciamos que melhor conversamos com nossos botões. E dessa conversa sai luz, lições, sinais, e a tristeza acaba saindo também, dando espaço para uma alegria nova e revitalizada. Triste é não sentir nada.
esse descompromisso não merece ser chamado de amor
ainda assim não carece ser desfeito e esquecido
Fiz coisas que não era para ter feito
me arrebento rápido, nem dói de tão ligeiro
mentira, dói de qualquer jeito.
Economizaríamos fortunas em cabeleireiros e academias se os homens fossem direto ao que interessa, na alma e no espírito, para os quais não adianta maquiagem.
Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja, e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade. Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos falta: nós crescemos através de nós mesmos. Se estivermos em boa companhia, é só mais agradável.
Não sou de frescura e muito menos de compulsões consumistas. Mas ainda tenho um lado mulherzinha: choro à beça, sou louca por flores, não vivo sem meus hidratantes, aprecio o cavalheirismo, gosto de ficar de mãos dadas no cinema, devoro revistas de moda, me interesso por decoração e fico chocada quando escuto expressões grosseiras.
“Algumas verdades a gente deixa sai,outras a gente aprisiona e finge esquecer.Mas há uma verdade única:
ninguém tem dúvida sobre si mesmo.”
A massacrante felicidade dos outros
Há no ar certo queixume sem razões muito claras.
Converso com mulheres que estão entre os 40 e 50 anos, todas com profissão, marido, filhos, saúde, e ainda assim elas trazem dentro delas um não-sei-o-quê perturbador, algo que as incomoda, mesmo estando tudo bem.
De onde vem isso? Anos atrás, a cantora Marina Lima compôs com o seu irmão, o poeta Antonio Cícero, uma música que dizia:
“Eu espero/ acontecimentos/ só que quando anoitece/ é festa no outro apartamento”.
Passei minha adolescência com esta sensação: a de que algo muito animado estava acontecendo em algum lugar para o qual eu não tinha convite. É uma das características da juventude: considerar-se deslocado e impedido de ser feliz como os outros são, ou aparentam ser. Só que chega uma hora em que é preciso deixar de ficar tão ligada na grama do vizinho.
As festas em outros apartamentos são fruto da nossa imaginação, que é infectada por falsos holofotes, falsos sorrisos e falsas notícias. Os notáveis alardeiam muito suas vitórias, mas falam pouco das suas angústias, revelam pouco suas aflições, não dão bandeira das suas fraquezas, então fica parecendo que todos estão comemorando grandes paixões e fortunas, quando na verdade a festa lá fora não está tão animada assim. Ao amadurecer, descobrimos que a grama do vizinho não é mais verde coisíssima nenhuma. Estamos todos no mesmo barco, com motivos pra dançar pela sala e também motivos pra se refugiar no escuro, alternadamente.
Só que os motivos pra se refugiar no escuro raramente são divulgados.
Pra consumo externo, todos são belos, sexys, lúcidos, íntegros, ricos, sedutores.
“Nunca conheci quem tivesse levado porrada/ todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”.
Fernando Pessoa também já se sentiu abafado pela perfeição alheia, e olha que na época em que ele escreveu estes versos não havia esta overdose de revistas que há hoje, vendendo um mundo de faz-de-conta. Nesta era de exaltação de celebridades – reais e inventadas – fica difícil mesmo achar que a vida da gente tem graça. Mas, tem. Paz interior, amigos leais, nossas músicas, livros, fantasias, desilusões e recomeços, tudo isso vale ser incluído na nossa biografia. Ou será que é tão divertido passar dois dias na Ilha de Caras fotografando junto a todos os produtos dos patrocinadores? Compensa passar a vida comendo alface para ter o corpo que a profissão de modelo exige? Será tão gratificante ter um paparazzo na sua cola cada vez que você sai de casa? Estarão mesmo todos realizando um milhão de coisas interessantes enquanto só você está sentada no sofá pintando as unhas do pé? Favor não confundir uma vida sensacional com uma vida sensacionalista.
As melhores festas acontecem dentro do nosso próprio apartamento
mas havia escutado comentários de que o QUIDAM era ainda melhor, então me dirigi ao Cirque du Soleil com bastante expectativa, o que é preocupante, já que expectativa é o caminho mais curto para a frustração. Mas a expectativa não só se cumpriu como deu diversas piruetas sobre si mesma.
Quem acompanha o trabalho do Cirque du Soleil sabe o que pode esperar, mas nunca deixará de se surpreender: a turma sempre dá mais do que promete. Se pela tevê já encanta, ao vivo arrebata.
A gente pode receber 100 elogios num dia, aí vem alguém, te ofende, e você quase cai de cama. (…)
Às vezes me pergunto se não faz parte da natureza humana essa sensação interna de sermos um blefe, por isso a valorização da crítica: é como se alguém tivesse arrancado a nossa máscara. Será?
Eu, ao menos, não homenageio os autores que não me interessam. O contrário do amor não é o ódio, e sim a indiferença. Quem “odeia” está mais envolvido do que supõe…
Na luta entre o cérebro e a pele, nunca dá empate.
Vai, vai, vai … viver
Há inúmeras razões para se assistir ao documentário sobre Vinicius de Moraes: para recordar suas músicas, seus poemas, suas histórias e, principalmente, lembrar de uma época menos tensa, em que ainda havia espaço para a ingenuidade, a ternura e a poesia. Entre os vários depoimentos do filme, há um de Chico Buarque dizendo que não imagina como Vinicius se viraria hoje, nesta sociedade marcada pela ostentação e arrogância. E nós? Nós que nos emocionamos com o documentário justamente por nos identificarmos com aquela alma leve, com a valorização das alegrias e tristezas cotidianas, como conseguimos sobreviver neste mundo estúpido, neste ninho de cobras, com esta violência invasiva? Assistir ao documentário é uma maneira de a gente localizar a si mesmo, trazer à tona nossa versão menos cínica, mais pura, e resgatar as coisas que prezamos de verdade, que são diferentes das coisas que a tevê nos empurra aos berros: compre! pague! queira! tenha!Vinicius fazia outro tipo de propaganda. Se era para persuadir, que fosse em voz baixa e por uma causa nobre. Num dos melhores momentos do documentário, ele e Baden Powell cantam entre amigos, numa rodinha de violão: “vai, vai, vai… amar/vai, vai, vai…chorar/vai, vai, vai…sofrer”. É a Canção de Ossanha lembrando que a gente perde muito tempo se anunciando, dizendo que faz e acontece, quando na verdade tudo o que precisamos, ora, é viver. Pois é. Mas, detalhe: não vive quem se economiza, quem quer felicidade parcelada em 24 vezes sem juros. Aliás, ser feliz nem está em pauta. O que está em pauta é a busca, a caça incessante ao que nos é essencial: ter paixões e ter amigos. O grande patrimônio de qualquer ser humano, quer ele perceba isso ou não. Pra acumular esses bens, Vinicius seguia um ritual: zerava-se. Começava e terminava um casamento. Começava e terminava outro. Começava e terminava uma vida em Paris, uma temporada em Salvador. Renovava seus votos a cada dia. Se já não se sentia inteiro num amor ou num projeto, simples: ponto final. Tudo isso, diga-se, a um custo emocional altíssimo. O simples nunca foi fácil, muito menos para quem possui um coração no lugar onde tantos possuem uma pedra de gelo. As pedras de gelo de Vinicius estavam onde tinham que estar, no seu cachorro engarrafado, e só. O resto era tudo quente.Entre sobreviver e viver há um precipício, e poucos encaram o salto. Encerro esta crônica com dois versos que não são de Vinicius, e sim de uma poeta chamada Vera Americano, que em seu novo livro, Arremesso Livre (editora Relume Dumará) reverencia a mudança. “Não te acorrentes/ao que não vai voltar”, diz ela, provocando ao mesmo tempo nosso desejo e nosso medo. Medo, aliás, que costuma nos paralisar diante da decisão crucial: “Viver/ou deixar para mais tarde”.
O poeta espalmaria sua mão direita nas nossas costas (a outra estaria segurando o copo) e diria: vai.
…se ela tiver coragem de passar por mais alegrias e desilusões – e a gente sabe como as desilusões devastam – , terá que ser meio doida. Se preferir se abster de emoções fortes e apaziguar seu coração, então a santidade é a opção. Eu nem preciso dizer o que penso sobre isso, preciso? Mas vamos lá. Pra começo de conversa, não acredito que haja uma única mulher no mundo que seja santa. Os marmanjos devem estar de cabelo em pé: como assim, e a minha mãe??? Nem ela caríssimos, nem ela. Existe mulher cansada, que é outra coisa. Ela deu tanto azar em suas relações que desanimou. Ela ficou tão sem dinheiro de uns tempos pra cá que deixou de ter vaidade. Ela perdeu tanto a fé em dias melhores que passou a se contentar com dias medíocres. Guardou sua loucura em alguma gaveta e nem lembra mais. Toda mulher é doida. Impossível não ser. A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor, a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar nosso poder de sedução para encontrar the big one, aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais. Uma tarefa que dá para ocupar uma vida, não é mesmo? Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante. Pois então. Também é louca. E fascina a todos. Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que tenham. Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota. Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada? Você vai concordar comigo: só se for louca de pedra.
(texto abreviado)
(…)se ela tiver coragem de passar por mais alegrias e desilusões – e a gente sabe como as desilusões devastam – terá que ser meio doida. Se preferir se abster de emoções fortes e apaziguar seu coração, então a santidade é a opção. Eu nem preciso dizer o que penso sobre isso, preciso? Mas vamos lá. Pra começo de conversa, não acredito que haja uma única mulher no mundo que seja santa. Os marmanjos devem estar de cabelo em pé: como assim, e a minha mãe??? Nem ela caríssimos, nem ela. Existe mulher cansada, que é outra coisa. Ela deu tanto azar em suas relações que desanimou. Ela ficou tão sem dinheiro de uns tempos pra cá que deixou de ter vaidade. Ela perdeu tanto a fé em dias melhores que passou a se contentar com dias medíocres. Guardou sua loucura em alguma gaveta e nem lembra mais. Toda mulher é doida. Impossível não ser. A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor, a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar nosso poder de sedução para encontrar the big one, aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais. Uma tarefa que dá para ocupar uma vida, não é mesmo? Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante. Pois então. Também é louca. E fascina a todos. Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que tenham. Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota. Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada? Você vai concordar comigo: só se for louca de pedra.
As pessoas mais talentosas, em sua maioria, são as mais modestas, autênticas e sem pose.
Se era amor? Não era. Era outra coisa. Restou uma dor profunda, mas poética. Estou cega, ou quase isso: tenho uma visão embaraçada do que aconteceu. É algo que estimula minha autocomiseração. Uma inexistência que machucava, mas ninguém morreu. É um velório sem defunto. Eu era daquele homem, ele era meu, e não era amor, então era o que?
Dizem que as pessoas se apaixonam pela sensação de estar amando, e não pelo amado. É uma possibilidade. Eu estava feliz, eu estava no compasso dos dias e dos fatos. Eu estava plena e estava convicta. Estava tranqüila e estava sem planos. Estava bem sintonizada. E de uma dia para o outro estava sozinha, estava antiga, escrava, pequena. Parece o final de um amor, mas não era amor. Era algo recém-nascido em mim, ainda não batizado. E quando acabou, foi como se todas as janelas tivessem se fechado às três da tarde num dia de sol. Foi como se a praia ficasse vazia. Foi como um programa de televisão que sai do ar e ninguém desliga o aparelho, fica ali o barulho a madrugada inteira, o chiado, a falta de imagem, uma luz incômoda no escuro. Foi como estar isolada num país asiático, onde ninguém fala sua língua, onde ninguém o enxerga. Nunca me senti tão desamparada no meu desconhecimento.
Quem pode explicar o que me acontece dentro? Eu tenho que responde às minhas próprias perguntas. Eu tenho que ser serena para me aplacar minha própria demência. E tenho que ser discreta para me receber em confiança. E tenho ser lógica para entender minha própria confusão. Ser ao mesmo tempo o veneno e o antídoto.
Se não era amor, Lopes, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não sabe se vai ser antes ou depois de se chocar com o solo. Eu bati a 200Km/h e estou voltando a pé pra casa, avariada.
Eu sei, não precisa me dizer outra vez. Era uma diversão, uma paixonite, um jogo entre adultos. Talvez seja este o ponto. Talvez eu não seja adulta suficiente para brincar tão longe do meu pátio, do meu quarto, das minhas bonecas. Onde é que eu estava com a cabeça, Lopes, de acreditar em contos de fadas, de achar que a gente manda no que sente e que bastaria apertar o botão e as luzes apagariam e eu retornaria minha vida satisfatória, sem seqüelas, sem registro de ocorrência?
Eu nunca amei aquele cara, Lopes. Eu tenho certeza que não. Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada. Não era amor, era uma sorte. Não era amor, era uma travessura. Não era amor, era sacanagem. Não era amor, eram dois travessos. Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era amor, era de tarde. Não era amor, era inverno. Não era amor, era sem medo. Não era amor, era melhor.
Troquei sonhos por objetivos. Eles são mais compactos, ocupam menos espaço e dão mais certo.
Nada pior do que ser viciado em alguma coisa. Fumantes, alcoólatras, workaholics, drogados, todos são Ph.D em escravatura. Mas o vício mais nocivo é o vício por outra pessoa, que muitos confundem com amor. Amor de verdade liberta. Vício é jaula.
Você já deve ter dito para uma amiga, ou escutado dela: “isso que você sente é uma doença”. Não é outra coisa. Os sintomas são facilmente reconhecíveis. Vocês têm um relacionamento caótico. Brigam 24 horas. Um é de Marte, o outro de Vênus, como diz o título de um livro. Um dia os planetas se chocam e seu mundo desmorona.
Se fosse amor, o que viria depois do rompimento? Revolta, lágrimas, saudade, uma recaída breve, mais lágrimas, mais saudade, até que aos poucos surgiria uma certa paz, a auto-estima voltaria e o amor se transformaria em lembrança. Com o coração às moscas, você sairia em busca de um novo romance e começaria tudo outra vez. Não é um processo rápido, mas é mais ou menos assim.
Vício, não. Se você é viciado em alguém, vai só até a metade do caminho: revolta, lágrimas, saudade e recaída. E pára por aí. Insiste na recaída. A ansiedade faz você cometer loucuras para ter o seu amor de volta, e quando consegue cinco minutos com ele, atira-se com volúpia: fuma, cheira, bebe o cara até a última gota. Depois? Uma inebriante sensação de cura. Não, você não precisa mais dele. Pode muito bem passar sem ele. Você nem o acha tão atraente assim, e volta para casa sentindo-se um Hércules de saias: conseguiu vencer a si própria.
Passam-se então duas semanas e você liga para a companhia telefônica para saber se sua linha está com defeito. O telefone simplesmente não toca! Seu carro também já não obedece suas ordens: dirige-se sozinho para a rua onde mora o querido, só para ver se a moto dele está em frente à garagem. Está. Então ele não voltou para Vênus, continua na cidade. Você começa a suar frio. Sente vertigens. Mastiga o lápis do escritório, derrama café nos colegas, treme ao segurar um copo. Diagnóstico: crise de abstinência. Você o procura. Precisa urgente de uma injeção de carinho na veia.
O final dessa história? Não existe. Ele precisa dela também, caso contrário nem abriria a porta. Reivindica-se a criação urgente de um AA: Apaixonados Anônimos. Assim como tem gente que, para vencer o alcoolismo, evita dar o primeiro gole, algumas pessoas precisam aprender a evitar o primeiro beijo para não reincidir num amor que faz mal à saúde.
PENSANDO ALTO…
Eu sei que falei em prazer gratuito semanas atrás, e sei o que vc pensa a respeito: nada é gratuito. Mas, por enquanto não consigo contrariar essa forte impressão de que a conta não virá. Se eu sinto alguma culpa, não é pelo o que faço às escondidas, não é culpa por estar me dedicando a uma experiência socialmente reprovável : é culpa por não sentir culpa alguma. Por estar achando tudo condizente com meu grau de exigência em relação ao aproveitamento do meu tempo, condizente com a minha fome, que nunca foi de comida, mas de vivência.
A pergunta que mais faço é: pq não? Desde pequena, desde que tomei gosto pelo ato de respirar e me senti atraída pelos dias que estavam por vir, horas repletas de novidade, desde que eu despertei para a leitura e que passei a sentir o sabor das coisas de uma forma muito entusiasmada, desde que eu soube que podia pensar e que o pensamento era livre, que dentro do meu pensamento ninguém poderia me achar, desde que meus seios cresceram e eu descobri que pessoas tinham cheiro, desde lá até aqui eu me pergunto: pq não me oferecer para aquilo que não fui preparada? Eu tenho as armas de que necessito para me defender, e mesmo que eu perca, eu ganho, já perdi algumas vezes e sei como funciona a lei das compensações.
Quero acolher com generosidade o que em mim se manifesta de forma incorreta. Não vou pedir permissão aos outros para desenvolver a mim mesma, mando no meu corpo e em tudo o que ele confina, coração incluído, consciência incluída.
Talvez eu esteja com receio de ter ido longe demais desta vez e esteja preparando a minha defesa, caso alguma coisa não saia como esperado. O que eu espero? Não espero nada, espero tudo, estou à deriva nessa aventura. Eu queria cristalizar esse momento da minha vida, mas estou em alta velocidade, e não sei se quero ir adiante, só que eu não tenho opção. Acho que é isso. Eu tinha opções, agora não tenho. Não consigo parar esse trem.
de um rali que escapei
quase ilesa
um pouco de lama na alma
e olho injetado de dor
descobri novas marchas
co-pilota de planos que não tinha
tirei meu nome do mapa
e segui a trilha sozinha
foram tantas noites de insônia
roubando os poucos anos que tinha
perdi a conta dos prantos
contei carneiros e os dias
e os dias nunca passavam
ou passavam e eu não via
ficava um aperto no peito
nem tudo entendia como era
mas que era bonito eu sabia
você faz tudo para que os outros percebam
que você gosta de mim
e agora que estamos sós
você não tem dó e me deixa assim
por que você não me agarra
e dá um fim no que me atormenta
por que você não se senta
e me explica o que é isso enfim?
ele diz que me ama, deseja
me quer para sempre, me pede
para ser sua mulher, me corteja
me faz confissões, me venera
me entrega sonetos, me beija
implora meu sim, me calo
depois penso melhor, que seja
passei tanto tempo procurando as palavras
que resumiriam nossa relação
mas tudo o que encontrei
foi pontuação
exclamações, interrogações, reticencias
muita vírgula no lugar errado
tremas e acentos desatualizados
aspas que deixavam tudo formal
e um ponto final pra lá de precipitado
você não acredita como eu me importei
com você
como eu reparava nos teus cacoetes, ouvia
tua voz
e pelo tom eu percebia como andava o teu
humor,
como eu sabia bem dos teus horários, teus
macetes
eu poderia ter escrito teu diário, tanto eu
te conhecia
dava para sentir de longe o teu cheiro,
entender tuas manias
eu já estava louca de tanta nostalgia de você,
um rapaz que eu nunca vi, nunca falei,
nunca toquei,
nunca soube se existia
digamos que você não seja assim
tão seguro e inteligente como diz
vai ver me trai toda semana
leva pra cama minha melhor amiga
faz intriga a meu respeito
fala mal dos meus defeitos
garanto que não usa a gravata que dei
pode ser que você não goste
dos beijos que diz gostar
faz tudo só por fazer e me testar
vai ver não tem nem emprego
pede dinheiro emprestado
bate com o carro no meio-fio
você não tem nenhum caráter
passou por mim e fingiu que não viu
vai ver você morre de medo
de se olhar no espelho de dia
seu saldo está no vermelho
seu cão morto de fome
e você com raiva da vida
digamos que você não seja solteiro
e eu entrei numa fria
você teria ido sem mim
mesmo que eu não me atrasasse
você teria dito tudo aquilo
mesmo que eu não te ofendesse
você teria me deixado
mesmo que eu não propusesse
você faz tudo o que quer
mas sou eu que deixo tudo preparado
não quero saber quantas namoradas
que eu não descobri
silêncios e desvios que não percebi
nem quero saber
sobre aquele fim de semana que não te vi
do teu pouco caso com o meu sofrimento
de nenhum movimento a meu favor
de nenhum amor que eu me lembre
não quero saber
quantas mentiras pra me acalmar
quantos mares a navegar sem mim
que fim deram aqueles retratos
se aquele abraço era mesmo assim
não quero saber
quantos meses você me deixou
a delirar e quantos presentes me deu
sem escolher e quantos beijos foram dados
por dar
não quero saber dos requintes
de crueldade nem do momento
fatal
o que não se sabe
não faz mal
você não imagina o que imaginei pra nós
transas nos lugares mais insólitos
poeira, estrada, bebedeira, arame farpado
sexo, cheiro azedo, línguas inquietas
teu jeito canastrão, eu meio vadia
ninguém é dono de ninguém, ninguém é
de ferro
suspense, tudo muito suado, berros,
vertigem
e uma gargalhada lá no finalzinho da
história
ao nos vermos no espelho, casados
há mulheres
que têm diversos namorados
depois casam e têm diversos filhos e filhas
eventualmente um ou dois amantes
e chegam no fim da vida
sem nunca sentirem-se amadas como as artistas
há mulheres
que tiveram uns poucos flertes ligeiros
no máximo um amor platônico
não casam, não fazem filhos
cultivam meia dúzia de amigos
e nunca se sentem benquistas
há mulheres
que preferem ficar sozinhas
não amam senão viagens, plantas e espelhos
e no entanto os homens morrem por elas
largam a família, se atiram a seus pés
amam estas mulheres com o amor mais
puro que existe,
e nem isso conquista
fraqueza, defeito
desvio cultural
herança genética, trauma de infância
carência existencial
vá saber a razão
para tanto
eu te amo ocasional
nenhuma mulher se sente
amada o suficiente
desista
ele não é meu
porque não dorme comigo
mas também não é amigo
porque me beija e me vê despida
não é meu marido
mas telefona e reparte um passado
que eu queria também ter vivido
não é meu porque não tem roupas
penduradas ao lado das minhas
não tenho dele um retrato
não passa comigo um domingo
jamais ganhei um presente
que não fosse de seda rendada
eu sou a preferida
de um homem comprometido
queria não ser um perigo
uma bomba que pode explodir
e deixar outra mulher arruinada
ele é o terrorista
eu o alvo escolhido
preferia aceitar um pedido
fazer nada escondido
mas ele não é meu marido
não é namorado, não é bom partido
não pode andar ao meu lado
não sabe a que horas acordo
não racha as contas comigo
não fica para ouvir um disco
não é exigido, não é meu parente
e anda sumido
nada é mais deprimente
quando chamo seu número ela atende
e eu desligo
“Desassossegados do mundo correm atrás da felicidade possível, e uma vez alcançado seu quinhão, não sossegam: saem atrás da felicidade improvável, aquela que se promete constante, aquela que ninguém nunca viu, e por isso sua raridade.
Desassossegados amam com atropelo, cultivam fantasias irreais de amores sublimes, fartos e eternos, são sabidamente apressados, cheios de ânsias e desejos, amam muito mais do que necessitam e recebem menos amor do que planejavam.
Desassossegados pensam acordados e dormindo, pensam falando e escutando, pensam antes de concordar e, quando discordam, pensam que pensam melhor, e pensam com clareza uns dias e com a mente turva em outros, e pensam tanto que pensam que descansam.”
“Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é.”
“Tem muita gente que se distrai e é feliz pra sempre, sem conhecer as delícias de ser feliz por uns meses, depois infeliz por uns dias… Viver não é seguro. Viver não é fácil. E não pode ser monótono. Mesmo fazendo escolhas aparentemente definitivas, ainda assim podemos excursionar por dentro de nós mesmos e descobrir lugares desabitados em que nunca colocamos os pés, nem mesmo em imaginação. E, estando lá, rever nossas escolhas e recalcular a duração de “pra sempre”. Muitas vezes o “pra sempre” não dura tanto quanto duram nossa teimosia e receio de mudar.”
Quero que o fato de ter uma vida sensata, não me roube o direito ao desatino.
Vou rir bastante, manter um ar distante e esquecer quanto tempo faz.
Desatar os nós que enlaçam atos e motivos. Fazer as coisas por impulso.
Por que?
Porque às vezes é bom a gente mostrar pra si mesmo quem é que manda aqui.
Felicidade, se eu não estiver muito enganada, é ter noção da precariedade da vida, é estar consciente de que nada é fácil, é tirar algum proveito do sofrimento, é não se exigir de forma desumana e, apesar (ou por causa) disso tudo, conseguir ter um prazer quase indecente em estar vivo.
Felicidade é a combinação de sorte com escolhas bem feitas.
Sentem-se amados aqueles que perdoam um ao outro e que não transformam a mágoa em munição na hora da discussão. Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente bem-vindo, que se sente inteiro. Sente-se amado aquele que tem sua solidão respeitada, aquele que sabe que não existe assunto proibido, que tudo pode ser dito e compreendido. Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é, sem inventar um personagem para a relação, pois personagem nenhum se sustenta muito tempo. Sente-se amado quem não ofega, mas suspira; quem não levanta a voz, mas fala; quem não concorda, mas escuta.
Agora sente-se e escute: eu te amo não diz tudo.
Sou uma mulher madura
Que às vezes anda de balanço
Sou uma criança insegura
Que às vezes usa salto alto
Sou uma mulher que balança
Sou uma criança que atura
Quando chegar aos 30
Serei uma mulher de verdade
Nem Amélia nem ninguém
Um belo futuro pela frente
E um pouco mais de calma talvez
E quando chegar aos 50
Serei livre, linda e forte
Terei gente boa do lado
Saberei um pouco mais do amor
E da vida quem sabe
E quando chegar aos 90
Já sem força, sem futuro, sem idade
Vou fazer uma festa de prazer
Convidar todos que amei
Registrar tudo que sei
E morrer de saudade
Tenho urgência de tudo
Que deixei pra amanhã
Acho que não sou daqui
Paro em sinal vermelho
Observo os prazos de validade
Bato na porta antes de entrar
Sei ler, escrever
Digo obrigado, com licença
Telefono se digo que vou ligar
Não sou querida, me atrevo
A cometer duas vezes o mesmo erro
Espelho, espelho meu
Existe no mundo alguém
Que reflita mais do que eu?
Mesmo tendo juízo não faço tudo certo
Todo paraíso precisa um pouco de inferno
Ser bela e calma, quanta inutilidade
Mais vale um bom olhar profundo
E uma vida de verdade
Me corrijam se eu estiver errada
A realidade é nossa maior fantasia
Pudesse eu viver tudo o que imagino
Nem sete vidas me dariam tanto fôlego…
Sente-se amado quem não ofega, mas suspira;
Quem não levanta a voz, mas fala;
Quem não concorda, mas escuta.
Agora, sente-se e escute: Eu te amo não diz tudo!
Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto. Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história.
A gente resiste muito a aceitar que alguém que amamos não é, e nem nunca foi, especial. Que sorte quando a gente sabe com quem está lidando: mesmo que venha a desamá-lo um dia, tudo o que foi construído se manterá de pé.
Tem dias que não estamos pra samba, pra rock, pra hip-hop, e nem pra isso devemos buscar pílulas mágicas para camuflar nossa introspecção, nem aceitar convites para festas em que nada temos para brindar. Que nos deixem quietos, que quietude é armazenamento de força e sabedoria, daqui a pouco a gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais uma dor – até que venha a próxima, normais que somos.
A demonstração de amor requer mais do que beijos, sexo e palavras. Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida.
Só possuímos na vida o que dela podemos levar ao partir.
Tudo é provisório, inclusive nos!
A primeira lição está dada: o amor é onipresente. Agora a segunda: mas é imprevisível. Jamais espere ouvir “eu te amo” num jantar à luz de velas, no dia dos namorados. Ou receber flores logo após a primeira transa. O amor odeia clichês. Você vai ouvir “eu te amo” numa terça-feira, às quatro da tarde, depois de uma discussão, e as flores vão chegar no dia que você tirar carteira de motorista, depois de aprovado no teste de baliza. Idealizar é sofrer. Amar é surpreender.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o preto sobre o branco e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.
O jeito é curtir nossas escolhas e abandoná-las quando for preciso, mexer e remexer na nossa trajetória, alegrar-se e sofrer, acreditar e descrer, que lá adiante tudo se justificará, tudo dará certo.
O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar. (…) Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada,veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referências. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
O maior risco da vida é não fazer NADA
Quem inventou a distância nunca sofreu a dor de uma saudade.
Mantenha-se atrás da faixa amarela… é proibido tocar no sagrado de cada um!
A gente implora a Deus para que nos ajude a esquecer um amor quando na verdade não é esquecer que precisamos: é lembrar corretamente.
Mesmo tendo juízo
não faço tudo certo
todo paraíso
precisa um pouco de inferno
Não gosto que me peçam para ser boa, não me peçam nada, mesmo aquilo que eu posso dar. As relações de dependência me assustam. Não precisem de mim com hora marcada e por um motivo concreto, precisem de mim a todo instante, a qualquer hora, sei ouvir o chamado silencioso da amizade verdadeira, do amor que não cobra, estarei lá sem que me vejam, sem que me percebam, sem que me avaliem.
Não importa a idade que temos, há sempre um momento em que é preciso chamar um adulto.
Perigoso é a gente se aprisionar no que nos ensinaram como certo e nunca mais se libertar, correndo o risco de não saber mais viver sem um manual de instruções.
Viver tem que ser perturbador, é preciso que nossos anjos e demônios sejam despertados, e com eles sua raiva, seu orgulho, seu acaso, sua adoração ou seu desprezo. O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia.
Não morro de amores por pessoas sem mistério, quando se é muito transparente, muito risonho e educado é raro ser levado a sério.
Por que tudo isso faz bem? Porque o cotidiano anda muito monocórdico, as notícias andam muito repetitivas e a natureza pulsante da gente, pouco provocada. Bom lembrar que podemos ser viscerais sem nos rendermos à vulgaridade, ser lascivos através do blues e suas guitarras, e ficarmos excitados sem perder a classe.
Faz toda essa bagunça porque é insano mesmo. Aquela insanidade que dá gosto de ver, aquela loucura inofensiva de que falávamos antes: fugir da mesmice em nome da alegria de viver.
Ando me repetindo? Não sou eu, tchê. É o mundo.
A vida não é um questionário de Proust. Você não precisa ter que responder ao mundo quais são suas qualidades, sua cor preferida, seu prato favorito, que bicho seria. Que mania de se autoconhecer. Chega de se autoconhecer. Você é o que é, um imperfeito bem-intencionado e que muda de opinião sem a menor culpa.
Pessoas com vidas interessantes não têm fricote. Elas trocam de cidade. Sentem-se em casa em qualquer lugar. Investem em projetos sem garantia. Interessam-se por gente que é o oposto delas. Pedem demissão sem ter outro emprego em vista. Aceitam um convite para fazer o que nunca fizeram. Estão dispostas a mudar de cor preferida, de prato predileto. Começam do zero inúmeras vezes. Não se assustam com a passagem do tempo. Sobem no palco, tosam o cabelo, fazem loucuras por amor e compram passagens só de ida…
O CARTÃO
Eu tinha dezessete anos e era louca por um cara com quem trocava olhares, não mais que isso. Ele era o legítimo “muita areia pró meu caminhão” e jamais acreditei que pudesse vir a se interessar por mim, o que me deixava ainda mais apaixonada, claro. Mulher adora um amor impossível.
Então chegou o dia do meu aniversário. No final da manhã eu estava em casa, contando os minutos para uma festa que daria à noite, quando a empregada apareceu com um cartão nas mãos, dizendo que o zelador o tinha encontrado embaixo da porta do prédio. Abri e fiquei azul, verde, laranja: era dele! Corri para o telefone e liguei para a minha melhor amiga. “Que trote bobo, você quase me mata de susto, pensa que não sei que foi você que escreveu o cartão?” Ela jurou por todos os santos que
não. Liguei para outra amiga. “A letra é igual a sua, eu sei que foi você!” Não tinha sido. Liguei para outra: “Você acha que eu vou acreditar que um cara lindo que nunca me disse bom dia veio até aqui largar um cartão amoroso desses?” Ela me recomendou terapia. Bom, diante de tantas negativas, só me restou pensar: “Outra hora eu descubro quem é que está tirando uma comigo”. E esqueci o assunto.
Semanas depois estava caminhando na rua quando encontrei o dito cujo. Ele resmungou um oi, eu devolvi outro oi, e então ele perguntou se eu havia recebido o cartão de aniversário. Minha pressão caiu, minhas pernas fraquejaram, eu só pensava: mas que idiota eu fui! O que iria responder? “Recebi, mas jamais passaria pela minha cabeça que um homem espetacular como você, que pode ter a mulher que escolher, fosse entrar numa papelaria, comprar um cartão, escrever um texto caprichado, depois descobrir meu endereço e então pegar o carro, ir até a minha rua,
colocar o envelope embaixo da porta feito um ladrão, e aí voltar para casa e aguardar meu telefonema. Olhe bem pra mim, eu não mereço tanto empenho.”
Respondi: “Que cartão?”
Ele soltou um “deixa pra lá” e foi embora se sentindo o mais esnobado dos homens. E assim terminou uma linda história de amor que nunca começou. Anos depois nos encontramos casualmente e tivemos um rapidíssimo affair, mais aí já não éramos os mesmos, não havia clima, ficamos juntos apenas para ver como teria sido se. Vimos. E não escutamos sinos, não fomos flechados pelo Cupido. Cada um voltou para a sua vida e nunca mais tivemos notícia um do outro.
Contei essa história para um amigo outro dia e ele comentou que conhecia outras mulheres assim. Epa, assim como? Ora, assim medrosa, desconfiada, temendo pagar micos diante da vulnerabilidade que toda paixão provoca. Ele estava certo. Era assim mesmo que eu me sentia aos dezessete anos: medrosa e incapaz de levar um grande amor adiante. Quando recebi o tal cartão, deveria ter ligado imediatamente para o meu príncipe encantado para agradecer e convidá-lo para a festa.
E se ele tivesse dito: “Que cartão?”
Eu responderia: “Deixa pra lá, mas venha à festa assim mesmo”. E então eu assumiria as conseqüências, não importa quais fossem. O nomezinho disso: vida. É sempre uma incógnita, portanto não vale a pena tentar fugir das decepções ou dos êxtases, eles nos assaltarão onde estivermos. Se você for uma garota boba como eu fui, acorde. Ninguém é muita areia pra ninguém. Pessoas aparentemente especiais se apaixonam por outras aparentemente banais e isso não é um trote, não é uma pegadinha, não é nada além do que é: um inesperado presente da vida, que todos nós merecemos.
Você é feliz? Não espalhe, já que tanta gente se sente agredida com isso. Mas também não se culpe, porque felicidade é bem diferente do que ser linda, rica, simpática e aquela coisa toda. Felicidade, se eu não estiver muito enganada, é ter noção da precariedade da vida, é estar consciente de que nada é fácil, é tirar algum proveito do sofrimento, é não se exigir de forma desumana e, apesar disso tudo, conseguir ter um prazer quase indecente em estar vivo.
O simples nunca foi fácil, muito menos para quem possui um coração no lugar onde tantos possuem uma pedra de gelo.
Lembro como se fosse ontem, mas aconteceu há exatos vinte anos. Eu estava sozinha – não havia um único rosto conhecido a menos de um oceano de distância – sentada na beira de um lago. Fiquei um tempão olhando pra água, num recanto especialmente bonito. Foi então que me bateu uma felicidade sem razão e sem tamanho. Deve ser o que chamam de plenitude. Não havia acontecido nada, eu apenas havia atingido uma conexão absoluta comigo mesma. Não há como contar isso sem ser piegas. Aliás, não há como contar, ponto. Não foi algo pensado, teorizado, arquitetado: foi apenas um sentimento, essa coisa tão rara.
De lá pra cá, nem hino nacional, nem gol, nem parabéns a você me tocam de fato. Isso são alegrias encomendadas e, mesmo quando bem-vindas, ainda assim são apenas alegrias, que é diferente de comoção. O que me cala profundamente é perceber uma verdade que escapou dos lábios de alguém, um gesto que era pra ser invisível mas eu vi, um olhar que disse tudo, uma demonstração sincera de amizade, um cenário esplendoroso, um silêncio que se basta. E também sensações íntimas e indivisíveis: você conquistou, você conseguiu, você superou. Quem, além de você, vai alcançar a dimensão das suas pequenas vitórias particulares?
Eu disse pequenas? Me corrijo. Contemplar um lago, rever um amigo, rezar para seu próprio deus, ver um filho crescer, perdoar, gostar de si mesmo: tudo isso é gigantesco pra quem ainda sabe sentir.
O CONTRÁRIO DA MORTE
Acabei de ler Milagre nos Andes, o relato impressionante de Nando Parrado, um dos sobreviventes daquele célebre acidente aéreo que aconteceu trinta anos atrás e que deixou vários jovens uruguaios perdidos no meio da cordilheira, sem comida, sem comunicação, sob temperaturas gélidas e tendo que se alimentar da carne dos colegas mortos. Agora um deles conta em detalhes como foram aqueles 72 dias de luta pela vida, num livro que se lê fácil como se fosse uma reportagem e que faz a gente se perguntar: do que, afinal, tanto reclamamos, se temos água, pão, cobertor e afeto?
Afeto, na verdade, é uma palavra soft, amor é mais contundente. Nando Parrado se propôs a mostrar que, se a morte tem um oponente, não é a vida, é o amor. É a única coisa que pode fazer alguma diferença diante da magnitude da morte, da onipresença da morte, da longevidade da morte: sim, porque a morte, a partir do momento que ocorre, passa a ter um período de duração infinito, e antes de virmos ao mundo ela também já existia nessa mesma infinitude de trás pra frente. Onde estávamos antes de nascer? De certa forma, mortos também. Nossa vida é apenas uma pequena brecha de tempo entre duas ausências acachapantes. E para justificar esse breve intervalo de vida e enfrentar a soberania da morte, só mesmo amando.
Tem se falado pouco de amor, virou uma coisa meio piegas, antiga. Hoje cultua-se muito mais a paixão e demais sentimentos vulcânicos, aqueles que fazem barulho, que inspiram loucuras, que causam polêmicas, que atormentam, que dilaceram, que fazem as pessoas se sentirem, ora, vivas. O filósofo romeno Cioran disse que é melhor viver em frenesi do que na neutralidade, e tem razão, vigor é algo de que não podemos abrir mão.
A questão é que nada é mais vigoroso que o amor, esse sentimento que erroneamente relacionamos com comodidade e mornidão, tudo porque associamos amor ao casamento: esse sim pode vir a se tornar algo acomodado e morno. O amor pega essa carona injustamente.
Amor não é apenas o que aproxima um homem e uma mulher (ou dois homens ou duas mulheres). Amor envolve pais e filhos, envolve amigos, envolve uma predisposição emocional para o trabalho, para o esporte, para a gastronomia, para a arte, para a religião, para a natureza, para o autoconhecimento. Amor é um estado de espírito que nos move constantemente, é uma energia que não se esgota, é a única coisa que faz a gente levantar de manhã todos os dias sem entregar-se para o automatismo, é o que dá algum sentido para este hiato entre duas mortes. Isto não é vulcânico? Ô. Parece sermão de padre, parece texto de romancezinho barato, parece muito piegas, sim, mas e daí? Nando Parrado só conseguiu sair do meio da neve e do nada porque pensava dia e noite na dor que seu pai estaria sentindo. Outros sobreviventes só conseguiram suportar o frio, a fome e o desespero porque tinham quem esperasse por eles do outro lado da cordilheira. Tiveram sorte, coragem e inteligência para transpor os obstáculos, e venceram, mas o próprio Nando admite: não houvesse um sentimento, pouco adiantaria.
Nós, com nossos obstáculos infinitamente mais transponíveis do que a cordilheira, deveríamos experimentar mais deste viagra motivacional chamado amor. E azar se parecermos cafonas.
O público, composto em sua maioria de jovens, parecia gostar de aparentar mais idade, vestiam-se como adultos. Maturidade era um valor que pegava bem. Hoje quem é maduro se veste como garoto. Maturidade se transformou num valor obsoleto.
Seja você mesmo mas não seja o mesmo para sempre.
Essa coisa chamada “história de amor” requer um certo tempo para ser construída, e as que dão certo são aquelas vividas com paciência, com o espírito aberto e geralmente com qualquer um que consiga romper nossas defesas e nos fazer feliz.
Gente fina, é aquela que é tão especial, que a gente nem percebe se é gorda, magra, velha, moça, loira, morena, alta ou baixa. Ela é gente fina, ou seja, está acima de qualquer classificação. Todos a querem por perto.
Tem um astral leve, mas sabe aprofundar as questões, quando necessário. É simpática, mas não bobalhona. É uma pessoa direita, mas não escravizada pelos certos e errados:
sabe transgredir, sem agredir. Gente fina é aquela que é generosa, mas não banana.
Te ajuda, mas permite que você cresça sozinho.
Gente fina diz mais sim do que não, e faz isso naturalmente, não é para agradar. Gente fina se sente confortável em qualquer ambiente: num boteco de beira de estrada e num castelo no interior da Escócia. Gente fina não julga ninguém – tem opinião, apenas. “Um novo começo de era, com gente fina, elegante e sincera”.
O que mais se pode querer? Gente fina, não esnoba, não humilha, não trapaceia, não compete e, como o próprio nome diz, não engrossa. Não veio ao mundo pra colocar areia no projeto dos outros. Ela não pesa, mesmo sendo gorda, e não é leviana, mesmo sendo magra. Gente fina é que tinha que virar tendência. Porque, colocando na balança, é quem faz toda a diferença.
Gastamos horas nos atualizando, ao mesmo tempo em que geramos muito pouca notícia sobre nós mesmos. O que você tem feito?
A população do planeta está em plena atividade, todos trabalhando, planejando, comemorando, matando, sobrevivendo, um mundo no gerúndio, sem interrupções, e a gente consumindo tudo isso, soterrados por tanta notícia, por tanto apelo, por tanta exigência de opinar, concordar, discordar. Você poderia estar ouvindo uma música agora, olhando pró céu. Você poderia estar regando suas plantas, poderia estar observando o barulho da chuva, poderia estar preparando um chá ou lendo um belo poema em vez desses meus lamentos. Não, não me abandone, mas deixo aqui uma perguntinha: você tem recebido notícias de si mesmo?
Há sempre o momento de pedir ajuda, de se abrir, de tentar sair do buraco. Mas, antes, é imprescindível passar por uma certa reclusão. Fechar-se em si, reconhecer a dor e aprender com ela. Enfrentá-la sem atuações. Deixar ela escapar pelo nariz, pelos olhos, deixar ela vazar pelo corpo todo, sem pudores. Assim como protegemos nossa felicidade, temos também que proteger nossa infelicidade. Não há nada mais desgastante do que uma alegria forçada. Se você está infeliz, recolha-se, não suba ao palco. Disfarçar a dor é dor ainda maior.
Nossos pensamentos não estacionam, nossos desejos variam, o certo e o errado flertam um
com o outro, não há permanência, tudo é provisório, e buscar um porto seguro é antecipar o fim: a única segurança está na morte, será ela nosso único endereço definitivo.
Durante o percurso da vida, tudo é movimento, surpresa e sorte.
Pra começo de conversa, não acredito que haja uma única mulher no mundo que seja santa. Os marmanjos devem estar de cabelo em pé: como assim, e a minha mãe???
Nem ela, caríssimos, nem ela.
Existe mulher cansada, que é outra coisa. Ela deu tanto azar em suas relações, que desanimou. Ela ficou tão sem dinheiro de uns tempos pra cá, que deixou de ter vaidade. Ela perdeu tanto a fé em dias melhores, que passou a se contentar com dias medíocres. Guardou sua loucura em alguma gaveta e nem lembra mais.
Santa mesmo, só Nossa Senhora, mas, cá entre nós, não é uma doideira o modo como ela engravidou? (Não se escandalize, não me mande e-mails, estou brin-can-do.)
Toda mulher é doida. Impossível não ser. A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor, a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar o nosso poder de sedução para encontrar “the big one”, aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais. Uma tarefa que dá para ocupar uma vida, não é mesmo? Mas além disso, temos que ser independentes, bonitas, ter filhos e fingir, às vezes, que somos santas, ajuizadas, responsáveis, e que nunca, mas nunca, pensaremos em jogar tudo para o alto e embarcar num navio pirata comandado pelo Johnny Depp, ou então virar loura e cafetina, sei lá, diga aí uma fantasia secreta, sua imaginação deve ser melhor que a minha.
Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante. Pois então. Também é louca. E fascinante.
Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que tenham. Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota. Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada? Você vai concordar comigo: só sendo louca de pedra.
Todo dia a gente perde um pouquinho da nossa identidade por causa
de medos padronizados e cobranças coletivas. Antes de descobrir qual é a nossa turma – seja a turma dos bem-sucedidos, dos descolados, dos espertos – é bom estar
agarrado ao que nos define, e isso a gente só vai descobrir se estiver em contato com nossos sentimentos mais primitivos. Não é preciso ir ao Alasca, não é preciso
radicalizar, mas manter-se fiel à nossa verdade já é meio caminho andado.
O que me amedronta é essa minha insistência em me enfrentar.
Amores passados contentam-se com migalhas e sobrevivem muito: ajude-se, negando-lhe qualquer banquete.
O acaso como nosso aliado. Se a felicidade depende de nossas escolhas, é da sorte a última palavra.
Enquanto isso, o demônio dentro de nós revira o estômago e faz cara de nojo. É muita santidade para um pobre-diabo, ninguém é tão imaculado assim.
Faço menos planos e cultivo menos recordações. Não guardo muitos papéis, nem adianto muito o serviço. Movimento-me num espaço cujo tamanho me serve, alcanço seus limites com as mãos, é nele que me instalo e vivo com a integridade possível. Canso menos, me divirto mais.
Mas ele sabe que tenho algo diferente e que é legal ser adorado por uma garota que tem algo de diferente.
Ele tem mulheres mais bonitas e o que tenho de melhor ele nem tem muita capacidade mental pra valorizar.
Certo e errado são convenções que confirmam-se com meia dúzia de atitudes. (…)
Todo mundo teoricamente de acordo, porém a vida não é feita de teorias. E o resto? E tudo aquilo que a gente mal consegue verbalizar, de tão intenso? Desejos, impulsos, fantasias, emoções. Ora, meia dúzia de normas preestabelecidas não dão conta do recado. Impossível enquadrar o que lateja, o que arde, o que grita dentro de nós.
Somos maduros e ao mesmo tempo infantis, por trás do nosso autocontrole há um desespero infernal. Possuímos uma criatividade insuspeita: inventamos músicas, amores e problemas, e somos curiosos, queremos espiar pelo buraco da fechadura do mundo para descobrir o que não nos contaram. Todo o resto.
O amor é certo, o ódio é errado e o resto é uma montanha de outros sentimentos, uma solidão gigantesca, muita confusão, desassossego, saudades cortantes, necessidade de afeto e urgências sexuais que não se adaptam as regras do bom comportamento.(…)
Todo o resto é o que nos assombra: as escolhas não feitas, os beijos não dados, as decisões não tomadas, os mandamentos que não obedecemos, ou que obedecemos bem demais – a troco de que fomos tão bonzinhos?
Há o certo, o errado e aquilo que nos dá medo, que nos atrai, que nos sufoca, que nos entorpece.(…)
Todo o resto é muito vasto. É nossa porra-louquice, nossa ausência de certezas, nossos silêncios inquisidores, a pureza e a inocência que se mantêm vivas dentro de nós mas que ninguém percebe, só porque crescemos. A maturidade é um álibi frágil. Seguimos com uma alma de criança que finge saber direitinho tudo o que deve ser feito, mas que no fundo entende muito pouco sobre as engrenagens do mundo. Todo o resto é tudo que ninguém aplaude e ninguém vaia… porque ninguém vê.
Quero o circo todo a que tenho direito: sedução, fantasia, tempo. Quero um romance longo, quero intimidade. Fazer cena de ciúme, terminar, voltar, amar, brigar de novo, telefonar, pedir desculpas, retornar. Amantes bem comportadas são um tédio.
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música e quem não acha graça de si mesmo.
Como você sabe, os loucos sempre encontram as portas do céu abertas.
Deixei a porta aberta e você entrou. Ou será que abri a porta justamente para você (só servia você) entrar, invadir ou chegar? Sua falta de jeito com a delicadeza era parecida com a minha e achei tão bonitinho isso. Nem grosso demais e nem polido demais, porque pisar em ovos é um saco. Não te pedi nada, só que me tratasse bem. Até hoje não te cobro e nem peço nada que seja esquisito demais ou dê muito trabalho. Não grite comigo porque eu também sou pavio curto. Respeite minha preguiça matutina e eu entro no seu ritmo também preguiçoso. Conte suas novidades, faça massagens nos meus pés e não tenha medo de quem toma Rivotril pra dormir. Virei presa fácil, barata até, você se esforçará pouco para me ter para sempre. Acredite quando eu digo que é melhor com você. Não duvide do que eu digo mas prometo que se a verdade for chata, feia e boba, eu escondo. Não me conte as suas tristezas porque eu também disfarço as minhas. Prometo segurar o choro, mas se ele vier, fica do meu lado, segura a minha mão. Tem hora, quem hoje, que eu só preciso que você segure na minha mão. Não tente me agradar porque eu odeio gente boazinha. Seja mais inteligente do que os outros e diga as coisas de que gosto de ouvir. Vou te achar o máximo. Não se vista tão bem… gosto de camisa para fora da calça, gosto de braços, gosto de pernas e muito de pescoço. Leia, escolha seus próprios livros, releia-os. Odeie a mesmice, xingue a vida doméstica e também os agitos noturnos. Seja um pouco caseiro e um pouco da vida, não de boate que isto é coisa de gente triste. Não seja escravo da televisão, nem xiita contra. Nem escravo meu, nem filho meu, nem meu pai. Escolha um papel para você que ainda não tenha sido preenchido e o invente muitas vezes. Me enlouqueça não ligando de vez em quando. Mas me faça uma louca boa, uma louca que ache graça em tudo que rime com louca: loba, boba, rouca, boca … Goste de música e de sexo. Goste de um esporte não muito banal. Não invente de querer filhos, me carregar pra a missa, apresentar sua família… isso a gente vê depois … Nunca deixe eu dirigir o seu carro, diga que não confia, só pra eu ficar meia hora com raiva de você. Seja só um pouquinho canalha e olhe para outras mulheres, tenha amigos e digam muitas bobagens juntos. Me trate como uma rameira, mas só quando estivermos deitados. No dia-a-dia fale palavras doces, principalmente hoje. Não me magoe com ironias porque não sou nem um pouco altruísta e posso sentir raiva por ter deixado a porta aberta.
Hoje sei que dá pra renascer várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar.
Uma vez, uma amiga minha, mulher feita já, com mais de 30 anos, tinha ido com a irmã visitar um tio ao hospital e ele, repentinamente, faleceu na presença das duas. Elas ficaram sem ação. Viraram-se uma para a outra e a minha amiga disse: Precisamos chamar um adulto. Quando ela me contou, nos fartamos de rir, mesmo entendendo essa sensação de orfandade. Na verdade, não importa que idade tenhamos, há sempre um momento em que é preciso chamar um adulto.
Tudo se passou como num teatro, eu e Gustavo os atores principais e, na platéia, os amigos. Disseram que eu estava bonita, mas não existe noiva feia. Casei com Gustavo. Não casei com um namorado. Ele já era meu marido.
A gente casou no primeiro dia em que nos vimos, pulamos a parte do reconhecimento, foi desde início um salto sem rede. Estávamos predestinados, sabíamos disso antes mesmo de tocarmos um no outro. Mesmo quando houve brigas e implicâncias, elas faziam parte do querer-se. Não forjamos isso, aconteceu, e não se deve esnobar um presente do destino. Casamos porque já estávamos casados e não tinha cabimento fingir-se de solteiros.
Gustavo e eu trocamos alianças. Gustavo e eu dançamos a valsa. Gustavo e eu cortamos o bolo. Gustavo e eu fizemos tudo o que todos os noivos fazem, cumprimos o ritual até o fim. Quando chegamos ao hotel ele fechou a porta do quarto, a gente soube que o nosso casamento não seria igual aos outros. Ele não disse enfim sós. Disse enfim juntos.
O corpo reage ao coração ou reage à mente?
08/05/09
Estou tão cansada. Quase não tenho força. Hoje estou naqueles dias em que dá vontade de dormir e acordar dez anos depois. Você já ouviu falar em sono reparador? Queria dormir e acordar dez anos mais linda e dez anos mais burra.
Interessa a você saber que estou apaixonada?
Impressionante como essa palavra acorda os outros. Eu estou apaixonada, mas não é por uma pessoa. Estou apaixonada pela lembrança de algo leve, solto e rápido, como uma bola de gás que escapa da nossa mão e passa a ficar cada vez menor e mais distante. Estou apaixonada pelo impacto da vida, por um tiro certeiro e bem mirado, pelo arrebatamento provocado pelo descuido das minhas defesas. Quem está no comando dentro de nós? Andei flertando com o perigo e no entanto o perigo estava dentro de mim, dentro desse coração que empacou nos 15 anos, aquela época em que eu era uma velha e acreditava no amor. Toda mulher romântica é uma idosa. Não acredito que eu tenha caído nessa cilada, me apaixonar por uma situação. Por que não estou apaixonada por alguém, estou apaixonada por algo. Algo completamente inatingível. Estou apaixonada por marcar encontros, por receber mensagens safadas, emails, por estacionar olhando pros lados, temendo ser reconhecida. Apaixonada por entrar no apartamento de um estranho, por tirar a roupa, por gozar com um estranho. Apaixonada por aquilo que inspira os filmes B e os romances vendidos em banca. Quem está no comando, me diga? É claro que ele tem rosto, nome e sobrenome. Mas isolado, longe do cenário, ele não me comove. Ele me comove acionando em mim a outra, aquela que só deixo sair da casca de vez em quando. Ele é o xerife que dá liberdade condicional ao meu lado fora-da-lei. Se o xerife desiste da brincadeira, ela precisa voltar pra sua prisão domiciliar. Não me venha falar de outros namorados, não me interessa uma transferência imediata, seria simplista demais. Quero o circo todo a que tenho direito: sedução, fantasia, tempo. Quero um romance longo, quero intimidade. Fazer cena de ciúme, terminar, voltar, amar, brigar de novo, telefonar, pedir desculpas, retornar. Amantes bem comportadas são um tédio. Se eu estivesse no comando, pinçaria do meu caderninho meia dúzia de frases que liquidariam a questão. “Foi bom enquanto durou”. “O destino sabe o que faz”. “Tudo tem seu preço”. “O show deve continuar”. Este tipo de clichê. Mas quem está no comando é ela, a que não quer voltar pra cela. Rebelião no presídio feminino: ela fugiu do meu controle. Ela é romântica como uma adolescente. Visceral. Caótica. Ela chora como uma menininha. Cria diálogos tão convincentes durante suas madrugadas insones que chega a acreditar que eles aconteceram. Viajandona. Doce. Áspera. Virginal. Ela me enlouquece. Ela determina a hora de voltar pra casa, e eu aguardo por ela com uma ansiedade quase sexual. Quem está apaixonada? Ela por ele? Eu por ela? Ou tudo não passa de um sentimento solto, sem dono, caçoando de todos nós?
Todo mundo sonha com aquele beijo made in Hollywood, que tira o fôlego e dá início a um romance incandescente. Pena que nem sempre isso aconteça na vida real. O primeiro beijo entre um casal costuma ser suave, investigativo, decente. Aos pouquinhos, no entanto, acende-se a labareda e as bocas dizem a que vieram. Existe um prazo para isso acontecer: entre cinco minutos depois do primeiro roçar de lábios até, no máximo, cinco dias. Neste espaço de tempo, ainda compreende-se que os beijos sejam vacilantes: tratam-se de duas pessoas criando um vínculo e testando suas reações. Mas se a decência persistir, não espere ver estrelinhas na etapa seguinte. A química não aconteceu.
Eu tenho feito de conta que você não me interessa muito, mas não é verdade. Você é a pessoa mais especial que já conheci. Não por ser bonito ou por pensar como eu sobre tantas coisas, mas por algo maior e mais profundo do que aparência e afinidade.
E no amor é assim, não existe moral da história!
Os fatos revelam tudo, as atitudes confirmam. O que você diz – com todo o respeito – é apenas o que você diz.
É uma dor tão recorrente na vida de tantas mulheres e tantos homens, é assunto tão reprisado em revistas, é um sofrimento tão clássico e narrado em livros e filmes e canções, que mesmo que eu não lembrasse, lembrariam por mim. É uma dor que se externa. Uma dor que se chora, que se berra, que se reclama. Uma dor que tentamos compreender em voz alta, uma dor que levamos para os consultórios dos analistas, uma dor que carregamos para mesas de bar, e que vem junto também para a solidão da nossa cama, para o escuro do quarto, onde permitimos que ela transborde sem domínio e sem verbo. A dor massacrante do abandono, da falta de telefonemas, da falta de beijos, da falta de confidências. No entanto, perde-se o homem, perde-se a mulher, mas o amor ainda está ali, mesmo sendo o deflagrador do vazio. Por estranho que pareça, há uma sensação de pertencimento, algo ainda está conosco. A saudade é uma presença.
Então vem a etapa seguinte.
Essa não é tão divulgada, tem-se por ela mais respeito e menos informação, pois é vivida em silêncio. O que acontece é que tem uma hora em que ninguém mais aguenta ouvir a gente entoar nossa sina, lamentar nossa má sorte, procurar explicações sem fim. É quando a gente se dá conta de que já abusou da paciência dos amigos, dos familiares, e cala. Sofrimento cansa. Não só cansa aquele que sofre, mas cansa aqueles que o assistem.
Não consigo imaginar nada mais satisfatório do que amar, e mesmo não sabendo o que o amor significa, sei o que representa. É o que nos faz, no meio de uma multidão, destacar alguém que se torna essencial para nosso bem-estar, e o nosso para o dele. É receber uma atenção exclusiva e oferta-la na mesma medida. Ter uma intimidade milagrosa com a alma de alguém, com o corpo de alguém, e abrir-se para essa mesma pessoa de um jeito que não se conseguiria jamais abrir para si mesmo, porque só o outro é que tem a chave desse cofre. O amor é uma subversão, e seu vigor nunca será encontrado em amizades ou parentescos. Todas as palavras já foram usadas para defini-lo: magia, surpresa, visceralidade, entrega, completude, requinte, deslumbre, sorte, conforto, poesia, aposta, amasso, gozo.
Amar prescinde de entendimento. Por isso não sei amar, porque sou viciada em entender.
Uma paixão aqui, um quase-amor ali. Ainda bem que existem amigos para amar, abraçar, sorrir, cantar, escrever em recibos e tirar fotos bonitas. E a vida segue. Feliz. Sua imaginação te preenche, seus amigos te dão colo, vodca e dias incríveis.
Agora sente-se e escute: eu te amo não diz tudo
Por isso, qualquer sentimento é bem-vindo, mesmo que não seja uma euforia, um gozo, um entusiasmo, mesmo que seja uma melancolia. Sentir é um verbo que se conjuga para dentro, ao contrário do fazer, que é conjugado pra fora.
Sentir alimenta, sentir ensina, sentir aquieta. Fazer é muito barulhento.
Sentir é um retiro, fazer é uma festa. O sentir não pode ser escutado, apenas auscultado. Sentir e fazer, ambos são necessários, mas só o fazer rende grana, contatos, diplomas, convites, aquisições. Até parece que sentir não serve para subir na vida.
O amor não acaba. O amor apenas sai do centro das nossas atenções. O tempo desenvolve nossas defesas, nos oferece outras possibilidades e a gente avança porque é da natureza humana avançar. Não é o sentimento que se esgota, somos nós que ficamos esgotados de sofrer, ou esgotados de esperar, ou esgotados da mesmice. Paixão termina, amor não. Amor é aquilo que a gente deixa ocupar todos os nossos espaços, enquanto for bem-vindo, e que transferimos para o quartinho dos fundos quando não funciona mais, mas que nunca expulsamos definitivamente de casa.
Incertos são nossos amores, e por isso é tão importante sentir-se bem mesmo estando só.
Passei a ocupar meus dias pensando sobre o que, afinal, é isso que todo mundo enche a boca pra chamar de amor
Passei a ocupar meus dias pensando sobre o que, afinal, é isso que todo mundo enche a boca pra chamar de amor.
Muitas vezes eu desisti sem mesmo tentar, pensei em fugir para não enfrentar, sorri para não chorar…
Amores precisam dar a volta ao redor de si mesmo, fechando o próprio ciclo. Isso é que libera a gente para ser feliz de novo
Tenho poucos amigos, porque acho mais inteligente ser seletivo a respeito daqueles que você escolhe para contar os seus segredos.
Pode me invadir.
Se não era amor, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não se sabe se vai ser antes ou depois de se chocar contra o solo. Eu bati a 200 km por hora e estou voltando a pé pra casa, avariada. (…) Eu não amei aquele cara. Eu tenho certeza que não. Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada. Não era amor, era uma sorte. Não era amor, era uma travessura. Não era amor, eram dois travesseiros. Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era amor, era de tarde. Não era amor, era inverno. Não era amor, era sem medo. Não era amor, era melhor.
Não era amor. Era uma sorte, uma travessura, uma sacanagem, dois celulares desligados. Não era amor, era melhor.
Quando a gente deixa de ser Aquela para se tornar apenas mais uma, dá vontade de não ser mais nada e sumir.
“Ma belle, viver bem não é para amadores. Puxe para si a responsabilidade de encerrar de vez essa inimizade estéril, esse desgaste emocional tão nocivo à pele e ao humor. Você não é uma menina, é uma mulher. E uma mulher deve saber discernir o que é, de fato, uma derrota e uma vitória. Derrota é quando a gente ganha dos outros, mas desiste de si mesma.”
Reconheçamos o básico: uma vida
sem amigos é uma vida vazia.
Você se sente em casa dentro do seu corpo? Muitos não passam de hóspedes de si mesmos… Estar em paz é aceitar serenamente que você não tem munição suficiente para levar todos os seus planos adiante e não possui um exército que diga amém para todos os seus delírios. Você está só e é um sujeito heróico dentro do possível. Costuma ir à luta por um emprego, por um amor, por grana, por objetivos razoáveis e quando não dá certo, não dá. E quando erra, paciência, e quando acerta, oba, e quando está cansado, se recolhe, e quando está triste, chora. E quando está alegre, vibra, e quando enxerga longe, vai em frente, e quando a visão embaça, freia. E quando está sozinho, chama, e quando quer continar sozinho, não chama. Primeiro passo para a paz: reconciliar-se consigo próprio. É o que a gente pode fazer de mais concreto, por mais abstrato que pareça.
Estava explicado por que gamei: qual a mulher que não tem uma quedinha por cafajestes?
É erótico ver uma mulher que sorri, que chora, que vacila, que fica linda sendo sincera, que fica uma delícia sendo divertida, que deixa qualquer um maluco sendo inteligente. […] Não conheço strip-tease mais sedutor.
Certas coisas machucam mais do que o primeiro tombo de bicicleta, tem coisas que ferem tão profundo quanto um corte, essas coisas não se vêem é quando você chora por dentro, embora não sangre por fora, a vida faz uma cicatriz invisível permanente e sempre que você se lembra, arde, mas serve pra que evite errar novamente e espalhar mais dessas pela sua alma.
Crescer custa, demora, esfola, mas compensa. É uma vitória secreta, sem testemunhas. O adversário somos nós mesmos.
Amor é quando você acha que a pessoa com quem você se relacionava era egoísta, possessiva e infantilóide e isso não reduz em nada a sua saudade, não impede que a coisa que você mais gostaria neste instante é de estar tocando os cabelos daquela egoísta, possessiva e infantilóide. Amor é quando você sabe tintim por tintim as razões que impedem o seu relacionamento de dar certo, é quando você tem certeza de que seriam muito infelizes juntos, é quando você não tem a menor esperança de um milagre acontecer, e essa sensatez toda não impede de fazê-lo chorar escondido quando ouve uma música careta que lembra os seus 14 anos, quando você acreditava em milagres.
Se você perceber qualquer tipo de constrangimento, não repare, eu não tenho pudores mas, não raro, sofro de timidez. E note bem: não sou agressiva, mas defensiva. Impaciente onde você vê ousadia. Falta de coragem onde você pensa que é sensatez. Mas mesmo assim, sempre pinta um momento qualquer em que eu esqueço todos os conselhos e sigo por caminhos escuros. Estranhos desertos.
Bem que podia ser hoje, bem que podia ser agora, um amor novinho em folha.
É de minha responsabilidade não ficar triste, não deixar ninguém me magoar, não deixar que nada de ruim me aconteça.
OS TAMANHOS DAS PESSOAS
Os tamanhos variam conforme o grau de envolvimento.
Uma pessoa é enorme para você, quando fala do que leu e viveu,
quando trata você com carinho e respeito,
quando olha nos olhos e sorri destravado.
É pequena para você quando só pensa em si mesma,
quando se comporta de uma maneira pouco gentil,
quando fracassa justamente no momento em que teria que demonstrar
o que há de mais importante entre duas pessoas: a amizade, o carinho,
o respeito, o zelo e, até mesmo, o amor.
Uma pessoa é gigante para você quando se interessa pela sua vida,
quando busca alternativas para o seu crescimento,
quando sonha junto com você. E pequena quando desvia do assunto.
Uma pessoa é grande quando perdoa, quando compreende,
quando se coloca no lugar do outro,
quando age não de acordo com o que esperam dela,
mas de acordo com o que espera de si mesma.
Uma pessoa é pequena quando se deixa reger por
comportamentos clichês.
Uma mesma pessoa pode aparentar grandeza ou miudeza dentro de um relacionamento, pode crescer ou decrescer num espaço de poucas semanas.
Uma decepção pode diminuir o tamanho de um amor que parecia ser grande.
Uma ausência pode aumentar o tamanho de um amor que parecia ser ínfimo.
É difícil conviver com esta elasticidade: as pessoas que se agigantam nas críticas e se encolhem quando estão diante dos olhos que sabem “seus segredos íntimos e suas atitudes covardes fruto de sua própria insegurança”.
Nosso julgamento é feito não através de centímetros e metros,
mas de ações e reações, de expectativas e frustrações.
Uma pessoa é única ao estender a mão; e ao recolhê-la inesperadamente,
se torna mais uma.
O egoísmo unifica os insignificantes.
Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande…é a sua sensibilidade, sem tamanho…
E ainda dizem que “interferência” é atrapalhar o caminhar do próximo. Na maioria das vezes é despertar a “coragem e a capacidade” nos covardes e incompetentes.
A esperança está na certeza que estes se rendem diante da própria imagem diante do espelho que se olham a cada dia mais infelizes.
E agora está você aí, com esse amor que não estava nos planos. Um amor que não é a sua cara, que não lembra em nada um amor idealizado. E, por isso mesmo, um amor que deixa você em pânico e em êxtase. Tudo diferente do que você um dia supôs, um amor que te perturba e te exige, que não aceita as regras que você estipulou. Um amor que a cada manhã faz você pensar que de hoje não passa, mas a noite chega e esse amor perdura, um amor movido por discussões que você não esperava enfrentar e por beijos para os quais nem imaginava ter tanto fôlego. Um amor errado como aqueles que dizem que devemos aproveitar enquanto não encontramos o certo, e o certo era aquele outro que você havia solicitado, mas a vida, que é péssima em atender pedidos, lhe trouxe esse e conforme-se, saboreie esse presente, esse suspense, esse nonsense, esse amor que você desconfia que não lhe pertence. Aquele amor em formato de coração, amor com licor, amor de caixinha, não apareceu. Olhe pra você vivendo esse amor a granel, esse amor escarcéu, não era bem isso que você desejava, mas é o amor que lhe foi destinado, o amor que começou por telefone, o amor que começou pela internet, que esbarrou em você no elevador, o amor que era pra não vingar e virou compromisso, olha você tendo que explicar o que não se explica, você nunca havia se dado conta de que amor não se pede, não se especifica, não se experimenta em loja – ah, este me serviu direitinho!
Eu sabia que terminaríamos, eu sabia que era uma viagem sem destino, sabia desde o início e não sabia, não sabia que doeria tanto, que era tanto, que era muito mais do que se pode saber, ninguém pode saber um amor, entender um amor, tanto que terminou sem muito discurso, foi uma noite em que você quase pediu, me deixe. Ora, pra que me enganar: você realmente pediu, sem pronunciar palavra, você vinha pedindo, me deixe, olhe o jeito que te trato, repare em como não te quero mais, me deixe, e eu, de repente, naquela noite que poderia ter sido amena, me vi desistindo de um jantar e de nós dois em menos de dez minutos, a decisão mais rápida da minha vida, e a mais longa, começou a ser amadurecida desde o dia em que falei com você pela primeira vez, desde uma tarde em que ainda nem tínhamos iniciado nada e eu já amadurecia o fim, e assim foi durante os dois anos em que estivemos tão juntos e tão separados, eu em constante estado de paixão e luto, me preparando para o amor e a dor ao mesmo tempo, achando que isso era maturidade. Que idiota eu sou, o que é que amadureci?
Nada, nem a mim mesma, jamais deixei de ter 10 anos, nem quando tive 30, nem quando fiz 40. Nunca tive idade, ela de nada me serviu, ser lúcida sempre foi apenas uma maneira de parecer elegante, uma estratégia para a convivência. Você lembra como eu chorei aquela noite, lembra do fim, você não pode ter esquecido aquela cena, entramos em casa sem acender as luzes, você olhando para fora da janela enquanto eu derramava toda a minha frustração e meu desespero, como se a culpa fosse minha e não sua, ou fosse sua e não minha, como se existisse culpa para o término de um relacionamento que simplesmente não tinha mais combustível, nem mais estrada. Faz quanto tempo desde aquela cena? Eu consigo enxergá-la por vários ângulos, vejo você de costas pra mim, parecia um soldado, tão ereto, em vigília de si mesmo, querendo saltar do terceiro andar, sair sem precisar passar pela porta, sem passar pelo adeus, e eu, curvada, amparada em algum móvel, demolida, e então, na cena seguinte, nós de frente um para o outro, mas com as cabeças abaixadas, você não queria ver meu rosto, e eu estava espantada com o seu, tão sereno, aliviado, quanto tempo faz, 15 minutos, vinte minutos desde que você saiu aqui de casa? Eu ainda estava quieta agora há pouco, eu ainda estava sem pensar e sem sentir, de repente me deu uma calma, nenhuma desgraça aconteceu, você desceu pelas escadas, eu fechei a porta do apartamento e não chorei mais, eu vi pela janela o seu carro saindo da garagem e não chorei, eu fui para o banheiro escovar os dentes, acho que escovei os dentes, não lembro, e botei uma camisola e fui pra cama e não chorei, não pensei, não senti, não chorei, entendi, não entendi, não pensei, não sei, acho que dormi.
Você não ligaria no dia seguinte, era domingo, fui até a cozinha lavar a louça, mas não havia louça para lavar, o combinado era jantarmos fora na noite anterior, não jantamos, ninguém se alimentou, quanto tempo faz desde aquela noite, parece um século, foi ontem. Decidi seguir a rotina: o que eu fazia aos domingos de manhã? Eu caminhava, eu ia ao parque, então caminharei, mas falta você, coloquei o tênis, saí a pé de casa, falta você e não falta, o estrondo está diminuindo, o barulho cessou, será que eu já percebo o acidente? Dou uma volta no parque, duas voltas, três voltas, você não virá aqui me ver? Volto. Telefono pra minha mãe, não telefono pra você, conto pra ela que acabamos, meu relato é muito coerente, ela lamenta mais ou menos, já ouviu eu contar essa história antes, somos reincidentes em finais, mas agora é pra valer, quem me acredita? Eu não me acredito, mas agora não te quero mesmo, e eu já ouvi isso antes, de você, de mim, agora não tem mais volta – dei tantas voltas no parque, é tão ridículo caminhar pra lugar nenhum, para quem vou ficar magra e saudável? E voltei a dizer: não, mãe, acabou de verdade, e pela primeira vez reparei em minha voz tremida, pela primeira vez naquele domingo eu fraquejei, as palavras saíram entrecortadas, eu catava as sílabas que me fugiam, e ela do outro lado da linha fingia que não doía nela também.
Liguei o computador, escrevi, que é como organizo meu pensamento, escrevi e parecia que eu estava ditando a mim mesma um texto requentado, agora acabou, agora é comigo, sei que vou conseguir, tenho meus motivos, e me dei várias explicações, tentei me convencer, eu estava tão racional, tão genial, eu quase consegui, e não almocei, zanzei pela casa, tomei um banho, troquei de roupa, tirei suas fotos dos porta-retratos e desabei pela segunda vez, a primeira sem que você testemunhasse.
Guardei na gaveta aquela fotografia em que você estava de boné, parecia um garoto, me agarrando pela cintura. Guardei todas. Aquela outra, nós dois, eu de novo enlaçada por você. E uma de você sozinho, um flagrante, você não percebeu, bati a foto enquanto você lia o jornal, tão lindo, você era tão lindo, você ainda é o mesmo homem depois de ontem, o mesmo homem sem mim? Eu me olho no espelho e não me enxergo, não sou mais a mesma, perdi a identidade. Tirar suas fotos de vista me pareceu uma providência curativa, agora você não o verá mais, querida, vai esquecê-lo mais rápido, como somos inocentes. E eu lá quero esquecê-lo? Sua presença ainda está tão quente dentro desse apartamento, o colchão ainda está meio afundado do lado em que você dormia.
Não sei se as pessoas choram de forma diferente umas das outras, eu choro contraída, como se alguém estivesse perfurando minha alma com uma lâmina enferrujada, choro como quem implora, pare, não posso mais suportar, mas o insuportável é uma medida que nunca tem limite, eu chorei no domingo, na segunda, na terça, em várias partes do dia e da noite, um choro de quem pede clemência, de quem está sendo confrontado com a morte, eu estava abandonando uma vida que não teria mais, eu sofria minha própria despedida, morte e parto, eu tinha que renascer e não queria, não quero, sinto que caí num vácuo, perdi a parte boa da minha história, e não quero outra, enquanto choro penso que se alguém me visse chorar dessa maneira me salvaria, prestaria socorro, chamaria uma ambulância, eu nunca vi você chorar, você alguma vez chorou por mim, você sofre a minha ausência, sente minha falta? Estar sozinha nessa aflição me condói de mim mesma, é o labirinto do inferno, não há saída, não há saída, você não está me esperando lá fora, nem hoje, nem amanhã, você não vai fazer nenhum gesto para me resgatar, e se fizesse, eu não estenderia minha mão, e é isso que me faz descrer de tudo, eu sei que acabou, eu estava infeliz ao seu lado, eu estou infeliz sem você, mentira, eu era feliz ao seu lado, e nem sei se a palavra é essa, feliz. Felicidade é um resumo fácil, uma preguiça de investigar o muito mais que nos ergue diariamente, na época era o que me bastava, eu sabia onde estava e com quem, eu não estou infeliz, eu só estou perdida e não consigo mandar nenhum S.O.S., ninguém sabe onde estou, largaram meu corpo em cima dessa cama e ninguém me procura.
Choro, choro muito, choro agora feito uma guitarra dedilhada por um bêbado, sinto uma piedade inconsolável de mim, de tanto que recordo o quanto te quis e o quanto te admirei por amares a mim, era paixão inveterada, paixão de doer, paixão de não dar certo mesmo, paixão de perder o tino, e perdi por completo, hoje tento compreender duas ou três frases e nem isso me cabe, ficou tudo sem lógica, eu que prezo tanto a lógica, não entendo mais nada, mergulhei no escuro da minha perplexidade, você era meu até bem pouco tempo, mas vou sair dessa, veja, já estou enxugando as lágrimas, procurando meu celular para fazer uma ligação qualquer, esses compromissos que a gente inventa para fingir que a vida continua. Marquei hora no cabeleireiro sem ter motivo algum pra ficar bonita.
Não consigo mais ser uma pessoa comum, dessas que conseguem ver uma novela sem se afligir e que dirigem prestando atenção apenas nos sinais de trânsito, agora eu só assisto à tevê com o controle remoto na mão para que eu possa trocar de canal a qualquer indício de que virá cena de beijo, não consigo ver um homem e uma mulher se amando, é como se fosse uma agressão pessoal, vamos massacrar essa coitada, vamos fazê-la lembrar, mas não, eu não fico lembrando de nós dois, é muito mais torturante que isso, eu fico imaginando você com outra mulher, você beijando outra mulher, e isso me dá uma náusea que quase me faz desmaiar, fico em posição fetal, eu penso que vou ficar louca, como se já não estivesse, eu não posso ver uma foto de mulher bonita que já imagino o quanto você vai se interessar por ela, e vai desejá-la, eu passei a ter ódio de todas as mulheres que cruzam seu caminho, meu caminho. E no trânsito, eu só tenho olhos para as placas dos carros que são da mesma cor e marca que o seu, e quando um se aproxima eu rogo a Deus para que não seja você, e ao mesmo tempo quero que seja, e às vezes consigo não olhar, me sinto tão valente, consigo por minutos olhar só em frente, não reparo em nenhum veículo a minha volta, é como se estivesse sozinha na avenida, e é nessas horas que corro o risco de bater, eu acelero sem perceber e depois freio muito em cima dos outros carros, eu saio da minha pista sem sinalizar, eu esqueço pra onde estou indo, eu vejo você caminhando pelas calçadas e não é você, de repente todos os homens do mundo ficaram idênticos a você, e eu ainda não me envolvi num acidente por um triz, ou talvez já esteja mais do que acidentada para ainda ter que enfrentar essa dor na carne, de verdade, sem ser apenas uma metáfora. Evito olhar os casais de namorados nas paradas de ônibus, e tem um painel publicitário em que um homem olha para uma loira com um desejo tão escancarado que me retorço e choro só de imaginar você olhando assim para outra mulher, e eu sei que você está, ninguém precisa me contar, eu sei como é que você se cura, se trata, você não chora nem lamenta, você volta pra rua, você vai atrás de todas as mulheres nuas feito um vira-lata, você está olhando nesse instante para outra mulher, está entrando nela, dizendo a ela como ela é gostosa, você está me matando dentro de você, e eu morro a quilômetros de distância, a sós comigo mesma, você transa com outra e me mata, você goza e me mata mais um pouco, você dorme e me deixa insone pra sempre, eu sei que não vai ser pra sempre, mas eu não enxergo o dia de amanhã, hoje eu só estou acordada pro eterno desse pesadelo, você era meu, droga, exclusivamente meu até dias atrás, meu como esse sofrimento.
Quando não há nada que detenha você, as coisas começam a acontecer.
Não era amor, era uma sorte. Não era amor, era uma travessura. Não era amor, eram dois travesseiros. Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era amor, era de tarde. Não era amor, era inverno. Não era amor, era sem medo. Não era amor, era melhor.
Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida, que zela pela sua felicidade, que se preocupa quando as coisas não estão dando certo, que sugere caminhos para melhorar, que coloca-se a postos para ouvir suas dúvidas e que dá uma sacudida em você, caso você esteja delirando. “Não seja tão severa consigo mesma, relaxe um pouco. Vou te trazer um cálice de vinho
Sentir-se amado é ver que ela lembra de coisas que você contou dois anos atrás, é vê-la tentar reconciliar você com seu pai, é ver como ela fica triste quando você está triste e como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo uma tempestade em copo d´água. “Lembra que quando eu passei por isso você disse que eu estava dramatizando? Então, chegou sua vez de simplificar as coisas. Vem aqui, tira este sapato
Saudade é não querer saber se ele está com outra,e ao mesmo tempo querer.
É não saber se ele está feliz,e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso…
É não querer saber se ele está mais magro,se ele está mais belo.
Saudade é nunca mais saber de quem se Ama e ainda assim doer.
Saudade é isso que senti(e sinto) enquanto estive escrevendo e o que você (deveria)
provavelmente estar sentido agora depois que acabou de ler.”
Quem inventou a distância nunca sofreu a dor de uma saudade!!!
…
O que seria preferível, que a pessoa que você ama passasse a lhe odiar, ou que lhe fosse totalmente indiferente? Que perdesse o sono imaginando maneiras de fazer você se dar mal ou que dormisse feito um anjo a noite inteira, esquecido por completo da sua existência? O ódio é também uma maneira de se estar com alguém. Já a indiferença não aceita declarações ou reclamações: seu nome não consta mais do cadastro.
Suporto tudo nessa vida, menos as fases transitórias, aquelas onde já abandonamos o lugar em que estávamos mas ainda não chegamos aonde queremos.
“Tô aí pra alguns, pros meus. Tô aí e estou aqui. Estou atenta. Estou dentro. Estou me vendo. Estou tentando. Estou querendo. Estou a postos só para o mínimo, o máximo. Para o que importa mesmo. Para o mistério. A verdade. O caos. O céu. Essas coisas… No mais, tô nem aí.”
Nada tenho a ver com não gostar de mim. Me aceito impura, me gosto com pecados, e há muito me perdoei.
Meu mundo se resume a palavras que me perfuram, a canções que me comovem, a paixões que já nem lembro, a perguntas sem respostas, a respostas que não me servem, à constante perseguição do que ainda não sei. Meu mundo se resume ao encontro do que é terra e fogo dentro de mim, onde não me enxergo, mas me sinto.
Minto, tenho tudo a ver com explosões.
Antes só do que muito acompanhado; esperar não significa inércia, muito menos desinteresse; renunciar não quer dizer que não ame; abrir mão não quer dizer que não queira; o tempo ensina, mas não cura.
Eu cresci. Por dentro e por fora (e, reconheço, pros lados). Sou gente grande, como se diz por aí. E o mundo à minha volta, à nossa volta, virou aldeia, somos todos vizinhos, todos vivendo apertados, financeira e emocionalmente falando. Saudade de uma alegria descomunal, de uma esperança gigantesca, de uma confiança do tamanho do futuro – quando o futuro também era infinito à minha frente.
“Eu não tenho fobia com ex, ao menos não com um ex que tenha sido bem vivido, bem curtido. Fico mais apreensivo em relação àqueles que podem vir a ser casos passageiros, aventurazinhas bobas, mas que podem surpreender. Não temo fantasmas, temo gente bem viva, bem acordada, oferecendo novidades, fantasias. Ex é um direito adquirido. Chegou antes. Tem privilégios. Merece respeito. E se seu grande amor cair nessa armadilha, terminar com você e voltar para o passado, relaxe, não se apavore. Será sua vez de assombrar. A ex agora é você.”
Excesso de expectativa é o caminho mais curto para a frustração.
É o melhor conselho que um amigo pode dar a outro: pare de fazer fantasias, sentir-se perseguido, neurotizar relações, comprar briga por besteira, maximizar pequenas chatices, estender discussões, buscar no passado as justificativas para ser do jeito que é, fazendo a linha “sou rebelde porque o mundo quis assim”.
Tentar outra vez o mesmo amor. Quem já não caiu nesta armadilha?
Tentamos superar uma dor antiga e não conseguimos. Procuramos ficar amigos de quem já amamos e caímos em velhas ciladas armadas pelo coração. Oferecemos nosso corpo e nosso carinho para quem já não precisa nem de um nem de outro. Motivos nobres, mas os resultados são vexatórios.
Podemos maquiar algumas respostas ou podemos silenciar sobre o que não queremos que venha à tona. Inútil. A soma dos nossos dias assinará este inventário. Fará um levantamento honesto. Cazuza já nos cutucava: suas idéias correspondem aos fatos? De novo: o que a gente diz é apenas o que a gente diz. Lá no finalzinho, a vida que construímos é que se revelará o mais eficiente detector de nossas mentiras.
E para enfretar a piração, só mesmo respondendo com mais loucura.
Fui abençoada com um coração meiguíssimo e em contrapartida com um pavio bem curto. Exatamente igual a um vidro: se me jogar no chão, eu quebro… mas se me pisar, te corto.
O silêncio que perturba é aquele que fala. É quando alguém não te responde, não abre uma aba, mesmo assim, você entende a mensagem.
O amor, tão nobre, tão denso, tão intenso, acaba. Rasga a gente por dentro, faz um corte profundo que vai do peito até a virilha, o amor se encerra bruscamente porque de repente uma terceira pessoa surgiu ou simplesmente porque não há mais interesse ou atração, sei lá, vá saber o que interrompe um sentimento, é mistério indecifrável. Mas o amor termina, mal-agradecido, termina, e termina só de um lado, nunca se encerra em dois corações ao mesmo tempo, desacelera um antes do outro, e vai um pouco de dor pra cada canto. Dói em quem tomou a iniciativa de romper, porque romper não é fácil, quebrar rotinas é sempre traumático. Além do amor existe a amizade que permanece e a presença com que se acostuma, romper um amor não é bobagem, é fato de grande responsabilidade, é uma ferida que se abre no corpo do outro, no afeto do outro, e em si próprio, ainda que com menos gravidade. (…)
Passa a dor do amor, vem a trégua, o coração limpo de novo, os olhos novamente secos, a boca vazia. Nada de bom está acontecendo, mas também nada de ruim. Um novo amor? Nem pensar. Medo, respondemos.
Que corajosos somos nós, que apesar de um medo tão justificado, amamos outra vez e todas as vezes que o amor nos chama, fingindo um pouco de resistência mas sabendo que para sempre é impossível recusá-lo.
Acabo me rendendo ao que há de mais fabuloso e enigmático em nós: o desejo.
Não gosto da vida em banho-maria, gosto de fogo, pimenta, alho, ervas. Por um triz não sou uma bruxa.
Uma pessoa é gigante pra você quando se interessa pela sua vida, quando busca alternativas para o seu crescimento, quando sonha junto. É pequena quando desvia do assunto.
“Alguém que era grande no passado, fica pequeno no presente.O tempo, de novo, dando a devida proporção aos meus afetos e desafetos”
Quem me vê caminhando na rua, de salto alto e delineador, jura que sou tão feminina quanto as outras: ninguém desconfia do meu anti socialismo interno. Adoro massas cinzentas, detesto cor-de-rosa. Penso como um homem, mas sinto como mulher. Não me considero vítima de nada. Sou autoritária, teimosa e um verdadeiro desastre na cozinha. Peça para eu arrumar uma cama e estrague meu dia. Vida doméstica é para os gatos.
Depois eu lembrei que todo mundo passa mas ninguém fica e tive vontade de chorar o choro mais longo e pesado do mundo.
O pensamento é o único lugar onde ainda estamos seguros, onde nossa loucura é permitida e todos os nossos atos são inocentes.
Pactos. Acho que é isso. Não de sangue nem de nada que se possa ver e tocar. É um pacto silencioso que tem a força de manter as coisas enraizadas, um pacto de eternidade, mesmo que o destino um dia venha a dividir o caminho dos dois.
É confuso. Tudo que sinto é enorme e ao mesmo tempo me faz sentir pequena. A solidão é gigantesca e me faz sentir mínima.
Conta a história de uma jovem que tinha um relacionamento difícil com o pai. Quase nunca conversavam, mas surgiu a oportunidade de viajarem juntos de carro e ela imaginou que seria um bom momento para se aproximarem. Durante o trajeto, o pai, que estava na direção, comentou sobre a sujeira e degradação de um córrego que acompanhava a estrada. A garota olhou para o córrego a seu lado e viu águas límpidas, um cenário de paraiso. E teve a certeza de que ela e o pai realmente não tinham a mesma visão da vida. Seguiram a viagem sem trocar mais palavras.” Muitos anos depois, esta mulher fez a mesma viagem, pela mesma estrada, desta vez com uma amiga. Estando agora ao volante, ela surpreendeu-se: do lado esquerdo, o córrego era realmente feio e poluído, como seu pai havia descrito, ao contrário do belo córrego que ficava do lado direito da pista. E uma tristeza profunda se abateu sobre ela por não ter levado em consideração o então comentário de seu pai, que a esta altura já havia falecido.Parece uma parábola, mas acontece todo dia: a gente só tem olhos para o que mostra a nossa janela, nunca a janela do outro. O que a gente vê é o que vale, não importa que alguém bem perto esteja vendo algo diferente.A mesma estrada, para uns, é infinita, e para outros, curta. Para uns, o pedágio sai caro; para outros, não pesa no bolso. Boa parte dos brasileiros acredita que o país está melhorando, enquanto que a outra perdeu totalmente a esperança. Alguns celebram a tecnologia como um fator evolutivo da sociedade, outros lamentam que as relações humanas estejam tão frias. Uns enxergam nossa cultura estagnada, outros aplaudem a crescente diversidade. Cada um gruda o nariz na sua janela, na sua própria paisagem.Eu costumo dar uma espiada no ângulo de visão do vizinho. Me deixa menos enclausurada nos meus próprios pontos de vista, mas, em contrapartida, me tira a certeza de tudo. Dependendo de onde se esteja posicionado, a razão pode estar do nosso lado, mas a perderemos assim que trocarmos de lugar. Só possuindo uma visão de 360 graus para nos declararmos sábios. E a sabedoria recomenda que falemos menos, que batamos menos o martelo e que sejamos menos enfáticos, pois todos estão certos e todos estão errados em algum aspecto da análise. É o triunfo da dúvida.
Homem é igual a biscoito: Vem um, vêm 18. Depois eu compreendi tudo sobre essa teoria. Funciona assim: quando a gente tá carente, sozinha, solteira, e sai ligando pra todos os paqueras, ex-namorados, rolos e afins, ninguém te quer, não é? Pois é. Essa é a primeira fase: tocos em profusão. Na segunda fase, a gente resolve que não precisa de homem nenhum para ficar bem, e aí aparece um só para contradizer nossa certeza de auto-suficiência. Vem todo carinhoso, romântico, paparicante. A gente baixa a guarda, começa a sair com o cara, percebe que ele é interessante, resolve ver no que dá. E aí o que acontece? Entra na fase3: a Teoria do Biscoito. Chega um momento em que tu sente que a historinha tá evoluindo pra um possível compromisso. Só que aí, neste exato momento, TODOS os outros que te dispensaram antes começam a te ligar. Parece que eles
farejam no ar, que combinam entre si.
Quando bebo além da conta, minha alma fica alerta e os meus olhos brilham mais. Quem me dera todos os dias essa alegria de taberna
Então eu disse a ele – e foi a única coisa dita: se isso acabar agora, vai ter valido a minha vida (…) Eu vou atrás dele. Desse homem que nunca conheci de fato, mas que existe de outra forma, que existe com outro rosto e outro nome, que existe no meu futuro, se o futuro eu permitir que aconteça. Não quero mais o presente, não quero mais a paralisia, o pra sempre. Alguém espera por mim. Alguém não vê a hora de eu chegar. Eu não vejo essa hora. Daqui, não alcanço esse sonho. Eu me vou. (…) Me reconheça ímpar. Impaciente. Só. Muito antes de louca. Muito antes e muito mais. Louca é pouco. (…) As perdas serão calculadas, as malas serão fechadas, as crianças serão preservadas e as vidas seguidas. E eu, então, irei atrás do meu instante.
E voltou pra você sem nunca tê-la deixado (…) Fique com o que é seu, com o que restou dele e de mim, esse vazio que não me serve, mas que talvez sirva para ocupar seus dias.
Você, que me acompanha mais com sua ausência serena do que aqueles que me escutam mais ou menos, sempre de olho no relógio.
Ninguém nunca tá preparado pra nada, mas eu tava aberto pra tudo, pros problemas e as alegrias que iam começar.
Minha cabeça virou um álbum de fotografias que vou montando diariamente, uma espécie de colagem de minhas cenas inesquecíveis. Elas precisam mesmo ser inesquecíveis, caso contrário me restará apenas o breu. (…) Tenho me apegado aos pedaços do meu corpo, preciso deles para formar um mosaico do que sou. (…) A amplitude agora é interna, meus olhos estão fechando pra fora e abrindo para dentro, e hei de descobrir algo que me interesse e me motive nessa viagem sombria, sem gôndolas, sem tons pastéis, sem pontes nem edificações históricas.
Por que você não se instala em outro corpo, em outra mente, que tal vazar, me esvaziar, se escafeder? Eu já acreditei, um dia, que você era um inquilino necessário, o tal do contraponto, um equilíbrio, algo que todo mundo traz dentro, alimente e blablablá. Mas estou cansada. Esgotada mesmo. Não consigo mais negociar com você. Esta é uma carta de demissão. Tô te demitindo, te expulsando, porque você é que tem que sair, eu não posso sair de mim mesma. Foi por pouco, ontem. Tem sido por pouco todos os dias. (…) Você é forte. Eu também sou. Mas rogo por trégua, jogo a toalha, te peço de joelhos: tome um chá de sumiço, vá dar uma volta, aportar em outra alma, que esta minha já está gasta e não vê graça alguma nas suas provocações. Quero que você me deixe, porque simpatizo cada vez mais com você.
Mas há maneiras de fazer isso sem tanto estardalhaço. E sem tanto medo. (…) Enxugue essas lágrimas inúteis, levante esse queixo e vá tratar da vida. Faça tudo o que deseja fazer. Você acha que depois de morta vai ganhar um bônus? Uma prorrogação para tentar sair desse empate? Esqueça o empate. Vença. Perca. Ofereça a si mesma algum resultado. É você mesma que assina. E eu.
Mas agora tudo parece falso em mim, tudo parece de faz-de-conta, por isso estou te escrevendo em vez de telefonar, optei por escrever porque minhas palavras escritas seguem do jeito que sempre foram. (…) Impossível continuar vivendo sem autenticidade. (…) Eu estou igual, com a diferença de que meus olhos estão abertos. (…) Só me interessa a verdade, só me interessa a vida, me interessa o meu sorriso (…) É com o rosto que a gente abraça as pessoas (…) Quero ser vista, quero me ver, mas no passado, quero retroceder de novo, quero que o tempo volte pra trás, não para ser mais jovem, mas para ser mais sábia.
Estou sempre falando as mesmas palavras, e a gente sempre se desencontrando, se desentendendo, seja no silêncio ou na repetição, nunca se afastando realmente e também nunca juntos, uma lengalenga que pode até parecer amor (…) Dois anos pedindo pra você me deixar em paz e nas entrelinhas gritando: me ame, seu idiota! E você surdo, mudo, cego e burro, desperdiçando o que eu tenho de mais sagrado, de mais inteiro e mais honesto. (…)Você prometia. Tinha, e tem, potencial. Só não sabe o que fazer quando chega a hora de se entregar, prefere escapulir feito um rato. (…) É o homem que eu amo, e isso lhe deveria servir. Mas se não serve, se você dispensa esse tipo de sentimento barato, fazer o quê? Para mim é sofrimento localizado, e demorado, admito, mas não vai durar tanto quanto sua catástrofe emocional, que é pra sempre.
Ao dia de ontem precederam centenas de anteontens que me foram vertiginosos, mas sem eles não haveria nem esta carta nem esta filha mais consciente de si própria. (…) Troquei sonhos por objetivos. Eles são mais compactos, ocupam menos lugar e dão mais certo. (…) Eu vivia sufocada pela falta de noção de quem eu era, idealizando personagens que um dia iria interpretar, e agora que os estou interpretando pra valer, descobri a mim mesma, íntegra e inteira, e não sou uma árvore, sou uma pessoa.
A gente tem que mirar no alvo e atirar, pronto, foi. A flecha não volta. Se acertamos ou erramos, não tem volta. (…) Quem sobreviverá a mim carregando meu olhar, minha voz, o jeito com que mexo as mãos? (…) Não choro porque não há perda, há apenas a interrogação, o “como seria se”. (…) Estou triste, mas sou alegre, e nada mais a reclamar.
Você me descobriu, em todos os sentidos. (…) Você me capturou com o olhar e agora estamos assim, quase frente a frente, procurando um caminho em comum.
É mais do que a dor da ausência, é o passado que arromba a vida da gente e nos aponta o dedo, e pra qualquer lado que eu olhe não há inocentes. (…) E amigo é isso, aquele que a presença conforta sem precisar de muito gesto ou dramatização.
Dor-de-cotovelo é pior que arrancar um siso, pior que fratura exposta – aliás, é uma fratura exposta. A gente fica ali vendo o osso pra fora, doendo feito a morte, e pensando se a coisa vai voltar pro lugar, se vamos andar de novo, se é possível tocar a vida sem se sentir um aleijado. (…) Sofrer por amor é um atraso de vida, e não há remédio que entorpeça a dor, que amenize, que anestesie.
Me enxergue com olhos novos também e vamos tornar real o que em nós sempre foi uma fraude, o amor.
Todos nós chegamos até aqui abrindo mão de muita coisa lá atrás. (…) Ali adiante, na hora de fazer um balanço, o valor não estará nos cifrões, a contabilidade será outra: quantos amigos? quantos sorrisos? quanta felicidade? quanto amor? (…) Derrota é quando a gente ganha dos outros, mas desiste de si mesma.
Aquele amor, mesmo não retribuído, tornou-se um souvenir, lembrança de uma época bonita que foi vivida… Passou a ser um bem de valor inestimável, é uma sensação a qual a gente se apega.
Esconder é fácil, difícil é deixar de sentir. O tempo ameniza, mas não cura. A novidade preenche, mas não substitui.
Todo o resto é tudo que niguém aplaude e ninguém vaia, porque ninguém vê.
Que corajosos somos nós, que apesar de um medo tão justificado, amamos outra vez e todas as vezes que o amor nos chama, fingindo um pouco de resistência mas sabendo que para sempre é impossível recusá-lo.
Todos temos nossas dores de estimação. O que nos diferencia uns dos outros é a capacidade de conviver amigavelmente com elas.
Apesar de ela sempre reclamar do corte de cabelo dele e de também criticar o seu guarda-roupa (“onde é que você desencavou esta calça amarela”?), ele segue adorando esta ranzinza porque ninguém sabe, como ela, fazê-lo se sentir tão imprescindível na vida de alguém. Apesar de ele nunca querer sair com os amigos dela e implicar com o jeito que ela dirige, ela não o abandona nem sob decreto, porque ninguém, como ele, sabe fazê-la se sentir tão desejada. Não lembro quem disse que a gente gosta de uma pessoa não por causa de, mas apesar de. Gostar do que é gostável é fácil: gentileza, bom humor, inteligência, simpatia, tudo isso a gente tem em estoque na hora em que conhece uma pessoa e resolve conquistá-la. Os defeitos ficam guardadinhos nos primeiros dias e só então, com a convivência, vão saindo do esconderijo e revelando-se no dia a dia. Você então descobre que ele não é apenas gentil e doce, mas também um tremendo casca-grossa quando trata os próprios funcionários. E ela não é apenas segura e determinada, mas uma chorona que passa 20 dias por mês com TPM. E que ele ronca, e que ela diz palavrão demais, e que ele é supersticioso por bobagens, e que ela enjoa na estrada, e que ele não gosta de criança, e que ela não gosta de cachorro, e agora? Agora convoquem o amor pra resolver esta encrenca. O par ideal não existe. Esta tal de alma gêmea é uma invenção que colou não sei como, porque é só pensar um pouco pra ver que não faz sentido: seria uma sorte excepcional sua alma gêmea morar na mesma cidade, frequentar o mesmo clube e o mesmo bairro que você. Sua alma gêmea pode muito bem viver em Kuala Lampur ou em Helsinque, como é que você foi cair nos braços do primeiro candidato ao posto sem dar um giro pelo mundo antes? O que existe é uma necessidade de extravasar nossos sentimentos mais nobres, uma vontade maluca de pertencer emocionalmente a alguém. Existe um sexto sentido que nos conduz em direção a uma determinada pessoa, existe uma vontade de estar junto, de trazê-la para o nosso mundo e também de entrar no mundo dela, existe uma aversão à solidão que nos impulsiona para o desconhecido – ou para a desconhecida. E estes seres estranhos são gentis, bem-humorados, inteligentes, simpáticos, e o que mais? Ele deixa a casa esculhambada, ela é péssima cozinheira. Ele é pão-duro, ela gasta insanamente. Ele se irrita quando seu time perde, ela desmorona quando é criticada. Ele tem medo de altura, ela tem medo de tempestade. Ele chega atrasado, ela nunca está pronta. Ele é muito distraído, ela é muito ciumenta. Ele não gosta de sair, ela não gosta de ler. Ele dorme tarde, ela tem insônia. Ele é gremista doente, ela nem sabe o que é um escanteio. Mas se adoram, apesar de. J. de Sta Catarina-12/06/2011
Apesar De
Apesar de ela sempre reclamar do corte de cabelo dele e de também criticar o seu guarda-roupa (“onde é que você desencavou esta calça amarela”?), ele segue adorando esta ranzinza porque ninguém sabe, como ela, fazê-lo se sentir tão imprescindível na vida de alguém. Apesar de ele nunca querer sair com os amigos dela e implicar com o jeito que ela dirige, ela não o abandona nem sob decreto, porque ninguém, como ele, sabe fazê-la se sentir tão desejada. Não lembro quem disse que a gente gosta de uma pessoa não por causa de, mas apesar de. Gostar do que é gostável é fácil: gentileza, bom humor, inteligência, simpatia, tudo isso a gente tem em estoque na hora em que conhece uma pessoa e resolve conquistá-la. Os defeitos ficam guardadinhos nos primeiros dias e só então, com a convivência, vão saindo do esconderijo e revelando-se no dia a dia. Você então descobre que ele não é apenas gentil e doce, mas também um tremendo casca-grossa quando trata os próprios funcionários. E ela não é apenas segura e determinada, mas uma chorona que passa 20 dias por mês com TPM. E que ele ronca, e que ela diz palavrão demais, e que ele é supersticioso por bobagens, e que ela enjoa na estrada, e que ele não gosta de criança, e que ela não gosta de cachorro, e agora? Agora convoquem o amor pra resolver esta encrenca. O par ideal não existe. Esta tal de alma gêmea é uma invenção que colou não sei como, porque é só pensar um pouco pra ver que não faz sentido: seria uma sorte excepcional sua alma gêmea morar na mesma cidade, frequentar o mesmo clube e o mesmo bairro que você. Sua alma gêmea pode muito bem viver em Kuala Lampur ou em Helsinque, como é que você foi cair nos braços do primeiro candidato ao posto sem dar um giro pelo mundo antes? O que existe é uma necessidade de extravasar nossos sentimentos mais nobres, uma vontade maluca de pertencer emocionalmente a alguém. Existe um sexto sentido que nos conduz em direção a uma determinada pessoa, existe uma vontade de estar junto, de trazê-la para o nosso mundo e também de entrar no mundo dela, existe uma aversão à solidão que nos impulsiona para o desconhecido – ou para a desconhecida. E estes seres estranhos são gentis, bem-humorados, inteligentes, simpáticos, e o que mais? Ele deixa a casa esculhambada, ela é péssima cozinheira. Ele é pão-duro, ela gasta insanamente. Ele se irrita quando seu time perde, ela desmorona quando é criticada. Ele tem medo de altura, ela tem medo de tempestade. Ele chega atrasado, ela nunca está pronta. Ele é muito distraído, ela é muito ciumenta. Ele não gosta de sair, ela não gosta de ler. Ele dorme tarde, ela tem insônia. Ele é gremista doente, ela nem sabe o que é um escanteio. Mas se adoram, apesar de. J. de Sta Catarina-12/06/2011
Querer a gente quer muita coisa.
Mas quase sempre é um querer preguiçoso,
um querer que não nos
impulsiona a levantar da cadeira,
e ainda mais quando nosso projeto
tem 0,5% de chance de sucesso.
É difícil conseguir o que se quer.
Só se torna menos difícil
quando se quer mesmo.
Crônica: Querer mesmo – Livro: Montanha Russa
Existe amizade entre mulheres?
Existe. Mas basta que antipatizem
com uma fulana para o veneno
escorrer pelo canto da boca,
estragando a maquiagem.
Crônica: Amiguinhas da onça – Livro: Montanha Russa
Não acredito em milagres, mas acredito na fé. Acho importante cultivar a esperança e valorizar o pensamento positivo, os valores fundamentados, a força de vontade, a paixão, a solidariedade. O que atrasa o mundo é gente transformando fé em fanatismo. Fanáticos são os que doam seu suado dinheirinho para salvadores da pátria, são os que esfolam os joelhos subindo escadarias para agradecer uma graça alcançada. Graças são alcançadas pela medicina, pela sorte, pelo trabalho e pela inteligência: nunca pela ignorância.
Estar só, totalmente só, imperturbável,
é um direito e um dever.
Não todo o tempo, mas por
um breve tempo, o tempo que a gente
precisa para reencontrar a si mesma,
para resgatar nossa mais pura essência,
o tempo que a gente necessita para respirar,
suspirar, transpirar, pirar: o que você faz quando
ninguém lhe vê fazendo?
Crônica: Estar só – Livro: Montanha Russa
Da próxima vez que você se queixar de que não
tem ninguém para compartilhar seus bons e maus
momentos, tente ver o lado positivo disso.
Você tem a você. Você tem o seu canto.
Não vai precisar pagar uma fortuna por poucas horas
num quarto de hotel, como se fosse uma foragida,
fazendo o que não gostaria que ninguém visse:
sendo você mesma.
Crônica: Estar só – Livro: Montanha Russa
Um dos maiores fermentos de um relacionamento é a admiração. É desanimante atravessar os dias sem sentir orgulho da pessoa que está vivendo ao nosso lado. É prioritário seguir para sempre pensando que ele é um bilhete premiado. A cada observação perspicaz que ele faz sobre um fato, a cada gesto de solidariedade para com o irmão, a cada bola dentro que ele dá no trabalho, é um alívio pensar: este é o cara que escolhi para estar comigo. Um sujeito legal.
Quando nossos olhos ficam embaraçados,
nada como usar os olhos dos outros
para voltar a valorizar o que é nosso.
Crônica: Aos olhos dos outros – Livro: Montanha Russa
Eu só empresto livros para quem tenho certeza
de que os ama tanto quanto eu, e quando sei
que serão lidos num prazo razoável.
Se não há intenção de me devolver logo,
estabeleçam um resgate: eu pago.
Crônica: Ciúme das coisas – Livro: Montanha Russa
Amores passados contentam-se com migalhas e sobrevivem
muito: ajude-se, negando-lhes qualquer banquete.
A fartura agora tem que ser de vida nova.
” O sentimento não suporta tudo.
Mas é desse tudo que é feito um sentimento:
de choques e prazeres, de desejos e solidão.
O sentimento fatiado não existe.
Lascas só de sentimentos bons: não.
Vem sempre junto a parte estragada”
Crônica: Sentimentos indecisos – Livro: Montanha Russa
” Dores de amor, falta de grana
e angústias existenciais são contingências da vida,
mas você não precisa soterrar os outros
com seus lamentos e más vibrações.
Sustente o próprio fardo e esforce-se para aliviá-lo.
Emagreça onde tem que emagrecer:
no espírito, no humor.
E coma de tudo,
se isso ajudar.”
Crônica: A importância de perder peso – Livro: Coisas da Vida
Felizes para sempre
Ninguém sabe direito o que é felicidade,
mas, definitivamente, não é acomodação.
Acomodar-se é o mesmo que fazer
uma longa viagem no piloto automático.
Muito seguro, mas que aborrecimento.
É preciso um pouquinho de turbulência
para a gente acordar e sentir alguma coisa,
nem que seja medo.
Livro: Montanha Russa
Felizes para sempre
Viver não é seguro.
Viver não é fácil.
E não pode ser monótono.
Mesmo fazendo escolhas aparentemente definitivas,
ainda assim podemos excursionar por dentro de nós
mesmos e descobrir lugares desabitados em que nunca
colocamos os pés, nem mesmo em imaginação.
E, estando lá, rever nossas escolhas e recalcular a duração
de “pra sempre”. Muitas vezes o “pra sempre” não dura
tanto quanto nossa teimosia e receio de mudar.
(Montanha Russa)
O amor aos cães
costuma ser acompanhado
por uma certa perda
de confiança no homem
(Crônica Homens e cães, do livro “Montanha Russa”)
Tanta gente quer fórmulas de amor eterno …
Não acredito em fórmulas, mas, por via das dúvidas,
não fale, não conte detalhes, não satisfaça a curiosidade
alheia. A imaginação dos outros já é difamatória que chegue.
Parece uma parábola, mas acontece todo dia: a gente só tem olhos para o que mostra a nossa janela, nunca a janela do outro. O que a gente vê é o que vale, não importa que alguém bem perto esteja vendo algo diferente.
” Todo mundo é um conceito abstrato,
uma generalização. Ninguém pode saber
o que é melhor para cada um.
Fórmulas e tendências servem apenas
como sinalizadores de comportamento,
mas para conquistar satisfação pessoal pra valer,
só vivendo do jeito que a gente acha que deve,
estejamos ou não enquadrados
no que se convencionou chamar de normal”
Crônica: Do seu jeito – Livro: Coisas da vida
Poucos são os que tem privacidade para ficar tristes. Nesse mundo de vigília e patrulha constantes, é um luxo poder sofrer sem ter ninguém nos observando.
Cada vez que nos apaixonamos, estamos tendo uma nova chance de acertar. Estamos tendo a oportunidade de zerar nosso hodômetro. De sermos estreantes. Uma pessoa acaba de entrar na sua vida, você é 0km para ela. Tanto as informações que você passar quanto as atitudes que tomar serão novidade suprema – é a chance de você ser quem não conseguiu ser até agora.
todas as relações humanas
são basicamente, de troca:
cada um oferece o que tem
e toma para si o que precisa.
Se é amor, tanto melhor,
mas mesmo não sendo,
o casal pode ser feliz igual.
Libertar uma pessoa pode levar menos de um minuto. Oprimi-la é trabalho para uma vida. Mais que as mentiras, o silêncio é que é a verdadeira arma letal das relações humanas.
Se a verdade pode parecer perturbadora para quem fala, é extremamente libertadora para quem ouve.
Depressão é coisa muito séria, contínua e complexa. Estar triste é estar atento a si próprio, é estar desapontado com alguém, com vários ou consigo mesmo, é estar um pouco cansado de certas repetições, é descobrir-se frágil num dia qualquer, sem razão aparente – as razões têm essa mania de serem discretas.
Você sabe que é amado porque lhe disseram isso, as três palavrinhas mágicas. Mas saber-se amado é uma coisa, sentir-se amado é outra. (…)
A maioria das pessoas, quando são questionadas sobre o assunto, dizem: “Não existe felicidade, existem apenas momentos felizes”. É o que eu pensava quando habitava a caverna dos 17 anos, para onde não voltaria nem puxada pelos cabelos. Era angústia, solidão, impasses e incertezas pra tudo quanto era lado, minimizados por um garden party de vez em quando, um campeonato de tênis, um feriadão em Garopaba. Os tais momentos felizes.
Adolescente é buzinado dia e noite: tem que estudar para o vestibular, aprender inglês, usar camisinha, dizer não às drogas, não beber quando dirigir, dar satisfação aos pais, ler livros que não quer e administrar dezenas de paixões fulminantes e rompimentos. Não tem grana para ter o próprio canto, costuma deprimir-se de segunda a sexta e só se diverte aos sábados, em locais onde sempre tem fila. É o apocalipse. Felicidade, onde está você? Aqui, na casa dos 30 e sua vizinhança.
Está certo que surgem umas ruguinhas, umas mechas brancas e a barriga salienta-se, mas é um preço justo para o que se ganha em troca. Pense bem: depois dos 30, você paga do próprio bolso o que come e o que veste. Vira-se no inglês, no francês, no italiano e no iídiche, e ai de quem rir do seu sotaque. Não tenta mais o suicídio quando um amor não dá certo, enjoou do cheiro da maconha, apaixonou-se por literatura, trocou sua mochila por uma Samsonite e não precisa da autorização de ninguém para assistir ao canal da Playboy. Talvez não tenha se tornado o bam-bam-bam que sonhou um dia, mas reconhece o rosto que vê no espelho, sabe de quem se trata e simpatiza com o cara.
Depois que cumprimos as missões impostas no berço — ter uma profissão, casar e procriar — passamos a ser livres, a escrever nossa própria história, a valorizar nossas qualidades e ter um certo carinho por nossos defeitos. Somos os titulares de nossas decisões. A juventude faz bem para a pele, mas nunca salvou ninguém de ser careta. A maturidade, sim, permite uma certa loucura. Depois dos 35, conforme descobriram os participantes daquele congresso curioso, estamos mais aptos a dizer que infelicidade não existe, o que existe são momentos infelizes. Sai bem mais em conta.
O que somos de verdade e o que queremos de fato, só nós sabemos. Só nós
era uma vez um gato chinês
que me chamou para comer um frango
xadrez
no boteco onde ele era freguês
e eu, como gata vadia
topei porque sempre podia
e fiz dele meu prato do dia
“Ser diferente pode ser mais estimulante do que ser o melhor”
Exatamente igual a um vidro: se me jogar no chão, eu quebro mas se me pisar, eu te corto.
O ideal seria pular fora, mas eu optei pela felicidade
“Sofrer por amor é um atraso de vida, e não há remédio que entorpeça a dor, que amenize, que anestesie, nada, nada, antidepressivo não funciona nessa hora, e cocaína não ouse. A indústria farmacêutica ainda está muito atrasada em relação a corações feridos, não acha? Psiquiatria que tal?
Somos roteiristas da nossa própria história, podemos dar o final que quisermos para nossas cenas. Mas temos que querer de verdade. Querer pra valer. É este o esforço que nos falta.
(…)Se ninguém nos telefona, se ninguém vem à nossa casa, se ninguém aceita nosso jeito, parece que a gente não existe, parece que as coisas deram errado, e não deram. Sou uma pessoa bacana, forte, generosa, não devia precisar de ninguém que me aplaudisse, mas a gente precisa dos outros, precisa que eles demonstrem que nos admiram, mesmo que estejam fingindo.
Não estou só. Não me pergunte se estou feliz, apenas ouça: não estou só.
Um fracasso novo é o mínimo que se espera de qualquer relação.
Comecei a fingir que estava me recuperando, e aí começou a recuperação de fato.
Corações partidos é o grande drama nacional.
Paixão é ruína, minha filha!
Você não me enganou, eu é que adorei enganar a mim mesma.
Porque nada me serve, nenhum ato que pareça maduro é maduro de fato.
De repente todos os homens do mundo ficaram idênticos a você.
“Não é o sentimento que se esgota, somos nós que ficamos esgotados de sofrer, ou esgotados de esperar, ou esgotados da mesmice. Paixão termina, amor não. Amor é aquilo que a gente deixa ocupar todos os nossos espaços, enquanto for bem-vindo, e que transferimos para o quartinho dos fundos quando não funciona mais, mas que nunca expulsamos definitivamente de casa.”
A beleza e a tristeza da vida podem estar em situações como esta:
– descobrir, tarde demais, que se ama uma pessoa.
Pode acontecer até com quem está ao nosso lado neste instante.
Parece que é um amor morno e sem graça, e que se acabar,
tanto faz, e só daqui a muitos anos descobrir que nada era mais forte
e raro do que este sentimento.
Tarde demais é uma expressão cruel.
Tarde demais é uma hora morta.
Tarde demais é longe à beça.
Não é lá que devemos deixar florescer nossas descobertas.
“Desmediocrize sua vida. Procure seus “desaparecidos”, resgate seus afetos. Aprenda com quem tiver algo a ensinar, e ensine algo àqueles que estão engessados em suas teses de certo e errado. Troque experiências, troque risadas, troque carícias. Não é preciso chegar num momento limite para se dar conta disso. O enfrentamento das pequenas mortes que nos acontecem em vida já é o empurrão necessário. Morremos um pouco todos os dias, e todos os dias devemos procurar um final bonito antes de partir.”
Razão e emoção são dois planetas que não habitam
a mesma galáxia. Você sabe que sua dor é superável,
você sabe que amanhã vai encontrar um novo amor,
você sabe que é uma felizarda por ter saúde, família,
um teto para morar, mas você não sente assim.
E o sentimento é poderoso. Comanda-nos.
E a gente sucumbe. Feito um avião caindo do céu,
feito refém de um assalto do coração.
Se eu fosse eu, riria abertamente do que acho mais graça:
pessoas prepotentes, que pensam saber mais do que os outros,
e encorajaria os que pensam que sabem pouco, e sabem tanto.
Crônica: Se eu fosse eu – Livro: Non-Stop
Eu sou assim, ligada na tomada. Sempre querendo encontrar uma razão pra tudo. Pessoas como eu sofrem mais. Se decepcionam mais. Por outro lado, crescemos. Evoluímos. Amadurecemos. Nada é estático em nossas vidas. Nada é à toa. Tudo ganha uma compreensão, tudo é degrau, tudo eleva.
O đєstiησ đєciđє qµєм єηtrα ηα мiηhα viđα, мiηhα αtitµđє đєciđє qµєм ficα.”
Te amei
como nunca amei nessa vida
e do final desse amor restou uma mulher tão fria
que nem por ti mesmo
conseguiria sentir
o amor que senti um dia
Amor é quando você sabe tintim por tintim as razões que impedem o seu relacionamento de dar certo,
é quando você tem certeza de que seriam muito infelizes juntos, é quando você não tem a menor esperança de um milagre acontecer, e essa sensatez toda não impede de fazê-lo chorar escondido quando ouve uma música careta que lembra os seus 14 anos, quando você acreditava em milagres. Tudo isso pode parecer uma grande dor, mas é uma grande dádiva, porque a existência do amor está toda hora sendo lembrada. Dor é quando a gente está numa relação tão fácil, tão automática, tão prática e funcional que a gente até esquece que também é amor.
As palavras nos confundem.
As atitudes resolvem.
Quem sou? Mulher com garantia e seria ousadia prosseguir:
se madura ou biruta ou grotesca se sensível ou racional ou se mais uma igual a todas nada me define e eu definho, queria tanto ter certeza erro noite e dia, tenho consciência apenas do que faço mal atitudes certas e palavras oportunas: não confirmo existência faço tudo trocado, as avessas, sem jeito, e choro aos montes difícil existir no mundo sem um bom planejamento pessoal …Eu não sou nada, ninguém, não sou daqui, não assimilei as regras sou uma boa indefinição bem disfarçada e que anda às cegas.
(…) Comecei a ficar mais atenta às verdadeiras razões dos meus choros, que, aliás, costumam ser raros. Já aconteceu de eu quase chorar por ter tropeçado na rua, por uma coisa à-toa. É que, dependendo da dor que você traz dentro, dá mesmo vontade de aproveitar a ocasião para sentar no fio da calçada e chorar como se tivéssemos sofrido uma fratura exposta. Qualquer coisa pode servir de motivo. Chorar porque fomos multados, porque a empregada não veio, porque o zíper arrebentou bem na hora de sairmos pra festa. Que festa, cara-pálida? Por dentro, estamos em pleno velório de nós mesmos, chorando nossa miséria existencial, isso sim. Não pretendo soar melodramática, mas é que tem dias em que a gente inventa de se investigar, de lembrar dos sonhos da adolescência, de questionar nossas escolhas, e descobre que muita coisa deu certo, e outras não. Resolve pesar na balança o que foi privilegiado e o que foi descartado, e sente saudades do que descartou. Normal, normalíssimo. São aqueles momentos em que estamos nublados, um pouco mais sensíveis do que gostaríamos, constatando a passagem do tempo. Então a gente se pergunta: o que é que estou fazendo da minha vida? Vá que tudo isso passe pela sua cabeça enquanto você está trabalhando no computador. De repente, a conexão cai, e em vez de desabafar com um simples palavrão, você faz o quê? Cai no berreiro. Evidente. Eu sorrio muito mais do que choro, razões não me faltam para ser alegre, mas chorar faz bem, dizem. Eu não gosto. Meu rosto fica inchado e o alívio prometido não vem. Em público, então, sinto a maior vergonha, é como se estivesse sendo pega em flagrante delito. O delito de estar emocionada. Mas emocionar-se não é uma felicidade? Neste admirável mundo de contradições em que a gente vive, podemos até não gostar de chorar, mas trata-se apenas da nossa humanidade se manifestando: a conexão do computador, às vezes, cai; por outro lado, a conexão conosco mesmo, às vezes, se dá. Sendo assim, sou obrigada a reconhecer: chorar faz bem, não importa o álibi. É sempre a dor do crescimento.
Durante todos estes anos, duas ou três frases foram verdades.
Os “eu te amo” mais sinceros foram pra quem não amei.
E os homens que amei não me escutaram.
Eu não sei o lugar certo de dizer.
A hora certa de ser humana.
Tenho a sincronia de um espantalho.
Paralisada.
Ninguém precisa se assustar comigo.
Eu sou de mentirinha.
O tempo traz
O tempo tira
O tempo falta
O tempo vigora
O tempo voa
O tempo não passa
O tempo é favor ou contra
Conforme a hora.
No começo eu prestava atenção
em todas as palavras que você ia me dizendo
me custava muito acreditar que aquilo tudo
estava acontecendo
eu sentia que você não queria me magoar
escolhia cada letra e cada pausa e desviava
o olhar
nas horas em que era inevitável dizer o que
pretendia
você pretendia me deixar, deixava claro
que juntos fomos ótimos parceiros mas
que de agora em diante
era cada um para o seu lado, e apesar da
saudade
era assim que tinha que ser
você não respondeu minhas perguntas,
foi evasivo, gaguejou
fugiu do assunto várias vezes e quando
voltava era pra repetir:
não dá mais
não dá mais, não posso mais,
não vou deixar você tirar minha paz,
eu concordo
aceito, assino a separação, não vou fazer
escândalo
e quando eu te encontrar com essa que
tomou o meu lugar
(é evidente, não venha negar), vou ser
civilizada
não vou quebrar os pratos nem te
constranger
você não vai me reconhecer, não vai
mais me proteger
não vai mais me amar, não vai mais
telefonar,
não vai mais aparecer. não vai mais dizer
meu nome,
não, eu agora já não estou te ouvindo mais
Você bem que podia ter surgido na minha vida
vinte anos atrás, quando eu ainda tinha planos
quinze anos atrás, quando eu estava me formando
onze anos atrás, quando eu morava sozinha
dez anos atrás, quando eu ainda era solteira
seis anos atrás, quando eu ainda estava tentando
dois meses atrás, quando sobrava alguma força
ontem à noite eu ainda estava te esperando.
“…Se isso tudo acabar agora, vai ter valido a minha vida. E o beijei.”
Sabemos quem somos e o que sentimos, mas não sabemos até quando.
O que quer uma mulher
Pinto a realidade com alguns sonhos, e transformo alguns sonhos em cenas reais. Choro lágrimas de rir e quando choro pra valer não derramo uma lágrima. Amo mais do que posso e, por medo, sempre menos do que sou capaz.
É preciso se expôr sem medo de dar vexame. É preciso colocar o trabalho na rua. É preciso saber ouvir um não e, depois de secar as lágrimas, seguir batalhando. Arriscar, é o nome do jogo. Muitos perdem, poucos ganham. Mas quem não tenta, não tem ao menos o direito de reclamar.
“Domingo é o meu inferno astral. Duvido que haja algo mais entediante. É dia de descansar, de almoço em família, de ir ao parque: o domingo é benevolente demais. Não tem a malícia do sábado nem a determinação da segunda. É um dia em cima do muro, não é dia de festa nem de trabalho. Nem lá, nem cá. Nem mais, nem menos. Suporto tudo nessa vida, menos as fases transitórias, aquelas onde já abandonamos o lugar em que estávamos mas ainda não chegamos aonde queremos. Viajar de avião, por exemplo. Tem coisa que nos deixe mais sem chão, literalmente? Estrada tem ao menos a paisagem para distrair, e quem quiser sair do carro, sai. Mas você não pode sair de um avião. Nem de um domingo.”
A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda, mas que a gente sabe que um dia vai se estabilizar.
A convivência e o amor são mais importantes que qualquer coisa e superam todos os tabus…
Às vezes é preferível amar-se como animal do que ser racional…
É demais viver com angústia e desejos.
Eu, por exemplo, gosto do cheiro dos livros. Gosto de interromper a leitura num trecho especialmente bonito e encostá-lo contra o peito, fechado, enquanto penso no que foi lido. Depois reabro e continuo a viagem. (…) Gosto do barulho das páginas sendo folheadas. Gosto das marcas de velhice que o livro vai ganhando: (…) a lombada descascando, o volume ficando meio ondulado com o manuseio. Tem gente que diz que uma casa sem cortinas é uma casa nua. Eu penso o mesmo de uma casa sem livros.
“Se a verdade pode parecer perturbadora para quem fala, é extremamente libertadora para quem ouve.
É como se uma mão gigantesca varresse num segundo todas as nossas dúvidas.
Finalmente, se sabe.
Mas sabe-se o quê?
O que todos nós, no fundo, queremos saber: se somos amados.”
Saudade eu tenho do que não nos coube. Lamento apenas o desconhecimento daquilo que não deu tempo de repartir, você não saboreou meu suor, eu não lhe provei as lágrimas. É no líquido que somos desvendados. No gosto das coisas o amor se reconhece. O meu pior e o seu melhor, ficaram sem ser apresentados.
De qualquer forma, não esqueça das seguintes verdades:
Não faça nada que não te deixe em paz consigo mesma;
Cuidado com quem anda desabafando;
Conte até três (está certo, se precisar, conte mais);
Antes só do que muito acompanhado;
Esperar não significa inércia,
muito menos desinteresse;
Renunciar não quer dizer que não ame;
Abrir mão não quer dizer que não queira;
O tempo ensina, mas não cura.
Amar prescinde de entendimento. Por isso não sei amar, porque sou viciada em entender.”
Sinto falta mesmo, é de não não sentir nada. Era tão bom.
A gente tem que mirar no alvo e atirar, pronto, foi. A flecha não volta. Se acertamos ou erramos, não tem volta. Foi assim que levei a vida.
A cada meia hora, um estado de espírito diferente. À noite, meu cansaço é igual ao de um maratonista, é como se eu tivesse atravessado dezenas de quilômetros, entre subidas e descidas. Mas, ao contrário do que acontece nas atividades físicas, as descidas são as que mais consomem minha energia.
O amor é uma coisa íntima, mas todos nós temos a necessidade de torná-lo público. É a nossa vitória contra a solidão.
Costumamos julgar roupas, comportamento, caráter – juízes indefectíveis que somos da vida alheia, mas é um atrevimento nos outorgarmos o direito de reconhecer, apenas pelas aparências, quem sofre e quem está em paz. A sua felicidade não é a minha, e a minha não é a de ninguém. Não se sabe nunca o que emociona intimamente uma pessoa, a que ela recorre para conquistar serenidade, em quais pensamentos se ampara quando quer descansar do mundo, o quanto de energia coloca no que faz, e no que ela é capaz de desfazer para manter-se sã. Toda felicidade é construída por emoções secretas. Podem até comentar sobre nós, mas nos capturar, só se permitirmos.
Desassossegados têm insônia e são gentis, lhes incomodam as verdades imutáveis, riem quando bebem, não enjoam, mas ficam tontos com tanta idéia solta, com tamanha esquizofrenia, não se acomodam em rede, leito, lamentam a falta que faz uma paz inconsciente. Desta raça somos todos, eu sou, só sossego quando me aceito.
Tenho medo de não conseguir manter minhas ideias, meus pontos de vista, minhas escolhas. A minha cabeça é como um guarda que não permite que eu estacione em local algum. Eu fico dando voltas e voltas no meu cérebro e quando encontro uma vaga para ocupar, o guarda diz: circulando, circulando . Você está me entendendo? Eu não tenho área de repouso. Raramente desligo, e quando isso acontece, não dá nem tempo para o motor esfriar.
O pensamento é sagrado, o único território livre de patrulha, livre de julgamentos, livre de investigação, livre, livre, livre. Área de recreação da loucura. Espaço aberto para a imaginação. Paraíso inviolável.
Talvez eu esteja com receio de ter ido longe demais desta vez e esteja preparando a minha defesa, caso alguma coisa não saia como esperado. O que eu espero? Não espero nada, espero tudo, estou à deriva nessa aventura. Eu queria cristalizar esse momento da minha vida, mas estou em alta velocidade, e não sei se quero ir adiante, só que eu não tenho opção. Acho que é isso. Eu tinha opções, agora não tenho. Não consigo parar esse trem.
Tenho medo de não conseguir manter minhas ideias, meus pontos de vista, minhas escolhas. A minha cabeça é como um guarda que não permite que eu estacione em local algum. Eu fico dando voltas e voltas no meu cérebro e quando encontro uma vaga para ocupar, o guarda diz: circulando, circulando. Você está me entendendo? Eu não tenho área de repouso. Raramente desligo, e quando isso acontece, não dá nem tempo para o motor esfriar.
Ficar amarrado à vida alheia faz você viver menos a sua. Nada de se fazer de desentendida, só para não se incomodar. Incomode-se. Dependência é morte.
Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres. Primeiro: a dizer NÃO. Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO.
No entanto, estaremos sempre em perigo enquanto soubermos tão pouco sobre nós mesmos.
Onde, afinal, é o melhor lugar do mundo? Meu palpite: dentro de um abraço.
Uma relação calma entre duas pessoas que, sem se preocuparem em ser modernos ou eternos, fizeram um do outro seu lugar de repouso. Preguiça de voltar à ativa? Muitas vezes, é. Mas também, vá saber, pode ser amor.
Simpatizo cada vez mais com quem nos ajuda a remover obstáculos mentais e emocionais e a viver de forma mais íntegra, simples e sincera.
Tudo é uma questão de humor e de atitude: mude. Deixe de colocar sua felicidade na mão dos outros.
Mas é o que devemos continuar fazendo. Despir nossa alma e mostrar pra valer quem somos, o que trazemos por dentro. Não conheço strip-tease mais sedutor.
Na luta entre o cérebro e a pele, nunca dá empate. A pele sempre ganha de W.O.
Deixa eu dirigir o seu carro, que você adora. Quero ver você nervoso, inquieto, olhe para outras mulheres, tenha amigos e digam muitas bobagens juntos. Não me conte seus segredos … me faça massagem nas costas. Não fume, beba, chore, eleja algumas contravenções. Me rapte! Se nada disso funcionar … experimente me amar!
Ainda não inventaram um recurso tecnológico para avisar que um homem vai entrar na sua vida e fazer o chão tremer
O amor aparece quando menos se espera e de onde menos se imagina. O amor é que nem tesourinha de unhas, nunca está onde a gente pensa.
Já fui julgada
até crucificada.
Já fui enaltecida
e muito amada.
Já fui certa e errada.
Já julguei e condenei.
Me arrependi e me desculpei.
Já fiz de tudo um pouco
porque meu verbo é solto.
Se sinto, preciso falar,
se me incomoda
tenho que questionar.
Mal interpretada costumo ser
mas o que posso fazer
quando preciso dizer
o que vai dentro do meu coração
e bole com a minha emoção.
Já fui injusta com quem não deveria ser
e cruel com quem fez por merecer.
Já fui bondosa e companheira.
Já fui até a enfermeira
de vidas que desabavam.
Já fui bombas que estouravam
em meio a guerras devastadoras.
Já fui a doutora que curou
um coração que se feriu por amor.
Já fui a personagem esquecida
e a atriz principal.
Já fui recatada e imoral.
Já fui alguém que o vento levou
e que trouxe, de volta, por um favor.
Já acertei e errei
adoeci e me curei.
Já pedi e implorei.
Já cedi, vendi e dei.
Já me culpei e me torturei
por tantas coisas que nem sei.
Já corri muito atrás
mas era longe demais
e não consegui chegar.
Já rasguei lembranças
que não prestavam mais.
Já remexi o lixo para achá-las
e de volta, na gaveta, colocá-las.
Já fiz de tudo um pouco
afinal sou normal,
só não posso revelar
o etc e tal.
Dar Vote
Um, dois e… quando me dou conta, já fui, me joguei
Antes de contar até três disse o que não era para ser dito
Fiz coisas que não era para ter feito
Me arrebento rápido, nem dói de tão ligeiro
Mentira, dói de qualquer jeito
Eu definitivamente não consigo me desligar das pessoas. Todo mundo é meu pra sempre, mesmo que seja eu quem tenha ido embora.
Preciso que saiba: nunca deixarei de pensar em você, porque você foi o amor menos elaborado que tive, menos politicamente correto, menos “o cara certo na hora certa”, menos criado no cativeiro da idealização, e essa impossibilidade de intelectualizar o que senti me faz pensar que talvez eu não estivesse enganada sobre aquela ideia romântica de que só se ama assim uma vez.
Pra me conquistar basta dizer tudo aquilo que nunca ouvi de ninguém, me tocar sem medo, sem segredo. Entrar e sair da rotina sem que eu note, me levar para lugares exóticos e lugares comuns, saber ficar em silêncio e assim me dizer tudo. Compreender a vida como é e buscar o outro lado, saber a hora exata de ficar e ir embora, mas não vá.
Sou feita de choros sem ter razão, pessoas no coração, atos por impulsão.
Eu sou amor e carinho constante, distraída até o bastante, não paro por instante.
Já tive noites maldormidas, perdi pessoas muito queridas, cumpri coisas não prometidas.
Muitas vezes eu desisti sem mesmo tentar. Pensei em fugir, para não enfrentar, sorri para não chorar.
Tenho saudades de pessoas que fui conhecendo, lembranças que fui esquecendo,
amigos que acabei perdendo. Mas continuo vivendo e aprendendo…
Meu mundo se resume ao encontro do que é terra e fogo dentro de mim, onde não me enxergo, mas me sinto.
E este coração acomodado aí no peito? Use-o, ora bolas. Não fique protegendo-se de frustrações só porque seu grande amor da adolescência não deu certo. (…) Não enviuve de si mesmo, ninguém morreu.
Adolescente é buzinado dia e noite: tem que estudar para o vestibular, aprender inglês, usar camisinha, dizer não às drogas, não beber quando dirigir, dar satisfação aos pais, ler livros que não quer e administrar dezenas de paixões fulminantes e rompimentos. Não tem grana para ter o próprio canto, costuma deprimir-se de segunda a sexta e só se diverte aos sábados, em locais onde sempre tem fila. É o apocalipse. Felicidade, onde está você?
Eu gosto de pessoas inteligentes que enxergam o mundo com humor. Tem muitas pessoas em quem eu bato o olho e penso: deve ser legal ser amiga dele. É gente que não carrega o mundo nas costas, que fala olhando nos olhos, que não se leva tão a sério, que é franca na hora do sim e na hora do não. É difícil sacar as qualidades de uma pessoa sem antes conhecê-la, mas intuição existe pra isso. Tenho vários amigos que enriquecem minha vida e se encaixam no meu conceito de “pessoas especiais”, mas meu coração é espaçoso e está em condições de receber novos inquilinos.
Uma vida sem sustos. É o que desejo pra mim. Não estou dizendo uma vida sem decepções, frustrações ou êxtases: sem sustos apenas. Quero aceitar a potência dos meus sentimentos e não ficar embaraçada diante de reações incomuns. Poder receber uma ventania de pé, mesmo que ela me desloque de onde eu estava. De pé, mesmo com medo.
Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Primeiro passo para a paz: reconciliar-se consigo próprio. É o que a gente pode fazer de mais concreto, por mais abstrato que pareça.
Um dia a gente acorda, os livros nos acordam, um anjo nos acorda, e somos avisados: não adianta mais olhar para trás. É ir em frente ou nada.
Você é feliz? Não espalhe, já que tanta gente se sente agredida com isso.
Ainda nos amamos, a gente só não se quer mais.
Quantas vezes tentaram adivinhar o que sentíamos, e erraram.
Julgaram nossas ações, e erraram.
Tiveram certeza sobre nossos propósitos, erraram.
O que somos de verdade e o que queremos de fato, só nós sabemos.
Só nós. Sós.
Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados. Não funciona assim. Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o amor tem de indefinível. Honestos existem aos milhares, generosos tem às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó! Mas ninguém consegue ser do jeito do amor da sua vida.
Pegar, cá pra nós, é um verbo meio cafajeste. Em vez de pegar, poderíamos adotar algum outro verbo menos frio. Porque, quando duas bocas se unem, nada é assim tão frio, na maioria das vezes esse “não estou nem aí” é jogo de cena. Vão todos para a balada fingindo que deixaram o coração em casa, mas deixaram nada. Deixaram a personalidade em casa, isso sim.
Use-se para progredir na vida. Alguma coisa você já deve ter aprendido até aqui. Encoste-se na sua própria experiência e intuição, honre sua história de vida, seu currículo, e se ele não for tão atraente, incremente-o.
Use sua simpatia: convença os outros. Use seus neurônios: pra todo o resto.
O jeito é direcionar o radar para norte, sul, leste e oeste. Seu amor pode estar no corredor de um supermercado, pode estar impaciente na fila de um banco, pode estar pechinchando numa livraria, pode estar cantarolando sozinho dentro de um carro. Pode estar aqui mesmo, no computador, dando o maior mole. O amor está em todos os lugares, você que não procura direito.
Deixe de colocar sua felicidade na mão dos outros. Comece um caso de amor consigo mesma e pare de se boicotar.
Eu poderia ter o mesmo pai, a mesma mãe, ter freqüentado o mesmo colégio e tido os mesmos professores, e seria uma pessoa completamente diferente do que sou se não tivesse lido o que eu li. Foram os livros que me deram consciência da amplitude dos sentimentos. Foram os livros que me justificaram como ser humano. Foram os livros que destruíram um a um meus preconceitos. Foram os livros que me deram vontade de viajar. Foram os livros que me tornaram mais tolerante com as diferenças.
Eu sei como é que você se cura, se trata, você não chora nem lamenta, você volta pra rua, você vai atrás de todas as mulheres nuas feito um vira-lata, (…) você está me matando dentro de você, e eu morro a quilômetros de distância, a sós comigo mesma, você transa com outra e me mata, você goza e me mata mais um pouco, você dorme e me deixa insone pra sempre, eu sei que não vai ser pra sempre, mas eu não enxergo o dia de amanhã, hoje eu só estou acordada pro eterno desse pesadelo, você era meu, droga, exclusivamente meu até dias atrás, meu como esse sofrimento.
Se existe uma coisa que me faz ganhar o dia é ler um livro que bagunça as minhas entranhas.
Derrota é quando a gente ganha dos outros, mas desiste de si mesma.
Sempre fui sentimental e nunca levei adiante relações em que não estivesse emocionalmente envolvida, e por mais que eu pareça ser durona, é apenas fachada. Só eu sei o quanto já sonhei em ser uma princesa resgatada da torre de um castelo.
“Amigas morrem de rir, mesmo em velórios. Debocham, liberam, recordam, comentam, confessam, perdoam, comungam e exorcizam fantasmas com 1 litro de vinho branco. Duas amigas e uma tarde livre é o paraíso. Não ficam olhando para o relógio como eu e essa estranha.” [Divã]
Namoro é teste, é amostra, é ensaio, e por isso a dedicação é intensa, a sedução é ininterrupta, os minutos são contados, os meses são comemorados, a vontade de surpreender não cessa — e é a única relação que dá o devido espaço para a saudade, que é fermento e afrodisíaco. Depois de passar os dias se vendo só de vez em quando, viajar para um fim de semana juntos vira o céu na Terra: nunca uma sexta-feira nasce tão aguardada, nunca uma segunda-feira é enfrentada com tanta leveza.
“Não estou vivendo perigosamente. Troquei o perigosamente,
pelo INTENSAMENTE, INCONSEQUENTEMENTE, APAIXONADAMENTE.
Não há perigo. Perigoso é a gente se aprisionar no que nos ensinaram como certo e nunca mais se libertar, correndo o risco de não saber mais viver sem um manual de instruções.”
Pessoas como eu sofrem mais, se decepcionam mais. Por outro lado, crescemos. Evoluímos. Amadurecemos.
Não adianta mais olhar para trás. É ir em frente ou nada.
Sucesso é ter um emprego, uma vida tranquila,
meia dúzia de amigos fiéis, um pouco de lazer,
algum estudo e a cabeça no lugar.
Sonhar é bom e saudável, ler revistas é uma delícia,
imaginar cenas de novela acontecendo conosco
é permitido e indolor, mas nada nos deixa mais
vulneráveis do que cruzar a fronteira do imaginário.
Do outro lado, ninguém sabe o que há.
O pensamento é o único lugar onde ainda estamos seguros,
é onde nossa loucura é permitida
e onde todos os nossos atos são inocentes.
Que instale-se um novo mundo cibernético,
mas que virem sucata esses detectores
de mentiras, tão sujeitos a falha.
Dentro do pensamento não há tecnologia
que consiga nos achar.
O bem é uma construção de uma vida.
O mal, ao contrário, é rápido no gatilho.
Somos, nem tanto por burrice, mais por reflexo condicionado,
prisioneiros do julgamento alheio. Tememos outras alternativas que
não sejam as já testadas e aprovadas. Os diferentes abrem caminhos,
criam opções, sobrevivem da própria independência, enquanto os outros
vêm atrás concorrendo ao título de melhores ou piores em repetição.
Necessidade de amar x necessidade de desejar.
Os românticos recusam-se a reconhecer as diferenças entre uma e outra.
Os galinhas agarram-se a essa justificativa.
E os moderados tratam de administrar essa arapuca.
Não faça nada que não te deixe em paz consigo mesma;
Cuidado com o que anda desabafando;
Conte até três (está certo, se precisar, conte mais);
Antes só do que muito acompanhado;
Esperar não significa inércia, muito menos desinteresse;
Renunciar não quer dizer que não ame;
Abrir mão não quer dizer que não queira;
O tempo ensina, mas não cura.
“Não sei o que esperar, e nem me importo.
Estou indo.
Quero mesmo é gostar de mim no balanço do fim do dia.
Preciso acontecer.”
Se é pra sofrer, que seja sozinho, onde seu rosto possa estampar desalento, inchaços, nariz vermelho, olhar perdido, boca crispada. Se é pra sofrer, que o corpo possa verter, vergar, amolecer. Se é pra sofrer, que possa ser descabelado, que possa ser de pés descalços, que possa ser em silêncio.
Que os demônios levem pro inferno aquele que bate à nossa porta bem no meio da nossa fossa, aquele que telefona bem no auge das nossas lágrimas, aquele que nos puxa para uma festa obrigatória. Malditos todos aqueles com quem não podemos compartilhar nossa dor, e nos obrigam a fingir que nada está se passando dentro da gente.
Disfarçar um sofrimento é trabalho de Hércules. Um prêmio para todos aqueles que conseguem fazer com que os outros não percebam sua falta de ânimo nos momentos em que ânimo é tudo o que esperam de nós: nas ceias de Natal, jantares em família, reuniões de trabalho. Você não quer estar ali, quer estar em Marte, quer estar em qualquer lugar onde não seja obrigado a sorrir.
Há sempre o momento de pedir ajuda, de se abrir, de tentar sair do buraco. Mas, antes, é imprescindível passar por uma certa reclusão. Fechar-se em si, reconhecer a dor e aprender com ela. Enfrentá-la sem atuações. Deixar ela escapar pelo nariz, pelos olhos, deixar ela vazar pelo corpo todo, sem pudores. Assim como protegemos nossa felicidade, temos também que proteger nossa infelicidade. Não há nada mais desgastante do que uma alegria forçada. Se você está infeliz, recolha-se, não suba ao palco. Disfarçar a dor é dor ainda maior.
“Não acerque-se de meus traumas, não invada meus mistérios, não atrite-se com o meu passado, não se esforce para entender. É proibido tocar no sagrado de cada um. Hoje faço mais planos, cultivo menos recordações e não guardo muitos papéis. Movimento-me num espaço cujo tamanho me serve, alcanço os limites com as mãos.. é nele que me instalo e vivo com a integridade possível. Canso menos, me divirto mais e não perco a fé por constatar o óbvio: Tudo é provisório, inclusive nós. (…) Não me considero vítima de nada. Sou autoritária, teimosa, impulsiva e um verdadeiro desastre na cozinha. Sou tantas que mal consigo me distinguir. Sou estrategista, batalhadora, porém traída pela comoção. Num piscar de olhos fico terna e delicada. Sempre desprezei as coisas mornas. As coisas que não provocam ódio nem paixão, as coisas definidas como mais ou menos. Tudo perda de tempo. Viver tem que ser perturbador. É preciso que nossos anjos e demônios sejam despertados e com eles sua raiva, seu orgulho, seu asco, sua adoração ou seu desprezo. O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia. E por mais piegas que seja dizer: Eu não voltaria no tempo para consertar meus erros, não voltaria para a inocência que eu tinha – e tenho ainda. Terei saudades da ingenuidade que nunca perdi? Não tenho saudades nem de um minuto atrás. Tudo o que eu fui prossegue em mim.”
A IMPONTUALIDADE DO AMOR
Você está sozinho. Você e a torcida do Flamengo. Em frente a tevê, devora dois pacotes de Doritos enquanto espera o telefone tocar. Bem que podia ser hoje, bem que podia ser agora, um amor novinho em folha.
Trimmm! É sua mãe, quem mais poderia ser? Amor nenhum faz chamadas por telepatia. Amor não atende com hora marcada. Ele pode chegar antes do esperado e encontrar você numa fase galinha, sem disposição para relacionamentos sérios. Ele passa batido e você nem aí. Ou pode chegar tarde demais e encontrar você desiludido da vida, desconfiado, cheio de olheiras. O amor dá meia-volta, volver. Por que o amor nunca chega na hora certa?
Agora, por exemplo, que você está de banho tomado e camisa jeans. Agora que você está empregado, lavou o carro e está com grana para um cinema. Agora que você pintou o apartamento, ganhou um porta-retrato e começou a gostar de jazz. Agora que você está com o coração às moscas e morrendo de frio.
O amor aparece quando menos se espera e de onde menos se imagina. Você passa uma festa inteira hipnotizado por alguém que nem lhe enxerga, e mal repara em outro alguém que só tem olhos pra você. Ou então fica arrasado porque não foi pra praia n
Uma mulher entre parênteses
Tinha algo a dizer, mas jamais aos gritos, jamais com ênfase, jamais invocando uma reação
Era como ela catalogava as pessoas: através dos sinais de pontuação. Irritava-se com as amigas que terminavam as frases com reticências… Eram mulheres que nunca definiam suas opiniões, que davam a entender que poderiam mudar de ideia dali a dois segundos e que abusavam da melancolia.
Por outro lado, tampouco se sentia à vontade com as mulheres em estado constante de exclamação. Extra, extra! Tudo nelas causava impacto! Consideravam-se mais importantes do que as outras! Ela, não. Ela era mais discreta. A mais discreta de todas.
Também não era do tipo mulher dois pontos: aquela que está sempre prestes a dizer uma verdade inquestionável, que merece destaque. Também não era daquelas perguntadeiras xaropes que não acreditam no que ouvem, não acreditam no que veem e estão sempre querendo conferir se os outros possuem as mesmas dúvidas: será, será, será? Ela possuía suas interrogações, claro, mas não as expunha.
Era uma mulher entre parênteses.
Fazia parte do universo, mas vivia isolada em seus próprios pensamentos e emoções.
Era como se ela fosse um sussurro, um segredo. Como uma amante que não pode ser exibida à luz do dia. Às vezes, sentia um certo incômodo com a situação, parecia que estava sendo discriminada, que não deveria interagir com o restante das pessoas por possuir algum vírus contagioso.
Outras vezes, avaliava sua situação com olhos mais românticos e concluía que tudo não passava de proteção. Ela era tão especial que seria uma temeridade misturar-se com mulheres óbvias e transparentes em excesso. A mulher entre parênteses tinha algo a dizer, mas jamais aos gritos, jamais com ênfase, jamais invocando uma reação. Ela havia sido adestrada para falar para dentro, apenas consigo mesma.
Tudo muito elegante.
Aos poucos, no entanto, ela passou a perceber que viver entre parênteses começava a sufocá-la. Ela mantinha suas verdades (e suas fantasias) numa redoma, e isso a livrava de uma existência vulgar, mas que graça tinha?
Resolveu um dia comentar sobre o assunto com o marido, que achou muito estranho ela reivindicar mais liberdade de expressão. Ora, manter-se entre parênteses era um charmoso confinamento. “Minha linda, você é uma mulher que guarda a sua alma.”
Um dia ela acordou e descobriu que não queria mais guardar a sua alma. Não queria mais ser um esclarecimento oculto. Ela queria fazer parte da confusão.
“Mas, minha linda…” E não quis mais, também, aquele homem entre aspas.
Toda emoção é inconstante, toda paixão é bipolar. Tudo é mistério, tudo é instável, e sorte de quem aprende a se equilibrar nessa gangorra.
Não importa se ele chega sempre atrasado e você é a rainha da pontualidade, desde que ambos tenham a mesma visão de mundo e os mesmos valores. Esse é o prato principal de todo relacionamento. O resto é tempero.
Quando fazemos uma escolha, qualquer escolha, estamos dizendo sim para um lado e dizendo não para o outro. Então, algum sofrimento sempre vai haver.
“Minha experiência e maturidade me assopram: fuja. Meu corpo não me ouve, fica”
Antigamente, quando ficava triste, eu queria que a alegria viesse em meu socorro em minutos, como se ela fosse a próxima estação do metrô. Não queria atravessar ruas desertas, pontes frágeis, transversais melancólicas, não queria percorrer um trajeto longo até conquistar um estado de espírito melhor. Queria transformação imediata: da estação Tristeza para a estação Hip-Hip-Hurra, sem escala e sem demora.
Eu era ingênua em acreditar que poderia governar meus sentimentos. Como se fosse possível passar por estações deprimentes sem as ver, deixá-las para sempre presas no underground e saltando nas estações que interessam: Euforia, Segurança, Indepêndencia. Os pontos turísticos mais procurados.
Viver é uma caminhada e tanto, não tem essa colher de chá de selecionar onde descer. É preciso passar por tudo: pelo desânimo, pela desesperança, pela sensação de fracasso e fraqueza, até que a gente consiga chegar a uma praça arborizada onde iniciam outras dezenas de ruas, outras tantas passagens, e a gente segue caminhando, segue caminhando.
Locomover-se desse jeito é cansativo e lento, mas sei que não existe outra maneira consciente de avançar. Metrôs oferecem idas e vindas às cegas. Mantém nossas evoluções escondidas no subterrâneo. A gente não consegue enxergar o que há entre um desgosto e um perdão, entre uma mágoa e uma gargalhada, entre o que a gente era e o que a gente virou.
Não tem sido fácil, mas sinto orgulho por ter aprendido a atravessar, em plena luz do dia, o que em mim é sombrio e intricado. Não me economizo mais. Me gasto.
Você é o que ninguém vê.
O que todos nós, no fundo, queremos saber: se somos amados.
A maioria das pessoas comunga da ideia do ”falem mal, mas falem de mim”. Sempre achei meio suspeita essa necessidade de ser notado a qualquer custo, de preferir ser esculhambado a ser ignorado.
Gaste seu amor. Usufrua-o até o fim
Mas é fato, ando com preguiça de interpretar o mundo, de entender as pessoas, de procurar os sete erros. Gostaria de ter todas as respostas na última pagina, de ter um manual de atitudes sensatas, de ter o pensamento voltado pra Meca. Queria que houvesse um serviço de telessoluções entregues a domicílio em menos de meia hora. Cansei de filme de guerra, holocausto, tortura, exorcismo, crise existencial, seqüestros, erro médico, suicídio, trapaça. Ando abençoando a alienação, eu que tinha uma dificuldade crônica em concordar com os outros, me quero de volta, eu pago resgate.
Decidi que não quero mais entender,
não quero mais encenar,
não quero mais que me expliquem essa bagunça,
já não preciso ser conduzida a nenhuma espécie de iluminação.
Atravessei paredes.
Estou do lado de fora.
” Você sabe que é amado porque lhe disseram isso, as três palavrinhas mágicas. Mas saber-se amado é uma coisa, sentir-se amado é outra, uma diferença de milhas, um espaço enorme para a angústia instalar-se.”
“Decidi que não quero mais entender,
não quero mais encenar,
não quero mais que me expliquem essa bagunça,
já não preciso ser conduzida a nenhuma espécie de iluminação.
Atravessei paredes.
Estou do lado de fora.”
in “Fora de mim
Tanta gente nasce e morre sem dialogar com a vida. Contam coisas, falam por falar, mas não conversam, não usam a palavra como elemento de troca.
Não sei se as pessoas choram de forma diferente umas das outras, eu choro contraída, como se alguém estivesse perfurando minha alma com uma lâmina enferrujada, choro como quem implora, pare, não posso mais suportar, mas o insuportável é uma medida que nunca tem limite (…) Enquanto choro penso que se alguém me visse chorar dessa maneira me salvaria, prestaria socorro, chamaria uma ambulância.
Uma pessoa é grande quando perdoa, quando compreende, quando se coloca no lugar do outro, quando age não de acordo com o que esperam dela, mas de acordo com o que espera de si mesma. Uma pessoa é pequena quando se deixa reger por comportamentos clichês.
Há o certo, o errado e aquilo que nos dá medo, que nos atrai, que nos sufoca, que nos entorpece.
Todo dia é uma ocasião especial. Guarde apenas o que tem que ser guardado: lembranças, sorrisos, poemas, cheiros, saudades, momentos.
Expectativas são sempre angustiantes, a realidade nunca corresponde à nossa fantasia.
Independência nada mais é do que ter poder de escolha. Conceder-se a liberdade de ir e vir, atendendo suas necessidades e vontades próprias, mas sem dispensar a magia de se viver um grande amor. Independência não é sinônimo de solidão. É sinônimo de honestidade: estou onde quero, com quem quero e porque quero.
O que acontece é que tem uma hora
em que ninguém mais aguenta ouvir
a gente entoar nossa sina, lamentar
nossa má sorte, procurar explicações
para o fim. É quando a gente se dá
conta de que já abusou da paciência
dos amigos, familiares, e cala.
Sofrimento cansa.
Não só cansa aquele que sofre,
mas também aqueles que o assistem.
Não sei se as pessoas choram de forma diferente umas das outras, eu choro contraída, como se alguém estivesse perfurando minha alma com uma lâmina enferrujada, choro como quem implora, pare, não posso mais suportar, mas o insuportável é uma medida que nunca tem limite.
Paixão é a força motora
que justifica nossa existência,
mas a perseguição desenfreada
por esse privilégio nos torna
dementes, viramos parasitas
de uma obsessão.
É a pior morte, a do amor. Porque a morte de uma pessoa é o fim estabilizado, é o retorno para o nada, uma definição que ninguém questiona. A morte de um amor, ao contrário, é viva. O rompimento mantém todos respirando: eu, você, a dor, a saudade, a mágoa, o desprezo – tudo segue. E ao mesmo tempo não existe mais o que existia antes.
Amor, saúde e dinheiro persistem
como a tríade dos sonhos,
mas o século 21 está colocando
na prateleira um kit suplementar:
independência, auto-estima e bom humor.
Adquira-o.
A felicidade não depende
só do cumprimento de metas vitais,
mas também de atitudes mundanas.
Não gosto de nada que é raso, de água pela canela. Ou eu mergulho até encontrar o reino submerso de Atlântida, ou fico à margem, espiando de fora.
“Livrar-se de uma lembrança é um processo lento, impossível de programar. Ninguém consegue tirar alguém da cabeça na hora que quer, e às vezes a única solução é inverter o jogo: em vez de tentar não pensar na pessoa, esgotar a dor. Permitir-se recordar, chorar, ter saudade. Um dia a ferida cicatriza e você, de tão acostumada com ela, acaba por esquecê-la. Com fórceps é que a criatura não sai.”
Disfarçamos nosso abandono com frases ousadas e sem verdade alguma. O que a gente gostaria de dizer, mesmo, é: me dê sua mão.
Podemos conviver com uma pessoa mesmo sabendo que ela não merece confiança. Fazemos essas escolhas por serem as mais sensatas ou práticas, mas nem sempre elas estão de acordo com os gritos de dentro, aquelas vozes que dizem: vá por este caminho, se preferir, mas você nasceu para o caminho oposto.
Norman Mailer certa vez escreveu: “As pessoas procuram o amor como solução para todos os seus problemas, quando na verdade o amor é a recompensa por você ter resolvido os seus problemas.” É isso aí. Primeiro aprenda a administrar seus conflitos e tristezas, aceite suas oscilações de humor, busque a serenidade, fortaleça sua auto-estima e ampare-se em si próprio, sem se valer de bengalas emocionais. Aí sim, feito o dever de casa, seu prêmio estará a caminho.
Mas o que vai te fazer falta mesmo, o que vai doer bem fundo, é a saudade dos momentos simples: da sua mãe te chamando pra acordar, do seu pai te levando pela mão, dos desenhos animados com seu irmão, do caminho pra casa com os amigos e a diversão natural, do cheiro que você sentia naquele abraço, da hora certinha em que ele sempre aparecia pra te ver, e como ele te olhava com aquela cara de coitado pra te derreter…
“A gente é a soma das nossas decisões, todo mundo sabe. Tem gente que é infeliz porque tem um câncer. E outros são infelizes porque cultivam uma preguiça existencial. Os que têm câncer não têm sorte. Mas os outros, sim, têm a sorte de optar. E estes só continuam infelizes se assim escolherem.”
Tudo o que nos invadiu com intensidade, tudo o que foi realmente verdadeiro e vivenciado profundamente, não passa. Fica. Acomoda-se dentro da gente, e de vez em quando cutuca, se mexe, nos faz lembrar da sua existência.
Deus aparece quando choro. Quando a fragilidade é tanta que parece que não vou conseguir me reerguer.
Mãe,
Quando me deparava com esses questionários de revista em que perguntavam qual a palavra mais bonita da Língua Portuguesa eu sempre respondia em silêncio que a palavra era mãe, só podia ser mãe, e hoje eu continuo apostando que é esta a palavra mais bonita.
Li em algum lugar que há uma regra de decoração que merece ser obedecida: para onde quer que se olhe, deve haver algo que nos faça feliz.
A sua felicidade não é a minha, e a minha não é a de ninguém. Não se sabe nunca o que emociona intimamente uma pessoa, a que ela recorre para conquistar serenidade, em quais pensamentos se ampara quando quer descansar do mundo, o quanto de energia coloca no que faz, e no que ela é capaz de desfazer para manter-se sã. Toda felicidade é construída por emoções secretas. Podem até comentar sobre nós, mas nos capturar, só se permitirmos.
Se não quiser participar, tudo bem fique na sua: na sua casa, no seu canto, na sua respeitável solidão. Melhor uma ausência honesta do que uma presença desaforada.
Feliz porque daqui a pouco será hora de dormir e não há lugar no mundo mais acolhedor do que sua cama.
“Porque falar a gente fala sobre tudo e sobre todos, o que mais temos é opinião. Mas autoconhecimento, mesmo, a gente ganha é através do enfrentamento, e não com especulações.”
Então pare de reclamar, pare de buscar o impossível, pare de exigir perfeição de si mesmo, pare de querer encontrar lógica pra tudo, pare de contabilizar prós e contras, pare de julgar os outros, pare de tentar manter sua vida sob rígido controle. Simplesmente, divirta-se.
Tive um vizinho que gritava com a namorada ao telefone, sem se importar que o prédio inteiro ouvisse: “Não sei o que fazer! Fico mal contigo e fico mal sentigo!”. Sempre achei essa situação desoladora, e nem estou falando do português do sujeito. É duro ter apenas duas alternativas (ficar ou ir embora) e ambas serem terríveis.
“Não tenho nada a ver com o que é dos outros, seja roupa, gostos, opiniões. Não me escalo para histórias que não são minhas, não me envolvo com o que não me envolve, não tomo emprestado nem me empresto. Se é caso sério eu me dôo, se é bobagem eu me abstenho.”
“Trata-se do namoro, alguns já ouviram falar. É quando cada um mora na sua casa e tem rotinas distintas e poucos horários para se encontrar, e esse pouco ganha a importância de uma celebração.”
Não chego a temer loucura, no fundo a gente sabe que ninguém é muito certo. Eu tenho medo é da lucidez. Tenho medo dessa busca desenfreada pela verdade, pelas respostas. (…) Quando eu estou me acostumando com uma versão de mim mesma, surge outra, cheia de enigmas, e vou atrás dela. Tem gente que elege uma única versão de si próprio e não olha mais para dentro. (…) Eu, ao contrário, quase não olho para fora.
Foi-se o tempo em que a disputa se resumia ao clássico Ser x Ter. Dizem que ninguém mais dá a mínima para o que é, só para o que tem. Exagero. As pessoas ainda se preocupam com o que são. O problema é que não gostam do que são. Gostariam de ser outra coisa. E aí entra o verbo que está no topo das paradas hoje em dia: parecer.
Te amo e quero te matar. Queria que você evaporasse. Onde é que eu te incinero, te escondo, te enterro? Me conta onde fica esse esconderijo secreto, o mesmo onde você sumiu com todos os “Eu te amo” que me disse.
Você me laçou, me prendeu, fui com você arrastada pelo seu ímpeto, pela surpresa em me ver de um dia para o outro sua, você que era apenas uma fantasia, um fetiche, era pra ser apenas um “se” na minha vida, se ele existisse, se me desejasse, se surgisse, e você surgiu e instalou o céu e o inferno no mesmo playground.
De fato, Deus não está em promoção, se exibindo por aí. Ele escolhe, dentro do mais rigoroso critério, os momentos de aparecer pra gente. Não sendo visível aos olhos, ele dá preferência à sensibilidade como via de acesso a nós. (…)
Deus me aparece nos livros, em parágrafos que não acredito que possam ter sido escritos por um ser mundano: foram escritos por um ser mais que humano. (…)
Deus aparece quando choro. Quando a fragilidade é tanta que parece que não vou conseguir me reerguer.
Olho para trás e vejo aquela menina que queria entender tudo, com medo de que não coubesse tamanha quantidade de informação dentro de si. Coube e ainda cabe. E quanto mais entra, mais sobra espaço para a dúvida. Compreendo hoje que nunca entenderei a morte, os sonhos, a sensação de dejá-vu e as premonições. Nunca entenderei por que temos empatia com uma pessoa e nenhuma com outra. Não entendo como o mar não cansa, nem o sol. Não compreendo a maldade, ainda que a bondade excessiva também me bote medo.
Tudo o que nos fez feliz ou infeliz serve para montar o quebra-cabeça da nossa vida, um quebra-cabeça de cem mil peças. (…) Não há nenhuma peça que não se encaixe. Todas são aproveitáveis. Como são muitas, você pode esquecer de algumas, e a isso chamamos de “passou”. Não passou. Está lá dentro, meio perdida, mas quando você menos esperar, ela será necessária para você completar o jogo e se enxergar por inteiro.
Nada de bom está acontecendo, mas também nada de ruim. Um novo amor? Nem pensar. Medo, respondemos.
Meu egoísmo é revelar só um pedaço do que sou, só a parte boa, a mocinha da história. Tenho, dentro de mim, um elenco de coadjuvantes que não deixo que brilhem, que não dão autógrafos nem saem nas capas de revista. Egoísta. Poupando o mundo do meu lado sórdido, que costuma ser o mais interessante.
E você surdo, mudo, cego e burro, desperdiçando o que eu tenho de mais sagrado, de mais inteiro e mais honesto.
Você estava apaixonado por alguém e levou um fora. Acontece mais do que acidente de avião, desastre com romeiros e incêndio na floresta. Corações partidos é o grande drama nacional. O que fazer? Ainda não lançaram um manual de auto-ajuda que consiga eliminar nossa fossa, e dos amigos só podemos esperar uma frase, repetida à exaustão: tire esse cara da cabeça. Parece fácil. Mas alguém aí me diga: como é que se tira alguém de um lugar tão cheio de mistérios?
Vai ou fica? Arrisca ou espera? Aceita ou recusa? Que o destino, de vez em quando, decida por nós. A gente merece uma trégua.
Uma decepção pode diminuir o tamanho de um amor que parecia ser grande. Uma ausência pode aumentar o tamanho de um amor que parecia ser ínfimo. É difícil conviver com esta elasticidade: as pessoas se agigantam e se encolhem aos nossos olhos. Nosso julgamento é feito não através de centímetros e metros, mas de ações e reações, de expectativas e frustrações.
Quero fazer uma homenagem aos excluídos emocionais, os que vivem sem alguém para telefonar no final do dia, os que vivem sem alguém com quem enroscar os pés embaixo do cobertor. São igualmente famintos, carentes de um toque no cabelo, de um olhar admirado, de um beijo longo, sem pressa pra acabar. A maioria deles são solteiros, os sem-namorado. Os que não têm com quem dividir a conta, não têm com quem dividir os problemas, com quem viajar no final de semana. É impossível ser feliz sozinho? Não, é muito possível, se isso é um desejo genuíno, uma vontade real, uma escolha. Mas se é uma fatalidade ao avesso – o amor esqueceu de acontecer – aí não tem jeito: faz falta um ombro, faz falta um corpo.
Não há nenhuma peça que não se encaixe. Todas são aproveitáveis.Como são muitas, você pode esquecer de algumas, e a isso chamamos de “passou.
Quero fazer uma homenagem aos excluídos emocionais, os que vivem sem alguém para telefonar no final do dia, os que vivem sem alguém com quem enroscar os pés embaixo do cobertor. São igualmente famintos, carentes de um toque no cabelo, de um olhar admirado, de um beijo longo, sem pressa pra acabar. A maioria deles são solteiros, os sem-namorado. Os que não têm com quem dividir a conta, não têm com quem dividir os problemas, com quem viajar no final de semana. É impossível ser feliz sozinho? Não, é muito possível, se isso é um desejo genuíno, uma vontade real, uma escolha. Mas se é uma fatalidade ao avesso – o amor esqueceu de acontecer – aí não tem jeito: faz falta um ombro, faz falta um corpo
Melhor do que ter um futuro próspero é esfregá-lo na cara de quem duvidou dele.
Aquele que cativas
Me concedo o direito de não me sentir responsável por aquele que cativo. Me sinto grata, mas responsável é demais
Devia ter uns 14 anos. Estava na sala de aula, olhar compenetrado no quadro-negro, quando de mão em mão chegou até mim um bilhete de uma colega que costumava ser esnobada pela turma e com quem conversara algumas poucas vezes na hora do recreio. Ela me convidava para ir a sua casa à tarde. E concluía com uma sentença: És eternamente responsável por aquele que cativas.
Eu não tinha a menor intimidade com aquela colega e não estava a fim de ir a sua casa. Mas ela havia recorrido a Saint Exupéry. Me impressionou.
Fui à casa dela, conversamos, emprestei uns cadernos, mas nunca ficamos íntimas e nunca mais ouvi falar da garota. Hoje deve ser uma ótima advogada, já que desde menina conhecia as manhas para se convencer alguém.
O que ficou daquela tarde foi o argumento. “És responsável por aquele que cativas.” Acabei rezando por essa cartilha por um longo tempo. Bastava a pessoa simpatizar comigo e eu me sentia na obrigação de ser atenciosa a ponto de fazer coisas que não queria. Até que um dia dei um basta nesse trelelé.
Com todo o respeito ao autor de O Pequeno Príncipe, a terceira obra mais publicada e traduzida no mundo, presença constante nas listas dos mais vendidos mesmo 68 anos depois de ter sido lançado, me concedo o direito de não me sentir responsável por aquele que cativo. Me sinto grata e envaidecida, mas responsável é um tantinho demais.
A frase, que não deixa de ser um bonito verso, ganhou ares de reprimenda e punição. Cuidado: se alguém gostar muito de você, se passar a depender de você, danou-se, será obrigatório adotá-lo. O que era pra ser espontâneo virou um dever.
Reconheço as melhores intenções do livro, que é belo e merece continuar sendo lido por muitas gerações. Mas a frase, quando usada como ameaça, cria um mal-estar entre cativantes e cativados. Será mesmo que você é responsável por quem se encantou por você?
Sei que há pessoas de má-fé que seduzem os outros por diversão e depois desaparecem, deixando o seduzido chorando abraçado às suas ilusões. Maldade. Não se deve brincar com os sentimentos de ninguém, aprendemos isso antes mesmo de aprender a ler. Mas nos casos em que a sedução se deu de forma não proposital, ninguém deve sentir-se amarrado.
E mesmo quando houve sedução intencional e essa foi retribuída, virando um relacionamento, quem desama primeiro não precisa se sentir culpado se resolver ir embora. Que seja educado, gentil, amável com aquele que tanto o preza ainda, mas está liberado para tocar sua vida de outra forma e à distância. Quem fica deve aprender a fazer o mesmo. Não é fácil ser rejeitado, mas transferir a responsabilidade do seu bem-estar para outra pessoa tampouco é uma atitude cativante.
Nada pessoal, pequeno príncipe. Apenas um contra-argumento.
Todo mundo quer ser legal, e todo mundo se ferra na empreitada. É difícil ser legal o tempo inteiro. A gente consegue ser legal a maior parte do tempo, mas aí faz uma besteira e pronto: tudo o que você fez de bom é imediatamente esquecido e você se torna apenas aquele que fez a grande besteira. Aí você precisa de mais uns dois meses sendo exclusivamente legal para todo mundo esquecer da besteira. E quando eles esquecem, você faz outra, claro.
“A Gente se apaixona pelo jeito da pessoa. Não é porque ele cita Camões, não é porque ela tem olhos azuis. É o jeito dele de dizer versos em voz alta como se ele mesmo os tivesse escrito pra nós; é o jeito dela de piscar demorado seus lindos olhos, como se estivesse em câmera lenta. O jeito de caminhar. O jeito de usar a camisa pra fora das calças. O jeito de passar a mão no cabelo. O jeito de suspirar no final das frases. O jeito de beijar. O jeito de sorrir. Vá tentar explicar isso!”
Sei direitinho o que faz bem e o que faz mal pra minha saúde.
Prazer faz muito bem.
Dormir me deixa 0 km.
Ler um bom livro faz-me sentir novo em folha.
Viajar me deixa tenso antes de embarcar, mas depois rejuvenesço uns cinco anos.
Viagens aéreas não me incham as pernas; incham-me o cérebro, volto cheio de idéias.
Brigar me provoca arritmia cardíaca.
Ver pessoas tendo acessos de estupidez me embrulha o estômago.
Testemunhar gente jogando lata de cerveja pela janela do carro me faz perder toda a fé no ser humano.
Caminhar faz bem, dançar faz bem, ficar em silêncio quando uma discussão está pegando fogo, faz muito bem! Você exercita o autocontrole e ainda acorda no outro dia sem se sentir arrependido de nada.
Acordar de manhã arrependido do que disse ou do que fez ontem à noite é prejudicial à saúde!
E passar o resto do dia sem coragem para pedir desculpas, pior ainda!
Não pedir perdão pelas nossas mancadas dá câncer, não há tomate ou mussarela que previna.
Ir ao cinema, conseguir um lugar central nas fileiras do fundo, não ter ninguém atrapalhando sua visão, nenhum celular tocando e o filme ser espetacular, uau!
Cinema é melhor pra saúde do que pipoca!
Conversa é melhor do que piada.
Exercício é melhor do que cirurgia.
Humor é melhor do que rancor.
Amigos são melhores do que gente influente.
Economia é melhor do que dívida.
Pergunta é melhor do que dúvida.
Sonhar é melhor do que nada!
Toda e qualquer mudança é um avanço, um passo à frente, uma ousadia que nos concedemos, nós que tememos tanto o desconhecido.
Leve com você apenas o que combina e cabe na sua nova etapa de vida. O que sobrar, venda, ou melhor ainda: doe.
Temos amores necessários e amores contingentes ao longo da vida.
É entender que com possessão não se chegará muito longe. É amar o outro nas suas fragilidades e incertezas. É aceitar que uma união é para trazer alegria e cumplicidade, e não sufocamento e repressão (…)
Enquanto não renovarmos nossa idéia de romantismo, continuaremos a bagunçar aquilo que foi feito apenas para dar prazer: duas pessoas vivendo juntas.
Dentro de um abraço voz nenhuma se faz necessária, está tudo dito.
Lembre-se do que sua bisavó dizia:
regue as plantas, regue suas relações,
regue seu futuro, porque sem cuidar, nada floresce.
Todo pedido é uma transferência de poder. Você quer que alguém, ou algo, uma entidade cósmica qualquer, tome conta dos seus dias. Não fique devendo esse favor para os céus. Cancele a encomenda e meta você mesmo a mão na massa. Seja mais legal com seus irmãos, tome banho de chuva, dê um beijo surpresa em quem você ama, cuide dos seus dentes, aproveite sua juventude, viaje de trem, ande de bicicleta, responda os e-mails recebidos e passe horas dentro do mar. Trate de fazer as pazes com o espelho, de se espreguiçar, de dizer bom-dia pro porteiro e de dançar sozinho no meio da sala. Comece a correr atrás dos seus sonhos, a valorizar as coisas simples e a zelar pelo o que só você tem: sua vida.”
Queixas e lamentações provocam cegueira.
Abram os olhos: nosso prazo de validade foi
prorrogado. A desesperança ainda pode ser
substituída por projetos e realizações.
Quem tem 30 está dando os primeiros passos.
Quem tem 20, engatinha. E quem tem menos,
vai cruzar a reta dos 100 dando cambalhota.
Vive mais quem não perde tempo.
Não havia um único dia em que eu não escutasse de você o quando me amava, dizia no meu ouvido ou através de bilhetes, te amo, te amo, como é que você fez para incinerar todo esse amor em tão pouco tempo, onde o escondeu, em algum guarda-volume de rodoviária, enterrou em algum matagal, como é que seu amor foi desaparecer sem deixar pista, rastro, feito um crime perfeito?
Se você decide não voar por qualquer coisa que você supõe que te prenda, lembre-se, isto também é escolha sua.
Pode invadir ou chegar com delicadeza, mas não tão devagar que me faça dormir. Não grite comigo, tenho o péssimo hábito de revidar. […] Toque muito em mim, principalmente nos cabelos e minta sobre minha nocauteante beleza. Tenho vida própria, me faça sentir saudades, conte algumas coisas que me façam rir. […] Me rapte! Se nada disso funcionar, experimente me amar.
“Paixão termina, amor não. Amor é aquilo que a gente deixa ocupar todos os nossos espaços, enquanto for bem-vindo, e que transferimos para o quartinho dos fundos quando não funciona mais, mas que nunca expulsamos definitivamente de casa.”
Por um lado, não me sinto como as outras pessoas e, por outro, sou exatamente como elas.”
Tudo o que nos acontece é responsabilidade nossa, tanto a parte boa quanto a parte ruim da nossa história, salvo fatalidades do destino e abandonos sociais. E, mesmo entre os menos afortunados, há os que viram o jogo, ao contrário daqueles que apenas viram uns chatos. Portanto, fazer nossa parte é o mínimo que se espera.
Se me perguntarem qual o sentimento que considero mais bonito ou mais importante, vou abrir um sorriso e dizer: O correspondido!
Perdoem esse nosso desvio cultural, rapazes. Nenhuma mulher se sente amada o suficiente.
Explosões
“Não tenho nada a ver com explosões”, diz um verso de Sylvia Plath. Eu li como se tivesse sido escrito por mim. Também não faço muito barulho, ainda que seja no silêncio que nos arrebentamos.
Tampouco tenho a ver com o espaço sideral, com galáxias ou mesmo com estrelas. Preciso estar firmemente pousada sobre algo — ou alguém. Abraços me seguram. E eu me agarro. Tenho medo da falta de gravidade: solta demais me perco, não vôo senão em sonhos.
Não tenho nada a ver com o mato, com o meio da selva, com raízes que brotam do chão e me fazem tropeçar, cair com o rosto sobre folhas e gravetos feito uma fugitiva dos contos de fada, a saia rasgando pelo caminho, a sensação de ser perseguida. Não tenho nada a ver com cipós, troncos, ruídos que não sei de onde vêm e o que me dizem. Não me sinto à vontade onde o sol tem dificuldade de entrar. Prefiro praia, campo aberto, horizonte, espaço pra correr em linha reta. Ou para permanecer sem susto.
Não tenho nada a ver com boate, com o som alto impedindo a voz, com a sensualidade comprada em shopping, com o ajuntamento que é pura distância, as horas mortas desgastando o rosto, a falsa alegria dos ausentes de si mesmos.
Não tenho nada a ver com o que é dos outros, sejam roupas, gostos, opiniões ou irmãos, não me escalo para histórias que não são minhas, não me envolvo com o que não me envolve, não tomo emprestado nem me empresto. Se é caso sério eu me dôo, se é bobagem eu me abstenho, tenho vida própria e suficiente pra lidar, sobra pouco de mim para intromissões no que me é ainda mais estranho do que eu mesma.
Não tenho nada a ver com cenas de comerciais de TV, sou um filme sueco, uma comédia britânica, um erro de adaptação, um personagem que esquece a fala, nada possuo de floral ou carnaval, não aprendi a ser festiva, sou apenas fácil.
Não tenho nada a ver com igrejas, rezas e penitências, são raros os padres com firmeza no tom, é sempre uma fragilidade oral, um pedido de desculpas em nome de todos, frases que só parecem ter vogais, nosso sentimento de culpa recolhido como um dízimo. Nada tenho a ver com não gostar de mim. Me aceito impura, me gosto com pecados, e há muito me perdoei.
Não tenho nada a ver com galáxia, mato, boate, a vida dos outros, os comerciais de TV e igrejas. Meu mundo se resume a palavras que me perfuram, a canções que me comovem, a paixões que já nem lembro, a perguntas sem respostas, a respostas que não me servem, à constante perseguição do que ainda não sei. Meu mundo se resume ao encontro do que é terra e fogo dentro de mim, onde não me enxergo, mas me sinto.
Minto, tenho tudo a ver com explosões.
“…As lágrimas à toa é que evito, porque sei que nada é à toa, me custaria muito justificar a mim mesmo o surgimento dela…”
(trecho de divã)
É fácil dizer que ama alguém quando tudo está bem, quando o máximo que você tem que oferecer, para que tudo continue normal é atenção. Mas a verdadeira prova de amor não está em um “eu te amo”… Não está em um abraço,e nem em um beijo… A verdadeira prova de amor está quando continuamos ao lado da pessoa amada, quando tudo está mal, quando tudo desaba, quando o assunto acaba, quando fica difícil tirar um sorriso. A verdadeira prova de amor está quando, mesmo depois de tantas pedras, duas pessoas conseguem dar as mãos e dizer, obrigado por estar ao meu lado, quando na verdade nem eu me suportaria.
A mulher interessante não é propriamente bonita, mas tem personalidade, tem postura, tem um enigma no fundo dos olhos e uma malícia que inquieta a todos quando sorri. As pessoas se questionam: o que é que essa mulher tem?! Ela tem algo! Pronome indefinido: algo. Ficar bonitinha, muitas conseguem, mas ter algo é para poucas.
E o que é que ela vê nele? Nossos amigos se interrogam sobre nossas escolhas, e nós fazemos o mesmo em relação às escolhas deles. O que é, caramba, que aquele Fulano tem de especial? E qual será o encanto secreto da Beltrana?
Vou contar o que ela vê nele: ela vê tudo o que não conseguiu ver no próprio pai, ela vê uma serenidade rara e isso é mais importante do que o Porsche que ele não tem, ela vê que ele se emociona com pequenos gestos e se revolta com injustiças, ela vê uma pinta no ombro esquerdo que estranhamente ninguém repara, ela vê que ele faz tudo para que ela fique contente, ela vê que os olhos dele franzem na hora de ler um livro e mesmo assim o teimoso não procura um oftalmologista, ela vê que ele erra, mas quando acerta, acerta em cheio, que ele parece um lorde numa mesa de restaurante mas é desajeitado pra se vestir, ela vê que ele não dá a mínima para comportamentos padrões, ela vê que ele é um sonhador incorrigível, ela o vê chorando, ela o vê nu, ela o vê no que ele tem de invisível para todos os outros.
Lembranças Mal Lembradas
A maioria dos nossos tormentos não vem de fora, está alojada na nossa mente, cravada na nossa memória. Nossa sanidade (ou insanidade) se deve basicamente à maneira como nossas lembranças são assimiladas. “As pessoas procuram tratamento psicanalítico porque o modo como estão lembrando não as libera para esquecer”. Frase do psicanalista Adam Phillips, publicada no livro “O flerte”. Como é que não pensamos nisso antes? O que nos impede de ir em frente é uma lembrança mal lembrada que nos acorrenta no passado, estanca o tempo, não permite avanço. A gente implora a Deus para que nos ajude a esquecer um amor, uma experiência ruim, uma frase que nos feriu, quando na verdade não é esquecer que precisamos: é lembrar corretamente. Aí, sim: lembrando como se deve, a ânsia por esquecimento poderá até ser dispensada, não precisaremos esquecer de mais nada. E, não precisando, vai ver até esqueceremos. Ah, se tudo fosse assim tão simples. De qualquer maneira, já é um alento entender as razões que nos deixam tão obcecados, tristes, inquietos. São as tais lembranças mal lembradas. Você fez 5 anos, sonhava ganhar a primeira bicicleta, seu pai foi viajar e esqueceu. Uma amiga íntima, que conhecia todos os seus segredos, roubou seu namorado. Sua mãe é fria, distante, e percebe-se que ela prefere disparadamente sua irmã mais nova. E aquele amor? Quanta mágoa, quanta decepção, quanto tempo investido à toa, e você não esquece – passaram-se anos e você, droga, não esquece. Essas situações viram lembranças, e essas lembranças vão se infiltrando e ganhando forma, força e tamanho, e daqui a pouco nem sabemos mais se elas seguem condizentes com o fato ocorrido ou se evoluíram para algo completamente alheio à realidade. Nossa percepção nunca é 100% confiável. O menino de 5 anos superdimensionou uma ausência que foi emergencial, não proposital. Você nem gostava tanto assim daquele namorado que sua amiga surrupiou (aliás, eles estão casados até hoje, não foi um capricho dela). Sua mãe tratava as filhas de modo diferenciado porque cada filho é de um modo, cada um exige uma demanda de carinho e atenção diferente, o dia que você tiver filhos vai entender que isso não é desamor. E aquele cara perturba seu sono até hoje porque você segue idealizando o sujeito, recusa-se a acreditar que o amor vem e passa. Tudo parecia tão perfeito, ele era o tal príncipe do cavalo branco sem tirar nem pôr. Ajuste o foco: o coitado foi apenas o ser humano que cruzou sua vida quando você estava num momento de carência extrema. Libere-o desta fatura. São exemplos simplistas e inventados, não sou do ramo. Mas Adam Philips é, e me parece que ele tem razão. Nossas lembranças do passado precisam de eixo, correção de rota, dimensão exata, avaliação fria – pena que nada disso seja fácil. Costumamos lembrar com fúria, saudade, vergonha, lembramos com gosto pelo épico e pelo exagero. Sorte de quem lembra direito.
Frente a um filho, somos santos
Frente a um soco, somos fracos
Frente a um rosto, somos meigos
Frente a um doce, somos magros
Frente a um bicho, somos gente
Frente a um cego, somos raros
Frente a um dote, somos pobres
Frente a um pobre, somos caros.
O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.
E então? Somando os prós e os contras, as boas e as más opções, onde, afinal, é o melhor lugar do mundo?
Meu palpite: dentro de um abraço.
Tenho que faxinar você da minha vida, não posso permitir o atrevimento de você estar aqui sem estar aqui.
De todos os versos de amor
as rimas e frases reinventadas
as jogadas de efeito
os subterfúgios e os hai-kais
anotações de diário
de todos os nomes que dei
para crises de adolescência
e carências plagiadas
de todo o minimalismo
clichês e letras de música
de toda minha literatura
você ainda é a melhor página.
Fica combinado assim: você louco por mim, eu louca até o fim.
“Às vezes ficamos mais presas a um amor quando ele termina do que quando nos mantemos na relação”.
Amadurecer talvez seja descobrir que sofrer algumas perdas é inevitável, mas que não precisamos nos agarrar à dor para justificar nossa existência.
Dentro da igreja, ajoelhe-se. No estádio de futebol, grite pelo seu time. Numa festa, comemore. Durante um beijo, apaixone-se. De frente para o mar, dispa-se. Reencontrou um amigo, escute-o.
Ou faça de outro jeito, se preferir: dentro da igreja, escute-O. Durante um beijo, dispa-se. No estádio de futebol, apaixone-se. De frente para o mar, ajoelhe-se. Numa festa, grite pelo seu time. Reencontrou um amigo, comemore.
Esteja, entregue-se.
Se não quiser participar, tudo bem, então fique na sua: na sua casa, no seu canto, na sua respeitável solidão. Melhor uma ausência honesta do que uma presença desaforada.
Onde é que se encontra o sublime? Perto. Ao regar as plantas no jardim. Ao escolher os objetos da casa conforme a lembrança de um momento especial que cada um deles traz consigo. Lendo um livro. Dando uma caminhada junto ao mar, numa praça, num campo aberto, onde houver natureza. Selecionando uma foto para colocar no porta-retrato. Escolhendo um vestido para sair e almoçar com uma amiga. Acendendo uma vela ou um incenso. Saboreando um beijo. Encantando-se com o que é belo. Reverenciando o sol da manhã depois de uma noite de chuva. Aceitando que a valorização do banal é a única atitude que nos salva da frustração. Quando já não sentimos prazer com certas trivialidades, quando passamos a ter gente demais fazendo as tarefas cotidianas por nós, quando trocamos o “ser feliz” pelo “parecer feliz”, nossas necessidades tornam-se absurdas e nada que viermos a conquistar vai ser suficiente, pois teremos perdido a noção do que a palavra suficiente significa.”
“O mundo se encarregará de trocar as peças de lugar nesse imenso tabuleiro chamado dia-a-dia.”
“Seja qual for o caminho que optarmos seguir, haverá altos e baixos. E isso é tudo. Se fizermos uma auditoria em nossas vidas, em algum momento questionaremos: “e se eu tivesse feito diferente?”. O diferente teria sido melhor e teria sido pior. Então o jeito é curtir nossas escolhas e abandoná-las quando for preciso, mexer e remexer na nossa trajetória, alegrar-se e sofrer, acreditar e descrer, que lá adiante tudo se justificará, tudo dará certo. Algumas vidas até podem ser tristes, outras são desperdiçadas, mas , num sentido mais absoluto, não existe vida errada.”
“Alguns desacertos pelo caminho fazem a gente perder três anos da nossa juventude, fazem a gente perder uma oportunidade profissional, fazem a gente perder um amor, fazem a gente perder uma chance de evoluir. Por desorientação, vamos parar no lado oposto de onde nos guardava uma área de conforto, onde encontraríamos pessoas afetivas e uma felicidade não de cinema, mas real. Por sair em desatino sem a humildade de pedir informações a quem conhece bem o trajeto ou de consultar um mapa, gastamos sola de sapato à toa e um tempo que ninguém tem pra esbanjar.”
“Não existe GPS que assegure que estamos no caminho certo. Só nos resta prestar atenção.”
O mundo já caiu, só nos resta dançar sobre os destroços. Nosso maior inimigo é a falta de humor.
Isso me apavora, o “nunca mais” que me persegue desde o momento em que acordo e que me dá medo e que me faz voltar a ser criança, medo de nunca mais viver o que vivi, sentir o que senti.
Sumi porque só faço besteira em sua presença, fico mudo quando deveria verbalizar, digo um absurdo atrás do outro quando melhor seria silenciar, faço brincadeiras de mau gosto e sofro antes, durante e depois de te encontrar.
“Dizem que as pessoas verdadeiramente ricas são aquelas que nada desejam. Então eu era a nova milionária da cidade.”
Incerta é a vida e tudo o que ela comporta.
Quem está livre de cruzar com um cafajeste e, pior, se apaixonar por ele?
O nosso desejo mais secreto quase sempre é secreto até para nós mesmos.
O amor verdadeiro tem destas coisas: não se explica, não se controla, não se racionaliza, simplesmente toma conta. É uma droga, um vício, uma viagem entre o céu e o inferno, ida e volta, sem parar.
Qual é o problema de se aventurar? Mesmo os ponderados – dos quais sou representante de turma – reconhecem que chega uma hora em que o convite para arriscar merece ser atendido. O pior que pode acontecer é tudo dar errado. Pior em termos. Dar errado não é tão ruim diante alternativa de nunca ter tentado.
A despedida
Mas a saudade mais dolorida, é a saudade de quem se ama. Saudade da voz, das conversas, do jeito. Saudade da presença, e até da ausência consentida.
Parece absurdo que alguém possa sofrer num dia de céu azul, na beira do mar, numa festa, num bar. Parece exagero dizer que alguém que leve uma pancada na cabeça sofrerá menos do que alguém que for demitido. Onde está o hematoma causado pelo desemprego, onde está a cicatriz da fome, onde está o gesso imobilizando a dor de um preconceito? Custamos a respeitar as dores invisíveis, para as quais não existem prontos-socorros. Não adianta assoprar que não passa.
Felicidade é serenidade. Não tem nada a ver com piscinas, carros e muito menos com príncipes encantados. O amor é o prêmio para quem relaxa.
Toda mulher tem seu dia de confessionário e sempre escolhe a amiga errada para fazer o papel de padre.
Muita gente se preocupa em ser magro, mas não se preocupa em ser leve.
Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se torturam por terem sido contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos. Apenas fazem o melhor que podem. Se é para ser mestre em alguma coisa, então que sejamos mestres em nos libertar da patrulha do pensamento. De querer se adequar à sociedade e ao mesmo tempo ser livre. Adequação e liberdade simultaneamente? É uma senhora ambição. Demanda a energia de uma usina. Para que se consumir tanto? A vida não é um questionário de Proust. Você não precisa ter que responder ao mundo quais são suas qualidades, sua cor preferida, seu prato favorito, que bicho seria. Que mania de se autoconhecer. Chega de se autoconhecer. Você é o que é, um imperfeito bem-intencionado e que muda de opinião sem a menor culpa. Ser feliz por nada talvez seja isso.
Cada vez que nos apaixonamos, estamos tendo uma nova chance de acertar.
Sinto falta mesmo é de não sentir nada. Eu não sentia nada. Era tão bom.
Eu choro contraída, como se alguém estivesse perfurando minha alma com uma lâmina enferrujada, choro como quem implora, pare, não posso mais suportar.
Um choro de quem pede clemência, de quem está sendo confrontado com a morte
Eu só estou perdida e não consigo mandar nenhum S.O.S., ninguém sabe onde estou, largaram meu corpo em cima dessa cama e ninguém me procura.
Mas vou sair dessa, veja, já estou enxugando as lágrimas, mas procurando meu celular para fazer uma ligação qualquer, esses compromissos que a gente inventa para fingir que a vida continua.
Eu penso que vou ficar louca. Como se já não estivesse.
Eu esqueço por onde estou indo, eu vejo você caminhando pelas calçadas e não é você, de repente todos os homens do mundo ficaram idênticos a você.
Talvez já esteja mais do que acidentada para ainda ter que enfrentar essa dor na carne, de verdade, sem ser apenas uma metáfora.
Pego um livro de psicologia, sei que há muitos trechos ali sublinhados, frases que destaquei alguns anos atrás, tento resgatá-las para saber se ainda fazem sentido, se conversam comigo, mas elas não me dizem mais nada, preciso ler outros livros, buscar consolo em ideias recém-escritas, talvez eu encontre algo que me faça rir, que consiga distrair meus pensamentos sem muito esforço.
Mas não estou triste, e tampouco alegre, não estou sentindo nada, pode jogar água fervida no meu peito, eu não vou gritar, eu não vou levantar, eu não estou aqui, ninguém está me vendo, eu não estou me vendo.
A tevê pode estar sintonizada em qualquer canal, nenhum deles me fixa a atenção, não lembro se estou de calcinha, se troquei de calcinha, não me depilo há alguns dias, não preciso de pernas sedosas, não preciso de lingerie, eu só preciso respirar-inspira, expira-, isso ainda consigo fazer porque é inconsciente, hábito, costume, tudo o mais que me exige reflexões eu dispenso.
Já passou, querida, já passou. Meu problema é o que ficou.
E tive quase certeza de que Deus não existe mesmo, pois Ele, em sua infinita bondade, não faria isso comigo.
Você, só podia ser você, que se me visse agora consideraria um exagero esse meu desalinho emocional, que diria que estou dramatizando, você que nunca passou por nada igual, mas talvez passe, tomara que passe, para poder me entender.
E fui dormir certa de que o pior havia passado, até que hoje acordei ás cinco da manhã e senti a mesma vontade de morrer.
Eu costumava ser uma alegria ambulante. Agora a festa terminou, os copos estão espalhados pelo chão, os pratos sujos, silêncio absoluto, ficou um vazio devorador de uma solidão impossível de ser contada.
Mas, por ora, não existe futuro, não existe passado, não existe o tempo, eu olho a chuva pela janela e ela existe lá fora, eu não existo aqui dentro.
O desespero acalmou, virou uma tristeza amistosa que me impede de reagir, me impede de fazer planos, me impede até de sofrer – ela simplesmente me entorpece, imobiliza, é uma espécie de anestesia.
Continuo sentindo tudo o que sentia, mas já sem procurar lógica para esse sentimento atrofiante. Sigo triste, mas menos catastrófica.
Porque a morte de uma pessoa é o fim estabilizado, é o retorno para o nada, uma definição que ninguém questiona.
Cazuza ainda dizia, lá no meio dos versos, que pega mal sofrer. Pois é, pega mal. Melhor sair pra balada, melhor forçar um sorriso, melhor dizer que está tudo bem, melhor desamarrar a cara. “Não quero te ver triste assim”, sussurrava Roberto Carlos em meio a outra música. Todos cantam a tristeza, mas poucos a enfrentam, de fato. Os esforços não são para compreendê-la, e, sim, para disfarçá-la, sufocá-la. Ela que, humilde, só quer usufruir do seu direito de existir, de assegurar seu espaço nesta sociedade que exalta apenas o oba-oba e a verborragia, e que desconfia de quem está calado demais. Claro que é melhor ser alegre que ser triste (agora é Vinícius), mas melhor mesmo é ninguém privar você de sentir o que for. Em tempo: na maioria das vezes, é a gente mesmo que não se permite estar alguns degraus abaixo da euforia.
Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade. Ela transmite paz e não sentimentos fortes, que nos atormenta e provoca inquietude no nosso coração. Isso pode ser alegria, paixão, entusiasmo, mas não felicidade.
Certos namorados brigam dia sim, dia não. Na sexta se amam, no sábado se odeiam, no domingo fazem as pazes, na segunda prometem nunca mais se ver. São amores movido à adrenalina, que rendem bons versos e letras de música. Muito destes casais conseguem chegar ao altar e continuam entre tapas e beijos até as bodas de ouro. Brigam e voltam tantas, mas tantas vezes, que na verdade nunca chegam a se separar. Deixe que digam, que pensem, que falem. O amor é lindo.
“Estar com alguém só para não estar sozinho é solidão mal administrada.”
Tentar outra vez o mesmo amor. Quem já não caiu nesta armadilha? Se ele também estiver sozinho é sopa no mel. Os dois já se conhecem de trás para a frente. Não precisam perguntar o signo: podem pular esta parte e ir direto ao que interessa. Sabem o prato favorito de cada um, se gostam de mar ou de montanha, enfim, está tudo como era antes, é só prorrogar a vigência do contrato. Tanto um como o outro sabem de cor o seu papel.
O fim de um romance quase nunca tem a ver com os rompimentos de novela, onde a mocinha abre mão do amado porque alguém a está chantageando ou porque descobriu de um dia para o outro que ele é, na verdade, seu irmão gêmeo. No último capítulo tudo se esclarece e a paixão segue sem cicatrizes, Já rompimentos causados por decepções e incompatibilidades reais não são assim tão fáceis de serem contornados.
“Custamos a respeitar as dores invisíveis, para as quais não existem prontos-socorros. Não adianta assoprar que não passa.”
“Naquela noite eu não dormi direito, mas acordei disposta a me enfrentar.”
“Não é o sentimento que se esgota, somos nós que ficamos esgotados de sofrer, ou esgotados de esperar, ou esgotados da mesmice.”
Fico besta com quem perde a compostura por não gostar de algo ou alguém: tão mais simples desconectar. Não ouça, não leia, não prestigie. Dê atenção ao que tem sintonia com você. E toque sua vida, sem agredir.
Quero intimidade. Fazer cena de ciúme, terminar, voltar, amar, brigar de novo, telefonar, pedir desculpas, retornar…
A cada manhã, exijo ao menos a expectativa de uma surpresa, quer ela aconteça ou não. Expectativa, por si só, já é um entusiasmo.
Tudo é uma questão de humor e de atitude: mude.
É o tempo que determina o valor de todas as coisas.”
“…Por favor, Não tentem borrar os meus dias. Eles já estão ótimos pintados da cor que estão…”
Costumamos compreender as coisas tarde demais.
Até que um dia compreendi que compreender não é tudo.
Crescer custa, demora, esfola, mas compensa. É uma vitória secreta, sem testemunhas.
Tudo o que nos fez feliz ou infeliz serve para montar o quebra-cabeça da nossa vida, um quebra-cabeça de cem mil peças.
Reclamar do tédio é fácil, difícil é levantar da cadeira para fazer alguma coisa que nunca se fez.
Apenas seguir em frente. Primeiro, porque nenhum amor deve ser mendigado. Segundo, porque todo amor deve ser recíproco.
Se há algo para mudar que seja dentro da gente,
onde não é preciso fazer reserva nem gastar
uma nota para virar uma pessoa melhor.
Crônica: Feliz você novo – Trem Bala
Se uma mulher conseguir manter o dom de ser velha
quando jovem e jovem quando velha , ela sempre
saber o que vem depois.
Crônica: O jogo da velha – Trem Bala
O silêncio absoluto, quando
não vela nosso sono, diverte-nos
torturando.
Crônica: Dia e noite – Trem Bala
A saudade não tem nada de trivial. Interfere em nossa vida de um modo às vezes sereno, às vezes não. É um sentimento bem-vindo, pois confirma o valor de quem é ou foi importante para nós, e é ao mesmo tempo um sentimento incômodo, porque acusa a ausência, e os ausentes sempre nos doem.
Uma vida sem amigos é uma vida vazia. O mundo é muito maior que a sala e a cozinha do nosso apartamento. A arte proporciona um sem-número de viagens essenciais para o espírito. Amar é disparado a coisa mais importante que existe.
Quanto mais longe
se olha, melhor
se enxerga o que
está perto.
Por fim, pare de pensar. É o melhor conselho que um amigo pode dar a outro: pare de fazer fantasias, sentir-se perseguido, neurotizar relações, comprar briga por besteira, maximizar pequenas chatices, estender discussões, buscar no passado as justificativas para ser do jeito que é, fazendo a linha “sou rebelde porque o mundo quis assim”. Sem essa. O mundo nem estava prestando atenção em você, acorde. Salve-se dos seus traumas de infância. Quem não consegue sozinho, deve acudir-se com um terapeuta. Só não pode esquecer: sem amizade por si próprio, nunca haverá progresso possível, como bem escreveu Sêneca cerca de 2 mil anos atrás. Permanecerá enredado em suas próprias angústias e sendo nada menos que seu pior inimigo.
Dentro de um abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve.
Os metereologistas costumam avisar com mínimo de antecedência quando a natureza vai sofrer um fenônemo climático, quando um temporal está a caminho, quando é hora de retirar as roupas do varal, ou nos casos mais extremos reforçar portas e janelas. Mas, ainda não inventaram um recurso tecnológico para avisar quando um homem vai entrar na sua vida e fazer o chão tremer.. Você foi o abalo sísmico totalmente inesperado, e antes que pudesse me defender, deu-se início da minha devastação.
“O Amor, ao contrário do que se pensa, não tem de vir antes de tudo. Antes de estabilizar a carreira profissional, antes de fazer amigos, de viajar pelo mundo, de curtir a vida. Ele não é uma garantia de que, a partir de seu surgimento, tudo o mais dará certo. Queremos o amor como pré-requisito para o sucesso nos outros setores, quando, na verdade, o amor espera primeiro você ser feliz para só então surgir, sem máscara e sem fantasia. É esta a condição. É pegar ou largar. Para quem acha que isso é chantagem, arrisco-me a sair em defesa do amor: ser feliz é uma exigência razoável, e não é tarefa tão complicada. Felizes são aqueles que aprendem a administrar seus conflitos, que aceitam suas oscilações de humor, que dão o melhor de si e não se autoflagelam por causa dos erros que cometem. Felicidade é serenidade. Não tem nada a ver com piscinas, carros e muito menos com príncipes encantados. O amor é o prêmio para quem relaxa. As pessoas ficam procurando o amor como solução para todos os seus problemas quando, na realidade, o amor é a recompensa por você ter resolvido os seus problemas.”
Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se torturam por terem sido contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos. Apenas fazem o melhor que podem.
Se é para ser mestre em alguma coisa, então que sejamos mestres em nos libertar da patrulha do pensamento. De querer se adequar à sociedade e ao mesmo tempo ser livre.
Certas ocasiões ainda me parecem suficientemente fortes para resistirem intactas na nossa lembrança, e apenas nela. — por
“É melhor aproveitar esta solidão indesejada para namorar um pouco a si mesma e ir se preparando para o amor que vem.”
“Você está só. Viveu um grande amor, que durou alguns meses ou vários anos, não importa, e agora está naquele período conhecido como entressafra: nada nesta mão, nada na outra.”
Solidão não se cura com o amor dos outros. Se cura com amor-próprio.
Viver é uma caminhada e tanto, não há essa colher de chá de se poder selecionar onde descer. É preciso passar por tudo: pelo desânimo, pela desesperança, pela sensação de fracasso e fraqueza, até que se consiga chegar a uma praça arborizada onde se iniciam outras dezenas de ruas, outras tantas passagens, e seguimos caminhando, seguimos caminhando.
Ser chamada de boazinha, mesmo com a melhor das intenções, é o pior dos desaforos.
Mulheres bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, é isso que somos hoje. Merecemos adjetivos velozes, produtivos, enigmáticos. As “inhas” não moram mais aqui. Foram para o espaço, sozinhas.
Uma mulher quer paz. Uma mulher quer ler mais, viajar mais, conhecer mais. Uma mulher quer flores. Quer beijos. Quer se sentir viva.
“Vai passar? Já passou, querida, já passou, meu problema é o que ficou.”
Por que nosso mal é este: pensar demais.
“Sinta todos os sabores que o amor tem, desde o adocicado do início até o amargo do fim, mas não saia da história na metade.”
“Muitas pessoas reclamam por não conseguir se desprender de alguém.
É que, sem se darem conta, não querem se desprender.”
“Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.”
Desafogue-se de mágoas, de desejos de vingança,
de pessoas que não permitem que você avance.
Diga não para tudo aquilo que não faz bem pra você,
pare de acreditar que as coisas vão mudar por milagre ou por decreto.
Se não mudaram até agora, então deixe as coisas como estão e
mude você.
Falhas. Agradeça as suas, que é o que humaniza você, e nos fascina!
Só nos tornamos adultos quando perdemos o medo de errar.
Não somos apenas a soma das nossas escolhas,
mas também das nossas renúncias.
Crescer é tomar decisões e depois conviver em paz com a dúvida.
Adolescentes prorrogam suas escolhas porque querem ter certeza absoluta
– errar lhes parece a morte. Adultos sabem que nunca terão certeza absoluta de nada,
e sabem também que só a morte física é definitiva.
Já “morreram” diante de fracassos e frustrações, e voltaram pra vida.
Ao entender que é normal morrer várias vezes numa única existência,
perdemos o medo – e finalmente crescemos.
Toda felicidade é construída por emoções secretas.
“Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota.”
Eu desejo que desejes ser feliz de um modo possível e rápido. Que desejes uns sonhos descabidos e que ao sabê-los impossíveis não os leve em grande consideração,os mantenha acesos, livres de frustração. Desejes com fantasia e atrevimento, estando alerta para os milagres, para o imponderável da vida, onde os desejos secretos são atendidos. Mas desejo também que desejes uma alegria incontida. Que desejes mais amigos, e nem precisam ser melhores amigos, basta que sejam bons parceiros de esporte. Desejo que desejes vitórias, romances, diagnósticos favoráveis, mais dinheiro e sentimentos vários, mas desejo, antes de tudo, que desejes.
Troque experiências, troque risadas, troque carícias. Não é preciso chegar num momento limite para se dar conta disso. O enfrentamento das pequenas mortes que nos acontecem em vida já é o empurrão necessário. Morremos um pouco todos os dias, e todos os dias devemos procurar um final bonito antes de partir.
Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se torturam por terem sido contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos. Apenas fazem o melhor que podem.
Boa pontaria faz toda a diferença. Às vezes um alvo está mais perto que outro e isso parece facilitar as coisas, às vezes uma pessoa parece legal mas é camuflagem, às vezes alguém se move em nossa direção e, antes de ouví-lo, o abatemos. Viver é lutar um pouquinho a cada dia pela nossa felicidade. Ninguém sai ileso dessa briga, mas fere-se menos quem tem bom faro, noções de diplomacia e, principalmente, sabedoria para distinguir a hora de atacar e a hora de se defender.
“Se você está infeliz, recolha-se, não suba ao palco. Disfarçar a dor é dor ainda maior.”
Lembro como era bom compartilhar minha felicidade com os amigos, falar pelos cotovelos sobre alegrias que soavam até ofensivas àqueles que não entendiam o que se passava no interior de um corpo em festa. Eu costumava ser uma alegoria ambulante. Agora a festa terminou, os copos estão espalhados pelo chão, os pratos sujos, silêncio absoluto, ficou o vazio devorador de uma solidão impossível de ser contada.
Um amigo… racha lembranças, crises de choro, experiências. Racha a culpa, racha segredos. Empresta o tempo, empresta o calor e a jaqueta. Passa contigo um aperto, passa junto o reveillon. Anda em silêncio na dor, entra contigo em campo, sai do fracasso ao teu lado. Segura a mão, a ausência, segura uma confissão.
Duas dúzias de amigos assim ninguém tem. Se tiver um, amém.
Porque nosso mal é este: pensar demais. Nós, as reconhecidas como sensíveis e afetivas, somos, na verdade máquinas cerebrais. Alucinadamente cerebrais. Capazes de surtar com qualquer coisa, desde as mínimas até as muito mínimas. Somos mulheres que nunca estão à toa na vida, vendo a banda passar, e sim atoladas em indagações, tentando solucionar questões intricadas, de olho sempre na hora seguinte, no dia seguinte, planejando, estruturando, tentando se desfazer dos problemas, sempre na ativa, sempre atentas, sempre alertas, escoteiras 24 horas. Nascemos doidas. Por isso somos tão interessantes, é verdade.
Amamos A, amamos B, amamos C, e por alguns nem era amor, e sim entusiasmo, e sabe-se lá de quantos entusiasmos somos capazes.
]
Está triste? Esteja! Não é rico, nem jovem, nem belo? Nem por isso ficará sozinho. Pessoas não se apaixonam por estereótipos, mas pela singularidade de cada um, pela capacidade de ser surpreendido, pela sedução que o inusitado provoca. Uma pessoa que se preocupa em “parecer” já está derrotada no primeiro minuto de jogo. Dá valor demais à opinião dos outros, não age conforme a própria vontade, não se assume do jeito que é, inventa personagens para si mesmo e acaba se perdendo justamente deste “si mesmo”, que fica órfão. Quer parecer mais inteligente? Comece admitindo que não sabe nada sobre nada e toque aqui: ninguém sabe.
A mais carinhosa também é a mais bruta, a mais inteligente é ao mesmo tempo a mais sensível, a mais bonita é a mais emburrada, a mais esperta é ao mesmo tempo a mais mundo da lua, a mais bem humorada também é a mais chorona, a mais falante é ao mesmo tempo a mais secreta, a mais velha é ao mesmo tempo a mais moleca, a mais moça também é a mais madura uma não vive sem a outra, e eu não vivo sem as duas.
“Ser feliz para sempre é o final que todos nós sonhamos para nossa história.”
“Evite a marcha a ré. Engate uma primeira nesse coração.”
Creio que fui abençoada com um coração meiguíssimo e em contrapartida com um pavio bem curto.
Mas a gente não escuta só as palavras: a gente ouve também os sinais.
Dentro de um abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve. Que lugar melhor para um recém-nascido, para um recém-chegado, para um recém-demitido, para um recém-contratado? Dentro de um abraço nenhuma situação é incerta, o futuro não amedronta, estacionamos confortavelmente em meio ao paraíso. O rosto contra o peito de quem te abraça, as batidas do coração dele e as suas, o silêncio que sempre se faz durante esse envolvimento físico: nada há para se reivindicar ou agradecer, dentro de um abraço voz nenhuma se faz necessária, está tudo dito.
Que lugar no mundo é melhor para se estar? Na frente de uma lareira com um livro estupendo, em meio a um estádio lotado vendo seu time golear, num almoço em família onde todos estão se divertindo, num final de tarde à beiramar, deitado num parque olhando para o céu, na cama com a pessoa que você mais ama?
Difícil bater essa última alternativa, mas onde começa o amor, senão dentro do primeiro abraço? Alguns o consideram como algo sufocante, querem logo se desvencilhar dele. Até entendo que há momentos em que é preciso estar fora de alcance, livre de qualquer tentáculo. Esse desejo de se manter solto é legítimo, mas hoje me permita não endossar manifestações de alforria.
Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso: se iludindo menos e vivendo mais.
Quando Deus aparece pra você?
Pra mim, ele aparece sempre através da música. Pode ser uma música popular, pode ser algo que toque no rádio, mas que me chega no momento exato em que preciso estar reconciliada comigo mesma. De forma inesperada, a música me transcende.
Deus me aparece nos livros, em parágrafos que não acredito que possam ter sido escritos por um ser mundano: foram escritos por um ser mais que humano.
Deus me aparece – muito! – quando estou em frente ao mar.
Deus aparece quando choro. Quando a fragilidade é tanta que parece que não vou conseguir me reerguer. Quando um amigo me liga de algum lugar distante e demonstra estar mais perto do que o vizinho do andar de cima. Deus aparece no sorriso e no abraço espontâneo de alguém querido. E nas preocupações da minha mãe, que mãe é sempre um atestado da presença desse cara.
E quando eu o chamo de cara e ele não se aborrece, aí tenho certeza de que ele está mesmo comigo.
É sempre
uma incógnita, portanto não vale a pena tentar fugir das decepções ou dos êxtases, eles nos assaltarão onde estivermos. Se você for uma garota boba como eu fui, acorde. Ninguém é muita areia pra ninguém. Pessoas aparentemente especiais se apaixonam por outras aparentemente banais e isso não é um trote, não é uma pegadinha, não é nada além do que é: um inesperado presente da vida, que todos nós merecemos.
Desaprender a autocomiseração: enquanto perdemos tempo tendo pena da gente mesmo, os demais seguiram em frente.A solução é voltar ao marco zero. Desaprender para aprender. Deletar para escrever em cima.Houve um tempo em que eu pensava que, para isso, seria preciso nascer de novo, mas hoje sei que dá pra renascer várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar.
Somando os prós e os contras, as boas e más opções, onde, afinal, é o melhor lugar do mundo?
Meu palpite: dentro de um abraço.
Que lugar melhor para uma criança, para um idoso, para uma mulher apaixonada, para um adolescente com medo, para um doente, para alguém solitário? Dentro de um abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve.
“Eu, você e todos nós estamos a procura de algo que ainda não experimentamos, algo que a gente supõe que exista e que nos fará mais felizes ou menos infelizes”
“Seja qual for o caminho que optarmos seguir, haverá altos e baixos. E isso é tudo. Se fizermos uma auditoria em nossas vidas, em algum momento questionaremos: “e se eu tivesse feito diferente?”. O diferente teria sido melhor e teria sido pior. Então o jeito é curtir nossas escolhas e abandoná-las quando for preciso, mexer e remexer na nossa trajetória, alegrar-se e sofrer, acreditar e descrer, que lá adiante tudo se justificará, tudo dará certo. Algumas vidas até podem ser tristes, outras são desperdiçadas, mas, num sentido mais absoluto, não existe vida errada.”
Onde é que você gostaria de estar agora, nesse exato momento? (…)
E então? Somando os prós e os contras, as boas e más opções, onde, afinal, é o melhor lugar do mundo?
Meu palpite: dentro de um abraço.
❝ Você pode conhecer vinte caras bonitos e que te entendem muito bem, dez caras legais que cuidam de você como se fosse um diamante precioso, uns outros tantos inteligentes, atraentes, bacanas e engraçados em ordem aleatória. Nenhum deles te encanta. Por que? Falta o tão chamado click, aquele jeito especial que ninguém explica. Pode ser o jeito de mexer no cabelo, a forma como ele te olha, que conversa contigo ou até mesmo um jeito secreto que nem o profeta mais sábio percebe, mas que está lá, você pode ver. Entre tantos milhares, talvez um ou outro se salve ao filtro do ‘jeito’, e daí você percebe: é esse que eu quero abraçar e não largar mais, com quem eu quero me enrolar embaixo de cobertores e com quem eu quero dividir todos meus segredos. Baseado no que? Num jeito inexplicável ao resto do mundo.
Pare de reclamar, pare de buscar o impossível, pare de exigir perfeição de si mesmo, pare de querer encontrar lógica pra tudo, pare de contabilizar prós e contras, pare de julgar os outros, pare de tentar manter sua vida sob rígido controle. Simplesmente, divirta-se.
“A gente nunca fica satisfeita com os desfechos de nossos relacionamentos: se não conseguimos esquecer alguém, sofremos. Se conseguimos, lamentamos o quão pueril tornou-se o passado. Senti uma fisgada hoje pela manhã que nada mais era do que a dor da perda, mas não a perda de uma pessoa, e sim de uma etapa vencida. Acho que agora compreendo quando, ao subir uma montanha muito íngreme, recomendam que a gente não olhe para baixo.”
A vida segue acontecendo nos detalhes, nos desvios, nas surpresas e nas alterações de rota que não são determinadas por você.
Independente de tudo o que existe, é o amor que transforma, irrita, movimenta, embeleza, enfeia, impulsiona, destrói, liberta e prende
A pergunta que mais me faço é: por que não?
Eu tenho as armas de que necessito para me defender, e mesmo que eu perca, eu ganho, já perdi algumas vezes e sei como funciona a lei das compensações.
Tem hora que é imprescindível chutar o balde. Tem hora que é fundamental deixar a verdade nua e crua vir à tona. E você passa a achar que não tem vocação pra ser legal o tempo inteiro. E é verdade. Ninguém tem. É cansativo. Desgastante. Já somos legais à beça por tentar. Tem gente que nem isso.
Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante. Pois então. Também é louca. E fascinante.
Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que tenham. Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota. Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada? Você vai concordar comigo: só sendo louca de pedra.
“Ele não vai dizer a frase certa na hora certa, e vai fazer você descobrir que não há frases erradas quando se fala com o coração. Ele não vai gostar do que você gosta, e você não vai gostar do que ele gosta, e a criatividade para descobrir prazeres em comum dará à relação um caráter insuspeitado. De um jeito mais simples, é possível amar aceitando o que é possível receber, sem sofrer pelo que foi sonhado em vão.”
Se a gente pensar que já viveu tudo o que tinha pra viver, que não há mais surpresas nem vertigens pela frente, que graça terá acordar amanhã de manhã?
Me pergunto como é que se explica que sentimentos tão fortes como o medo,o amor ou a raiva se desintegrem. Alguém era grande no meu passado, fica pequeno no meu presente. O tempo, de novo, dando a devida proporção aos meus afetos e desafetos.
Felicidade é a combinação de sorte com escolhas bem feitas. Pessoas com vidas interessantes, interessam-se por gente que é o oposto delas. Emoção nenhuma é banal se for autêntica. Dar certo não está relacionado ao ponto de chegada, mas ao durante. O prazer está na invenção da própria alegria, porque é do erro que surgem novas soluções, os desacertos nos movimentam, nos humanizam, nos aproximam dos outros. Enquanto o sujeito nota 10, nem consegue olhar pro lado, sobe pena de ver seu mundo cair. O mundo já caiu, só nos resta dançar sobre os destroços. Nosso maior inimigo é a falta de humor.
Era verão ou qualquer troço assim,
lua cheia ou algo parecido.
Uma saudade ou quase a mesma coisa,
era amor ou mais ou menos isso.
Seguir nosso desejo é o que nos torna livres, e o desejo é variável, mutante, inclassificável – não pode ser considerado moderno ou antigo, é o que é.
Quem sou eu? A gente é o que a gente gosta. A gente é nossa comida preferida, os filmes que a gente curte, os amigos que escolhemos, as roupas que a gente veste, a estação do ano preferida, nosso esporte, as cidades que nos encantam.
Não estou vivendo perigosamente.
Troquei o perigosamente, pelo intensamente, inconsequentemente,
apaixonadamente.
Não há perigo.
Perigoso é a gente se aprisionar no que nos ensinaram como certo
e nunca mais se libertar, correndo o risco de não saber mais viver
sem um manual de instruções.
Uma pessoa é sempre bruta com você? Não é obrigatório conviver com ela.
O cara está enrolando muito? Beije-o primeiro.
A resposta do emprego ainda não veio? Procure outro enquanto espera.
Paciência só para o que importa de verdade. Paciência para ver a tarde cair. Paciência para sorver um cálice de vinho. Paciência para a música e para os livros. Paciência para escutar um amigo. Paciência para aquilo que vale nossa dedicação.
Pra enrolação…atalho.
A distorção de valores chegou a tal ponto que pessoas discretas são consideradas arrogantes, os modestos são vistos como dissimulados e os que não se rendem a modismos são taxados de esnobes. Ser autêntico – requisito número um para se ter charme – virou ofensa pessoal. Ou a criatura faz parte do rebanho, ou é um metido a besta.
…O modo de mexer no cabelo, uma fala pausada, um olhar direto, um sorriso quase envergonhado, a segurança de não precisar se valer de estereótipos para agradar – charme. Bom gosto nas escolhas, saber a hora de sair de cena, fazer as coisas do seu jeito – charme. Estar confortável no corpo que habita, ter as próprias opiniões, alimentar sua inteligência com livros e pessoas igualmente inteligentes – charme. Não se mumificar, não ser tão inflexível, não virar uma caricatura de si mesmo – charme…
Preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto. Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história. […] Eu beijo espelhos, abraço almofadas, faço carinho em mim mesma tendo você no pensamento, e mesmo quando as coisas que faço são menos importantes, como ler uma revista ou lavar uma meia, é em sua companhia que estou. […] Eu não sou melhor ou pior do que ninguém sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte e sinto que é aquilo que todos procuram. Encontrei.
As pessoas não mudam na sua essência, mas mudam muito de sonhos, mudam de pontos de vista e de necessidades, principalmente de necessidades.
“Dei pra pensar que tudo que há de mais vivo em mim foi aquilo que já se foi. As pessoas mais importantes foram as que ficaram.”
A conclusão a que chego é: como é difícil desapontar-se com quem a gente gosta. Porque gostar, seja do que for, é uma relação de fidelidade. É muito mais fácil desgostar de quem nunca se gostou, de quem já implicávamos por antecipação. Mas se, ao contrário, havia amor, quanta decepção.
Se você for uma garota boba como eu fui, acorde. Ninguém é muita areia pra ninguém. Pessoas aparentemente especiais se apaixonam por outras aparentemente banais e isso não é um trote, não é uma pegadinha, não é nada além do que é: um inesperado presente da vida, que todos nós merecemos.
Não sei você, mas vou atrás de mim mesma. Estou saindo de férias, volto assim que me encontrar.
Milhares de pessoas estão vivendo seus dias aparentemente numa boa, mas por dentro estão desconstruindo ilusões, tudo porque se apaixonaram por uma fraude, não por alguém autêntico.
“Mas ninguém consegue ser do jeito do amor da sua vida!”
Cada pessoa tece a sua própria versão dos fatos. Cada um de nós tem uma maneira particular de perceber as coisas, e há diversos graus de intensidade no sentir, o que torna absolutamente infrutífera essa perseguição pelo senso comum.
O amor é certo, o ódio é errado e o resto é uma montanha de outros sentimentos, uma solidão gigantesca, muita confusão, desassossego, saudades cortantes, necessidade de afeto e urgências sexuais que não se adaptam as regras do bom comportamento.
Há quem diga que o tempo não existe, que somos nós que o inventamos e tentamos controlá-lo com nossos relógios e calendários. Nem ousarei discutir essa questão filosófica, existencial e cabeluda. Se o tempo não existe, eu existo. Se o tempo não passa, eu passo. E não é só o espelho que me dá certeza disso. (…)
A interferência do tempo atinge minhas emoções também. Houve uma época em que eu temia certo tipo de gente, aqueles que estavam sempre a postos para apontar minhas fraquezas. Hoje revejo essas pessoas, e a sensação que me causam não é nem um pouco desafiadora. E mesmo os que amei já não me provocam perturbação alguma, apenas um carinho sereno. Me pergunto como é que se explica que sentimentos tão fortes como o medo,o amor ou a raiva se desintegrem. Alguém era grande no meu passado, fica pequeno no meu presente. O tempo, de novo, dando a devida proporção aos meus afetos e desafetos.
Mesmo as pessoas felizes precisam reavaliar escolhas, confirmar sentimentos, renovar os votos. Apaixonar-se de novo pelo mesmo marido ou pela mesma mulher nem sempre dá conta disso. Eles já conhecem todos os nossos truques, sabem contra o que a gente briga, e no momento o que precisamos é de alguém virgem de nós, que permita a recriação de nós mesmos. Precisamos nos apaixonar para justamente corrigir o que fizemos de errado enquanto compartilhávamos a vida com nossos parceiros. Sem que isso signifique abrir mão deles.
Isso explica o fato de as pessoas sentirem necessidade de relações paralelas mesmo estando felizes com a oficial. Explica, mas não alivia. Como é complicado viver.
Tem noites em que o sono não vem, me reviro na cama deixando que me invadam os piores prognósticos: não sobreviverei ao dia de amanhã, não terei como pagar as contas, quem me cuidará quando eu for velha, o que faço com aquela camiseta tenebrosa que comprei, não posso esquecer de telefonar, de dizer, de avisar, e o escuro do quarto pesa sobre minha insensatez, até que o dia amanheça me traga de volta a lucidez.
Coisas da Vida – Os Lúcidos.
Peruíce não é falta de gosto, e sim pânico gerado pela proximidade do fim. Muita gente tenta deter o tempo manipulando o próprio rosto e se caricaturando sem autopiedade e sem autocrítica. Porém, o tempo continua passando da mesma forma, só que ele é mais implacável com quem joga fora suas expressões, que é o que temos de mais jovial. Uma senhora idosa pode muito bem ter um ar de garota. É insano abrir mão disso para ficar com rosto de boneco de cera.
Coisas da Vida – A morte por trás de tudo
O mundo é habitado por pessoas frustradas com o próprio trabalho, pessoas que não estão satisfeitas com o relacionamento que construíram, pessoas saudosas de velhos amores, pessoas que gostariam de estar morando em outro lugar, pessoas que se julgam injustiçadas pelo destino, pessoas que não aguentam mais viver com o dinheiro contado, pessoas que gostariam de ter uma vida social mais agitada, pessoas que prefeririam ter um corpo mais em forma, enfim, os exemplos se amontoam. Se formos espirar pelo buraco da fechadura de cada um, descobriremos que estão todos relativamente bem, mas poderiam estar melhor.
(…)É lá no fundo que estão as razões verdadeiras que levam as pessoas a mudar ou a manter as coisas como estão. É lá no fundo que os desejos e as necessidades se confrontam. Em vez de se queixar, ganharíamos mais se nadássemos até lá embaixo para trazer a verdade à tona. E, então, deixar de sofrer.
Coisas da Vida – A vida que pediu a Deus
É difícil conviver com esta elasticidade:
as pessoas se agigantam e se encolhem aos nossos olhos.
Nosso julgamento é feito não através de centímetros e metros, mas de ações e reações, de expectativas e frustrações. Uma pessoa é única ao estender a mão, e ao recolhê-la inesperadamente, se torna mais uma.
O egoísmo unifica os insignificantes.
Não é a altura, nem o peso, nem os músculos.
que tornam uma pessoa grande.
É a sua sensibilidade sem tamanho.
Coragem mesmo, é… optar por um caminho diferente, confiar mais na intuição do que em estatísticas, arriscar-se a decepções para conhecer o que existe do outro lado da vida convencional. E, principalmente, coragem para enfretar a própria solidão e descobrir o quanto ela fortalece o ser humano…
Mas o que parecia medo era a coragem me dando as boas-vindas, me acompanhando naquele recuo solitário, quando aprendi que toda escolha requer ousadia…
A paixão é para todos, o amor é para poucos. Paixão é estágio, amor é profissionalização. Paixão é para ser sentida; o amor, além de ser sentido, precisa ser pensado. Por isso tem menos prestígio que a paixão, pois parece burocrático, um sentimento adulto demais, e quem quer deixar de ser adolescente?
Ninguém é muita areia para ninguém. Pessoas aparentemente especiais se apaixonam por outras aparentemente banais e isso não é um trote, não é uma pegadinha, não é nada além do que é: um inesperado presente da vida, que todos nós merecemos.
Perigoso é a gente se aprisionar no que nos ensinaram como certo e nunca mais se libertar.
O egoísmo só unifica os insignificantes.
Lutar contra o próprio ego não é fácil, mas é o jeito de mantermos uma certa sanidade e paz de espírito.
Longa vida aos que conseguem se desapegar do ego e ver a graça da coisa.
A indústria farmacêutica ainda está muito atrasada em relação a corações feridos, não é mesmo?
“(…) o jeito é cumprir nossas escolhas e abandoná-las quando for preciso, mexer e remexer na nossa trajetória, alegrar-se e sofrer, acreditar e descrer, que lá adiante tudo se justificará, tudo dará certo. Algumas vidas até podem ser tristes, outras são desperdiçadas, mas, num sentido mais absoluto, não existe vida errada.”
E se tivesse sido diferente? – Feliz por Nada
…A desculpa é esfarrapada mas é legítima. Nada é mais vulnerável que nosso desejo. Na luta entre o cérebro e a pele, nunca dá empate. A pele sempre ganha de W.O…
Um amigo não racha apenas a gasolina: racha lembranças, crises de choro, experiências. Racha a culpa, racha segredos. Um amigo não empresta apenas a prancha. Empresta o verbo, empresta o ombro, empresta o tempo, empresta o calor e a jaqueta. Um amigo não recomenda apenas um disco. Recomenda cautela, recomenda um emprego, recomenda um país. Um amigo não dá carona apenas pra festa. Te leva pro mundo dele, e topa conhecer o teu. Um amigo não passa apenas cola. Passa contigo um aperto, passa junto o reveillon. Um amigo não caminha apenas no shopping. Anda em silêncio na dor, entra contigo em campo, sai do fracasso ao teu lado. Um amigo não segura a barra, apenas. Segura a mão, a ausência, segura uma confissão, segura o tranco, o palavrão, segura o elevador. Duas dúzias de amigos assim ninguém tem. Se tiver um, amém.
Conectar-se com os próprios pensamentos e emoções é exercício dos mais produtivos. É quando a gente, em silêncio, encontra as respostas para nossas inquietações e descobre os melhores caminhos para atingir nossos objetivos.
“Mulher tem faro, não se contenta com a embalagem. É bem mais comum ver uma mulher linda acompanhada de um homem aparentemente sem graça do que o contrário. Não é (só) porque a concorrência é implacável e nos contentamos com o que sobra. É porque mulher tem raio-x: Consegue olhar o que se esconde lá dentro. Se além de um belo coração e um cérebro em atividade ele ainda for apetecível, é lucro. Pena que a recíproca raramente seja verdadeira. Economizaríamos fortunas em cabeleireiros e academias se os homens fossem direto ao que interessa, na alma e no espírito, para os quais não adianta maquiagem.”
Falar sozinho é um ato de generosidade, antes de tudo. Vá saber o estrago que causaríamos se falássemos pra valer, olho no olho, tudo aquilo que mantemos guardado, todo o palavreado da raiva, do rancor e do desassossego que fica confinado dentro. Melhor soltar as frases ao vento.
Amor é quando você sabe tintim por tintim as razões que impedem o seu relacionamento de dar certo, é quando você tem certeza de que seriam muito infelizes juntos, é quando você não tem a menor esperança de um milagre acontecer, e essa sensatez toda não impede de fazê-lo chorar escondido quando ouve uma música careta que lembra os seus 14 anos, quando você acreditava em milagres.
Certas pessoas têm uma aparência decente e altiva, mas são ocos por dentro – e podem até ser maus – , enquanto que outros são quietos, discretos, parecem não valer grande coisa e no entanto são os verdadeiros super-heróis, as tais criaturas fascinantes que tanto procuramos pela vida.
Digo que perdoo, ofereço cafezinho, lembro dos bons momentos, digo que os ruins ficaram no passado, que já não lembro de nada, pessoas maduras sabem que toda mágoa é peso morto: faz de conta que eu não sofro.
Morre lentamente
Quem se transforma em escravo do hábito
Repetindo todos os dias os mesmos trajeto,
Quem não muda de marca,
Não se arrisca a vestir uma nova cor ou
Não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente
Quem evita uma paixão e seu redemoinho de emoções, Justamente as que resgatam o brilho dos
Olhos e os corações aos tropeços.
Diante da dor emocional, só há uma ordem a respeitar: paciência. De nada adianta inventar alegrias fajutas e se oferecer para a cobiça do mundo sem antes estar com alma serenada e forte. É preciso saber esperar, do contrário a gente se atrapalha e só reforça a miséria existencial que preenche as madrugadas. Basta de tanta gente evitando pensar, evitando chorar, evitando olhar para dentro de si mesmo, sorrindo de um jeito tão triste que só faz demorar ainda mais o reencontro com o sorriso verdadeiro – aquele aguardando a hora certa de voltar.
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo…Morre lentamente quem se torna escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não conhece…Morre lentamente quem não vira a mesa quando esta infeliz com seu trabalho ou amor, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não permite, pelo menos uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos…
Por que as pessoas entram na sua vida? (…) Quando alguém está em sua vida por uma “Razão”… é, geralmente, para suprir uma necessidade que você demonstrou. Elas vêm para auxiliá-lo numa dificuldade, te fornecer orientação e apoio, ajudá-lo física, emocional ou espiritualmente. Elas poderão parecer como uma dádiva de Deus, e são! Elas estão lá pela razão que você precisa que eles estejam lá. Então, sem nenhuma atitude errada de sua parte, ou em uma hora inconveniente, esta pessoa vai dizer ou fazer alguma coisa para levar essa relação a um fim. Ás vezes, essas pessoas morrem. Ás vezes, eles simplesmente se vão. Ás vezes, eles agem e te forçam a tomar uma posição. O que devemos entender é que nossas necessidades foram atendidas, nossos desejos preenchidos e o trabalho delas, feito. As suas orações foram atendidas. E agora é tempo de ir.
Quando pessoas entram em nossas vidas por uma “Estação”, é porque chegou sua vez de dividir, crescer e aprender. Elas trazem para você a experiência da paz, ou fazem você rir. Elas poderão ensiná-lo algo que você nunca fez. Elas, geralmente, te dão uma quantidade enorme de prazer… Acredite! É real! Mas somente por uma “Estação”.
Aí Tem
As coisas são como são. Se alguém diz que está calmo, é porque está calmo. Se alguém diz que te ama, é porque te ama. Se alguém diz que não vai poder sair à noite porque precisa estudar, está explicado. Mas a gente não escuta só as palavras: a gente ouve também os sinais.
Ele telefonou na hora que disse que ia ligar, mas estava frio como um iglu. Você falava, falava, e ele quieto, monossilábico. Até que você o coloca contra a parede: “O que é que está havendo?”. “Nada, tô na minha, só isso.” Só isso???? Aí tem.
Ele telefonou na hora que disse que ia ligar, mas estava exaltado demais. Não parava de tagarelar. Um entusiasmo fora do comum. Você pergunta à queima-roupa: “Que alegria é essa?” “Ué, tô feliz, só isso”. Só isso????? Aí tem.
Os tais sinais. Ansiedade fora de hora, mudez estranha, olhar perdido, mudança no jeito de se vestir, olheiras e bocejos de quem dormiu pouco à noite: aí tem. Somos doutoras em traduzir gestos, silêncios e atitudes incomuns. Se ele está calado demais, é porque está pensando na melhor maneira de nos dar uma má notícia. Se está esfuziante demais, é porque andou rolando novidade
Particularmente, gosto de quem tem compromisso com a alegria, que procura relativizar as chatices diárias e se concentrar no que importa pra valer, e assim alivia o seu cotidiano e não atormenta os outros. Mas não estando alegre, é possível.
l ser feliz também. Não estando ‘realizado’, também. Estando triste, felicíssimo igual. Porque felicidade é calma. Consciência. É ter talento para aturar o inevitável, é tirar algum proveito do imprevisto, é ficar debochadamente assombrado consigo próprio: como é que eu me meti nessa, como é que foi acontecer comigo? Pois é, são os efeitos colaterais de estar vivo.
Independência é aceitar a si mesmo antes da aprovação alheia. É defender a própria verdade e ter humildade para mudar de opinião caso seja surpreendido por melhores argumentos. Ser independente é preferir ao cinema com alguém, mas não perder o filme por falta de companhia. É vibrar quando lhe abrem um champanhe, mas não deixar de comemorar sozinho se a sua alegria basta para o brinde. Ser independente é fazer tudo o que se gosta junto de quem mais se gosta, incluindo a si mesmo.”
“O amor é uma coisa íntima, mas todos nós temos a necessidade de torná-lo público. É a nossa vitória contra a solidão.”
Não consigo imaginar algo mais satisfatório do que amar, e mesmo não sabendo o que o amor significa, sei o que representa. É o que nos faz, no meio de uma multidão, destacar alguém que se torna essencial para nosso bem-estar, e o nosso para o dele… Ter uma intimidade milagrosa com a alma de alguém.
Óbvio que ainda sofreria perdas, mas quanto menos ilusões tivesse, menor seria a queda. Eu sei que não funciona matematicamente assim, mas todo sobrevivente tem seus mecanismos de defesa.
Felicidade é calma. Consciência. É ter talento para aturar o
inevitável, é tirar algum proveito do imprevisto, é ficar debochadamente assombrado consigo próprio: como é que eu me meti nessa, como é que foi acontecer comigo? Pois é, são os efeitos colaterais de se estar vivo.
O mínimo que espero de qualquer pessoa é respeito.
Não precisa cair de amores por mim, não precisa me achar o máximo, inteligente e nem bonita, não vou ficar chateada não mesmo.
Mas sabe o que não passa pela minha garganta? Falta de caráter.
Não passa hoje e nem vai passar nunca.
O mínimo que espero de qualquer um, em qualquer patamar de relacionamento é respeito, e se você não é capaz de oferecer nem isso, esse é o motivo de ser imediamente eliminado de qualquer existência na minha vida.
Negue-se a participar de coisas em que você não acredita ou simplesmente o aborrecem. Presenteie-se com boa música, bons livros e boas conversas.Não troque sua paz por encenação.
“Doeu perder você. Passados quatro anos, ainda me lembro. É uma dor tão recorrente na vida de tantas mulheres e tantos homens, é assunto tão reprisado em revistas, é um sofrimento tão clássico e tão narrado em livros, filmes e canções, que
mesmo que eu não lembrasse, lembrariam por mim. É uma dor que se externa. Uma dor que se chora, que se berra, que se reclama. Uma dor que tentamos compreender
em voz alta, uma dor que levamos para os consultórios dos analistas, uma dor que carregamos para mesas de bar, para o escuro do quarto, onde permitimos que ela transborde sem domínio e sem verbo. A dor massacrante do abandono, da falta de telefonemas, da falta de beijos, da falta de confidências.”
“Foram os livros que me deram consciência da amplitude dos sentimentos. Foram os livros que me justificaram como ser humano. Foram os livros que destruíram um a um meus preconceitos. Foram os livros que me deram vontade de viajar. Foram os livros que me tornaram mais tolerante com as diferenças.”
“O pensamento é o território mais protegido do mundo, e ao mesmo tempo o mais livre. Só nós sabemos o que se passa por nossa mente. O pensamento não exige ortografia, pronúncia, sensatez. O pensamento não tem fronteiras, lógica, advogado de defesa ou carrasco. O pensamento é zona franca, terra de ninguém, um lugar onde sempre há vaga. O pensamento é o único lugar onde ainda estamos seguros, é onde nossa loucura é permitida e onde todos os nossos atos são inocentes.”
” Eu já não te amava com a mesma insensatez. Bastou saber que você havia pensando em mim, fosse pela besteira que fosse, e o meu coração já batia mais devagar, ganhava autoconfiança, eu podia voltar a respirar.”
Amei a mim, amei a ti, parti-me no meio
te amei no profundo, no raso e com atraso
não era tua hora, não era minha vez”.
“É duro ter apenas duas alternativas (ficar ou ir embora) e ambas serem terríveis.”
Você não é só o que come e o que veste. Você é o que você requer, recruta, rabisca, traga, goza e lê. Você é o que ninguém vê.
Me concedo o direito de não me sentir responsável por aquele que cativo.
Me sinto grata, mas responsável é demais.
“Livrar-se de uma lembrança é um processo lento, impossível de programar. Ninguém consegue tirar alguém da cabeça na hora que quer, e às vezes a única solução é inverter o jogo: em vez de tentar não pensar na pessoa, esgotar a dor. Permitir-se recordar, chorar, ter saudade. Um dia a ferida cicatriza e você, de tão acostumada com ela, acaba por esquecê-la.”
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o escritório e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Primeiramente, me espanta o fato de todos terem certeza absoluta de que você vai morrer. Eu prefiro encarar a morte como uma hipótese. Mas, no caso de acontecer, serei obrigada mesmo a cumprir todas estas metas antes? Não dá pra fechar por cinquenta em vez de cem?
mas é que tem dias em que a gente inventa de se investigar, de lembrar dos sonhos da adolescência, de questionar nossas escolhas, e descobre que muitas coisas deu certo, e outras não. Resolve pesar na balança o que foi privilegiado e o que foi descartado, e sente saudades do que descartou. Normal, normalíssimo. São aqueles momentos em que estamos nublados, um pouco mais sensíveis do que gostaríamos, constatando a passagem do tempo. Então a gente se pergunta: o que é que estou fazendo da minha vida?
Neste admirável mundo de contradições em que a gente vive, podemos até não gostar de chorar, mas trata-se apenas da nossa humanidade se manifestando: a conexão do computador, às vezes, cai; por outro lado, a conexão conosco mesmo, às vezes, se dá. Sendo assim, sou obrigada a reconhecer: chorar faz bem, não importa o álibi. É sempre a dor do crescimento.
Quanto mais escrava
mais escrevo
pra libertar essa mulher da vida
que me habita.
Caminhar faz bem, namorar faz bem, dançar faz bem, ficar em silêncio quando uma discussão está pegando fogo faz muito bem: você exercita o autocontrole e ainda acorda no outro dia sem se sentir arrependido de nada. Acordar de manhã arrependido do que fez ontem à noite, isso sim, é prejudicial à saúde. E passar o resto do dia sem coragem para pedir desculpas, pior ainda. Não pedir perdão pelas nossas mancadas, dá câncer, guardar mágoas, ser pessimista, preconceituoso ou falso moralista, não há tomate ou muzzarela que previna!
Ir ao cinema, conseguir um lugar central nas fileiras do fundo, não ter ninguém atrapalhando sua visão, nenhum celular tocando e o filme ser espetacular, UAU! Cinema é melhor pra saúde do que pipoca.Conversa é melhor do que piada. Exercício é melhor do que cirurgia. Humor é melhor do que rancor. Amigos são melhores do que gente influente. Economia é melhor do que dívida. Pergunta é melhor do que dúvida. Sonhar é muito melhor do que nada.
Quero acolher com generosidade o que em mim se manifesta de forma incorreta. Não vou pedir permissão aos outros para desenvolver a mim mesma, mando no meu corpo e em tudo o que ele confina, coração incluído, consciência incluída.
Talvez eu esteja com receio de ter ido longe demais desta vez e esteja preparando a minha defesa, caso alguma coisa não saia como esperado. O que eu espero? Não espero nada, espero tudo, estou à deriva nessa aventura. Eu queria cristalizar esse momento da minha vida, mas estou em alta velocidade, e não sei se quero ir adiante, só que eu não tenho opção. Acho que é isso. Eu tinha opções, agora não tenho. Não consigo parar esse trem.”
“Você pode conhecer vinte caras bonitos e que te entendem muito bem, dez caras legais que cuidam de você como se fosse um diamante precioso, uns outros tantos inteligentes, atraentes, bacanas e engraçados em ordem aleatória. Nenhum deles te encanta. Por que? Falta o tão chamado click, aquele jeito especial que ninguém explica. Pode ser o jeito de mexer no cabelo, a forma como ele te olha, que conversa contigo ou até mesmo um jeito secreto que nem o profeta mais sábio percebe, mas que está lá, você pode ver. Entre tantos milhares, talvez um ou outro se salve ao filtro do ‘jeito’, e daí você percebe: é esse que eu quero abraçar e não largar mais, com quem eu quero me enrolar embaixo de cobertores e com quem eu quero dividir todos meus segredos. Baseado no que? Num jeito inexplicável ao resto do mundo.”
O amor, tão nobre, tão denso, tão intenso, acaba. Rasga a gente por dentro, faz um corte profundo que vai do peito até a virilha, o amor se encerra bruscamente porque de repente uma terceira pessoa surgiu ou simplesmente porque não há mais interesse ou atração, sei lá, vá saber o que interrompe um sentimento, é mistério indecifrável. Mas o amor termina, mal-agradecido, termina, e termina só de um lado, nunca se encerra em dois corações ao mesmo tempo, desacelera um antes do outro, e vai um pouco de dor pra cada canto. Dói em quem tomou a iniciativa de romper, porque romper não é fácil, quebrar rotinas é sempre traumático. Além do amor existe a amizade que permanece e a presença com que se acostuma, romper um amor não é bobagem, é fato de grande responsabilidade, é uma ferida que se abre no corpo do outro, no afeto do outro, e em si próprio, ainda que com menos gravidade.
E ter o amor rejeitado, nem se fala, é fratura exposta, definhamos em público, encolhemos a alma, quase desejamos uma violência qualquer vinda da rua para esquecermos dessa violência vinda do tempo gasto e vivido, esse assalto em que nos roubaram tudo, o amor e o que vem com ele, confiança e estabilidade. Sem o amor, nada resta, a crença se desfaz, o romantismo perde o sentido, músicas idiotas nos fazem chorar dentro do carro.
Com o tempo você aprende que existem pessoas que estão ao seu lado e as que só prometem estar.
Não é nenhuma novidade que dinheiro, viagens, status, beleza e outras coisinhas mundanas são sonhos de consumo de muita gente, mas não dão sentido à vida de ninguém. A única coisa que justifica nossa existência são as relações que a gente constrói. Só os afetos é que compensam a gente percorrer uma vida inteira sem saber de onde viemos e para onde vamos. Diante da pergunta enigmática – por que estamos aqui? – só nos consola uma resposta: para dar e receber abraços, apoio, cumplicidade, para nos reconhecermos um no outro, para repartir nossas angústias, sonhos, delírios. Para amar, resumindo.”
“Aprenda com quem tiver algo a ensinar, e ensine algo àqueles que estão engessados em suas teses de certo e errado. Troque experiências, troque risadas, troque carícias. Não é preciso chegar num momento-limite para se dar conta disso. O enfrentamento das pequenas mortes que nos acontecem em vida já é o empurrão necessário. Morremos um pouco todos os dias, e todos os dias devemos procurar um final bonito antes de partir.”
“O que está em pauta é a busca, a causa incessante ao que nos é essencial: ter paixões e ter amigos. O grande patrimônio de qualquer ser humano, quer ele perceba isso ou não.”
“Quero uma primeira vez outra vez. Um primeiro beijo, uma primeira caminhada por uma nova cidade, uma primeira estreia em algo que nunca fiz, quero seguir desfazendo as virgindades que ainda carrego, quero ter sensações inéditas até o fim dos meu dias.”
Se as pessoas não se manifestassem agressivamente contra tudo só para tentar provar que são inteligentes. Se em vez de lutar para não envelhecer, lutássemos para não emburrecer.
Se.
E sofreu tão solitariamente, que hoje, se encontra aí, mais carniça do que carne.
Sendo assim, aos poucos fui relaxando e aprendendo que somos aptos a amar muitas vezes, de formas diferentes. Amamos A, amamos B, amamos C, e por alguns nem era amor, e sim entusiasmo, e sabe- se lá de quantos entusiasmo somos capazes. Melhor desse jeito, amar com movimento, amar com todas as capacidades, amores pequenos, amores tortos, amores retos, amores para sempre, até a segunda ordem.
Não sou querida, me atrevo a cometer duas vezes o mesmo erro.
(…) Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.
Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.
“Já aconteceu de eu quase chorar por ter tropeçado na rua, por uma coisa à toa. É que, dependendo da dor que você traz dentro, dá mesmo vontade de aproveitar a ocasião para sentar no fio da calçada e chorar como se tivéssemos sofrido uma fratura exposta.”
Pois estou pra dizer que até a tristeza pode tornar um dia especial, só que não ficaremos sabendo disso na hora, e sim lá adiante, naquele lugar chamado futuro, onde tudo se justifica. É muita condescendência com o cotidiano, eu sei, mas não deixar o dia de hoje partir inutilmente é o único meio de a gente aguardar com entusiasmo o dia de amanhã.
O tempo desenvolve nossas defesas, nos oferece outras possibilidades e a gente avança porque é da natureza humana avançar. Não é o sentimento que se esgota, somos nós que ficamos esgotados de sofrer, ou esgotados de esperar, ou esgotados da mesmice ….
“Você pode conhecer vinte caras bonitos e que te entendem muito bem, dez caras legais que cuidam de você como se fosse um diamante precioso, uns outros tantos inteligentes, atraentes, bacanas e engraçados em ordem aleatória. Nenhum deles te encanta. Por que? Falta o tão chamado click, aquele jeito especial que ninguém explica. Pode ser o jeito de mexer no cabelo, a forma como ele te olha, que conversa contigo ou até mesmo um jeito secreto que nem o profeta mais sábio percebe, mas que está lá, você pode ver. Entre tantos milhares, talvez um ou outro se salve ao filtro do jeito, e daí você percebe: é esse que eu quero abraçar e não largar mais, com quem eu quero me enrolar embaixo de cobertores e com quem eu quero dividir todos meus segredos. Baseado no que? Num jeito inexplicável ao resto do mundo.”
Intimidade é você se sentir tão à vontade com outra pessoa como se estivesse sozinho.
Um cara difícil exige uma paciência oceânica.
Ele vai ser romântico e muito bruto. Ele vai ser generoso e muito casca-grossa. Ele vai dizer a verdade e vai mentir às vezes. Ele vai fazê-la se sentir uma eleita entre todas e depois vai dar
mole para muitas. Ele vai implicar com as mínimas coisas, e com as grandes também. Ele vai exibir qualidades que você nem sabia que um homem poderia ter, e em troca vai abusar de todos os defeitos que você sabia que todo homem tinha. Ele vai ser ótimo na cama. Vai ser um perigo dirigindo um carro. Vai ser gentil com sua mãe. Vai ser um brucutu com a mãe dele. Ele mudará de humor a cada 20 minutos, ele vai brigar por nada, vai beijá-la demoradamente por horas e, com essa bipolaridade bem ou mal disfarçada, ele a deixará tão tonta e exausta que você pensará que foi atropelada por um trem descarrilhado. – Quem sou eu? – será sua primeira pergunta ao acordar sobre os trilhos.
No primeiro encontro, pergunte: – Você é um homem difícil? Se ele responder que é, procure imediatamente um psicanalista. Para você, santa.
“Sem muita frescura, sem muito desgaste, sem muito discurso. Tudo o que a gente quer depois de uma certa idade, é ir direto ao assunto.”
“(…) Fico imaginando as histórias que podem não ter acontecido com você. Namorar uma pessoa por anos e romper dias antes de subir ao altar: Não ter casado pode ser a melhor coisa que nunca te aconteceu. Vá saber o que o destino te ofereceu em troca. Ou você não ter passado num concurso. Não ter recebido a ligação que você tanto esperava. Foi a melhor coisa que nunca lhe aconteceu. É uma visão generosa da vida. Os não acontecimentos fazem diferença, você está onde está não só pelas escolhas que fez. Mas também pelas especulações que nunca se confirmaram. Assim, eliminamos a palavra derrota do nosso vocabulário e alma fica mais aliviada. O que não é pouca coisa nesse mundo em que tanta gente parece pesar toneladas devido ao mau humor e o pessimismo. (…)”
É um pacto silencioso que tem a força de manter as coisas enraizadas, um pacto de eternidade, mesmo que o destino um dia venha a dividir o caminho dos dois.
Todas as pessoas trazem o mesmo rosto melancólico de quem viveu tudo e não encontrou o que procurava.
Um amor deve servir de trampolim para nossos saltos ornamentais, não para provocar escorregões e vexames.
Nada adianta levar o corpo pra passear se a alma não sai de casa.
Somos os titulares de nossas decisões.
No meio, a gente descobre que sofremos mais com as coisas que imaginamos que estejam acontecendo do que com as que acontecem de fato.
Uma perda, qualquer perda, é um aperitivo da morte – mas não é a morte, que essa só acontece no fim, e ainda estamos falando do meio.
Eu nunca amei aquele cara, Lopes. Eu tenho certeza que não. Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada.
Feliz por nada…
Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se torturam por terem sido contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos. Apenas fazem o melhor que podem.
(…) Particularmente, gosto de quem tem compromisso com a alegria, que procura relativizar as chatices diárias e se concentrar no que importa pra valer, e assim alivia o seu cotidiano e não atormenta o dos outros. Mas não estando alegre, é possível ser feliz também. Não estando “realizado”, também. Estando triste, felicíssimo igual. Porque felicidade é calma. Consciência. É ter talento para aturar o inevitável, é tirar algum proveito do imprevisto, é ficar debochadamente assombrado consigo próprio: como é que eu me meti nessa, como é que foi acontecer comigo? Pois é, são os efeitos colaterais de se estar vivo.
Se é para ser mestre em alguma coisa, então que sejamos mestres em nos libertar da patrulha do pensamento. De querer se adequar à sociedade e ao mesmo tempo ser livre. Adequação e liberdade simultaneamente? É uma senhora ambição. Demanda a energia de uma usina. Para que se consumir tanto? A vida não é um questionário de Proust. Você não precisa ter que responder ao mundo quais são suas qualidades, sua cor preferida, seu prato favorito, que bicho seria. Que mania de se autoconhecer. Chega de se autoconhecer. Você é o que é, um imperfeito bem-intencionado e que muda de opinião sem a menor culpa. Ser feliz por nada talvez seja isso.
O sentimento não suporta tudo. Mas é deste tudo que é feito um sentimento: de choques e prazeres, de desejos e solidão. O sentimento fatiado não existe. Lascas só de sentimentos bons: não. Vem sempre junto a parte estragada.
Sons que confortam
Eram quatro horas da manhã quando seu pai sofreu um colapso cardíaco. Só estavam os três em casa: o pai, a mãe e ele, um garoto de doze anos. Chamaram o médico da família. E aguardaram. E aguardaram. E aguardaram. Até que o garoto escutou um barulho lá fora. É ele que conta, hoje, adulto: “Nunca na vida ouvira um som mais lindo, mais calmante, do que os pneus daquele carro amassando as folhas de outono empilhadas junto ao meio-fio.”
Inesquecível, para o menino, foi ouvir o som do carro do médico se aproximando, o homem que salvaria seu pai. Na mesma hora que li esse relato, imaginei um sem-número de sons que nos confortam. A começar pelo choro na sala de parto. Seu filho nasceu. E o mais aliviante para pais que possuem adolescentes baladeiros: o barulho da chave abrindo a fechadura da porta. Seu filho voltou.
E pode parecer mórbido para uns, masoquismo para outros, mas há quem mate a saudade assim: ouvindo pela enésima vez o recado na secretária eletrônica de alguém que já morreu.
Deixando a categoria dos sons magnânimos para a dos sons cotidianos: a voz no alto-falante do aeroporto dizendo que a aeronave já se encontra em solo, e que o embarque será feito dentro de poucos minutos.
O sinal, dentro do teatro, avisando que as luzes serão apagadas e o espetáculo irá começar.
O telefone tocando exatamente no horário que se espera, conforme o combinado. Até a musiquinha que antecede a chamada a cobrar pode ser bem-vinda, se for grande a ansiedade para se falar com alguém distante.
O barulho da chuva forte no meio da madrugada, quando você está quentinho na sua cama.
Uma conversa em outro idioma na mesa ao lado da sua, provocando a falsa sensação de que você está viajando, de férias em algum lugar estrangeiro. E estando em algum lugar estrangeiro, ouvir o seu idioma natal sendo falado por alguém que passou, fazendo você lembrar que o mundo não é tão vasto assim.
O toque to interfone quando se aguarda ansiosamente a chegada do namorado. Ou mesmo a chegada da pizza.
O aviso sonoro de que entrou um torpedo no seu celular.
A sirene da fábrica anunciando o fim de mais um dia de trabalho.
O sinal da hora do recreio.
A música que você mais gosta tocando no rádio do carro. Aumente o volume.
O aplauso depois que você, nervoso, falou em público para dezenas de desconhecidos.
O primeiro eu te amo dito por quem você também começou a amar.
E, em tempos de irritantes vuvuzelas, o mais raro de todos: o silêncio absoluto.
Geralmente, quando uma pessoa exclama “Estou tão feliz!”, é porque engatou uma novo amor, conseguiu uma promoção, ganhou uma bolsa de estudos, perdeu os quilos que precisava ou algo do tipo. Há sempre um porquê. Eu costumo torcer para que essa felicidade dure um bom tempo, mas sei que as novidades envelhecem e que não é seguro se sentir feliz apenas por atingimento de metas. Muito melhor é ser feliz por nada.
Não consigo imaginar nada mais brutal do que dizer para um filho: “Tua mãe não te ama”. O mesmo vale para mães que dizem isso aos filhos a respeito dos pais. Quem faz essa covardia com uma criança é quem verdadeiramente não a quer bem. Usar o sentimento de inocentes a fim de atingir um cônjuge que passamos a odiar é de uma agressividade tão letal quanto uma injeção no pescoço, tão dolorido quanto um soco de um brutamontes.
Nem todos que agem assim o fazem por maldade. Muitos o fazem por ignorância. Mas até ignorantes deveriam possuir alguma sensibilidade para entender que uma criança necessita de segurança emocional e não de ser envolvida nas brigas de um casal que um dia resolveu se unir, e que mais adiante resolveu se separar. Casamento não precisa ser para sempre, mas a responsabilidade parental, sim.
Crianças não conseguem processar direito o que vivenciam. Assumem culpas que não possuem, fantasiam abandonos, se responsabilizam pela infelicidade dos pais, e pior do que tudo, se sentem desprotegidas em um lar briguento. Crescem e se tornam homens e mulheres paranoicos, inseguros, acovardados diante da vida.
É uma tecla insistentemente batida, mas pouco escutada: criança precisa ser amada. Não precisa de um iPhone aos nove anos, não precisa ir a Disney antes de ser alfabetizada, não precisa de um guarda-roupa de estrela de cinema. Precisa ser amada. Sai de graça. Só custa caro quando é educada por duas criaturas mais infantis do que ela.
“Bonitas mesmo somos quando ninguém está nos vendo. Atirada
no sofá, com uma calça de ficar em casa, uma blusa faltando um
botão, as pernas enroscadas uma na outra, o cabelo caindo de
qualquer jeito pelo ombro, nenhuma preocupação se o batom
resistiu ou não à longa passagem do dia. Um livro nas mãos, o
olhar perdido dentro de tantas palavras, um ar de descoberta no
rosto. Linda.
Eu, você e todos nós estamos a procura de algo que ainda não experimentamos, algo que a gente supõe que exista e que nos fará mais felizes ou menos infelizes. Eu, você e todos nós tentamos salvar nossas vidas diariamente, e qual a melhor maneira para isso? Trabalhar e amar, creio eu, mas não é fácil.
Pedimos pelo amor de Deus que o telefone toque e que a partir deste toque um novo capítulo comece a ser escrito na nossa história. Depositamos todas as nossas fichas amorosas em pessoas que não conhecemos senão virtualmente. Disfarçamos nosso abandono com frases ousadas e sem verdade alguma. O que a gente gostaria de dizer, mesmo, é: me dê sua mão.
Eu, você e todos nós queremos intimidade, mas evitamos contatos muito íntimos. Não queremos nos machucar, mas usamos sapatos que nos machucam. A gente quer e não quer, o tempo todo. Será que durante uma caminhada de uma esquina a outra, em um único quarteirão, é possível acontecer uma paixão, uma descoberta? Quantos metros precisamos percorrer, quantos dias devemos esperar, em que momento da nossa vida irá se realizar o nosso maior sonho, e uma vez realizado, teremos sensibilidade para identificá-lo? O nosso desejo mais secreto quase sempre é secreto até para nós mesmos.
Somos uma imensa turma, somos uma enorme população, somos uma gigantesca família de solitários, eu, você, todos nós.
“Onde é que eu estava com a cabeça, de acreditar em contos de fada, de achar que a gente muda o que sente, e que bastaria apertar um botão que as luzes apagariam e eu voltaria a minha vida satisfatória, sem seqüelas, sem registro de ocorrência?”
“É preciso amadurecer para descobrir que a grama do vizinho não é mais verde coisíssima nenhuma. Estamos todos no mesmo barco, com motivos pra dançar pela sala e também motivos pra se refugiar no escuro, alternadamente. Só que os motivos pra se refugiar no escuro não costumam ser revelados. Pra consumo externo, todos são belos, lúcidos, íntegros, perfeitos.”
Queria não me sentir tão responsável sobre o que acontece ao meu redor. Compreender e aceitar que não tenho controle nenhum sobre as emoções dos outros, sobre suas escolhas, sobre as coisas que dão errado e também sobre as que dão certo. Me permitir ser um pouco insignificante.
“Que a gente siga cultivando um pouco da pureza, inocência e confiança que a gente tinha aos 8 anos, coisas que acabam se perdendo com a brutalidade do cotidiano. Se eu não sinto saudade da infância, é porque essa inocência de certa forma ainda preservo, porque sem ela ficamos muito ásperos em relação a tudo. Então, sigamos inocentes, mas sem deixar de curtir a magnitude de ser gente grande.”
“Obrigada por insistir para eu voltar pra você, para eu deixar de ser adolescente e aceitar uma vida a dois, uma família, uma serenidade que eu não suspeitava. Eu não sabia que amava tanto você e que havia lhe dado boas pistas sobre isso, como é que você soube antes de mim?”
O único silêncio que perturba é aquele que fala. E fala alto. É quando ninguém bate à nossa porta, não há recados na secretária eletrônica e mesmo assim você entende a mensagem.
O amor não tem título
(Porque o amor mesmo é um mendigo sem nome, emprego, salário, família e, apesar disso, tem residência fixa e comprovante de endereço. E, além disso, nós. Nós fortes que não desatam. Só atam cada vez mais.)
.
.
Estou com medo. Não entendo bem as coisas. Dia desses pensei ter a razão, esqueci que ela dá cambalhotas e vai parar lá do outro lado bem firme, mas com as pernas um pouco em estado de treme-treme-com-hifenzinho. Quando algo treme, trec trec, pode perder a força, orça, rça, ça, ah, caiu. Espatifou. Eu espatifo, tu espatifas, ele espatifa. Adoro a palavra espatifar. Eu sei, tenho paixões quase doentias por determinadas palavras. É o meu vício. Continuo com medo. Não sei se vou entender bem as coisas.
.
Li uma frase hoje (enquanto eu circulava os olhos pela internerd) que me deixou cismada. Eu cismo com tudo, você sabe. Cismo com teia de aranha, pó em cima da prateleira, torneira aberta, relógio que não para sem acento com o tic tac, gente que ronca e/ou come de boca aberta mostrando todos os pedaços de lombinho, unhas sujas, cabelo com caspa, cismo com tudo. Cismo com excessos de simpatia, com falta de sorriso na cara, com gente solícita demais, com gente que tem estoque de patadas, cismo com a cisma. Cismo com a minha tpm. Hoje cedo, por exemplo, tudo me irritava. Normalmente sou rápida. Toca o despertador, levanto sem pestanejar ou dar ração pra preguiça sem trema. Tocou, desliguei, levantei. Abraço de bom dia (não tem nada mais gostoso), beijo de bom dia (não tem nada mais gostoso, deu empate), um pé fora da cama, outro pé dentro do banheiro. Banho, café, seca-seca-de-cabelo, roupa e vambora. E se der mole ainda lavo a louça e arrumo a cama. Meu namorado aproveita cada momento da vida, inclusive o despertar. Toca o despertador, ele coloca mais uns minutos, vira pra lá, pra cá e pra lá de novo, espreguiça, vira pra cá mais um pouco, boceja, espreguiça, me dá bandiabraçobom (eba!), bandibeijobom (eba, deu empate) e aí levanta, toma café e isso e aquilo e mais um espreguiça-espreguiça e vira pra tudo quanto é lado. Normalmente eu não me importo, inclusive acho o máximo o jeito como ele amarra o tênis. Também acho fofa a maneira como ele fecha o olho esquerdo por causa da claridade ou por causa do sono ou por causa de. Mas hoje tudo me irritava, inclusive essa coisa de gostar de aproveitar cada minuto como se fosse o último. Eu tenho pressa. Corro. A paciência não veio de brinde no meu pacote. E me peguei pensando nessas coisas do amor.
.
Interessante duas pessoas que resolvem unir suas vidas e suas diferenças. Olha, tá aqui a minha vida. Junta a tua com a minha, a minha com a tua, a gente faz um mix, sacode, remexe, bota um adoçante e bebe tudinho. Ui, que delícia, que gostoso, que genial. Isso é o amor. Amor é junção. É exercício de paciência. Paciência no sentido de entender que o outro é diferente, sente diferente, pensa diferente, reage diferente, é todo diferente e se você ama, tem que amar igual e não diferente. Porque o amor é igualdade. É ser igual nas diferenças: você aceita a minha, eu aceito a sua e a gente vai ser feliz. Ouié, beibe. E dá pra ser feliz, claro que sim. É possível só quando você quer. Por que as pessoas desistem tão facilmente? Eu respondo: não sabem aceitar as diferenças. Eu tenho uma tpm horrenda, viro um monstro imenso e melequento, xingo sem pensar, brigo sem querer, procuro alfinetes pra espetar quem me rodeia. Tá bom, vai, não sou tão má assim. Brigo com quem é próximo, com quem eu sei que ali irá permanecer. Sabe aquela paciência matinal? Pois ele tem outras paciências muito maiores que as minhas. Ele ignora meus comentários tpmísticos, simula uma surdez pra não me dar trela e brigar. Por que tô contando essa mini-história-de-paciência-e-diferenças-e-igualdade? Porque o amor tem disso: aceitar o outro com tudo o que ele traz. Eu trago muita coisa. Tem coisa estragada, sei bem. E tem tanta coisa linda que só quem me conhece sabe. Porque eu sou uma pessoa muito boa, entende? Porque eu mudo do açúcar pra pimenta em poucos segundos. E isso é bem, bem ruim. Mas cada um tem um poço com água clara e lama, se é que você entende.
.
Em que raio de lugar eu quero chegar? Cismei com a frase que li em um lugar, que na verdade tinha subfrases. Depois fui além, vi que existem poesias e letras de música e mais um monte de coisa brega do tipo que só fica bonito no texto. Na vida real é tudo xexelento. “Minha vida só faz sentido com você. Você é tudo pra mim. Você é a minha vida. Te dou a minha vida. Te amo mais do que a mim mesmo”. Pega o Liquid Paper, abre bem a mente e se tiver que fazer um furo no cérebro pra informação entrar, por favor, faça. Não acredito em amores assim, a não ser na telinha da Globo, no melhor estilo Janete Clair. Ou lá no Pantanal com a Juma. Dramalhão mexicano tipo o que rolava no SBT também tá valendo. Por gentileza, não diga que sou a sua vida, não me dê a sua vida, não deixe que as coisas só façam sentido comigo, não deixe que eu seja tudo pra você, não me ame mais do que a você mesmo.
.
Se ame muito pra me amar. Me ame de graça e por tudo que eu sou. Me ame pelas minhas partes tracejadas, picotadas, rasuradas, limpas, claras e legíveis. Me ame quando eu sacudir o avesso de mim. Me ame quando eu me perder numa avenida que tenha o nome escrito em uma placa grande com a fonte maior ainda. Me ame quando a placa grande com o nome da avenida estiver gritando na minha cara e, ainda assim, se eu continuar zonzamente perdida, sem saber pra onde ir ou como me achar, me abrace silenciosamente e diga baixinho no meu ouvido que está ali, assim vou saber que você me ama. Me ame quando eu souber o meu lugar. Me ame quando eu disser que tá tudo bem, que nem foi nada de mais. Me ame entendendo que foi demais, que nada está bem, porque eu disfarço. Me ame sabendo que meu orgulho de vez em quando ultrapassa os meus 1.69 de altura. Me ame quando aparecer uma goteira no meu telhado e o meu quarto virar um riacho.
.
Me ame muito, me ame sempre, me ame quando eu sorrir, chorar, desistir, quando eu quiser recomeçar. Me ame quando eu disser que vou voltar atrás. Me ame quando todo mundo for embora e a festa terminar. Me ame quando eu estiver numa multidão. Me ame com vontade, sabendo que você veio e virá sempre antes de mim, porque pra poder amar tem que se aceitar. Me ame sim, mas entenda que amor pra mim é aquele que a gente pode amar sendo quem é, com os pés sujos de andar no chão, com o cabelo emaranhado de tanto cafuné e com o coração livre. Porque a minha vida é a minha vida. A sua vida é a sua vida. Elas quiseram se juntar e andar com as mãos unidas. Simples assim, sem essa de eu te dou a vida. Eu dou o amor, somente, porque ele vale mais que tudo. E com ele a gente aprende a se amar mais e melhor. Porque o amor não tem título, muito menos definição.
Nenhum amor é igual ao outro, logo, as dores também deixam cicatrizes particulares.
E dizem que sou inteligente, e a burrice do mundo é tanta que deixo a modéstia de lado e concordo.
Amei você de um modo que se você conseguir que outra te ame, não desgrude dela como permitiu que eu desgrudasse de você, e acredite quando digo que não te culpo pelo nosso rompimento, não culpo agora, que sei que você não tinha controle sobre meu ímpeto de me machucar.
”E se eu ao menos fosse considerada uma aliada sua, mas não, eu era mais um elemento do exército oposto,aquela que estava mais perto e que podia receber seus golpes mais certeiros. Você nunca foi violento, mas como era cruel.”
”Não há nada de errado em curtir a mansidão de um relacionamento que já não é apaixonante, mas que oferece em troca a benção da intimidade e do silêncio compartilhado, sem ninguém mais precisar se preocupar em mentir ou dizer a verdade. ”
” Mas você escolheu viver dentro de um redemoinho, você estava encurralado na sua irritabilidade constante, e só havia uma saída pra mim: abrir a porta e deixar você adoecendo sozinho.”
“Foi durante o programa Saia Justa que a atriz Camila Morgado, discutindo sobre a chatice dos outros (e a nossa própria), lançou a frase: “Não canse quem te quer bem”. Diz ela que ouviu isso em algum lugar, mas enquanto não consegue lembrar a fonte, dou a ela a posse provisória desse achado.
Não canse quem te quer bem. Ah, se conseguíssemos manter sob controle nosso ímpeto de apoquentar. Mas não. Uns mais, outros menos, todos passam do limite na arte de encher os tubos. Ou contando uma história que não acaba nunca, ou pior: contando uma história que não acaba nunca cujos protagonistas ninguém jamais ouviu falar. Deveria ser crime inafiançável ficar contando longos casos sobre gente que não conhecemos e por quem não temos o menor interesse. Se for história de doença, então, cadeira elétrica.
Não canse quem te quer bem. Evite repetir sempre a mesma queixa. Desabafar com amigos, ok. Pedir conselho, ok também, é uma demonstração de carinho e confiança. Agora, ficar anos alugando os ouvidos alheios com as mesmas reclamações, dá licença. Troque o disco. Seus amigos gostam tanto de você, merecem saber que você é capaz de diversificar suas lamúrias.
Não canse quem te quer bem. Garçons foram treinados para te querer bem. Então não peça para trocar todos os ingredientes do risoto que você solicitou – escolha uma pizza e fim.
Seu namorado te quer muito bem. Não o obrigue a esperar pelos 20 vestidos que você vai experimentar antes de sair – pense antes no que vai usar. E discutir a relação, só uma vez por ano, se não houver outra saída.
Sua namorada também te quer muito bem. Não a amole pedindo para ela explicar de onde conhece aquele rapaz que cumprimentou na saída do cinema. Ciúme toda hora, por qualquer bobagem, é esgotante.
Não canse quem te quer bem. Não peça dinheiro emprestado pra quem vai ficar constrangido em negar. Não exija uma dedicatória especial só porque você é parente do autor do livro. E não exagere ao mostrar fotografias. Se o local que você visitou é realmente incrível, mostre três, quatro no máximo. Na verdade, fotografia a gente só mostra pra mãe e para aqueles que também aparecem na foto.
Não canse quem te quer bem. Não faça seus filhos demonstrarem dotes artísticos (cantar, dançar, tocar violão) na frente das visitas. Por amor a eles e pelas visitas.
Implicâncias quase sempre são demonstrações de afeto. Você não implica com quem te esnoba, apenas com quem possui laços fraternos. Se um amigo é barrigudo, será sobre a barriga dele que faremos piada. Se temos uma amiga que sempre chega atrasada, o atraso dela será brindado com sarcasmo. Se nosso filho é cabeludo, “quando é que tu vai cortar esse cabelo, garoto?” será a pergunta que faremos de segunda a domingo. Implicar é uma maneira de confirmar a intimidade. Mas os íntimos poderiam se elogiar, pra variar.
Não canse quem te quer bem. Se não consegue resistir a dar uma chateada, seja mala com pessoas que não te conhecem. Só esses poderão se afastar, cortar o assunto, te dar um chega pra lá. Quem te quer bem vai te ouvir até o fim e ainda vai fazer de conta que está se divertindo. Coitado. Prive-o desse infortúnio. Ele não tem culpa de gostar de você.”
Ninguém está sozinho quando curte a própria companhia, porém somos reféns das convenções, e quando estamos sós, nossa solidão parece piscar uma luz vermelha chamando a atenção de todos. Relaxe. A solidão é invisível. Só é percebida por dentro.
É lá no fundo que estão as razões verdadeiras que levam as pessoas a mudarem ou a manterem as coisas como estão. É lá no fundo que os desejos e as necessidades se confrontam. Em vez de nos queixarmos, ganharíamos mais se nadássemos até lá embaixo para trazer a verdade à tona. E então deixar de sofrer.”
“Eis uma frase, uma verdade, um verso: dá pra escolher. Todo dia, ao levantar da cama, eu procuro me lembrar: dá pra escolher. Nem eu nem você estamos jogados ao léu, nas mãos do destino. Não temos controle sobre tudo, mas dá pra escolher entre ter amigos ou viver recluso, dá pra escolher entre privilegiar um amor ou ter vários casos superficiais, dá pra escolher entre participar ativamente de um projeto que alavanque nosso bem-estar ou ficar de fora apenas criticando, dá pra escolher entre se refugiar num lugar tranqüilo ou aprender a lidar com o stress urbano, dá pra escolher entre levar a vida com bom-humor ou levar a vida na ponta da faca.
Tudo é uma escolha, inclusive ser velho ou ser jovem, e isto não se resolve apenas numa clínica de estética. Todas as nossas escolhas passam pelo estado de espírito. É ele que vai determinar se vamos viver uma vida mais simples ou mais complicada, mais solitária ou mais social, mais produtiva ou mais lerda. Dá pra escolher entre ser carnívoro ou vegetariano, entre fumar ou não, entre correr na praia ou ficar um pouco mais na cama, entre jogar paciência ou ler um livro, entre amores serenos ou amores turbulentos. Se a escolha será acertada, aí já é outro assunto, o futuro vai dizer.”
“E então eu tive certeza que se eu tiver problema um dia não vai ser de falta de felicidade.”
“E sabe que serão importantes na história um do outro para sempre, independentemente de tudo que estiver pra acontecer.”
“Quando ele sorri, doce, imagino meus filhos.”
Meu marido, como gosto de imaginá-lo, tem os ombros largos de proteção e abraço eterno. Tem uma mão grande que serve para tudo: desde atravessar a rua segura até sentir prazer sem medo das horas.
“(…)Quando ele sorri, doce, imagino meus filhos. Exatamente com aquela ironia pura estampada na cara: um misto de esperteza com falsa esperteza. Quando ele acorda e eu acordo, e nos olhamos, é sempre uma promessa de que a vida não vai acabar porque sempre acordaremos juntos. E para sempre vamos nos amar mesmo com o desgaste das olheiras e remelas. Respiro aliviada e mesmo distante de Deus eu sinto que ele abençoa tudo aquilo.”
“Você pode conhecer vinte caras bonitos e que te entendem muito bem, dez caras legais que cuidam de você como se fosse um diamante precioso, uns outros tantos inteligentes, atraentes, bacanas e engraçados em ordem aleatória. Nenhum deles te encanta. Por que? Falta o tão chamado click, aquele jeito especial que ninguém explica. Pode ser o jeito de mexer no cabelo, a forma como ele te olha, que conversa contigo ou até mesmo um jeito secreto que nem o profeta mais sábio percebe, mas que está lá, você pode ver. Entre tantos milhares, talvez um ou outro se salve ao filtro do ‘jeito’, e daí você percebe: é esse que eu quero abraçar e não largar mais, com quem eu quero me enrolar embaixo de cobertores e com quem eu quero dividir todos meus segredos. Baseado no que? Num jeito inexplicável ao resto do mundo.”
…só eu e ele,olhos nos olhos. Assim são as entregas absolutas.
Criaturas que derretem-se, entregam-se, consomem-se e não sabem negar-se costumam trazer um sorriso enigmático nos lábios.
Me busco em músicas que dão ritmo ao que sinto de forma silenciosa e me busco em trechos de livros que revelam idéias que mantenho ainda embaralhadas.
FALAR
Já fui de esconder o que sentia, e sofri com isso. Hoje não escondo nada do que sinto e penso, e às vezes também sofro com isso, mas ao menos não compactuo mais com um tipo de silêncio nocivo: o silêncio que tortura o outro, que confunde, o silêncio a fim de manter o poder num relacionamento.
Assisti ao filme Mentiras sinceras com uma pontinha de decepção – os comentários haviam sido ótimos, porém a contenção inglesa do filme me irritou um pouco. Nos momentos finais, no entanto, uma cena aparentemente simples redimiu minha frustração. Embaixo de um guarda-chuva, numa noite fria e molhada, um homem diz para uma mulher o que ela sempre precisou ouvir. E eu pensei: como é fácil libertar alguém de seus fantasmas e, libertando-o, abrir uma possibilidade de tê-lo de volta, mais inteiro.
Falar o que se sente é considerado uma fraqueza. Ao sermos absolutamente sinceros, a vulnerabilidade se instala. Perde-se o mistério que nos veste tão bem, ficamos nus. E não é esse tipo de nudez que nos atrai.
Se a verdade pode parecer perturbadora para quem fala, é extremamente libertadora para quem ouve. É como se uma mão gigantesca varresse num segundo todas as nossas dúvidas. Finalmente, se sabe.
Mas sabe-se o quê? O que todos nós, no fundo, queremos saber: se somos amados.
Tão banal, não?
E no entanto essa banalidade é fomentadora das maiores carências, de traumas que nos aleijam, nos paralisam e nos afastam das pessoas que nos são mais caras. Por que a dificuldade de dizer para alguém o quanto ela é – ou foi – importante? Dizer não como recurso de sedução, mas como um ato de generosidade, dizer sem esperar nada em troca. Dizer, simplesmente.
A maioria das relações – entre amantes, entre pais e filhos, e mesmo entre amigos – se ampara em mentiras parciais e verdades pela metade. Pode-se passar anos ao lado de alguém falando coisas inteligentes, citando poemas, esbanjando presença de espírito, sem ter a delicadeza de fazer a aguardada declaração que daria ao outro uma certeza e, com a certeza, a liberdade. Parece que só conseguimos manter as pessoas ao nosso lado se elas não souberem tudo. Ou, ao menos, se não souberem o essencial. E assim, através da manipulação, a relação passa a ficar doentia, inquieta, frágil. Em vez de uma vida a dois, passa-se a ter uma sobrevida a dois.
Deixar o outro inseguro é uma maneira de prendê-lo a nós – e este “a nós” inspira um providencial duplo sentido. Mesmo que ele tente se libertar, estará amarrado aos pontos de interrogação que colecionou. Somos sádicos e avaros ao economizar nossos “eu te perdôo”, “eu te compreendo”, “eu te aceito como és” e o nosso mais profundo “eu te amo” – não o “eu te amo” dito às pressas no final de uma ligação telefônica, por força do hábito, e sim o “eu te amo” que significa: “Seja feliz da maneira que você escolher, meu sentimento permanecerá o mesmo”.
Libertar uma pessoa pode levar menos de um minuto. Oprimi-la é trabalho para uma vida. Mais que as mentiras, o silêncio é que é a verdadeira arma letal das relações humanas.
OS RICOS POBRES
Anos atrás escrevi sobre um apresentador de televisão que ganhava um
milhão de reais por mês e que em entrevista vangloriava-se de nunca ter
lido um livro na vida. Classifiquei-o imediatamente como um exemplo de
pessoa pobre. Agora leio uma declaração do publicitário Washington
Olivetto em que ele fala sobre isso de forma exemplar. Ele diz que há no
mundo os ricos-ricos (que têm dinheiro e têm cultura); os pobres-ricos
(que não têm dinheiro mas são agitadores intelectuais, possuem
antenas que captam boas e novas ideias) e os ricos-pobres, que são a
pior espécie: têm dinheiro mas não gastam um único tostão da sua
fortuna em livrarias, shows ou galerias de arte, apenas torram em
futilidades e propagam a ignorância e a grosseria.
Os ricos-ricos movimentam a economia gastando em cultura,
educação e viagens, e com isso propagam o que conhecem e divulgam
bons hábitos. Os pobres-ricos não têm saldo invejável no banco, mas
são criativos, efervescentes, abertos. A riqueza desses dois grupos está
na qualidade da informação que possuem, na sua curiosidade, na
inteligência que cultivam e passam adiante. São esses dois grupos que
fazem com que uma nação se desenvolva. Infelizmente, são os dois
grupos menos representativos da sociedade brasileira.
O que temos aqui, em maior número, é um grupo que Olivetto nem
mencionou, os pobres-pobres, que devido ao baixíssimo poder
aquisitivo e quase inexistente acesso à cultura, infelizmente não
ganham, não gastam, não aprendem e não ensinam: ficam à margem,
feito zumbis. E temos os ricos-pobres, que têm o bolso cheio e poderiam
ajudar a fazer deste país um lugar que mereça ser chamado de
civilizado, mas nada disso: eles só propagam atraso, só propagam
arrogância, só propagam sua pobreza de espírito.
Exemplos? Vou começar por uma cena que testemunhei semana
passada. Estava dirigindo quando o sinal fechou. Parei atrás de um Audi
do ano. Carrão. Dentro, um sujeito de terno e gravata que, cheio de si,
não teve dúvida: abriu o vidro automático, amassou uma embalagem de
cigarro vazia e a jogou pela janela no meio da rua, como se o asfalto
fosse uma lixeira pública. O Audi é só um disfarce que ele pôde
comprar, no fundo é um pobretão que só tem a oferecer sua miséria
existencial.
Os ricos-pobres não têm verniz, não têm sensibilidade, não têm
alcance para ir além do óbvio. Só têm dinheiro. Os ricos-pobres pedem
no restaurante o vinho mais caro e tratam o garçom com desdém,
vestem-se de Prada e sentam com as pernas abertas, viajam para Paris
e não sabem quem foi Degas ou Monet, possuem tevês de plasma em
todos os aposentos da casa e só assistem programas de auditório,
mandam o filho pra Disney e nunca foram numa reunião da escola. E,
claro, dirigem um Audi e jogam lixo pela janela. Uma esmolinha pra
eles, pelo amor de Deus.
O Brasil tem saída se deixar de ser preconceituoso com os ricos-ricos
(que ganham dinheiro honestamente e sabem que ele serve não
só para proporcionar conforto, mas também para promover o
conhecimento) e se valorizar os pobres-ricos, que são aqueles inúmeros
indivíduos que fazem malabarismo para sobreviver mas, por outro lado,
são interessados em teatro, música, cinema, literatura, moda, esportes,
gastronomia, tecnologia e, principalmente, interessados nos outros
seres humanos, fazendo da sua cidade um lugar desafiante e
empolgante. É esse o luxo de que precisamos, porque luxo é ter
recursos para melhorar o mundo que nos coube. E recurso não é só
money: é atitude e informação.
Não consigo mais ficar sem você! Sem o seu abraço que conforta, sem os seus beijos que me enchem de alegria e amor, sem a sua companhia. Não consigo mais imaginar um futuro em que você não esteja, porque você sempre está lá! Sempre está aqui, comigo, até quando não está. Por isso, agradeço sempre a Deus por ter colocado você na minha vida.
A gente conseguiu e ainda consegue superar todas as dificuldades e desafios porque o amor fala mais alto no fim das contas.
Ainda bem que existem amigos para amar, abraçar, sorrir, cantar, escrever em recibos e tirar fotos bonitas. E a vida segue. Feliz. Sua imaginação te preenche, seus amigos te dão colo, vodka e dias incríveis.
Todo dia eu procuro me lembrar: dá pra escolher. Não temos controle sobre tudo, mas dá pra escolher.
A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito,
que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil.
Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto,
e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui.
Passa a dor do amor, vem a trégua, o coração limpo de novo, os olhos novamente secos, a boca vazia. Nada de bom está acontecendo, mas também nada de ruim. Um novo amor? Nem pensar. Medo, respondemos.
Eu tenho feito de conta que você não me interessa muito, mas não é verdade. Você é a pessoa mais especial que já conheci. Não por ser bonito ou por pensar como eu sobre tantas coisas, mas por algo maior e mais profundo do que aparência e afinidade. Ser correspondida é o que menos me importa no momento: preciso dizer o que sinto. (…) Nem sei com que pernas cheguei até sua casa, achei que não teria coragem. Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto. Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história. (…) Eu beijo espelhos, abraço almofadas, faço carinho em mim mesma tendo você no pensamento, e mesmo quando as coisas que faço são menos importantes, como ler uma revista ou lavar uma meia, é em sua companhia que estou. (…) Eu não sou melhor ou pior do que ninguém, sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte e sinto que é aquilo que todos procuram. Encontrei. (…) Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim. A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil. Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui.
O Encurtamento das Durações
Quanto tempo leva para superar a dor da perda? Quanto tempo para digerir uma rejeição? Absorver que um sonho terminou? Esquecer uma frustração? Uma mágoa de infância? Um trauma? Uma demissão? Os psicanalistas provavelmente responderão que é preciso respeitar o ritmo de cada um. Há quem seja rápido na retomada da vida, e há os mais lentos, que necessitam de um acompanhamento mais intensivo. Não há como decretar: dois dias, dois meses, dois anos.
Só que a maioria da população não procura psicanalistas. Não têm dinheiro pra isso, e muito menos disponibilidade. As pessoas não podem parar no meio do dia para se consultar, pois trabalham insanamente, e tampouco possuem tempo para, segundo elas, desperdiçar. Sabe-se que análises são demoradas, que buscam e rebuscam nossa intimidade, que não é num estalar de dedos que se atenuam as dores internas. E qualquer coisa que demore, hoje em dia: não, obrigada.
Que inquietação.
O passado e o futuro são dois períodos que já não interessam: cultua-se o presente como nunca antes. O que vale é este momento, agora, o instante vivido. Tudo digitalizado, virtual, instantâneo. Quem ainda espera dias por uma resposta? Meses por uma solução?
Na vida burocrática, governamental, a demora ainda é praxe e se vale da morosidade para arrecadar mais e mais dinheiro, mas no plano pessoal, encurtaram-se as durações. Vive-se tudo de forma mais compacta, o começo e o fim mais próximos do que jamais foram. E acabamos impregnados dessa urgência, dessa vontade de resolver todas as tranqueiras com a maior agilidade possível.
Porém, há tranqueiras e tranqueiras.
Você consegue resolver pendências profissionais de imediato, consegue tomar decisões práticas sem se alongar: parabéns. Salve a produtividade. Mas não foram essas as questões levantadas no início desse texto. Falávamos de tristezas, de cicatrizar feridas, de aceitar o destino que nos coube, de assimilar mudanças.
Sentimentos não são regidos por megabytes por segundo, não se vinculam a relógios, não obedecem a leis objetivas – é o curso da natureza que manda. E a natureza é surda e cega para o desatino. Exige a introspecção devida, sem a qual nada se resolve, só se mascara.
Diante da dor emocional, só há uma ordem a respeitar: paciência. De nada adianta inventar alegrias fajutas e se oferecer para a cobiça do mundo sem antes estar com a alma serenada e forte. É preciso saber esperar, do contrário a gente se atrapalha e só reforça a miséria existencial que preenche as madrugadas.
Basta de tanta gente evitando pensar, evitando chorar, evitando olhar para dentro de si mesmo, sorrindo de um jeito tão triste que só faz demorar ainda mais o reencontro com o sorriso verdadeiro – aquele aguardando a hora certa de voltar.
Todo dia eu procuro me lembrar: dá pra escolher. Não temos controle sobre tudo, mas dá pra escolher entre ter amigos ou viver recluso, dá pra escolher entre privilegiar um amor ou ter vários casos superficiais, dá pra escolher entre levar a vida com bom-humor ou levar a vida na ponta da faca. Se a escolha será acertada, aí já é outro assunto, o futuro vai dizer.
Um amigo não segura a barra, apenas. Segura a mão, a ausência, segura uma confissão, segura o tranco, o palavrão, segura o elevador.
Duas dúzias de amigos assim ninguém tem. Se tiver um, amém.
“Tem muita gente que se distrai e é feliz pra sempre.”
“Li em algum lugar que há uma regra de decoração que merece ser obedecida: para onde quer que se olhe, deve haver algo que nos faça feliz.”
Que lugar melhor para uma criança, para um idoso, para uma mulher apaixonada, para um adolescente com medo, para um doente, para alguém solitário? Dentro de um abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve.
Que lugar melhor para um recém-nascido, para um recém-chegado, para um recém-demitido, para um recém-contratado? Dentro de um abraço nenhuma situação é incerta, o futuro não amedronta, estacionamos confortavelmente em meio ao paraíso.
O rosto contra o peito de quem te abraça, as batidas do coração dele e as suas, o silêncio que sempre se faz durante esse envolvimento físico: nada há para se reivindicar ou agradecer, dentro de um abraço voz nenhuma se faz necessária, está tudo dito.
Permita que sua solidão seja bem aproveitada, que ela não seja inútil. Não a cultive como uma doença, e sim como uma circunstância. Em vez de tentar expulsá-la, habite-a com espiritualidade, estética, memória, inspiração, percepções. Não será menos solidão, apenas uma solidão mais povoada. Quem não sabe povoar sua solidão, também não saberá ficar sozinho em meio a uma multidão, escreveu Baudelaire.
“Em vez de tentar escapar de certas lembranças, o melhor é mergulhar nelas e voltar à tona com menos desespero e mais sabedoria. Todos temos nossas dores de estimação. O que nos diferencia uns dos outros é a capacidade de conviver amigavelmente com elas.”
Uma Oração para os Vivos – Martha Medeiros
Que honremos o fato de ter nascido, e que saibamos desde cedo que não basta rezar um Pai- Nosso para quitar as falhas que cometemos diariamente. Essa é uma forma preguiçosa de ser bom. O sagrado está na nossa essência, e se manifesta em nossos atos de boa-fé e generosidade, frutos de uma percepção profunda do universo, e não de ocasião. Se não estamos focados no bem, nossa aclamada religiosidade perde o sentido.
Que se perceba que quando estamos dançando, festejando, namorando, brindando, abraçando, sorrindo e fazendo graça, estamos homenageando a vida, e não a maculando. Que sejam muitos esses momentos de comemoração e alegria compartilhados, pois atraem a melhor das energias. Sentir-se alegre não deveria causar desconfiança, o espírito leve só enriquece o ser humano, pois é condição primordial para fazer feliz a quem nos rodeia.
Que estejamos sempre abertos, se não escancaradamente, ao menos de forma a possibilitar uma entrada de luz pelas frestas. Que nunca estejamos lacrados para receber o que a vida traz. Novidade não é sinônimo de invasão, deturpação ou violência. Acreditemos que o novo é elemento de reflexão: merece ser avaliado sem preconceito ou censura prévia.
Que tenhamos com a morte uma relação amistosa, já que ela não é apenas portadora de más notícias. Ela também ensina que não vale a pena se desgastar com pequenas coisas, pois no período de mais alguns anos estaremos todos com o destino sacramentado, invariavelmente. Perder tempo com picuinhas é só isso, perder tempo.
Que valorizemos nossos amigos mais íntimos, as verdadeiras relações pra sempre.
Que sejamos bem-humorados, porque o humor revela consciência da nossa insignificância – os que não sabem brincar se consideram superiores, porém não conquistam o respeito alheio que tanto almejam. Ria e engrandeça-se.
Que o mar esteja sempre azul, que o céu seja farto de estrelas, que o vinho nunca seja proibido, que o amor seja respeitado em todas as suas formas, que nossos sentimentos não sejam em vão, que saibamos apreciar o belo, que percebamos o ridículo das ideias estanques e inflexíveis, que leiamos muitos livros, que escutemos muita música, que amemos de corpo e alma, que sejamos mais práticos do que teóricos, mais fáceis do que difíceis, mais saudáveis do que neurastênicos, e que não tenhamos tanto medo da palavra felicidade, que designa apenas o conforto de estar onde se está, de ser o que se é e de não ter medo, já que o medo infecciona a mente.
Que nosso Deus, seja qual for, não nos condene, não nos exija penitências, seja um amigo para todas as horas, sem subtrair nossa inteligência, prazer e entrega às emoções que nos fazem sentir plenos.
A vida é um presente, e desfrutá-la com leveza, inteligência e tolerância é a melhor forma de agradecer – aliás, a única.
Em princípio, toda e qualquer mudança é um avanço, um passo à frente, uma ousadia que nos concedemos, nós que tememos tanto o desconhecido.
Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente bem-vindo, que se sente inteiro
Pactos. Acho que é isso. Não de sangue nem de nada que se possa ver e tocar. É um pacto silencioso que tem a força de manter as coisas enraizadas, um pacto de eternidade
Mas o cara mais sensacional do universo e a mulher mais fantástica do planeta nunca irão conquistar você, a não ser que tenham um jeito de ser que você não consiga explicar. Porque esses jeitos que nos encantam não se explicam mesmo.
E teve aqueles que não viraram namorados também por causa do jeito: do jeito vulgar de falar, do jeito de rir – sempre alto demais e por coisas totalmente sem graça –, do jeito rude de tratar os garçons, do jeito mauricinho de se vestir: nunca um desleixo, sempre engomado e perfumado, até na beira da praia. Nenhum defeito nisso. Pode até ser que eu tenha perdido os caras mais sensacionais do universo.
Você é a saudade que sente da sua mãe, o sonho desfeito quase no altar, a infância que você recorda, a dor de não ter dado certo, de não ter falado na hora, você é aquilo que foi amputado no passado, a emoção de um trecho de livro, a cena de rua que lhe arrancou lágrimas, você é o que você chora.
Espero que antes de encontrar a pessoa certa, você se encontre. Para que ao encontrá-la, não a sobrecarregue com ingrata responsabilidade de te fazer feliz. Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja, e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade. Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos falta: a gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia, é só mais agradável. Fizeram a gente acreditar numa fórmula chamada “dois em um”: duas pessoas pensando igual, agindo igual, que era isso que funcionava. Não nos contaram que isso tem nome: anulação. Que só sendo indivíduos com personalidade própria é que poderemos ter uma relação saudável. Fizeram a gente acreditar que casamento é obrigatório e que desejos fora de hora devem ser reprimidos. Fizeram a gente acreditar que os bonitos e magros são mais amados, que os que transam pouco são caretas, que os que transam muito não são confiáveis, e que sempre haverá um chinelo velho para um pé torto. Só não disseram que existe muito mais cabeça torta do que pé torto. Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz, a mesma para todos, e os que escapam dela estão condenados à marginalidade. Não nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas, são alienantes, e que podemos tentar outras alternativas. Ah, também não contaram que ninguém vai contar isso tudo pra gente. Cada um vai ter que descobrir sozinho. E aí, quando você estiver muito apaixonado por você mesmo, vai poder ser muito feliz e se apaixonar por alguém.
Dentro de um abraço é sempre quente, é sempre seguro. (…) Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve.
“O que é que faz a gente se apaixonar por alguém? É o jeito. A gente se apaixona pelo jeito da pessoa. Não é porque ele cita Camões, não é porque ele tem olhos azuis: é o jeito dele de te dizer versos em voz alta como se ele mesmo os tivesse escrito pra nós. É o jeito dele de piscar demorado seus lindos olhos, como se estivesse em câmera lenta. O jeito de caminhar. O jeito de usar a camisa pra fora das calças. O jeito de passar a mão no cabelo. O jeito de suspirar no final das frases. O jeito de beijar. O jeito de sorrir. Vá tentar explicar isso.”
“Independência nada mais é do que ter poder de escolha. Conceder-se a liberdade de ir e vir, atendendo suas necessidades e vontades próprias, mas sem dispensar a magia de se viver um grande amor. Independência não é sinônimo de solidão. É sinônimo de honestidade: estou onde quero, com quem quero, porque quero.”
“Amadurecer talvez seja descobrir que sofrer algumas perdas é inevitável, mas que não precisamos nos agarrar à dor para justificar nossa existência.”
Gaste seu amor. Usufrua-o até o fim. Enfrente os bons e os maus momentos, passe por tudo que tiver que passar, não se economize. Sinta todos os sabores que o amor tem, desde o adocicado do início até o amargo do fim, mas não saia da história na metade. Amores precisam dar a volta ao redor de si mesmo, fechando o próprio ciclo. Isso é o que libera a gente para ser feliz de novo.
Viver não é seguro. Viver não é fácil. E não pode ser monótono. Mesmo fazendo escolhas aparentemente definitivas, ainda assim podemos excursionar por dentro de nós mesmos e descobrir lugares desabitados onde nunca colocamos os pés, nem mesmo em imaginação. E estando lá, rever nossas escolhas e recalcular a duração de “pra sempre”. Muitas vezes o “pra sempre” não dura tanto quanto duram nossa teimosia e receio de mudar.
“Tudo o que nos faz feliz ou infeliz serve para montar o quebra-cabeça da nossa vida, um quebra-cabeça de cem mil peças… Não há nenhuma peça que não se encaixe. Todas são aproveitáveis. Como são muitas, você pode esquecer de algumas, e a isso chamamos de “passou”. Não passou. Está lá dentro, meio perdida, mas quando você menos esperar, ela será necessária para você completar o jogo e se enxergar por inteiro.”
“Em tempos em que quase ninguém se olha nos olhos, em que a maioria das pessoas pouco se interessa pelo que não lhe diz respeito, só mesmo agradecendo àqueles que percebem nossas descrenças, indecisões, suspeitas, tudo o que nos paralisa, e gastam um pouco da sua energia conosco, insistindo.”
Quantas vezes tentaram adivinhar o que sentíamos, e erraram. Julgaram nossas ações, e erraram. Tiveram certeza sobre nossos propósitos, erraram. O que somos de verdade e o que queremos de fato, só nós sabemos. Só nós.
Toda mudança cobra um alto preço emocional. Antes de se tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, chora-se muito, os questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza. Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí a recompensa fica escancarada na face. Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna. Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco porque não existe plástica que resgate seu brilho. Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar.
“Já me senti invisível em algumas ocasiões ao longo da vida. Voltando no tempo, me pego invisível em festas, invisível à mesa do jantar, invisível na sala de aula.Uma sensação incômoda de estar ali, mas ninguém levar em conta sua presença. Você fala, ninguém escuta. É vista, mas não percebida. E ao ir embora, ninguém dá por sua falta. Com você, nunca?”
Que lugar melhor para uma criança, para um idoso, para uma mulher apaixonada, para um adolescente com medo, para um doente, para alguém solitário? Dentro de um abraço é sempre quente, é sempre seguro.
O desespero acalmou, virou uma tristeza amistosa que me impede de reagir, me impede de fazer planos, me impede até de sofrer – ela simplesmente me entorpece, imobiliza, é uma espécie de anestesia. Durma, querida. Durma, mesmo acordada. Durma, mesmo trabalhando. Durma e não preste atenção no que está acontecendo. Não está acontecendo nada mesmo.
” Não são as coisas que possuímos ou compramos que representam riqueza, plenitude e felicidade. São os momentos especiais que não tem preço, as pessoas que estão próximas da gente e que nos amam, a saúde, os amigos que escolhemos, a nossa paz de espírito.”
Pare de reclamar, pare de buscar o impossível, pare de exigir perfeição de si mesmo, pare de querer encontrar lógica pra tudo, pare de contabilizar prós e contras, pare de julgar os outros, pare de tentar manter sua vida sob rígido controle. Simplesmente, divirta-se.
“E eu estou chorando agora, mas principalmente de raiva por a gente ter que mendigar carinho pra se sentir uma boa pessoa. Se ninguém nos telefona, se ninguém vem à nossa casa, se ninguém aceita o nosso jeito, parece que a gente não existe, parece que as coisas deram errado, e não deram. Sou uma pessoa bacana, forte, generosa, não deveria precisar que ninguém me aplaudisse, mas a gente precisa dos outros, precisa que eles demonstrem que nos admiram, mesmo que estejam fingindo.”
… mesmo havendo amor e desejo,
muitas relações não se sustentam, e fica
a pergunta atazanando dentro: por quê?
O casal se gosta tanto, o que os impede
de manter uma relação estável, divertida
e sem tanta neura?
Condição de entrega: se não existir, a relação
tampouco existirá pra valer. Será apenas um
simulacro, uma tentativa, uma insistência.
Depois de tanto tempo vivendo com uma pessoa,
a gente não é mais tão único como supõe, o ser
humano é solvente se mistura com a vida dos outros
e depois só com mágica para separar as partes.
Todos nós estamos indo, que é melhor do que estarmos parados.
Estamos indo rumo a novas eleições, indo rumo à primavera, indo rumo a pessoas que ainda não conhecemos, indo rumo a dias melhores, a dias piores e, encaremos: indo rumo ao fim dos dias, se me permite ser uma desmancha-prazeres. É duro, mas a outra opção é estacionar, não ir a lugar algum. Prefiro ir, seja para onde for.
Se não quiser participar, tudo bem,
então fique na sua: na sua casa,
na sua respeitável solidão.
Melhor uma ausência honesta
do que uma presença desaforada.
Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião
a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco
porque não existe plástica que resgate seu brilho.
Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar.
Os tamanhos das pessoas variam conforme o grau de envolvimento…
Uma pessoa é enorme para você, quando te trata com carinho e respeito, quando te olha nos olhos e sorri. É pequena para você quando só pensa em si mesma, quando se comporta de uma maneira pouco gentil, quando fracassa justamente no momento em que teria que demonstrar o que há de mais importante entre duas pessoas: a amizade e até mesmo o amor.
Uma pessoa é grande quando ama o seu próximo, quando compreende, quando se coloca no lugar do outro.
É difícil conviver com esta elasticidade: as pessoas se agigantam e se encolhem aos nossos olhos. O nosso julgamento é feito não através de centímetros e metros, mas de ações e reações, de expectativas e frustrações.
Uma pessoa é única ao estender a mão, ao rejeitar seu próximo, a ser grato. O egoísmo, a falta de caráter, a falsidade apenas une os insignificantes.
Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande… é a sua sensibilidade, sem tamanho…
Por isso, reveja seus conceitos. Você pode não estar agradando a DEUS.
Dentro de mim estão muitas lágrimas que não foram choradas pra fora e muitos sorrisos que, de tão íntimos, também guardei …
Felizes são aqueles que aprendem a administrar seus conflitos, que aceitam suas oscilações de humor, que dão o melhor de si e não se autoflagelam por causa dos erros que cometem.
Dá para mudar o passado? Não dá. A única coisa que dá para mudar é a maneira como enxergamos tudo o que nos aconteceu (e ainda acontece) e ver o que é possível perdoar, esquecer ou redimensionar. Viver não é fácil, mas é o que temos pra hoje.
Promessa de casamento…
– Promete não deixar a paixão fazer de você uma pessoa controladora, e sim respeitar a individualidade do seu amado, lembrando sempre que ele não pertence a você e que está ao seu lado por livre e espontânea vontade?
– Promete saber ser amiga e ser amante, sabendo exatamente quando devem entrar em cena uma e outra, sem que isso lhe transforme numa pessoa de dupla identidade ou numa pessoa menos romântica?
– Promete fazer da passagem dos anos uma via de amadurecimento e não uma via de cobranças por sonhos idealizados que não chegaram a se concretizar?
– Promete sentir prazer de estar com a pessoa que você escolheu e ser feliz ao lado dela pelo simples fato de ela ser a pessoa que melhor conhece você e portanto a mais bem preparada para lhe ajudar, assim como você a ela?
– Promete se deixar conhecer?
– Promete que seguirá sendo uma pessoa gentil, carinhosa e educada, que não usará a rotina como desculpa para sua falta de humor?
– Promete que fará sexo sem pudores, que fará filhos por amor e por vontade, e não porque é o que esperam de você, e que os educará para serem independentes e bem informados sobre a realidade que os aguarda?
– Promete que não falará mal da pessoa com quem casou só para arrancar risadas dos outros?
– Promete que a palavra liberdade seguirá tendo a mesma importância que sempre teve na sua vida, que você saberá responsabilizar-se por si mesmo sem ficar escravizado pelo outro e que saberá lidar com sua própria solidão, que casamento algum elimina?
– Promete que será tão você mesmo quanto era minutos antes de entrar na igreja?
Sendo assim, declaro-os muito mais que marido e mulher: declara-os maduros
Tudo é incerto, a começar pela data da nossa morte. Incerto é nosso destino, pois, por mais que façamos escolhas, elas só se mostrarão acertadas ou desastrosas lá adiante, na hora do balanço final. Incertos são nossos amores, e por isso é tão importante sentir-se bem mesmo estando só. Enfim, incerta é a vida e tudo o que ela comporta. Somos aprendizes, somos novatos, mas beneficiários de uma dádiva: nascemos. Tivemos a chance de existir. De nos relacionar. De fazer tentativas. O sentido disso tudo? Fazer parte. Simplesmente fazer parte.
E a maioria das lágrimas que escorrem é de saudade e de vontade de rebobinar os dias, viver de novo as alegrias perdidas.”
Teatro não serve para nada, pensam alguns, e literatura é elitismo, pensam outros, e na verdade não pensam, porque é no teatro e na literatura que encontramos a transgressão possível e a provocação necessária. O mundo não anda fácil nem digerível. É homem-bomba explodindo em festas de casamento, é corrupção pra tudo que é lado, é muito desamor travestido de prazer, é uma urgência de ser feliz que impede a construção da felicidade mesma, que é mais vagarosa. Para onde estão indo todos nesta correria? Não sou a única que ainda vive, em certos aspectos, na era da pedra lascada, mas corro igual, porque se parar, me atropelam. Regurgitar: vomitar. Fagia: comer. Então regurgitofagia é simplesmente expelir o inútil e voltar a se alimentar do que precisamos. E do que precisamos? Anote aí, é pouca coisa: silêncio, arte e amor.
“Não sabemos de nada até que chegue a nossa vez. A gente não sabe do que o nosso amor é capaz, o que a nossa natureza nos reserva, o poder da nossa desobediência ou subordinação. A gente não pode prever nossa reação diante do susto, da paixão, da fome, do medo. Podemos vir a ser uma grata surpresa.”
—
Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, doem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber (MARTHA MEDEIROS)
Pegar sete caras. Pegar nove “mina”. A gente está falando de quê, de catadores de lixo? Pegar, pega-se uma caneta, um táxi, uma gripe. Não pessoas.
Se não era amor, era da mesma família.
Sobre aceitar a partida de um amor.
[…] Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo.
É o arremate de uma história que terminou,
externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente…
E só então a gente poderá amar, de novo.
Aposte por pessoas que acolhem, que recebem, que te dão espaço na casa, na vida, no coração.
Acredito nas voltas do mundo, nas surpresas que nos aguardam,
na velocidade das mudanças.
Chega de cultuar impedimentos. Façamos, para variar, oferendas ao risco.
Somos todos castos frente à morte, nossa derradeira experiência inédita. Enquanto ela não chega, é bom aproveitar cada minuto dessa nossa inocência frente ao desconhecido.
A gente é a soma das nossas decisões, todo mundo sabe. Tem gente que é infeliz porque tem um câncer. E outros são infelizes porque cultivam uma preguiça existencial. Os que têm câncer não têm sorte. Mas os outros, sim, têm a sorte de optar. E estes só continuam infelizes se assim escolherem.
— Martha Medeiros.
Preciso de pessoas que me amem na riqueza, na pobreza, na saúde e na doença. Que sejam amigas, sejam amores, sejam parceiras. Que deem valor ao que foi dito como se estivesse registrado e escrito. Prefiro as que me doam intensidade, alegria e contribuam na insanidade de viver. Preciso de verdade não de fingimento. O resto é excesso. A outra parte eu dispenso.
Só mesmo amando um amigo para permitir que ele se jogue no seu sofá e chore todas as dores dele sem que você se incomode nem um pingo com isso. Só mesmo amando para você confiar a ele o seu próprio inferno e para não invejarem as vitórias um do outro. Por amor, você empresta suas coisas, dá o seu tempo, é honesto nas suas respostas, cuida para não ofender, abraça causas que não são suas, entra numas roubadas, compreende alguns sumiços, só liga quando o sumiço é exagerado. Tudo isso é amizade com trato. Se amigos assim entrarem em sua vida, não deixe que sumam.”
As pessoas se preocupam em ser simpáticas, mas pouco se esforçam para ser empáticas, e algumas talvez nem saibam direito o que o termo significa. Empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro, de compreendê-lo emocionalmente.”
“O mínimo que espero de qualquer pessoa é respeito. Não precisa cair de amores por mim, não precisa me achar o máximo, inteligente e nem bonita, não vou ficar chateada, não mesmo. Mas sabe o que não passa pela minha garganta? Falta de caráter. Não passa hoje e nem vai passar nunca. O mínimo que espero de qualquer um, em qualquer patamar de relacionamento é respeito, e se você não é capaz de oferecer nem isso, esse é o motivo de ser imediatamente eliminado de qualquer existência na minha vida.”
“Mas ai eu olhei no espelho e vi, pela primeira vez na vida, a única pessoa que pode realmente me fazer feliz.”
“Não são as coisas que possuímos ou compramos que representam riqueza, plenitude e felicidade. São os momentos especiais que não tem preço, as pessoas que estão próximas da gente e que nos amam, a saúde, os amigos que escolhemos, a nossa paz de espírito. Felicidade não é o destino e sim a viagem.”
“— Eu só quero que você seja feliz.
Disse ela com lágrimas nos olhos querendo ser a felicidade dele.”
A única coisa que nos imortaliza – mesmo – é a memória de quem amou a gente.
Só mesmo amando um amigo para permitir que ele se jogue no seu sofá e chore todas as dores dele sem que você se incomode nem um pingo com isso.
O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar. (…) Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referências. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá.
Quero uma primeira vez outra vez. Um primeiro beijo em alguém que ainda não conheço, uma primeira caminhada por uma nova cidade, uma primeira estréia em algo que nunca fiz, quero seguir desfazendo as virgindades que ainda carrego, quero ter sensações inéditas até o fim dos meus dias..
As Possibilidades Perdidas
Fiquei sabendo que um poeta mineiro que eu não conhecia, chamado Emilio Moura, teria completado 100 anos neste mês de agosto, caso vivo fosse. Era amigo de outro grande poeta, Drummond. Chegaram a mim alguns versos dele, e um em especial me chamou a atenção: “Viver não dói. O que dói é a vida que não se vive”.
Definitivo, como tudo o que é simples. Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.
Por que sofremos tanto por amor? O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz. Sofremos por quê?
Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não compartilhamos. Por todos os beijos cancelados, pela eternidade interrompida.
Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar. Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender. Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada. Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.
Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso: se iludindo menos e vivendo mais.
eu penso conforme o tempo
eu danço conforme o passo
eu passo conforme o espaço
eu amo conforme a fome
eu como conforme a cama
eu sinto conforme o mundo
mas no fundo
eu não me conformo
Usar-se nada mais é do que reconhecer a si próprio como uma fonte de prazer.
Use-se para conseguir uma passagem para a Patagônia, use-se para fazer amigos, use-se para evoluir. Use seus olhos para ler, chorar, reter cenas vistas e vividas – a memória e a emoção vêm muito do olho. Use os ouvidos para escutar boa música, estímulos e o silêncio mais completo. Use as pernas para pedalar, escalar, levantar da cama, ir aonde quiser. Seus dedos para pedir carona, escrever poemas, apontar distâncias. Sua boca pra sorrir, sua barriga para gerar filhos, seus seios para amamentar, seus braços para trabalhar, sua alma para preencher-se, seu cérebro para não morrer em vida. Use-se. Usar-se nada mais é do que reconhecer a si próprio como uma fonte de prazer.
“Se não quiser participar, tudo bem, então fique na sua: na sua casa, no seu canto, na sua respeitável solidão. Melhor uma ausência honesta do que uma presença desaforada.”
Uma mulher é apenas uma mulher, mas uma mãe é um vulcão, um furacão, uma enchente, uma tempestade, um terremoto. Uma mãe é invencível. Não há perda que ela não transforme em força. Não há passado que ela não emoldure e coloque na parede. Não há medo que a mantenha quieta por muito tempo.
“Se você sente que tem um amor enorme dentro de você e precisa dividir isso com alguém, se há em você generosidade suficiente para dedicar a maior parte do seu tempo a ensinar, brincar e criar uma pessoa, então não deixe de ter um filho, mesmo que não tenha com quem concebê-lo, mesmo que pense que já perdeu esse trem: perdeu nada, adote uma criança”.
“Independência nada mais é do que ter poder de escolha. Conceder-se a liberdade de ir e vir, atendendo suas necessidades e vontades próprias, mais sem dispensar a magia de se viver um grande amor. Independência não é sinônimo de solidão. É sinônimo de honestidade: estou onde quero, com quem quero, porque quero”
Homão é aquele que compreende que TPM não é frescura e que reconhece que filhos geralmente sobrecarregam mais as mães do que os pais, então eles correm atrás do prejuízo, aliviando nossa carga com prazer.
Homão acha um porre discutir a relação, mas discute. Homão não concorda com tudo o que a gente diz e faz, senão não seria um homão, e sim um panaca, mas escuta, argumenta e acrescenta ideias novas.
O amor é que nem tesourinha de unhas, nunca está onde a gente pensa.
O jeito é direcionar o radar para norte, sul, leste e oeste.
Seu amor pode estar no corredor de um supermercado, pode estar impaciente na fila de um banco, pode estar pechinchando numa livraria, pode estar cantarolando sozinho dentro de um carro. Pode estar aqui mesmo, no computador, dando o maior mole.
Martha Medeiros
Tudo que dá errado pode dar muito certo. A vida joga os dados, dá as cartas, gira a roleta: a nós, cabe apenas continuar apostando.
Mas, detalhe: não vive quem se economiza, quem quer felicidade parcelada em 24 vezes sem juros. Aliás, ser feliz nem está em pauta. O que está em pauta é a busca, a caça incessante ao que nos é essencial: ter paixões e ter amigos. O grande patrimônio de qualquer ser humano, quer ele perceba isso ou não.
A gente se apaixona é pelo jeito. O jeito de caminhar. O jeito de usar a camisa pra fora das calças. O jeito de suspirar no final das frases. O jeito de beijar. O jeito de sorrir. Vá tentar explicar isso.
Quem é que pode adivinhar o que se passa dentro de nós? Não compensa preservar relações por causa de culpa, ficar imobilizado, temer consequências. Vá lá e faça o que tem que ser feito. Sozinho. Porque é sozinho que estamos todos, afinal.
–
Tenho um respeito tremendo por quem sofre em silêncio, principalmente pelos que sofrem por amor. Perder a companhia de quem se ama pode ser uma mutilação tão séria quanto a sofrida por Lars Grael, só que os outros não enxergam a parte que nos falta, e por isso tendem a menosprezar nosso martírio. O próprio iatista terá sua dor emocional prolongada por algum tempo, diante da nova realidade que enfrenta. Nenhuma fisgada se compara à dor de um destino alterado para sempre.
Palavras são apenas resumos dos nossos sentimentos profundos, sentimentos que para serem explanados precisam mais do que um sujeito, um verbo e um predicado. Precisam de toque, visão, audição. Amor virtual é legal, mas o teclado ainda não dá conta de certas sutilezas.
“Desassossegados amam com atropelo, cultivam fantasias irreais de amores sublimes, fartos e eternos, são sabidamente apressados, cheios de ânsias e desejos, amam muito mais do que necessitam e recebem menos amor do que planejavam.”
“Planejar a vida, ao contrário do que muitos pensam, não é uma forma de evitar emoção. É uma forma de deixar a porta aberta para que ela não precise arrombar você.”
Não vive quem se economiza, quem quer felicidade parcelada em 24 meses sem juros. Ser feliz nem está em pauta. O que está em pauta é a caça incessante ao que nos é essencial: ter paixões e amigos.
Não confunda religião com fé. Religião é instituição. Fé é sentimento. Religião é missa, culto, sessão, oração decorada. Fé é gratidão, pedido, silêncio. Religião é uma casa. Fé é sentir que tem um lar.
Eu não queria sentir a saudade que sinto. Nem ter medo da frequência em que ela me visita antes de deitar. Será que é tão difícil tornar o beijo contínuo e a saudade passageira?Será que entre o hiato do amor e da saudade, não há como existir somente a alegria do vivido?
Mesmo andando de mãos dadas com a euforia de viver, algumas vezes, diante de certos sentimentos, me faltam palavras. Me faltam, pois tenho medo dos grandes sentimentos. Medo de senti-los, me acostumar com eles e, como quando o sol se cansa de iluminar a todos, ele se pôr. A verdade é que meu coração está preparado para amar, mas não para sentir saudade. Para beijar, mas não para deixar de ser beijado. Para ver as nuvens, mas não deixa-las me tirar a visão das estrelas.
Não há como negar que pensando nela corro contra o tempo. Busco sensações do passado, as encaixo na minha realidade atual e, como se fosse possível e saudável, crio cenários de viver isso novamente. É, definitivamente, eu não sei sentir saudade.
Sendo há um bom tempo turista dos amores alheios, faço caridade, guardo os meus sentimentos no olhar e aceno com os lábios, como quem diz que onde quer que a gente vá, que levemos o nosso coração. E eu sempre levo, pois, a gente só abre o coração dos outros quando abrimos os nossos. Sim, os nossos.
Então, mesmo com a saudade que insiste ser vizinha, se eu pudesse, continuaria tendo dois corações. Um para amar, e outro também.
Amores são como sapatos: os melhores são os que machucam. Quanto mais nas alturas eles nos elevam, mais duro é voltar a ter os pés no chão quando a festa termina.
Não é bem assim.
De que adianta viver rodeada de scarpins salto 15 se eles não foram feitos para dançar a noite inteira? E a história se repete. É descer do salto e andar de pés descalços sujeita a cacos de vidros no chão. Pois, é melhor correr o risco de se cortar do que parar de dançar, não é?
Sapatos (e amores), também precisam ser do número certo. Os maiores são frouxos, sobra muito espaço vazio, abandonam os pés e se fazem perder pelo caminho. Os menores apertam, sufocam, fazem sangrar e causam feridas pela falta de liberdade. De ambos os jeitos, exigem cuidado demais a cada passo para evitar tropeços no primeiro paralelepípedo. Dificultam a caminhada. Tornam impossível pegar a estrada e seguir adiante.
Não adianta se contentar com o “quase serviu”. Sapatos, assim como amores, não mudam seu jeito de ser só porque nos apaixonamos por eles.
Sapatos (e amores) precisam ser confortáveis, companheiros para enfrentar a caminhada junto. Precisam nos encorajar a trilhar um caminho leve, sem dor. Alguns se desgastam com o tempo, outros cedem e se rompem. Tudo bem. Aquele sapato (ou seria amor?) simplesmente não serve mais.
A busca hoje é esta. Por sapatos e amores que não machuquem e que nos levem cada vez mais longe.
“Como é que se diz eu te amo?” – Não foi só Renato Russo: Todo mundo, em algum momento da vida, já se fez essa pergunta. O amor pode se converter em palavras, mas em tantas outras coisas também. E –em se tratando de amor e afins – acho que as palavras se tornam obsoletas, inúteis, insuficientes. Até porque já me disseram ‘eu te amo’ de tantas formas.
Aquecendo meu café, saindo mais cedo pra me dar uma carona, me abraçando forte. Me fazendo cafuné. Elogiando meu cabelo. Me trazendo inspiração de presente. Me dando o lugar na fila quando eu estava apressada, segurando meus livros no ônibus quando não havia lugar para sentar, tomando minhas dores numa discussão, deixando-me à vontade em minha solidão quando precisei. Já recebi amor embrulhado pra presente.
Já me disseram eu te amo com um simples sorriso – e foi tão melhor do que aquelas três palavras. Já me trouxeram amor em forma de consolo, em forma de beijo, em forma de bronca. Incrível como o amor pode ter tantas formas e ser sensacional em todas elas.
Por isso é tão injusto culpar alguém por não conseguir converter o amor em palavras quando consegue convertê-lo em tantas outras coisas mais bonitas, mais sinceras, mais autênticas. É triste condenar aquele que não sabe traduzir o que sente em palavras quando é mais conhecedor do amor que tantos poetas habilidosos.
Em um mundo em que o amor é tão banalizado, em que dizer “eu te amo“ se transformou numa simples forma de puxar assunto, ser amado em silêncio é um privilégio – porque, curiosamente, a verdade do amor se revela melhor sem palavras. Pequenas gentilezas traduzem-no melhor que qualquer verso de amor exagerado. Ceder numa briga é mais belo que qualquer buquê de rosas vermelhas – que, em poucos dias, estará murcho e jogado numa lixeira.
Nesse mundo em que expressar-se deixou de ser uma necessidade para transformar-se em obrigação, aprender a respeitar o silêncio do outro faria bem às nossas relações. E aprender a ler o silêncio do outro faria bem à nossa alma –pois o silêncio pode dizer tanto se a gente tiver sensibilidade pra ouvir.
Cabe-nos parar de condicionar o amor a um milhão de versos, de verbos, de alianças, de declarações públicas clichês, de atitudes pré-concebidas. Valorizemos quem “nos ama calado, como quem ouve uma sinfonia.”Porque o amor genuíno tem um milhão de sentidos – cada um mais intraduzível que o outro.
Hoje eu queria falar de pressa, da urgência que temos das coisas e de culpa – culpa por não querer protelar as emoções. Na verdade, nesse momento, quero me ater ao discurso sobre o amor, ou melhor, à urgência que temos de amar, sem nos preocuparmos com julgamentos. De tanto amar errado, percebi que estamos muito mal acostumados com os padrões. Por exemplo: se conhecemos alguém, e em menos de 24 horas sentimos vontade de casar com essa pessoa, nos culpamos, pois aprendemos que mostrar interesse rápido por alguém nos faz perder o respeito do outro, nos faz parecer franzinos. Se nos encantamos no primeiro encontro, e saímos por aí divulgando isso aos quatro cantos, com um sorriso de fora a fora no rosto, somos precipitados, imaturos, iludidos. E é sempre assim: para a grande maioria, relacionamento só dá certo se um dos dois se faz de difícil. Teorias que não passam de teorias, apenas.
Não tenho tido muita paciência para ficar na fila do “mais do mesmo”. Talvez por isso tenho pedido menos conselhos, lido menos livros de autoajuda e me comparado menos com os outros. Levantei a bandeira, joguei a toalha, entreguei as cartas, saí fora dessa redoma que acha que felicidade é produto, que pode ser fabricada, que tem fórmula pronta – fórmula da indiferença, da cara feia, do nariz empinado.
Queria muito entender porque damos tanta importância ao que os outros pensam. Isso é cultural, eu sei. Vivi assim por anos. O que me intriga é ver essa seita com milhares de seguidores fiéis – milhares de pessoas que deixam de dizer ‘eu te amo’ porque isso só se pode dizer com o passar do tempo. Acho isso tão cruel: abafar felicidade. Acredito piamente que temos mais é que dizer as coisas no momento em que estamos sentindo. Sufocar emoção dói, angustia, nos traz um falso ar de superioridade – eu disse ‘falso ar de superioridade`. Deixar de dizer o que se sente não faz ninguém mais forte. Não existem argumentos para essa defesa. O problema é que pensar assim, sozinho, é complicado. Se o outro não entende e prefere dar valor a quem se faz de difícil, a quem deixa o ‘eu te amo’ entalado por tempos na garganta, é natural que você balance, titubei, chore, perca forças…Mas uma coisa é certa:nada dói mais que mentir pra si mesmo.
qualquer sentimento é bem-vindo, mesmo que não seja uma euforia, um gozo, um
entusiasmo, mesmo que seja uma melancolia. Sentir é um verbo que se conjuga para
dentro, ao contrário do fazer, que é conjugado pra fora.
Sentir alimenta, sentir ensina, sentir aquieta. Fazer é muito barulhento.
“Sonhos interrompidos, detalhes despercebidos, amores mal resolvidos. Choros sem ter razão, pessoas no coração, atos por impulso. Amor e carinho constante, distraída o bastante, não paro por um instante.”
“Não dê importância à melhor roupa para vestir, à melhor frase para o primeiro encontro, às calorias que deve queimar, à melhor resposta para quem lhe ofendeu, às perguntas que precisa fazer para se autoconhecer. Chega de se autoconhecer. Deixe-se em paz.”
Incerto é o nosso destino, pois, por mais que façamos escolhas, elas só se mostrarão acertadas ou desastrosas lá adiante, na hora do balanço final. Incertos são nossos amores, e por isso é tão importante sentir-se bem mesmo estando só. Enfim, incerta é a vida e tudo o que ela comporta.
Amizade não é só empatia, é cultivo. Exige tempo, disposição. E o mais importante: o carinho não precisa – nem deve – vir acompanhado de um motivo. As pessoas se falam basicamente nos aniversários, no Natal ou para pedir um favor – normalmente tem que haver alguma razão prática ou festiva para fazer contato, e para saber a diferença entre um amigo ocasional e um amigo de verdade, basta tirar a razão de cena.
Você não precisa de uma razão. Basta sentir a falta dessa pessoa. E,… quando estão juntos, tratarem-se muito bem. Difícil exemplificar o que é tratar bem. Se são amigos mesmo, não precisam nem falar, podem caminhar lado a lado, em silêncio. Não é preciso trocar elogios constantes, podem até pegar no pé um do outro, delicadamente. Não é preciso se rasgar em manifestações constantes de carinho, podem dizer verdades duras, às vezes, elas são necessárias. Mas há sempre algo sublime entre os amigos de verdade. Talvez respeito seja a palavra-chave. Admiração, certamente. Cumplicidade? Mais do que isso. Sintonia? Acho que é amor. Só mesmo amando para você confiar a ele o seu próprio inferno. E para não invejar as vitórias um do outro. Por amor, você empresta suas coisas, dá o seu tempo, é honesto nas suas respostas, cuida para não ofender, abraça causas que não são suas, entra numas roubadas, compreende alguns sumiços – mas liga quando o sumiço é exagerado. Correria não é desculpa!
Vampiros deixam você murchinha, chupam até a última gota. Um belo dia você descobre que nunca recebeu nada em troca, que foi sempre um ombro amigo, que sempre esteve à disposição, e sofreu tão solitariamente que hoje se encontra aí, mais carniça do que carne. E ocorre também entre amigos, entre colegas de trabalho, entre familiares, não só nas relações de amor.
Doe sangue para hospitais. Dê seu sangue por um projeto de vida, por um sonho. Mas não doe para aqueles que sempre, sempre, sempre vão lhe pedir mais e lhe retribuir jamais.
Ontem ele mandou uma mensagem dizendo que sentia falta dela. Ela sorriu, e apagou. Continuou indo para frente sem vontade nenhuma de olhar para trás. Me desculpe, ou não. Mas tem coisas na vida que a gente só erra uma vez.
Eu não te peço todo o seu tempo mas te prometo o meu colo sempre que você tiver livre. E que você seja livre, pra escolher, porque eu não posso as suas asas cortar mas te prometo um jardim tranquilo e florido se decidires pousar. É…acho que eu gosto um pouco de você…
Generoso, mesmo, é quem te enxerga, escuta, apoia, elogia, entende o que você está sentindo, propõe alternativas para você se safar das suas angústias, é bom parceiro.
Generoso é quem não espera que o outro se ajoelhe em agradecimento, é quem não usa a dedicação como moeda de troca: “Fiz isso por você, agora se desdobre por mim.” Nada disso: generoso é aquele que nem percebe a grandeza do que está fazendo, porque é da sua natureza pensar no outro visando o bem, sem contabilizar o que poderá lucrar com isso.
Dentro de um abraço
Onde é que você gostaria de estar agora, nesse exato momento?
Fico pensando nos lugares paradisíacos onde já estive, e que não me custaria nada reprisar: num determinado restaurante de uma ilha grega, em diversas praias do Brasil e do mundo, na casa de bons amigos, em algum vilarejo europeu, numa estrada bela e vazia, no meio de um show espetacular, numa sala de cinema assistindo à estreia de um filme muito esperado e, principalmente, no meu quarto e na minha cama, que nenhum hotel cinco estrelas consegue superar – a intimidade da gente é irreproduzível.
Posso também listar os lugares onde não gostaria de estar: num leito de hospital, numa fila de banco, numa reunião de condomínio, presa num elevador, em meio a um trânsito congestionado, numa cadeira de dentista.
E então? Somando os prós e os contras, as boas e más opções, onde, afinal, é o melhor lugar do mundo?
Meu palpite: dentro de um abraço.
Que lugar melhor para uma criança, para um idoso, para uma mulher apaixonada, para um adolescente com medo, para um doente, para alguém solitário? Dentro de um abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve.
Que lugar melhor para um recém-nascido, para um recém-chegado, para um recém-demitido, para um recém-contratado? Dentro de um abraço nenhuma situação é incer-ta, o futuro não amedronta, estacionamos confortavelmente em meio ao paraíso.
O rosto contra o peito de quem te abraça, as batidas do coração dele e as suas, o silêncio que sempre se faz durante esse envolvimento físico: nada há para se reivindicar ou agradecer, dentro de um abraço voz nenhuma se faz necessária, está tudo dito.
Que lugar no mundo é melhor para se estar? Na frente de uma lareira com um livro estupendo, em meio a um estádio lotado vendo seu time golear, num almoço em família onde todos estão se divertindo, num final de tarde à beiramar, deitado num parque olhando para o céu, na cama com a pessoa que você mais ama?
Difícil bater essa última alternativa, mas onde começa o amor, senão dentro do primeiro abraço? Alguns o consideram como algo sufocante, querem logo se desvencilhar dele. Até entendo que há momentos em que é preciso estar fora de alcance, livre de qualquer tentáculo. Esse desejo de se manter solto é legítimo, mas hoje me permita não endossar manifestações de alforria. Entrando na semana dos namorados, recomendo fazer reserva num local aconchegante e naturalmente aquecido: dentro de um abraço que te baste.
homens são como cofres
tem segredos guardados
mulheres são como ladras
precisam arrombá-los
o amor
a gente espera
ele não vem
a gente busca
vem contrariado
deixa solto
vira refém
deixa preso
é amor obrigado
a gente libera
não vai além
a gente aprisiona
fica cansado
se deixa rolar
não pinta ninguém
o amor
a gente pensa que tem
Queixos tremem de emoção
olhares embaçam de tão tristes
sorrisos iluminam um ambiente
vincos surgem com o sofrimento
peles acetinam ao serem tocadas
e olheiras revelam um impasse…
Através da face é possível ler todos os sentimentos.
…
Mas é o que devemos continuar fazendo. Despir nossa alma e mostrar pra valer quem somos, o que trazemos por dentro.
Não conheço strip-tease mais sedutor.
Te desejo toda a felicidade que puder aguentar
Os olhos da cara
Recentemente participei de um evento profissional só para o público feminino. Era um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres de todas as raças, credos e idades. Principalmente idades. Lá pelas tantas fui questionada sobre a minha, e como não me envergonho dela, respondi. Foi um momento inesquecível. A platéia inteira fez um “oooohh” de descrédito. E quando eu disse que, até aqui, ainda não enfiei uma única agulha no rosto ou no corpo, foi mais emocionante ainda: “oooooooooooooooohhhhhh”. Aí fiquei pensando: pô, estou nesse auditório há quase uma hora exibindo minha incrível e sensacional inteligência, e a única coisa que provocou uma reação calorosa na mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho. Onde é que nós estamos?
Onde não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado “juventude eterna”. Estão todos em busca da reversão do tempo, e com sucesso: quanto mais ele passa, mais moços ficamos. O.k., acho ótimo, porque decrepitude também não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas. Há um outro truque que faz com que continuemos a ser chamadas de senhoritas mesmo em idade avançada. A fonte da juventude chama-se mudança. Eu sei disso, você sabe, e a escritora Betty Milan também, tanto que enfatizou essa frase em seu mais recente livro, Quando Paris Cintila. De fato, quem é escravo da repetição está condenado a virar cadáver antes da hora. A única maneira de sermos idosos sem envelhecer é não nos opormos a novos comportamentos, é termos disposição para guinadas. É assim que se morre jovem, sem precisar ter o mesmo destino de um James Dean ou de uma Marylin Monroe. Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos.
Mudança, o que vem a ser tal coisa?
Minha mãe recentemente mudou-se do apartamento em que morou a vida toda para um bem menorzinho. Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras que havia guardado, e mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu. Uma amiga casada há 38 anos cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos de idade. Rejuvenesceu. Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou um ótimo emprego em Porto Alegre por um não tão bom, só que em Florianópolis, onde ela caminha na beira da praia todas as manhãs. Rejuvenesceu.
Toda mudança cobra um alto preço emocional. Antes de tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, chora-se muito, os questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza. Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí a recompensa fica escancarada na face.
Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna. Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco, porque não existe plástica que resgate seu brilho. O que dá brilho ao nosso olhar é a vida que a gente optou por levar. Um olhar iluminado, vivo e sagaz impede que a pessoa envelheça. Olhe-se no espelho. Você tem um olhar de quem estaria disposta a cometer loucuras? Tem que ter.
E aí pode abrir o jogo, contar a verdade: tenho 39, 46, 57, 78 anos! Ooooooohhhhh. Uma guria.
‘Não sei se você percebeu, mas viver é nossa única opção real. Antes de nascermos, era o nada. Depois, virá mais uma infinidade de nada. Essa merrequinha de tempo entre dois nadas é um presentaço. Não seja maluco de desperdiçar. […] Não é preciso chegar num momento-limite para se dar conta disso. O enfrentamento das pequenas mortes que nos acontecem em vida já é o empurrão necessário. Morremos um pouco todos os dias, e todos os dias devemos procurar um final bonito antes de partir.
Quem dera um esforço de conscientização resolvesse o assunto.
Amizade não é só empatia, é cultivo. Exige tempo, disposição. E o mais importante: o carinho não precisa – nem deve – vir acompanhado de um motivo. As pessoas se falam basicamente nos aniversários, no Natal ou para pedir um favor – normalmente tem que haver alguma razão prática ou festiva para fazer contato, e para saber a diferença entre um amigo ocasional e um amigo de verdade, basta tirar a razão de cena.
“Que honremos o fato de ter nascido, e que saibamos desde cedo que não basta rezar um Pai Nosso para quitar as falhas que cometemos diariamente. Essa é uma forma preguiçosa de ser bom. O sagrado está na nossa essência, e se manifesta em nossos atos de boa fé e generosidade, frutos de uma percepção profunda do universo, e não de ocasião. Se não estamos focados no bem, nossa aclamada religiosidade perde o sentido”
Cada não que eu recebi na vida entrou por um ouvido e saiu pelo outro.
Não os colecionei. Não foram sobrevalorizados. Esperei, sem pressa, a hora do sim.
Porque a cidade da gente é isso, um lar. Nem precisamos de chave, a porta está sempre encostada, esperando por nós.
“Como se mede uma pessoa? Os tamanhos variam conforme o grau de envolvimento. Ela é enorme pra você quando fala do que leu e viveu, quando trata você com carinho e respeito, quando olha nos olhos e sorri destravado. É pequena pra você quando só pensa em si mesmo, quando se comporta de uma maneira pouco gentil…
Uma pessoa é gigante pra você quando se interessa pela sua vida, quando busca alternativas para o seu crescimento, quando sonha junto. É pequena quando desvia do assunto.
Uma pessoa é grande quando perdoa, quando compreende, quando se coloca no lugar do outro, quando age não de acordo com o que esperam dela, mas de acordo com o que espera de si mesma…
Uma mesma pessoa pode aparentar grandeza ou miudeza dentro de um relacionamento, pode crescer ou decrescer num espaço de poucas semanas: será ela que mudou ou será que o amor é traiçoeiro nas suas medições? Uma decepção pode diminuir o tamanho de um amor que parecia ser grande. Uma ausência pode aumentar o tamanho de um amor que parecia ser ínfimo.
Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande. É a sua sensibilidade sem tamanho.”
Martha Medeiros
“Nenhum encantamento se mantém sem uma boa supervisão. Não basta dar corda e depois cruzar os braços. Não dá pra apertar o botão e depois sair para tomar um lanche. Não se pode confiar na sorte”.
(trecho extraído do livro em PDF: A graça da coisa)
O que pode dar fim a um amor é a separação de percepção: um enxerga o mundo em cores, o outro em preto-e-branco. Um percebe a delicadeza e a profundidade de tudo o que existe, o outro não consegue ir além da superfície.
A falta absoluta de afinidades emocionais e intelectuais torna a convivência desértica e sem comunicação. Sentir o mundo de forma parecida é o que formata uma dupla.
O contrário do amor não é o ódio, e sim a indiferença. Quem odeia está mais envolvido do que supõe…
“Para sermos indiferentes a alguém, precisamos do quê? De coisa alguma. A pessoa em questão pode saltar de bung-jump, assistir aula de fraque, ganhar um Oscar ou uma prisão perpétua, estamos nem aí. Não julgamos seus atos, não observamos seus modos, não testemunhamos sua existência. Ela não nos exige olhos, boca, coração, cérebro: nosso corpo ignora sua presença, e muito menos se dá conta de sua ausência. Não temos o número do telefone das pessoas para quem não ligamos. A indiferença, se tivesse uma cor, seria cor da água, cor do ar, cor de nada.”
“Somos todos pontas de icebergs, só deixamos amostra parte do que somos.”
” Faça o bem para si e acredite: ninguém vai se chatear com isso. Negue-se a participar de coisas em que não acredita ou que simplesmente o aborrecem. Presenteie-se com boa música, bons livros e boas conversas. Não troque sua paz por encenação. Não faça nada que o desagrade só para agradar aos outros.”
Mãe é de outro mundo. É emocionalmente incorreta: exclusivista, parcial, metida, brigona, insistente, dramática, chega a ser até corruptível se oferecermos em troca alguma atenção. Mãe sofre no lugar da gente, se preocupa com detalhes e tenta adivinhar todas as nossas vontades. Enquanto que o mundo propriamente dito exige eficiência máxima, seleciona os mais bem dotados e cobra caro pelo seu tempo. Mãe é de graça!
O silêncio a dois não incomoda,
pois é o silêncio da paz.
O único silêncio que perturba,
é aquele que fala.
e mesmo assim, você entende a mensagem
Que o mar esteja sempre azul, que o céu seja farto de estrelas, que o vinho nunca seja proibido, que o amor seja respeitado em todas as suas formas, que nossos sentimentos não sejam em vão, que saibamos apreciar o belo, que percebamos o ridículo das ideias estanques e inflexíveis, que leiamos muitos livros, que escutemos muita música, que amemos de corpo e alma, que sejamos mais práticos do que teóricos, mais fáceis do que difíceis, mais saudáveis do que neurastênicos, e que não tenhamos tanto medo da palavra felicidade, que designa apenas o conforto de estar onde se está, de ser o que se é e de não ter medo, já que o medo infecciona a mente.
Viver não é seguro. Viver não é fácil. E não pode ser monótono. Mesmo fazendo escolhas aparentemente definitivas, ainda assim podemos excursionar por dentro de nós mesmos e descobrir lugares desabitados em que nunca colocamos os pés, nem mesmo em imaginação. E estando lá, rever nossas escolhas e recalcular a duração de “pra sempre”. Muitas vezes o “pra sempre” não dura tanto quanto duram nossa teimosia e receio de mudar
Vai ou fica? Arrisca ou Espera? Aceita ou recusa? Que o destino, de vez em quando, decida por nós. A gente merece uma trégua.
Quem dá brilho ao nosso olhar é a vida que a gente optou por levar. Um olhar iluminado, vivo e sagaz impede que a pessoa envelheça. Olhe-se no espelho. Você tem um olhar de quem estaria disposta a cometer loucuras? Tem que ter.
O pensamento é o território mais protegido do mundo, e ao mesmo tempo o mais livre. Só nós sabemos o que se passa por nossa mente. O pensamento não exige ortografia, pronúncia, sensatez. O pensamento não tem fronteiras, lógica, advogado de
defesa ou carrasco. O pensamento é zona franca, terra de ninguém, um lugar onde sempre há vaga. O pensamento é o único lugar onde ainda estamos seguros, é onde nossa loucura é permitida e onde todos os nossos atos são inocentes.
Pois, diante desse imenso ponto de interrogação que é o futuro de todos nós, reformulei minhas crenças: estou me dando o direito de não pensar tanto, de me cobrar menos ainda, e deixar para compreender depois. Desisti de atracar o barco e resolvi aproveitar a paisagem.
Ama-se pela paz que transmite
Sentir-se amado é ver que ela lembra de coisas que você contou dois anos atrás, é vê-la tentar reconciliar você com seu pai, é ver como ela fica triste quando você está triste e como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo uma tempestade em copo d’água. “Lembra que quando eu passei por isso você disse que eu estava dramatizando?” Então, chegou sua vez de simplificar as coisas. “Vem aqui, tira esse sapato.”
Sentem-se amados aqueles que perdoam um ao outro e que não transformam a mágoa em munição na hora da discussão. Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente bem-vindo, que se sente inteiro. Sente-se amado aquele que tem sua solidão respeitada, aquele que sabe que não existe assunto proibido, que tudo pode ser dito e compreendido.
Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é, sem inventar um personagem para a relação, pois personagem nenhum se sustenta muito tempo. Sente-se amado quem não ofega, mas suspira; quem não levanta a voz, mas fala; quem não concorda, mas escuta.
Agora sente-se e escute: eu te amo não diz tudo.
Martha Medeiros
Educação enferruja por falta de uso. E, detalhe: não é frescura.
ACORDO DE UNIÃO INSTÁVEL
(Martha Medeiros)
Eu me comprometo a estar ao seu lado enquanto for agradável, divertido, estimulante, e também nos momentos em que for chato (mas não insuportável), nos momentos desanimados (mas não sem vida), nos momentos que exigirem paciência (mas não sacrifício). Quando chegarmos ao insuportável e sacrificante, eu vou embora, ou vai você – sai primeiro aquele que estiver mais perto da porta.
Eu me comprometo a estar com você sempre que der vontade, e não estar com você sempre que der vontade de estar com amigos com quem tenho gargalhadas privadas a trocar, ou quando eu precisar ficar sozinha, pois estar consigo mesma também é uma relação a ser preservada, e em troca, é óbvio: você terá todo o tempo do mundo para o seu mundo.
Eu me comprometo a amar você porque você é gentil, surpreendente, diferente, carinhoso, lindo, sem noção, pontual e tem olhos verdes, e espero que você repare que sou livre, intuitiva, generosa, durona, divertida, pontual e tenho olhos castanhos, e que nada disso garante coisa nenhuma, apenas intensifica o frio na barriga. Entrar no universo do outro é sempre uma viagem excitante.
Eu me comprometo a ter água gelada e bananas, você prometa ter vinho branco e morangos. Eu juro que vou desligar a tevê quando você chegar, você promete acender a lareira quando eu aparecer, eu vou esticar os lençóis antes de a gente deitar, você vai amarfanhar meus lençóis antes de ir embora, e isso tudo vai ser simplesmente bom.
Eu me comprometo a dizer a verdade sobre coisas que você não quer saber, mas vai perguntar: a vida amorosa antes de você aparecer, o que fiz e desfiz, a normalidade da minha adolescência (compensada por algumas bizarrices da maturidade), tudo isso entrará no espólio da nossa relação, e eu, a contragosto, escutarei sobre todas as embrulhadas em que você já se meteu, os sofrimentos causados por suas ex-amantes e acreditarei que sou a salvação da sua lavoura, até que a próxima me desbanque. Você sabe que paixão rima com ilusão, então me iluda e eu te iludo, até que tudo se transforme na verdade mais absoluta.
Não sei se irei gostar tanto assim dos seus primos, que você considera tão hilários, e eu não sei se você gostará tanto assim das minhas amigas, que eu considero tão extraordinárias, mas vamos confiar na nossa capacidade de fingir com toda honestidade.
E agora a razão primordial deste contrato. Se eu sumir, você fica com nossas lembranças, nossas selfies e nossas escovas de dente: proibido compartilhar. Se você desaparecer, eu fico com nossos panos sobre os sofás, nossos cachorros e nossas histórias: que por dever de ofício, talvez eu compartilhe, mas com discrição.
E que toda essa deliciosa loucura dure para sempre até o sol raiar.
“Ser autêntico virou ofensa pessoal. Ou a criatura faz parte do rebanho, ou é um metido a besta.”
Entre amigos
quem voce pensa que é
(…)Cace o afeto, procure quem vc gosta de verdade, tire férias de rancores e mágoas, abrace forte, sorria, permita que lhe cacem também.
Cace a liberdade que anda tão rara, liberdade de pensamento, de atitudes, vá ao encontro de tudo que não tem regras, patrulha, horários. Cace o amanhã, o novo, o que ainda não foi contaminado por críticas, modismos, conceitos, vá atrás do que é surpreendente, o que se expande na sua frente, o que lhe provoca prazer de olhar,sentir,sorver(…)
O ARREPENDIMENTO
Tive um pequeno apartamento que vendi mobiliado, mas me aconselharam a retirar ao menos o lustre, já que era uma peça que parecia rara. Então lá fui eu retirar do teto um lustre enorme e empoeirado, e até hoje ele anda pra lá e pra cá no bagageiro do meu carro, pois não encontro tempo para ir a um antiquário. Cada vez que abro o porta-malas, onde costumo transportar as sacolas do supermercado, me deparo com o espaço ocupado pelo lustre e me pergunto: por que não o deixei para o novo morador? Ganância, senhores.
Essa é uma pequena história sobre arrependimento. Igual a essa, tenho dezenas, todas tão desimportantes quanto. Convites que não deveria ter aceitado, desabafos que eu não precisava ter feito, e-mails escritos depois de três cálices de vinho, esse tipo de coisa, bobeiras contumazes que não estragam nossa vida, apenas fazem com que a gente se envergonhe por uns dias e acabe aprendendo mais sobre si mesmo. Os poucos remorsos sérios têm a ver com relações afetivas e familiares (a velha culpa: onde eu estava que não vi isso, não percebi aquilo?), mas, ainda, tudo dentro da cota permitida de vacilos.
Arrependimentos nos amadurecem e nos ajudam na correção de rota. Só se tornam um problema quando a rota terminou, quando falta apenas meia-dúzia de curvas para a estrada chegar ao fim.
Ninguém simpatiza com a velhice avançada e motivos não faltam: doenças, falta de memória, perda da autossuficiência e outros enguiços comuns a quem rodou bastante. Ainda assim, doloroso mesmo é chegar tão longe e descobrir que entre os arrependimentos há um, ou dois, ou vários que não foram desimportantes, e sim cruciais.
Excetuando as pessoas que confiam na vida eterna, para todas as outras, que acreditam apenas na vida antes da morte, nada pode ser mais triste do que, no balanço final, descobrir que abriu mão de um amor por causa de conveniências, que não foi amigo dos filhos porque só pensava em si mesmo, que não realizou projetos pessoais por causa de preguiça, que nunca arriscou uma guinada por causa de medos que agora parecem sem sentido, que gastou seu tempo com gente idiota e hábitos herdados de uma sociedade fútil, que não se permitiu conviver com pessoas diferentes por preconceito. Esse é o arrependimento que não é uma bobeira contumaz, pois resulta numa secreta tragédia pessoal: o desperdício de uma vida que poderia ter sido mais bem preenchida, mais estimulante e com mais oportunidades de expansão.
Tem boa notícia no final do texto? Tem. É sobre aquela meia dúzia de curvas que restam. Pode parecer pouco, mas é o que se tem para hoje, e hoje é tudo o que importa.
O amor, ao contrário do que se pensa,não tem que vir antes de tudo. Ele não é uma garantia de que apartir do seu surgimento, tudo mais dará certo.
“Gean!
Acabei de assistir sua entrevista com Renata e li seu texto da moça que fugiu num motorhome. Estou encantada com você.
Sabe quando você diz que gosta mais da história da autora de Harry Potter do que dos livros dela? Pois então. Você também é
um “personagem” incrível, tem carisma, tem talento, tem garra. Eu não sou muito de opinar sobre os textos dos outros (ao menos
não atendendo a pedidos), mas saiba que achei a história lírica, uma história que na verdade é um lugar comum mas que você
conseguiu imprimir personalidade, deu seu toque autoral. Olha, não tenho previsão de ir a SC agora, ando bem louca de trabalho e
compromissos, mas um dia a gente vai se encontrar por aí, tenho certeza. Continua me seguindo no Insta e no Youtube! Foi
um prazer te conhecer. Sucesso para seus livros e para sua vida!
Beijão,
Martha”
Escritora Martha Medeiros em e-mail enviado à Gean Zanelato sobre crônica “A Duras Penas”.
Faça valer a sua passagem por aqui. Não sei se você percebeu, mas viver é nossa única opção real. Antes de nascermos, era o nada.
É erótico ver uma mulher que sorri, que chora, que vacila, que fica linda sendo sincera, que fica uma delícia sendo divertida, que deixa qualquer um maluco sendo inteligente.
Uma mulher que diz o que pensa, o que sente e o que pretende, sem meias-verdades, sem esconder seus pequenos defeitos – aliás, deveríamos nos orgulhar de nossas falhas, é o que nos torna humanas, e não bonecas de porcelana.
(Crônica Outro tipo de mulher nua)
Na maturidade, não tem ninguém esperando no portão pra nos levar pra casa, mas tem uma caminhada excitante rumo a um prazer que só quem se arrisca, conhece. O prazer da independência. O prazer de ter a sua assinatura avalizando cada uma de suas conquistas.
Já quem se falsificou num adulto que parece que é, mas não é, desperdiçou a chance de ter uma vida autêntica porque se assustou com a poeira no horizonte, previu que seria uma luta perdida, que não daria conta. Mas daria. O gigante, em qualquer circunstância, somos nós.
Martha Medeiros
‘[…] O fato é que queremos, todos, compreender. É irritante não entender o final de um filme, e mais ainda o final de um amor. Pior do que dever dinheiro é ficar devendo respostas para as questões que nos formulamos. Exigimos explicações de nós mesmos, na esperança de que isso nos acalme. Como se fosse possível apreender todo o mistério do mundo, como se houvesse palavras suficientes pra denominar todos os sentimentos que nos assaltam. […]”
E não existem mesmo palavras suficientes para descrever tudo aquilo que sentimos, vemos e vivemos. As significações não aportam nem metade daquilo que se vive e se tenta demonstrar. Viver ultrapassa qualquer explicação, qualquer frase, qualquer texto. É coisa que só quem sente sabe o que é, mesmo que não saiba descrever.
Porque mesmo tendo meus momentos de azedume e melancolia, porque mesmo administrando inúmeros conflitos internos, sou feliz, CRETINAMENTE feliz. Que me perdoem tal mácula no currículo os que forem infelizes e indubitavelmente mais inteligentes.
Passamos a vida inteira ouvindo os sábios conselhos dos outros. Tens que aprender a ser mais flexível, tens que aprender a ser menos dramática, tens que aprender a ser mais discreta, tens que aprender… praticamente tudo. Mesmo as coisas que a gente já sabe fazer, é preciso aprender a fazê-las melhor, mais rápido, mais vezes. Vida é constante aprendizado. Houve um tempo em que eu pensava que, para isso, seria preciso nascer de novo, mas hoje sei que dá pra renascer várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar.
Por isso, qualquer sentimento é bem-vindo, mesmo que não seja uma euforia,um entusiasmo, mesmo que seja uma melancolia. Sentir é um verbo que se conjuga para dentro, ao contrário do fazer, que é conjugado pra fora.
É mil vezes preferível uma voz que diga coisas que a gente não quer ouvir, pois ao menos as palavras que são ditas indicam uma tentativa de entendimento.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
A princípio bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos!
Ter liberdade é fácil, difícil é entender que a liberdade não é a troca do velho pelo novo, não é a busca por viver emoções diferentes a cada dia, ou viver de forma intensa atropelando a vida e os sentimentos.
A liberdade pode ser cruel, se você não tomar cuidado ela só mostrará as pessoas a beleza das flores da árvore da sua vida, mas não as raízes de quem você é.
Tudo pode virar passageiro, fútil, inútil. E você refletir exatamente isto. Você pode se tornar uma pessoa extremamente agradável para bons momentos e não uma pessoa para a vida das pessoas, de alguém.
A liberdade não pode e nem deve ser a busca da cura das dores do passado.
O tempo de liberdade ameniza, mas não cura, muito pelo contrário ele pode machucar muito mais.
Porque liberdade também significa escolhas, trocas e abandono, pode te cegar e te fazer freneticamente buscar novas formas de viver, novas aventuras, novas pessoas.
Ela pode te transformar numa pessoa fria, insensível e extremamente dura, criando defesas e mais defesas porque você começa a achar que se apegar, sentir, gostar é uma forma de te podar, de te acorrentar.
Então você isola tudo aquilo que possa “tirar a sua liberdade” e busca a cada dia uma novidade.
“A novidade preenche, mas não substitui, principalmente pessoas”
A liberdade tem que ser vivida não como fuga, como se não houvesse um amanhã, mas sim como forma de fazer escolhas que engrandecem a sua vida, que te levem a conquistas sólidas e não passageiras.
Como disse Pablo Neruda:
“Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências.”
E a pior delas é viver por si só, só pensando em você, isto não é liberdade, mas egoísmo.
Seja livre, mas busque o equilíbrio, não perca sua essência, muito menos suas raízes.
Seja livre, talvez vá o mais longe que puder, mas não perca de vista o seu mundo.
Faca da sua liberdade uma ferramenta de construção e não de destruição, da destruição de quem você é.
Atravessar fronteiras era um desejo meu desde menina, incluindo as fronteiras mentais, não apenas as geográficas. Conhecer, descobrir, avançar, aprender: verbos que de certa forma me definem, todos relacionados com o exercício da liberdade.
Envelhecer, quem sabe
não seja assim tão desastroso
me interessa perder esta ansiedade
me atrai ser atraente mais tarde
um pouco mais de idade, que importa
envelhecer, quem sabe
não seja assim tão só
Mais que as mentiras, o silêncio é que é a verdadeira arma letal das relações humanas.
Eu já fui um caramujo ambulante, daquelas criaturinhas desconfiadas, que torcia o nariz para tudo o que não fosse xerox do meu pensamento. Desprezava os diferentes de mim e com isso, claro, custava para encontrar meu lugar no mundo. Era praticamente um autoboicote. Me trancava no quarto e achava que ninguém me compreendia. Ora, nem podiam mesmo. Aliás, nem queriam. (…)
Quando alguém me diz “como você tem sorte”, penso que tenho mesmo. Mas não a sorte de receber tudo caído no colo, e sim a sorte de ter percebido a tempo que nosso maior inimigo é a falta de humor.
Sem humor, brota preconceito para tudo que é lado. A gente começa a ter mania de perseguição, qualquer coisa parece difícil e uma discussãozinha à toa vira um dramalhão. Prefiro escalar uma montanha a viver dessa forma cansativa.
Caso você não tenha recebido gratuitamente na sua herança genética, dá pra desenvolver por si próprio.
Isso vem ao encontro de algo que sempre defendi, por mais que pareça egoísmo: se quer colaborar com o mundo, comece por você.
Tem gente à beça fazendo discurso pela ordem e reclamando em nome dos outros, mas mantém a própria vida desarrumada. Trabalham naquilo que não gostam, não se esforçam para conservar uma relação de amor, não cuidam da própria saúde, não se interessam por cultura e informação e estão mais propensos a rosnar do que a aprender. Com a cabeça assim minada, vão passar que tipo de tranquilidade adiante? Que espécie de exemplo? E vão reivindicar o quê?
Quer uma cidade mais limpa, comece pelo seu quarto, seu banheiro e seu jardim. Quer mais justiça social, respeite os direitos da empregada que trabalha na sua casa. Um trânsito menos violento, é simples: avalie como você mesmo dirige. E uma vida melhor para todos? Pô, ajudaria bastante
colocar um sorriso nesse rosto, encontrar soluções viáveis para seus problemas, dar uma melhorada em você mesmo.
Parece simplório, mas é apenas simples.
Se a felicidade depende de nossas escolhas, é da sorte a última palavra. Você pode escolher livremente virar à direita, e não à esquerda, mas é a sorte que determinará quem vai cruzar com você pela calçada, se um assaltante ou o Chico Buarque.
O que todos deveríamos aceitar: nosso controle é parcial. Há quem diga até que não temos controle de nada. Não existe satisfação garantida e tampouco frustração garantida, estamos sempre na mira do imprevisível. Treinamos, jogamos bem, jogamos mal, escolhemos bons parceiros, torcemos para que não chova, seguimos as regras, às vezes não, brilhamos, decepcionamos, mas será sempre da sorte o ponto final.
Tenho um problema com esta esfuziante e libidinosa festa popular [Carnaval]. Não consigo me soltar. Todo mundo pula, brinca, se acaba, enquanto eu entro na minha fase mais introspectiva.
Saudade não tem tradução. É um sentimento único que só os que o sentem sabem o que é.
Definitivo
Definitivo, como tudo o que é simples. Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.
Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não compartilhamos. Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.
Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.
Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.
Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.
Por que sofremos tanto por amor? O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.
Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso: Se iludindo menos e vivendo mais!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável. O sofrimento é opcional…
Eureka!
Cada semana, uma novidade. A última foi que pizza previne câncer do esôfago. Acho a maior graça. Tomate previne isso, cebola previne aquilo, chocolate faz bem, chocolate faz mal, um cálice diário de vinho não tem problema, qualquer gole de álcool é nocivo, tome água em abundância, mas não exagere… Diante dessa profusão de descobertas, acho mais seguro não mudar de hábitos. Sei direitinho o que faz bem e o que faz mal pra minha saúde.
Prazer faz muito bem. Dormir me deixa 0km. Ler um bom livro faz eu me sentir nova em folha. Viajar me deixa tensa antes de embarcar, mas depois eu rejuvenesço uns 5 anos. Vôos aéreos não me incham as pernas, me incham o cérebro, volto cheia de idéias.
Brigar me provoca arritmia cardíaca. Ver pessoas tendo acessos de estupidez me embrulha o estômago.Testemunhar gente jogando lata de cerveja pela janela do carro me faz perder toda a fé no ser humano. E telejornais os médicos deveriam proibir – como doem!
Essa história de que sexo faz bem pra pele acho que é conversa, mas mal tenho certeza de que não faz, então, pode-se abusar. Caminhar faz bem, dançar faz bem, ficar em silêncio quando uma discussão está pegando fogo faz muito bem: você exercita o autocontrole e ainda acorda no outro dia sem se sentir arrependido de nada.
Acordar de manhã arrependido do que disse ou do que fez ontem à noite é prejudicial à saúde. E passar o resto do dia sem coragem para pedir desculpas, pior ainda. Não pedir perdão pelas nossas mancadas dá câncer, não há tomate ou mozzarella que previnam.
Ir ao cinema, conseguir um lugar central nas fileiras do fundo, não ter ninguém atrapalhando sua visão, nenhum celular tocando e o filme ser excepcionalmente bom, uau! Cinema é melhor pra saúde do que pipoca. Conversa é melhor do que piada. Beijar é melhor do que fumar. Exercício é melhor do que cirurgia. Humor é melhor do que rancor. Amigos são melhores do que gente influente. Economia é melhor do que dívida. Pergunta é melhor do que dúvida.
Tomo pouca água, bebo mais de um cálice de vinho por dia, faz dois meses que não piso na academia, mas tenho dormido bem, trabalhado bastante, encontrado meus amigos, ido ao cinema e confiado que tudo isso pode me levar a uma idade avançada. Sonhar é melhor do que nada.
A DOR QUE DÓI MAIS
Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, doem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.
Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.
A Alegria na Tristeza
O título desse texto na verdade não é meu, e sim de um poema do uruguaio Mario Benedetti. No original, chama-se “Alegría de la tristeza” e está no livro “La vida ese paréntesis” que, até onde sei, permanece inédito no Brasil.
O poema diz que a gente pode entristecer-se por vários motivos ou por nenhum motivo aparente, a tristeza pode ser por nós mesmos ou pelas dores do mundo, pode advir de uma palavra ou de um gesto, mas que ela sempre aparece e devemos nos aprontar para recebê-la, porque existe uma alegria inesperada na tristeza, que vem do fato de ainda conseguirmos senti-la.
Pode parecer confuso mas é um alento. Olhe para o lado: estamos vivendo numa era em que pessoas matam em briga de trânsito, matam por um boné, matam para se divertir. Além disso, as pessoas estão sem dinheiro. Quem tem emprego, segura. Quem não tem, procura. Os que possuem um amor desconfiam até da própria sombra, já que há muita oferta de sexo no mercado. E a gente corre pra caramba, é escravo do relógio, não consegue mais ficar deitado numa rede, lendo um livro, ouvindo música. Há tanta coisa pra fazer que resta pouco tempo pra sentir.
Por isso, qualquer sentimento é bem-vindo, mesmo que não seja uma euforia, um gozo, um entusiasmo, mesmo que seja uma melancolia. Sentir é um verbo que se conjuga para dentro, ao contrário do fazer, que é conjugado pra fora.
Sentir alimenta, sentir ensina, sentir aquieta. Fazer é muito barulhento.
Sentir é um retiro, fazer é uma festa. O sentir não pode ser escutado, apenas auscultado. Sentir e fazer, ambos são necessários, mas só o fazer rende grana, contatos, diplomas, convites, aquisições. Até parece que sentir não serve para subir na vida.
Uma pessoa triste é evitada. Não cabe no mundo da propaganda dos cremes dentais, dos pagodes, dos carnavais. Tristeza parece praga, lepra, doença contagiosa, um estacionamento proibido. Ok, tristeza não faz realmente bem pra saúde, mas a introspecção é um recuo providencial, pois é quando silenciamos que melhor conversamos com nossos botões. E dessa conversa sai luz, lições, sinais, e a tristeza acaba saindo também, dando espaço para uma alegria nova e revitalizada. Triste é não sentir nada.
“Pior do que uma voz que cala/É um silêncio que fala”.
Simples. Rápido. E quanta força. Imediatamente me veio a cabeça situações em que o silêncio me disse verdades terríveis, pois você sabe, o silêncio não é dado a amenidades.
Um telefone mudo. Um e-mail que não chega. Um encontro onde nenhum dos dois abre a boca. Silêncios que falam sobre desinteresse, esquecimento, recusas. Quantas coisas são ditas na quietude, depois de uma discussão. O perdão não vem, nem um beijo, nem uma gargalhada para acabar com o clima de tensão. Só ele permanece imutável, o silêncio, a ante-sala do fim.
É mil vezes preferível uma voz que diga coisas que a gente não quer ouvir, pois ao menos as palavras que são ditas indicam uma tentativa de entendimento. Cordas vocais em funcionamento articulam argumentos, expõem suas queixas, jogam limpo. Já o silêncio arquiteta planos que não são compartilhados. Quando nada é dito, nada fica combinado.
Quantas vezes, numa discussão histérica, ouvimos um dos dois gritar: “diz alguma coisa, diz que não me ama mais, mas não fica aí parado me olhando”. É o silêncio de um mandando más notícias para o desespero do outro.
É claro que há muitas situações em que o silêncio é bem-vindo. Para um cara que trabalha com uma britadeira na rua, o silêncio é um bálsamo. Para a professora de uma creche, o silêncio é um presente. Para os seguranças dos shows do Sepultura, o silêncio é uma megasena. Mesmo no amor, quando a relação é sólida e madura, o silêncio a dois não incomoda, pois é o silêncio da paz. O único silêncio que perturba é aquele que fala. E fala alto. É quando ninguém bate a nossa porta, não há recados na secretária eletrônica e mesmo assim você entende a mensagem.
Acertando na Mosca
Finalmente, paz em Kosovo. Enquanto os refugiados preparam-se para voltar para suas casas, Milosevic e a Otan disputam agora o título de vencedor da guerra, como se tudo não tivesse passado de uma partida de futebol. Ninguém marcou gol nesse combate insano, não há o que comemorar, mas uma lição foi deixada pelo episódio: os estragos que a falta de mira pode provocar.
Na guerra do dia-a-dia não é diferente: pontaria é fundamental. Você anda desmotivado, acha que a vida está sem emoção e que na sua casa ninguém lhe entende. Sai pra noite, então, e cruza com uns caras que fazem pega de moto, picham muros, depredam orelhões e parecem divertir-se muito com isso. Une-se ao grupo. Erro fatal: você acaba de se aliar ao inimigo.
Você está em busca de emprego, você e toda a torcida do Flamengo. Por um desses milagres da vida, surgem duas oportunidades de trabalho. Uma é um estágio dentro do campo que você quer atuar no futuro. É para trabalhar ao lado de bons profissionais, mas ganhando apenas uma ajuda de custo. Vai ter que ralar. A outra proposta é para ganhar três salários com carteira assinada, mas num ramo que não lhe oferece a menor chance de crescimento profissional, um lugar onde você será uma peça na engrenagem, facilmente substituível. Pense bem: só tem uma bala na agulha.
Você está mais carente que noiva abandonada no altar. Sozinha a um ano e meio, anda fazendo cafuné em pantufa. Aí surge ele, o cara que fala pelos cotovelos sobre o próprio carro, o próprio time, as próprias aventuras amorosas, o próprio umbigo. Não é o seu tipo, mas é o que pintou. Pega carona no ego dele ou fica mais um tempo sozinha?
Boa pontaria faz toda a diferença. Às vezes um alvo está mais perto que outro e isso parece facilitar as coisas, às vezes uma pessoa parece legal mas é camuflagem, às vezes alguém se move em nossa direção e, antes de ouví-lo, o abatemos. Viver é lutar um pouquinho a cada dia pela nossa felicidade. Ninguém sai ileso dessa briga, mas fere-se menos quem tem bom faro, noções de diplomacia e, principalmente, sabedoria para distinguir a hora de atacar e a hora de se defender.
Aí Tem
As coisas são como são. Se alguém diz que está calmo, é porque está calmo. Se alguém diz que te ama, é porque te ama. Se alguém diz que não vai poder sair à noite porque precisa estudar, está explicado. Mas a gente não escuta só as palavras: a gente ouve também os sinais.
Ele telefonou na hora que disse que ia ligar, mas estava frio como um iglu. Você falava, falava, e ele quieto, monossilábico. Até que você o coloca contra a parede: “O que é que está havendo?”. “Nada, tô na minha, só isso.” Só isso???? Aí tem.
Ele telefonou na hora que disse que ia ligar, mas estava exaltado demais. Não parava de tagarelar. Um entusiasmo fora do comum. Você pergunta à queima-roupa: “Que alegria é essa?” “Ué, tô feliz, só isso”. Só isso????? Aí tem.
Os tais sinais. Ansiedade fora de hora, mudez estranha, olhar perdido, mudança no jeito de se vestir, olheiras e bocejos de quem dormiu pouco à noite: aí tem. Somos doutoras em traduzir gestos, silêncios e atitudes incomuns. Se ele está calado demais, é porque está pensando na melhor maneira de nos dar uma má notícia. Se está esfuziante demais, é porque andou rolando novidades que você não está sabendo. Se ele está carinhoso demais, é porque não quer que você perceba que está com a cabeça em outra. Se manda flores, é porque está querendo que a gente facilite alguma coisa pra ele. Se vai viajar com os amigos, é porque não nos ama mais. Se parou de fumar, é uma promessa que ele não contou pra você. Enfim, o cara não pode respirar diferente que aí tem.
Às vezes não tem. O cara pode estar calado porque leu um troço que mexeu com ele, ou está falando muito porque o time dele venceu. Pode estar mais carinhoso porque conversou sobre isso na terapia e pode estar mais produzido porque teve um aumento de salário. Por que tudo o que eles fazem tem que ser um recado pra gente?
É uma generalização, mas as mulheres costumam ser mais inseguras que os homens no quesito relacionamento. Qualquer mudança de rota nos deixa em estado de alerta, qualquer outra mulher que cruze o caminho dele pode ser uma concorrente, qualquer rispidez não justificada pode ser um cartão amarelo. O que ele diz importa menos do que sua conduta. Pobres homens. Se não estão babando por nós, se tiram o dia para meditar ou para assistir um jogo de vôlei na tevê sem avisar com duas semanas de antecedência, danou-se: aí tem.
Amor Epidérmico
Seus pais foram jantar fora e deixaram o apartamento só para você, seu namorado e a tevê a cabo. Que inconseqüentes! Em menos de um minuto vocês deixam a televisão falando sozinha e vão ensaiar umas cenas de amor no quartinho dos fundos. De repente, escutam o barulho da fechadura. Seu pai esqueceu o talão de cheques. Passos no corredor. Antes que você localize sua camiseta, sua mãe se materializa na porta. Parece que ela está brincando de estátua, mas não resta dúvida que entrou em estado de choque. Você diz o quê? Mãe, a carne é fraca.
A desculpa é esfarrapada mas é legítima. Nada é mais vulnerável que nosso desejo. Na luta entre o cérebro e a pele, nunca dá empate. A pele sempre ganha de W.O.
Você planeja terminar um relacionamento. Chegou à conclusão que não quer mais ter a seu lado uma pessoa distante, que não leva nada à sério, que vive contando piadinhas preconceituosas e que não parece estar muito apaixonado. Por que levar a história adiante? Melhor terminar tudo hoje mesmo. Marca um encontro. Ele chega no horário, você também. Começam a conversar. Você engata o assunto. Para sua surpresa, ele ficou triste. Não quer se separar de você. E para provar, segura seu rosto com as duas mãos e tasca-lhe um beijo. Danou-se.
Onde foram parar as teorias, os diálogos que você planejou, a decisão que parecia irrevogável? Tomaram Doril. Você agora está sob os efeitos do cheiro dele, está rendida ao gosto dele, está ligada a ele pela derme e epiderme. A gravação do seu celular informa: seus neurônios estão fora da área de cobertura ou desligados.
Isso nunca aconteceu com você? Reluto entre dar-lhe os parabéns ou os pêsames. Por um lado, é ótimo ter controle absoluto de todas as suas ações e reações, ter força suficiente para resistir ao próprio desejo. Por outro lado, como é bom dar folga ao nosso raciocínio e deixar-se seduzir, sem ficar calculando perdas e danos, apenas dando-se ao luxo de viver o seu dia de Pigmaleão.
A carne é fraca, mas você tem que ser forte, é o que recomendam todos. Tente, ao menos de vez em quando, ser sexualmente vegetariano e não ceder às tentações. Se conseguir, bravo: terá as rédeas de seu destino na mão. Mas se não der certo, console-se. Criaturas que derretem-se, entregam-se, consomem-se e não sabem negar-se costumam trazer um sorriso enigmático nos lábios. Alguma recompensa há de ter.
O Contrário do Amor
O contrário de bonito é feio, de rico é pobre, de preto é branco, isso se aprende antes de entrar na escola. Se você fizer uma enquete entre as crianças, ouvirá também que o contrário do amor é o ódio. Elas estão erradas. Faça uma enquete entre adultos e descubra a resposta certa: o contrário do amor não é o ódio, é a indiferença.
O que seria preferível, que a pessoa que você ama passasse a lhe odiar, ou que lhe fosse totalmente indiferente? Que perdesse o sono imaginando maneiras de fazer você se dar mal ou que dormisse feito um anjo a noite inteira, esquecido por completo da sua existência? O ódio é também uma maneira de se estar com alguém. Já a indiferença não aceita declarações ou reclamações: seu nome não consta mais do cadastro.
Para odiar alguém, precisamos reconhecer que esse alguém existe e que nos provoca sensações, por piores que sejam. Para odiar alguém, precisamos de um coração, ainda que frio, e raciocínio, ainda que doente. Para odiar alguém gastamos energia, neurônios e tempo. Odiar nos dá fios brancos no cabelo, rugas pela face e angústia no peito. Para odiar, necessitamos do objeto do ódio, necessitamos dele nem que seja para dedicar-lhe nosso rancor, nossa ira, nossa pouca sabedoria para entendê-lo e pouco humor para aturá-lo. O ódio, se tivesse uma cor, seria vermelho, tal qual a cor do amor.
Já para sermos indiferentes a alguém, precisamos do quê? De coisa alguma. A pessoa em questão pode saltar de bungee-jumping, assistir aula de fraque, ganhar um Oscar ou uma prisão perpétua, estamos nem aí. Não julgamos seus atos, não observamos seus modos, não testemunhamos sua existência. Ela não nos exige olhos, boca, coração, cérebro: nosso corpo ignora sua presença, e muito menos se dá conta de sua ausência. Não temos o número do telefone das pessoas para quem não ligamos. A indiferença, se tivesse uma cor, seria cor da água, cor do ar, cor de nada.
Uma criança nunca experimentou essa sensação: ou ela é muito amada, ou criticada pelo que apronta. Uma criança está sempre em uma das pontas da gangorra, adoração ou queixas, mas nunca é ignorada. Só bem mais tarde, quando necessitar de uma atenção que não seja materna ou paterna, é que descobrirá que o amor e o ódio habitam o mesmo universo, enquanto que a indiferença é um exílio no deserto.
Sumi porque só faço besteira em sua presença, fico mudo
quando deveria verbalizar, digo um absurdo atrás do outro quando
melhor seria silenciar, faço brincadeiras de mau gosto e sofro
antes, durante e depois de te encontrar.
Sumi porque não há futuro e isso não é o mais difícil de
lidar, pior é não ter presente e o passado ser mais fluido que o ar.
Sumi porque não há o que se possa resgatar, meu sumiço é
covarde mas atento, meio fajuto meio autêntico, sumi porque
sumir é um jogo de paciência, ausentar-se é risco e sapiência,
pareço desinteressado, mas sumi para estar para sempre do seu
lado, a saudade fará mais por nós dois que nosso amor e sua
desajeitada e irrefletida permanência.
Strip-Tease
Chegou no apartamento dele por volta das seis da tarde e sentia um nervosismo fora do comum. Antes de entrar, pensou mais uma vez no que estava por fazer. Seria sua primeira vez. Já havia roído as unhas de ambas as mãos. Não podia mais voltar atrás. Tocou a campainha e ele, ansioso do outro lado da porta, não levou mais do que dois segundos para atender.
Ele perguntou se ela queria beber alguma coisa, ela não quis. Ele perguntou se ela queria sentar, ela recusou. Ele perguntou o que poderia fazer por ela. A resposta: sem preliminares. Quero que você me escute, simplesmente.
Então ela começou a se despir como nunca havia feito antes.
Primeiro tirou a máscara: “Eu tenho feito de conta que você não me interessa muito, mas não é verdade. Você é a pessoa mais especial que já conheci. Não por ser bonito ou por pensar como eu sobre tantas coisas, mas por algo maior e mais profundo do que aparência e afinidade. Ser correspondida é o que menos me importa no momento: preciso dizer o que sinto”.
Então ela desfez-se da arrogância: “Nem sei com que pernas cheguei até sua casa, achei que não teria coragem. Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto. Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história.”
Era o pudor sendo desabotoado: “Eu beijo espelhos, abraço almofadas, faço carinho em mim mesma tendo você no pensamento, e mesmo quando as coisas que faço são menos importantes, como ler uma revista ou lavar uma meia, é em sua companhia que estou”.
Retirava o medo: “Eu não sou melhor ou pior do que ninguém, sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte e sinto que é aquilo que todos procuram. Encontrei”.
Por fim, a última peça caía, deixando-a nua: “Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim. A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil. Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui”.
E saiu do apartamento sentindo-se mais mulher do que nunca.
Faz-de-conta
Não respondo teus e-mails, e quando respondo sou ríspido, distante, mantenho-me alheio: faz-de-conta que eu te odeio.
Te encho de palavras carinhosas, não economizo elogios, me surpreendo de tanto afeto que consigo inventar, sou uma atriz, sou do ramo: faz-de-conta que te amo.
Estou sempre olhando pro relógio, sempre enaltecendo os planos que eu tinha e que os outros boicotaram, sempre reclamando que os outros fazem tudo errado: faz-de-conta que dou conta do recado.
Debocho de festas e de roupas glamurosas, não entendo como é que alguém consegue dormir tarde todas as noites, convidados permanentes para baladas na área vip do inferno: faz-de-conta que não quero.
Choro ao assistir o telejornal, lamento a dor dos outros e passo noites em claro tentando entender corrupções, descasos, tudo o que demonstra o quanto foi desperdiçado meu voto: faz-de-conto que me importo.
Jogo uma perna pro alto, a outra pro lado, faço cara de gostosa, os cabelos escorridos na rosto, me retorço, gemo, sussurro, grito e poso: faz-de-conta que eu gozo.
Digo que perdôo, ofereço cafezinho, lembro dos bons momentos, digo que os ruins ficaram no passado, que já não lembro de nada, pessoas maduras sabem que toda mágoa é peso morto: faz-de-conta que não sofro.
Cito Aristóteles e Platão, aplaudo ferros retorcidos em galerias de arte, leio poesia concreta, compro telas abstratas, fico fascinada com um arranjo techno para uma música clássica e assisto sem legenda o mais recente filme romeno: faz-de-conta que eu entendo.
Tenho todos os ingredientes para um sanduíche inesquecível, a porta da geladeira está lotada de imãs de tele-entrega, mantenho um bar razoavelmente abastecido, um pouco de sal e pimenta na despensa e o fogão tem oito anos mas parece zerinho: faz-de-conta que eu cozinho.
Bem-vindo à Disney, o mundo da fantasia, qual é o seu papel? Você pode ser um fantasma que atravessa paredes, ser anão ou ser gigante, um menino prodígio que decorou bem o texto, a criança ingênua que confiou na bruxa, uma sex symbol a espera do seu cowboy: faz-de-conta que não dói.
Promessas matrimoniais
Em maio de 98, escrevi um texto em que afirmava que achava bonito o ritual do casamento na igreja, com seus vestidos brancos e tapetes vermelhos, mas que a única coisa que me desagradava era o sermão do padre: “Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe?” Acho simplista e um pouco fora da realidade. Dou aqui novas sugestões de sermões:
– Promete não deixar a paixão fazer de você uma pessoa controladora, e sim respeitar a individualidade do seu amado, lembrando sempre que ele não pertence a você e que está ao seu lado por livre e espontânea vontade?
– Promete saber ser amiga e ser amante, sabendo exatamente quando devem entrar em cena uma e outra, sem que isso lhe transforme numa pessoa de dupla identidade ou numa pessoa menos romântica?
– Promete fazer da passagem dos anos uma via de amadurecimento e não uma via de cobranças por sonhos idealizados que não chegaram a se concretizar?
– Promete sentir prazer de estar com a pessoa que você escolheu e ser feliz ao lado dela pelo simples fato de ela ser a pessoa que melhor conhece você e portanto a mais bem preparada para lhe ajudar, assim como você a ela?
– Promete se deixar conhecer?
– Promete que seguirá sendo uma pessoa gentil, carinhosa e educada, que não usará a rotina como desculpa para sua falta de humor?
– Promete que fará sexo sem pudores, que fará filhos por amor e por vontade, e não porque é o que esperam de você, e que os educará para serem independentes e bem informados sobre a realidade que os aguarda?
– Promete que não falará mal da pessoa com quem casou só para arrancar risadas dos outros?
– Promete que a palavra liberdade seguirá tendo a mesma importância que sempre teve na sua vida, que você saberá responsabilizar-se por si mesmo sem ficar escravizado pelo outro e que saberá lidar com sua própria solidão, que casamento algum elimina?
– Promete que será tão você mesmo quanto era minutos antes de entrar na igreja?
Sendo assim, declaro-os muito mais que marido e mulher: declara-os maduros
Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente.
Gostar de alguém é função do coração, mas esquecer, não. É tarefa da nossa cabecinha, que aliás é nossa em termos: tem alguma coisa lá dentro que age por conta própria, sem dar satisfação. Quem dera um esforço de conscientização resolvesse o assunto.
Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande, é a sua sensibilidade sem tamanho.
Sentir-se amado
O cara diz que te ama, então tá. Ele te ama.
Sua mulher diz que te ama, então assunto encerrado.
Você sabe que é amado porque lhe disseram isso, as três palavrinhas mágicas. Mas saber-se amado é uma coisa, sentir-se amado é outra, uma diferença de milhas, um espaço enorme para a angústia instalar-se.
A demonstração de amor requer mais do que beijos, sexo e verbalização, apesar de não sonharmos com outra coisa: se o cara beija, transa e diz que me ama, tenha a santa paciência, vou querer que ele faça pacto de sangue também?
Pactos. Acho que é isso. Não de sangue nem de nada que se possa ver e tocar. É um pacto silencioso que tem a força de manter as coisas enraizadas, um pacto de eternidade, mesmo que o destino um dia venha a dividir o caminho dos dois.
Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida, que zela pela sua felicidade, que se preocupa quando as coisas não estão dando certo, que sugere caminhos para melhorar, que coloca-se a postos para ouvir suas dúvidas e que dá uma sacudida em você, caso você esteja delirando. “Não seja tão severa consigo mesma, relaxe um pouco. Vou te trazer um cálice de vinho”.
Sentir-se amado é ver que ela lembra de coisas que você contou dois anos atrás, é vê-la tentar reconciliar você com seu pai, é ver como ela fica triste quando você está triste e como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo uma tempestade em copo d´água. “Lembra que quando eu passei por isso você disse que eu estava dramatizando? Então, chegou sua vez de simplificar as coisas. Vem aqui, tira este sapato.”
Sentem-se amados aqueles que perdoam um ao outro e que não transformam a mágoa em munição na hora da discussão. Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente bem-vindo, que se sente inteiro. Sente-se amado aquele que tem sua solidão respeitada, aquele que sabe que não existe assunto proibido, que tudo pode ser dito e compreendido. Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é, sem inventar um personagem para a relação, pois personagem nenhum se sustenta muito tempo. Sente-se amado quem não ofega, mas suspira; quem não levanta a voz, mas fala; quem não concorda, mas escuta.
Agora sente-se e escute: eu te amo não diz tudo .
Eu, modo de usar:
Pode invadir ou chegar com delicadeza, mas não tão devagar que me faça dormir. Não grite comigo, tenho o péssimo hábito de revidar. Acordo pela manhã com ótimo humor mas… permita que eu escove os dentes primeiro. Toque muito em mim, principalmente nos cabelos e minta sobre minha nocauteante beleza.
Tenho vida própria, me faça sentir saudades, conte algumas coisas que me façam rir, mas não conte piadas e nem seja preconceituoso, não perca tempo, cultivando este tipo de herança de seus pais. Viaje antes de me conhecer, sofra antes de mim para reconhecer-me um porto, um albergue da juventude. Eu saio em conta, você não gastará muito comigo. Acredite nas verdades que digo e também nas mentiras, elas serão raras e sempre por uma boa causa. Respeite meu choro, me deixe sozinha, só volte quando eu chamar e, não me obedeça sempre que eu também gosto de ser contrariada. (Então fique comigo quando eu chorar, combinado?).
Seja mais forte que eu e menos altruísta! Não se vista tão bem… gosto de camisa para fora da calça, gosto de braços, gosto de pernas e muito de pescoço. Reverenciarei tudo em você que estiver a meu gosto: boca, cabelos, os pelos do peito e um joelho esfolado, você tem que se esfolar às vezes, mesmo na sua idade. Leia, escolha seus próprios livros, releia-os. Odeie a vida doméstica e os agitos noturnos. Seja um pouco caseiro e um pouco da vida, não de boate que isto é coisa de gente triste. Não seja escravo da televisão, nem xiita contra. Nem escravo meu, nem filho meu, nem meu pai. Escolha um papel para você que ainda não tenha sido preenchido e o invente muitas vezes.
Me enlouqueça uma vez por mês mas, me faça uma louca boa, uma louca que ache graça em tudo que rime com louca: loba, boba, rouca, boca… Goste de música e de sexo. Goste de um esporte não muito banal. Não invente de querer muitos filhos, me carregar pra a missa, apresentar sua família… isso a gente vê depois… se calhar… deixa eu dirigir o seu carro, que você adora. Quero ver você nervoso, inquieto, olhe para outras mulheres, tenha amigos e digam muitas bobagens juntos. Não me conte seus segredos… me faça massagem nas costas. Não fume, beba, chore, eleja algumas contravenções. Me rapte! Se nada disso funcionar… experimente me amar!
VAMPIROS
Eu não acredito em gnomos ou duendes, mas vampiros existem. Fique ligado, eles podem estar numa sala de bate-papo virtual, no balcão de um bar, no estacionamento de um shopping. Vampiros e vampiras aproximam-se com uma conversa fiada, pedem seu telefone, ligam no outro dia, convidam para um cinema. Quando você menos espera, está entregando a eles seu rico pescocinho e mais. Este “mais” você vai acabar descobrindo o que é com o tempo.
Vampiros tratam você muito bem, têm muita cultura, presença de espírito e conhecimento da vida. Você fica certo que conheceu uma pessoa especial. Custa a se dar conta de que eles são vampiros, parecem gente. Até que começam a sugar você. Sugam todinho o seu amor, sugam sua confiança, sugam sua tolerância, sugam sua fé, sugam seu tempo, sugam suas ilusões. Vampiros deixam você murchinha, chupam até a última gota. Um belo dia você descobre que nunca recebeu nada em troca, que amou pelos dois, que foi sempre um ombro amigo, que sempre esteve à disposição, e sofreu tão solitariamente que hoje se encontra aí, mais carniça do que carne.
Esta é uma historinha de terror que se repete ano após ano, por séculos. Relações vampirescas: o morcegão surge com uma carinha de fome e cansaço, como se não tivesse dormido a noite toda, e você se oferece para uma conversa, um abraço, uma força. Aí ele se revitaliza e bate as asinhas. Acontece em São Paulo, Manaus, Recife, Florianópolis, em todo lugar, não só na Transilvânia. E ocorre também entre amigos, entre colegas de trabalho, entre familiares, não só nas relações de amor.
Doe sangue para hospitais. Dê seu sangue por um projeto de vida, por um sonho. Mas não doe para aqueles que sempre, sempre, sempre vão lhe pedir mais e lhe retribuir jamais.
Modo de usar-se
“Coitada, foi usada por aquele cafajeste”. Ouvi essa frase na beira da praia, num papo que rolava no guarda-sol ao lado. Pelo visto a coitada em questão financiou algum malandro, ou serviu de degrau para um alpinista social, sei lá, só sei que ela havia sido usada no pior sentido, deu pra perceber pelo tom do comentário. Mas não fiquei com pena da coitada, seja ela quem for.
Não costumo ir atrás desta história de “foi usada”. No que se refere a adultos, todo mundo sabe mais ou menos onde está se metendo, ninguém é totalmente inocente. Se nos usam, algum consentimento a gente deu, mesmo sem ter assinado procuração. E se estamos assim tão desfrutáveis para o uso alheio, seguramente é porque estamos nos usando pouco.
Se for este o caso, seguem sugestões para usar a si mesmo: comer, beber, dormir e transar, nossas quatro necessidades básicas, sempre com segurança, mas também sem esquecer que estamos aqui para nos divertir. Usar-se nada mais é do que reconhecer a si próprio como uma fonte de prazer.
Dançar sem medo de pagar mico, dizer o que pensa mesmo que isso contrarie as verdades estabelecidas, rir sem inibição – dane-se se aparecer a gengiva. Mas cuide da sua gengiva, cuide dos dentes, não se negligencie. Use seu médico, seu dentista, sua saúde.
Use-se para progredir na vida. Alguma coisa você já deve ter aprendido até aqui. Encoste-se na sua própria experiência e intuição, honre sua história de vida, seu currículo, e se ele não for tão atraente, incremente-o. Use sua voz: marque entrevistas. Use sua simpatia: convença os outros. Use seus neurônios: pra todo o resto.
E este coração acomodado aí no peito? Use-o, ora bolas. Não fique protegendo-se de frustrações só porque seu grande amor da adolescência não deu certo. Ou porque seu casamento até-que-a-morte-os-separe durou “apenas” 13 anos. Não enviuve de si mesmo, ninguém morreu.
Use-se para conseguir uma passagem para a Patagônia, use-se para fazer amigos, use-se para evoluir. Use seus olhos para ler, chorar, reter cenas vistas e vividas – a memória e a emoção vêm muito do olho. Use os ouvidos para escutar boa música, estímulos e o silêncio mais completo. Use as pernas para pedalar, escalar, levantar da cama, ir aonde quiser. Seus dedos para pedir carona, escrever poemas, apontar distâncias. Sua boca pra sorrir, sua barriga para gerar filhos, seus seios para amamentar, seus braços para trabalhar, sua alma para preencher-se, seu cérebro para não morrer em vida. Use-se. Se você não fizer, algum engraçadinho o fará. E você virará assunto de beira de praia.
Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade.
POEMA da SAUDADE
Em alguma outra vida,devemos ter feito algo muito grave,para sentirmos tanta saudade…
Trancar o dedo numa porta doí.
Bater o queixo no chão doí.
Doí morder a língua,cólica doí, doí torcer o tornozelo.
Doí bater a cabeça na quina da mesa,carie doí,pedras nos rins também doí.
Mas o que mais doí é a saudade.
Saudade de um irmão que mora longe.
Saudade de uma brincadeira de infância.
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais.
Saudade do amigo imaginário que nunca existiu.
Saudade de uma cidade.
Saudade de nós mesmo,o tempo não perdoá.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se Ama.
Saudade da pele,do cheiro,dos beijos.
Saudade da presença,e até da ausência consentida.
Você podia ficar na sala e ele no quarto,sem se verem,mas sabiam-se lá.
Você podia ir para o dentista e ele para a trabalho,mas sabiam-se onde.
Você podia ficar sem vê-lo,e ele sem vê-la,mas sabiam-se amanhã.
Contudo,quando o Amor de um acaba,ou torna-se menor no outro.
Sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é basicamente não saber.
Não saber se ele continua fungando num ambiente mais frio.
Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia.
Se aprendeu a entrar na internet,se aprendeu a ter calma no trânsito.
Se continua preferindo cerveja a uísque(e qual a cerveja)
Se continua sorrindo com aqueles olhos apertados,e que sorriso lindo.
Será que ele continua cantando aquelas mesmas musicas tão bem(ao menos eu admirava)?
Será que ele continua fumando e se continua adorando Mac Donald’s?
Será que ele continua não amando os livros,e ela cada vez mais?
E continua não gostando de dar longas caminhadas,e ela não assistindo televisão?
Será que ele continua gostando de filmes de ação,e ela de chorar em comédias.
Será que ela continua lendo os livros que já leu?
Será que ele continua tossindo cada vez que fuma?
Saber é não saber mesmo!!!
Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais longos,não saber como encontrar
tarefas que lhe cessem o pensamento.
Não saber como frear as lágrimas diante de uma música,não saber como vencer a dor
de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber se ele está com outra,e ao mesmo tempo querer.
É não saber se ele está feliz,e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso…
É não querer saber se ele está mais magro,se ele está mais belo.
Saudade é nunca mais saber de quem se Ama e ainda assim doer.
Saudade é isso que senti(e sinto) enquanto estive escrevendo e o que você (deveria)
provavelmente estar sentido agora depois que acabou de ler.”
Quem inventou a distância nunca sofreu a dor de uma saudade!
Crônica do Amor
Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário, os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.
O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.
Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.
Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.
Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então?
Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.
Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.
Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara?
Não pergunte para mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.
É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.
Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?
Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.
Não funciona assim.
Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o amor tem de indefinível.
Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!
Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.
A impontualidade do amor
Você está sozinho. Você e a torcida do Flamengo. Em frente a tevê, devora dois pacotes de Doritos enquanto espera o telefone tocar. Bem que podia ser hoje, bem que podia ser agora, um amor novinho em folha.
Trimmm! É sua mãe, quem mais poderia ser? Amor nenhum faz chamadas por telepatia. Amor não atende com hora marcada. Ele pode chegar antes do esperado e encontrar você numa fase galinha, sem disposição para relacionamentos sérios. Ele passa batido e você nem aí. Ou pode chegar tarde demais e encontrar você desiludido da vida, desconfiado, cheio de olheiras. O amor dá meia-volta, volver. Por que o amor nunca chega na hora certa?
Agora, por exemplo, que você está de banho tomado e camisa jeans. Agora que você está empregado, lavou o carro e está com grana para um cinema. Agora que você pintou o apartamento, ganhou um porta-retrato e começou a gostar de jazz. Agora que você está com o coração às moscas e morrendo de frio.
O amor aparece quando menos se espera e de onde menos se imagina. Você passa uma festa inteira hipnotizado por alguém que nem lhe enxerga, e mal repara em outro alguém que só tem olhos pra você. Ou então fica arrasado porque não foi pra praia no final de semana. Toda a sua turma está lá, azarando-se uns aos outros. Sentindo-se um ET perdido na cidade grande, você busca refúgio numa locadora de vídeo, sem prever que ali mesmo, na locadora, irá encontrar a pessoa que dará sentido a sua vida. O amor é que nem tesourinha de unhas, nunca está onde a gente pensa.
O jeito é direcionar o radar para norte, sul, leste e oeste. Seu amor pode estar no corredor de um supermercado, pode estar impaciente na fila de um banco, pode estar pechinchando numa livraria, pode estar cantarolando sozinho dentro de um carro. Pode estar aqui mesmo, no computador, dando o maior mole. O amor está em todos os lugares, você que não procura direito.
A primeira lição está dada: o amor é onipresente. Agora a segunda: mas é imprevisível. Jamais espere ouvir “eu te amo” num jantar à luz de velas, no dia dos namorados. Ou receber flores logo após a primeira transa. O amor odeia clichês. Você vai ouvir “eu te amo” numa terça-feira, às quatro da tarde, depois de uma discussão, e as flores vão chegar no dia que você tirar carteira de motorista, depois de aprovado no teste de baliza. Idealizar é sofrer. Amar é surpreender.
A fita métrica do amor
Como se mede uma pessoa? Os tamanhos variam conforme o grau de envolvimento. Ela é enorme pra você quando fala do que leu e viveu, quando trata você com carinho e respeito, quando olha nos olhos e sorri destravado. É pequena pra você quando só pensa em si mesmo, quando se comporta de uma maneira pouco gentil, quando fracassa justamente no momento em que teria que demonstrar o que há de mais importante entre duas pessoas: a amizade.
Uma pessoa é gigante pra você quando se interessa pela sua vida, quando busca alternativas para o seu crescimento, quando sonha junto. É pequena quando desvia do assunto.
Uma pessoa é grande quando perdoa, quando compreende, quando se coloca no lugar do outro, quando age não de acordo com o que esperam dela, mas de acordo com o que espera de si mesma. Uma pessoa é pequena quando se deixa reger por comportamentos clichês.
Uma mesma pessoa pode aparentar grandeza ou miudeza dentro de um relacionamento, pode crescer ou decrescer num espaço de poucas semanas: será ela que mudou ou será que o amor é traiçoeiro nas suas medições? Uma decepção pode diminuir o tamanho de um amor que parecia ser grande. Uma ausência pode aumentar o tamanho de um amor que parecia ser ínfimo.
É difícil conviver com esta elasticidade: as pessoas se agigantam e se encolhem aos nossos olhos. Nosso julgamento é feito não através de centímetros e metros, mas de ações e reações, de expectativas e frustrações. Uma pessoa é única ao estender a mão, e ao recolhê-la inesperadamente, se torna mais uma. O egoísmo unifica os insignificantes.
Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande. É a sua sensibilidade sem tamanho.