A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas.
Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro.
A alma é essa coisa que nos pergunta se a alma existe.
A amizade é um amor que nunca morre.
A arte de viver é simplesmente a arte de conviver… simplesmente, disse eu? Mas como é difícil!
A poesia não se entrega a quem a define.
A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda.
Ah, esses moralistas… Não há nada que empeste mais do que um desinfetante!
Mas o que quer dizer este poema? – perguntou-me alarmada a boa senhora.
E o que quer dizer uma nuvem? – respondi triunfante.
Uma nuvem – disse ela – umas vezes quer dizer chuva, outras vezes bom tempo…
Autodidata é um ignorante por conta própria.
Bilhete
Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda…
DA FELICIDADE
Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!
DA OBSERVAÇÃO
Não te irrites, por mais que te fizerem
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio.
DAS UTOPIAS
Se as coisas são inatingíveis… ora!
Não é motivo para não querê-las…
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
De um autor inglês do saudoso século XIX: O verdadeiro gentleman compra sempre três exemplares de cada livro: um para ler, outro para guardar na estante e o último para dar de presente.
Democracia? É dar, a todos, o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, isso depende de cada um.
Dizes que a beleza não é nada? Imagina um hipopótamo com alma de anjo… Sim, ele poderá convencer alguém da sua angelitude – mas que trabalheira!
DO AMOROSO ESQUECIMENTO
Eu, agora – que desfecho!
Já nem penso mais em ti…
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?
DOS MILAGRES
O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo…
Nem mudar água pura em vinho tinto…
Milagre é acreditarem nisso tudo!
E um dia os homens descobrirão que esses discos voadores estavam apenas estudando a vida dos insetos…
Esquece todos os poemas que fizeste. Que cada poema seja o número um.
Esses padres conhecem mais pecados do que a gente…
Esses que puxam conversa sobre se chove ou não chove – não poderão ir para o Céu! Lá faz sempre bom tempo…
Há 2 espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e os amigos, que são os nossos chatos prediletos.
Há uns que morrem antes; outros depois. O que há de mais raro, em tal assunto, é o defunto certo na hora exata.
Maravilhas nunca faltaram ao mundo; o que sempre falta é a capacidade de senti-las e admirá-las.
Mas que susto não irão levar essas velhas carolas se Deus existe mesmo…
Minha vida é uma colcha de retalhos. Todos da mesma cor.
Pergunta errada
Se eu acredito em Deus? Mas que valor poderia ter minha resposta, afirmativa ou não? O que importa é saber se Deus acredita em mim.
Não me ajeito com os padres, os críticos e os canudinhos de refresco: não há nada que substitua o sabor da comunicação direta.
Mas, afinal, para que interpretar um poema? Um poema já é uma interpretação.
Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas… Aí vai! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade.
Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro – o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton! Excusez du peu… Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?
Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Érico Veríssimo – que bem sabem (ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras.
No céu é sempre domingo. E a gente não tem outra coisa a fazer senão ouvir os chatos. E lá é ainda pior que aqui, pois se trata dos chatos de todas as épocas do mundo.
No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento…
Nos acontecimentos, sim, é que há destino:
Nos homens, não – espuma de um segundo…
Se Colombo morresse em pequenino,
O Neves descobriria o Novo Mundo.
O grande consolo das velhas anedotas são os recém-nascidos…
O mais triste da arquitetura moderna é a resistência do seu material.
O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente…
O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso.
O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro.
O ruim dos filmes de Far West é que os tiroteios acordam a gente no melhor do sono.
O tempo é um ponto de vista. Velho é quem é um dia mais velho que a gente…
A saudade é o que faz as coisas pararem no tempo.
Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem.
Qual Ioga, qual nada! A melhor ginástica respiratória que existe é a leitura, em voz alta, dos Lusíadas.
Qualquer ideia que te agrade,
Por isso mesmo… é tua.
O autor nada mais fez que vestir a verdade
Que dentro em ti se achava inteiramente nua…
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso…
Quando guri, eu tinha de me calar à mesa: só as pessoas grandes falavam. Agora, depois de adulto, tenho de ficar calado para as crianças falarem.
Quem pretende apenas a glória não a merece.
Quiseste expor teu coração a nu.
E assim, ouvi-lhe todo o amor alheio.
Ah, pobre amigo, nunca saibas tu
Como é ridículo o amor… alheio!
Lavoisier
“Nada se perde, tudo muda de dono” – tardia reflexão de Lavoisier ao descobrir que lhe haviam roubado a carteira.
Se alguém te perguntar o que quiseste dizer com um poema, pergunta-lhe o que Deus quis dizer com este mundo…
Se eu amo o meu semelhante? Sim. Mas onde encontrar o meu semelhante?
Se me esqueceres, só uma coisa, esquece-me bem devagarinho.
Se um poeta consegue um dia expressar as suas dores com toda a felicidade como é que poderá ser infeliz?
Sempre me senti isolado nessas reuniões sociais: o excesso de gente impede de ver as pessoas…
Senhora, eu vos amo tanto
Que até por vosso marido
Me dá um certo quebranto.
Só a poesia possui as coisas vivas. O resto é necropsia.
Só se deve beber por gosto: beber por desgosto é uma cretinice.
Sonhar é acordar-se para dentro.
Tão bom morrer de amor! E continuar vivendo…
Três amores… Quem me deu
Tão estranha sorte assim?
Três amores, tenho-os eu
E nenhum me tem a mim!
Tudo o que acontece é natural – inclusive o sobrenatural.
Vale a pena viver – nem que seja para dizer que não vale a pena…
Poeminho do Contra
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…
DA DISCRIÇÃO
Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também…
SEMPRE QUE CHOVE
Sempre que chove
Tudo faz tanto tempo…
E qualquer poema que acaso eu escreva
Vem sempre datado de 1779!
Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce – uma estrela,
Quando se morre – uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:
“Ponham-me a cruz no princípio…
E a luz da estrela no fim!”
SIMULTANEIDADE
– Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!
– Você é louco?
– Não, sou poeta.
Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente… e não a gente a ele!
PEQUENO ESCLARECIMENTO
Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O de que eles mais gostam é estar em silêncio – um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio…, este impoluível silêncio em que escrevo e em que tu me lês.
URBANÍSTICA
Como seriam belas as estátuas equestres se constassem apenas dos cavalos!
Canção do dia de sempre
Tão bom viver dia a dia…
A vida, assim, jamais cansa…
Viver tão só de momentos
Como essas nuvens no céu…
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência… esperança…
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas…
Dupla delícia
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
– para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
A maior dor do vento é não ser colorido.
O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede: conheço um que já devorou três gerações da minha família.
Escadas de caracol
Sempre
São misteriosas: conturbam…
Quando as desce, a gente
Se desparafusa…
Quando a gente as sobe
Se parafusa
(…)
Ela
Mas que haverá com a Lua, que sempre que a gente a olha, é com um novo espanto?
Verso Avulso
O luar é a luz do sol que está dormindo…
Linha Curva
O caminho mais agradável entre dois pontos.
Linha Reta
Linha sem imaginação.
Melancolia: Maneira romântica de ficar triste.
Ao Pé da Letra
Enforcar-se é levar muito a sério o nó na garganta.
Vento
Pastor das nuvens.
A Coisa
A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa… e, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita.
Sinônimos
Esses que pensam que existem sinônimos, desconfio que não sabem distinguir as diferentes nuanças de uma cor.
O poema
Mas por que datar um poema? Os poetas que põem datas nos seus poemas me lembram essas galinhas que carimbam os ovos…
O Poema
O poema
essa estranha máscara
mais verdadeira do que a própria face…
O Berço e o Terremoto
Os versos, em geral, são versos de embalar, como eu às vezes os tenho feito, não sei se por simples complacência… ou pura piedade.
Contudo, os verdadeiros versos não são para embalar – mas para abalar.
Mesmo a mais simples canção, quando a canta um Camela Lorca, desperta-te a alma para um mundo de espanto.
DOS MUNDOS
Deus criou este mundo. O homem, todavia,
Entrou a desconfiar, cogitabundo…
Decerto não gostou lá muito do que via…
E foi logo inventando o outro mundo.
Tempo
Coisa que acaba de deixar a querida leitora um pouco mais velha ao chegar ao fim desta linha.
Sonho
Um poema que ao lê-lo, nem sentirias que ele já estivesse escrito, mas que fosse brotando, no mesmo instante, de teu próprio coração.
Do Estilo
O estilo é uma dificuldade de expressão.
Às vezes a gente pensa que está dizendo bobagens e está fazendo poesia.
Há noites que eu não posso dormir de remorso por tudo o que eu deixei de cometer.
Cada pessoa pensa como pode…
Despertador é bom para a gente se virar para o outro lado e dormir de novo.
Trova
Coração que bate-bate…
Antes deixes de bater!
Só num relógio é que as horas
Vão passando sem sofrer.
A noite acendeu as estrelas porque tinha medo da própria escuridão.
Biografia
Era um grande nome – ora que dúvida! Uma verdadeira glória. Um dia adoeceu, morreu, virou rua… E continuaram a pisar em cima dele.
A DIFERENÇA
A diferença entre um poeta e um louco é que o poeta
sabe que é louco… Porque a poesia é uma loucura lúcida.
Da perfeição da vida
Por que prender a vida em conceitos e normas?
O belo e o feio… O bom e o mau… Dor e prazer…
Tudo, afinal, são formas
E não degraus do ser!
Amor
Quando duas pessoas fazem amor
Não estão apenas fazendo amor
Estão dando corda ao relógio do mundo
O assunto
E nunca me perguntes o assunto de um poema: um poema sempre fala de outra coisa.
Nunca
Nunca ninguém sabe se estou louco para rir ou para chorar…
Por isso o meu verso tem
essa quase imperceptível tremor…
A vida é triste, o mundo é louco!
Nem vale a pena matar-se por isso.
Nem por ninguém.
Por nenhum amor…
A vida continua, indiferente!
O POETA
Venho do fundo das Eras
Quando o mundo mal nascia…
Sou tão antigo e tão novo
Como a luz de cada dia!
Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
— muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,
não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições…
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,
Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!
Porque a poesia purifica a alma
…e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!
CONFISSÃO
Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece…
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!
Às vezes tudo se ilumina de uma intensa irrealidade
E é como se agora este pobre, este único, este efêmero instante do mundo
Estivesse pintado numa tela,
Sempre…
Hoje encontrei dentro de um livro uma velha carta amarelecida,
Rasguei-a sem procurar ao menos saber de quem seria…
Eu tenho um medo
Horrível
A essas marés montantes do passado,
Com suas quilhas afundadas, com
Meus sucessivos cadáveres amarrados aos mastros e gáveas…
Ai de mim,
Ai de ti, ó velho mar profundo,
Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios!
Essa lembrança que nos vem às vezes…
folha súbita
que tomba
abrindo na memória a flor silenciosa
de mil e uma pétalas concêntricas…
Essa lembrança… mas de onde? de quem?
Essa lembrança talvez nem seja nossa,
mas de alguém que, pensando em nós, só possa
mandar um eco do seu pensamento
nessa mensagem pelos céus perdida…
Ai! Tão perdida
que nem se possa saber mais de quem!
OS DEGRAUS
Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos – onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo…
O Mapa
Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo…
(E nem que fosse o meu corpo!)
Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei…
Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei…)
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso…
A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,
Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali…
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!
Poema Transitório
(…) é preciso partir
é preciso chegar
é preciso partir é preciso chegar… Ah, como esta vida é urgente!
… no entanto
eu gostava mesmo era de partir…
e – até hoje – quando acaso embarco
para alguma parte
acomodo-me no meu lugar
fecho os olhos e sonho:
viajar, viajar
mas para parte nenhuma…
viajar indefinidamente…
como uma nave espacial perdida entre as estrelas.
Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas.
Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha,
nem desconfia que se acha conosco desde o início
das eras. Pensa que está somente afogando problemas
dele, João Silva… Ele está é bebendo a milenar
inquietação do mundo!
A indulgência é a maneira mais polida de desprezar alguém.
Do bem e do mal
Todos tem seu encanto: os santos e os corruptos.
Não há coisa na vida inteiramente má.
Tu dizes que a verdade produz frutos…
Já viste as flores que a mentira dá?
Diálogo Noite Adentro
– Mas há as que nos compreendem…
– Ah, essas são as piores!
Mau Humor
Os que metem uma bala na cabeça retiram-se deste mundo batendo com a porta.
[Inscrição para um portão de cemitério]
A morte não melhora ninguém…
Diálogo bobo
– Abandonou-te?
– Pior ainda: esqueceu-me…
[As falsas Recordações]
Se a gente pudesse escolher a infância
que teria vivido, com enternecimento eu não
recordaria agora aquele velho tio de perna de pau,
que nunca existiu na familia, e aquele arroio que
nunca passou aos fundos do quintal,
e onde íamos pescar e sestear nas tardes de verão,
sob o zumbido inquietante dos besouros…
Edificante Poema Escrito em Portuñol
Don Ramón se tomo um pifón:
bebia demasiado, don Ramón!
Y al volver cambaleante a su casa,
avistó em el camino:
um árbol
y um toro…
Pero como veia duplo, don Ramón
vio um árbol que era
y um árbol que no era,
um toro que era
y um toro que no era.
Y don Ramón se subió al árbol que no era:
Y lo atropelo el toro que era.
Triste fim de don Ramón!
[Busca]
Subnutrido de beleza, meu cachorro-poema vai farejando poesia em tudo, pois nunca se sabe quanto tesouro andará desperdiçado por aí…
Quanto filhotinho de estrela atirado no lixo!
[O Tamanho Do Espaço]
A medida do espaço somo nós, homens,
Baterias de cozinha e jazz-band,
Estrelas, pássaros, satélites perdidos,
Aquele cabide no recinto do meu quarto,
Com toda a minha preguiça dependurada nele…
O espaço, que seria dele sem nós?
Mas o que enche, mesmo, toda a sua infinitude
É o poema!
– por mais leve, mais breve, por mínimo que seja…
[Leituras]
– Você ainda não leu O Significado do Significado? Não? Assim você nunca fica em dia.
– Mas eu estou só esperando que apareça O Significado do Significado do Significado.
Da calúnia
Sorri com tranquilidade
Quando alguém te calunia.
Quem sabe o que não seria
Se ele dissesse a verdade…
O leitor que mais admiro é aquele que não chegou até a presente linha. Neste momento já interrompeu a leitura e está continuando a viagem por conta própria.
No ano passado…
Já repararam como é bom dizer “o ano passado”? É como quem já tivesse atravessado um rio, deixando tudo na outra margem…Tudo sim, tudo mesmo! Porque, embora nesse “tudo” se incluam algumas ilusões, a alma está leve, livre, numa extraodinária sensação de alívio, como só se poderiam sentir as almas desencarnadas. Mas no ano passado, como eu ia dizendo, ou mais precisamente, no último dia do ano passado deparei com um despacho da Associeted Press em que, depois de anunciado como se comemoraria nos diversos países da Europa a chegada do Ano Novo, informava-se o seguinte, que bem merece um parágrafo à parte:
“Na Itália, quando soarem os sinos à meia-noite, todo mundo atirará pelas janelas as panelas velhas e os vasos rachados”.
Ótimo! O meu ímpeto, modesto mas sincero, foi atirar-me eu próprio pela janela, tendo apenas no bolso, à guisa de explicação para as autoridades, um recorte do referido despacho. Mas seria levar muito longe uma simples metáfora, aliás praticamente irrealizável, porque resido num andar térreo. E, por outro lado, metáforas a gente não faz para a Polícia, que só quer saber de coisas concretas. Metáforas são para aproveitar em versos…
Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo-sexagésimo-quinto andar do ano passado.
Morri? Não. Ressuscitei. Que isto da passagem de um ano para outro é um corriqueiro fenômeno de morte e ressurreição – morte do ano velho e sua ressurreição como ano novo, morte da nossa vida velha para uma vida nova.
[A Carta]
Quando completei quinze anos, meu compenetrado padrinho me escreveu uma carta muito, muito séria: tinha até ponto-e-vírgula! Nunca fiquei tão impressionado na minha vida.
Um poema como um gole d’água bebido no escuro.
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na
[floresta noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição
[de poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza.
INSCRIÇÃO PARA UMA LAREIRA
A vida é um incêndio: nela
dançamos, salamandras mágicas
Que importa restarem cinzas
se a chama foi bela e alta?
Em meio aos toros que desabam,
cantemos a canção das chamas!
Cantemos a canção da vida,
na própria luz consumida…
[Leitura]
Se é proibido escrever nos monumentos, também deveria haver uma lei que proibisse escrever sobre Shakespeare e Camões.
Poema da Gare de Astapovo
O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua…
Sentou-se …e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Glória,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E então a Morte,
Ao vê-lo tao sozinho àquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali à sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta…)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se até não morreu feliz: ele fugiu…
Ele fugiu de casa…
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade…
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!
Já trazes, ao nascer, a tua filosofia.
As razões? Essas vêm posteriormente,
Tal como escolhes, na chapelaria,
A forma que mais te assente…
Do bem e do mal
No fundo, não há bons nem maus. Há apenas os que sentem prazer em fazer o bem e os que sentem prazer em fazer o mal. Tudo é volúpia…
O café é tão grave, tão exclusivista, tão definitivo
que não admite acompanhamento sólido. Mas eu o driblo,
saboreando, junto com ele, o cheiro das torradas-na-manteiga
que alguém pediu na mesa próxima.
Seiscentos e sessenta e seis
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…
e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
Quando abro a cada manhã a janela do meu quarto
É como se abrisse o mesmo livro
Numa página nova…
Eu estava dormindo e me acordaram
E me encontrei, assim, num mundo estranho e louco…
E quando eu começava a compreendê-lo
Um pouco,
Já eram horas de dormir de novo!
Que importa restarem cinzas se a chama foi bela e alta?
Morrer é simplesmente esquecer as palavras.
Não tenho vergonha de dizer que estou triste,
Não dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez de se matarem, fazem poemas:
Estou triste por que vocês são burros e feios
E não morrem nunca…
Uma vida não basta apenas ser vivida: também precisa ser sonhada.
Amar é mudar a alma de casa.
Quem disse que eu me mudei?
Não importa que a tenham demolido:
A gente continua morando na velha casa em que nasceu.
Poeminha Sentimental
O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas
De vez em quando chega uma
E canta
(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.
Fere de leve a frase… E esquece… Nada
Convém que se repita…
Só em linguagem amorosa agrada
A mesma coisa cem mil vezes dita.
CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO
Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos…
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita…
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.
Presença
É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos…
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, trevo machucado,
folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo.
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu te sentir
como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida…
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato…
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!
O LUAR
O luar,
é a luz do Sol que está sonhando
O tempo não para!
A saudade é que faz as coisas pararem no tempo…
… os verdadeiros versos não são para embalar,
mas para abalar…
A grande tristeza dos rios é não poderem levar a tua imagem…
EU QUERIA TRAZER-TE UNS VERSOS MUITO LINDOS
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim…
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir…
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas… e que estão escritas
do lado de fora do papel… Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia…
como
uma pobre lanterna que incendiou!
O verdadeiro analfabeto é aquele que sabe ler, mas não lê.
A esperança é um urubu pintado de verde.
DOS NOSSOS MALES
A nós bastem nossos próprios ais,
Que a ninguém sua cruz é pequenina.
Por pior que seja a situação da China,
Os nossos calos doem muito mais…
Só as crianças e os bem velhinhos conhecem a volúpia de viver dia a dia, hora a hora, e suas esperanças são breves.
A indiferença é a maneira mais polida de desprezar alguém.
Minha vida não foi um romance…
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amar, não digas, que morro
De surpresa… de encanto… de medo…
Minha vida não foi um romance
Minha vida passou por passar
Se não amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.
Minha vida não foi um romance…
Pobre vida… passou sem enredo…
Glória a ti que me enches de vida
De surpresa, de encanto, de medo!
Minha vida não foi um romance…
Ai de mim… Já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende
De um sorriso… de um gesto… um olhar…
Tão bom viver dia-a-dia…A vida, assim, jamais cansa.
Mãe
Mãe… São três letras apenas
As desse nome bendito;
Também o céu tem três letras
E nelas cabe o infinito.
Para louvar nossa mãe,
Todo o bem que se disser
Nunca há de ser tão grande
Como o bem que ela nos quer.
Palavra tão pequenina,
Bem sabem os lábios meus
Que és do tamanho do céu
E apenas menor que Deus!
Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
Eu escrevi um poema triste
Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza…
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel…
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves…
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!
Ah! Essas Precauções…
Para desespero de seus parentes, o velho rei Mitridates, como todo mundo sabe, conseguiu tornar-se imune a todos os venenos… até que um bom tijolaço na cabeça liquidou o assunto.
Hoje me acordei pensando em uma pedra numa rua de Calcutá. Numa determinada pedra numa rua de Calcutá. Solta. Sozinha. Quem repara nela? Só eu, que nunca fui lá. Só eu, deste lado do mundo, te mando agora esse pensamento… Minha pedra de Calcutá!
A saudade da amada criatura
é bem melhor do que a presença dela.
Não faças da tua vida um rascunho.
Poderás não ter tempo de passá-la a limpo.
Esta vida é uma estranha hospedaria,
De onde se parte quase sempre às tontas,
Pois nunca as nossas malas estão prontas,
E a nossa conta nunca está em dia.
Tenta Esquecer-me
Tenta esquecer-me…
Ser lembrado é como evocar
Um fantasma… Deixa-me ser o que sou,
O que sempre fui, um rio que vai fluindo…
Em vão, em minhas margens cantarão as horas,
Me recamarei de estrelas como um manto real,
Me bordarei de nuvens e de asas,
Às vezes virão a mim as crianças banhar-se…
Um espelho não guarda as coisas refletidas!
E o meu destino é seguir… é seguir para o Mar,
As imagens perdendo no caminho…
Deixa-me fluir, passar, cantar…
Toda a tristeza dos rios
É não poder parar!
Nós vivemos a temer o futuro, mas é o passado que nos atropela e mata.
Para sempre é muito tempo. O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo.
O MATA-BORRÃO
O mata-borrão absorve tudo e no fim da vida acaba confundindo as coisas por que passou… O mata borrão parece gente!
LEGÍTIMA APROPRIAÇÃO
Copio e assino essa frase encontrada no velho Schopenhauer: “A soma de barulho que uma pessoa pode suportar está na razão inversa de sua capacidade mental”.
Confesso que até hoje só conheci dois sinônimos perfeitos: “nunca” e “sempre”.
O Auto Retrato
No retrato que me faço
– traço a traço –
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore…
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança…
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão…
e, desta lida, em que busco
– pouco a pouco –
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança…
Terminado por um louco!
Eu quero é teu calor animal
Mas onde já se ouviu falar num amor à distância?
Num tele amor?
Num amor de longe.
Eu sonho é um amor pertinho.
E depois
esse calor humano é uma coisa que todos – até os executivos têm.
É algo que acaba se perdendo no ar
No vento
No frio que agora faz.
Escuta!
O que eu quero
O que eu amo
O que eu desejo em ti
É teu calor animal.
Esperança
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…
Nada como o tempo.
Não olhe para os lados
Seja um poema, uma tela ou o que for, não procure ser diferente. O segredo único está em ser indiferente.
Por que será que a gente vive chorando os amigos mortos e não aguenta os que continuam vivos?
A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer.
O aborto não é, como dizem, simplesmente um assassinato. É um roubo… Nem pode haver roubo maior. Porque, ao malogrado nascituro, rouba-se-lhe este mundo, o céu, as estrelas, o universo, tudo. O aborto é o roubo infinito.
Uma alegria para sempre
As coisas que não conseguem ser
olvidadas continuam acontecendo.
Sentimo-las como da primeira vez,
sentimo-las fora do tempo,
nesse mundo do sempre onde as
datas não datam. Só no mundo do nunca
existem lápides… Que importa se –
depois de tudo – tenha “ela” partido,
casado, mudado, sumido, esquecido,
enganado, ou que quer que te haja
feito, em suma? Tiveste uma parte da
sua vida que foi só tua e, esta, ela
jamais a poderá passar de ti para ninguém.
Há bens inalienáveis, há certos momentos que,
ao contrário do que pensas,
fazem parte da tua vida presente
e não do teu passado. E abrem-se no teu
sorriso mesmo quando, deslembrado deles,
estiveres sorrindo a outras coisas.
Ah, nem queiras saber o quanto
deves à ingrata criatura…
A thing of beauty is a joy for ever
disse, há cento e muitos anos, um poeta
inglês que não conseguiu morrer.
O melhor do susto é esperar por ele.
O despertador é um acidente de tráfego do sono.
O silêncio é um espião.
O poema é uma bola de cristal. Se apenas enxergares nele o teu nariz, não culpes o mágico.
Amigos não consultem os relógios quando um dia me for de vossas vidas… Porque o tempo é uma invenção da morte: não o conhece a vida – a verdadeira – em que basta um momento de poesia para nos dar a eternidade inteira.
A morte é a libertação total: a morte é quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapatos…
Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo-sexagésimo-quinto andar do ano passado.
Morri? Não. Ressuscitei.
Da amizade entre mulheres
Dizem-se amigas… Beijam-se… Mas qual!
Haverá quem nisso creia?
Salvo se uma das duas, por sinal,
For muito velha, ou muito feia…
Do sabor das coisas
Por mais raro que seja,
Ou mais antigo,
Só um vinho é deveras excelente:
Aquele que tu bebes calmamente
Com o teu mais velho
E silencioso amigo…
RECORDO AINDA
Recordo ainda… e nada mais me importa…
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta…
Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança…
Estrada afora após segui… Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:
Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino… acreditai!…
Que envelheceu, um dia, de repente!…
O cotidiano é o icógnito do mistério.
As mãos que dizem adeus são pássaros que vão morrendo lentamente.
Se eu fosse acreditar mesmo em tudo o que penso, ficaria louco.
O velho do espelho
Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse
Que me olha e é tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto…é cada vez menos estranho…
Meu Deus, Meu Deus…Parece
Meu velho pai – que já morreu!
Como pude ficarmos assim?
Nosso olhar – duro – interroga:
“O que fizeste de mim?!”
Eu, Pai?! Tu é que me invadiste,
Lentamente, ruga a ruga…Que importa? Eu sou, ainda,
Aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra.
Mas sei que vi, um dia – a longa, a inútil guerra!-
Vi sorrir, nesses cansados olhos, um orgulho triste…
O amor é quando a gente mora um no outro.
Alma errada
Há coisas que a minha alma,
já mortificada não admite:
assistir novelas de TV
ouvir música Pop
um filme apenas de corridas de automóvel
uma corrida de automóvel num filme
um livro de páginas ligadas
porque, sendo bom,
a gente abre sofregamente a dedo:
espátulas não há…
e quem é que hoje faz questão de virgindades…
E quando minha alma estraçalhada a todo instante pelos telefones
fugir desesperada
me deixará aqui, ouvindo o que todos ouvem,
bebendo o que todos bebem,
comendo o que todos comem.
A estes, a falta de alma não incomoda.
(Desconfio até que minha pobre alma fora destinada ao habitante de outro mundo).
E ligarei o rádio a todo o volume,
gritarei como um possesso nas partidas de futebol,
seguirei, irresistivelmente,
o desfilar das grandes paradas do Exército.
E apenas sentirei, uma vez que outra,
a vaga nostalgia de não sei que mundo perdido…
Slogan para o ministério da saúde: o fumante é um retardado que ainda não conseguiu deixar de mamar.
“Diabético” é quem não consegue ser doce.
“Anão” é quem não sabe deixar o amor crescer.
Um dia…Pronto!…Me acabo.
Pois seja o que tem de ser.
Morrer: Que me importa?
O diabo é deixar de viver.
O bom das segundas-feiras, do primeiro dia de cada mês, e do primeiro do ano, é que nos dão a ilusão que a vida se renova… Que seria de nós se a folhinha marcasse hoje o dia 713.789 da era Cristã?
Nunca me dê o Céu…Quero é sonhar com ele na inquietação feliz do Purgatório.
Do Mau Estilo…
Todo o bem, todo o mal que eles te dizem, nada
Seria, se soubessem expressá-lo…
O ataque de uma borboleta agrada
Mais que todos os beijos de um cavalo.
DA DISCRETA ALEGRIA
Longe do mundo vão, goza o feliz minuto
Que arrebataste às horas distraídas.
Maior prazer não é roubar um fruto
Mas sim ir saboreá-lo às escondidas.
DA BOA E DA MÁ FORTUNA
É sem razão, e é sem merecimento,
Que a gente a sorte maldiz:
Quanto a mim, sempre odiei o sofrimento,
Mas nunca soube ser feliz…
DA PAZ INTERIOR
O sossego interior, se queres atingi-lo,
Não deixes coisa alguma incompleta ou adiada.
Não há nada que dê um sono mais tranquilo
Que uma vingança bem executada…
DA MEDIOCRIDADE
Nossa alma incapaz e pequenina
Mais complacências que irrisão merece.
Se ninguém é tão bom quanto imagina,
Também não é tão mau como parece.
DO ESPÍRITO E DO CORPO
O espírito é variável como o vento,
Mais coerente é o corpo, e mais discreto…
Mudaste muita vez de pensamento,
Mas nunca de teu vinho predileto…
DA ANÁLISE
Eis um problema! E cada sábio nele aplica
As suas lentes abismais.
Mas quem com isso ganha é o problema, que fica
Sempre com um X a mais…
DA ETERNA PROCURA
Só o desejo inquieto, que não passa,
Faz o encanto da coisa desejada…
E terminamos desdenhando a caça
Pela doida aventura da caçada.
DOS PONTOS DE VISTA
A mosca, a debater-se: “Não! Deus não existe!
Somente o Acaso rege a terrena existência.”
A Aranha: “Glória a Ti, Divina Providência,
Que à minha humilde teia essa mosca atraíste!”
Ela era branca, branca. Dessa brancura que não se usa mais. Mas sua alma era furta-cor.
Com o tempo, não vamos ficando sozinhos apenas pelos que se foram: vamos ficando sozinhos uns dos outros.
A eternidade é um relógio sem ponteiros.
Os antigos retratos de parede
Não conseguem ficar por longo tempo abstratos.
Às vezes os seus olhos te fitam, obstinados.
Porque eles nunca se desumanizam de todo.
Jamais te voltes para trás de repente:
Poderias pegá-los em flagrante.
Não, não olhes nunca!
O melhor é cantares cantigas loucas e sem fim…
Sem fim e sem sentido…
Dessas que a gente inventava para enganar a solidão
dos caminhos sem lua.
Só as crianças e os velhos conhecem a volúpia de viver dia-a-dia, hora a hora, e suas esperas e desejos nunca se estendem além de cinco minutos…
PROJETO DE PREFÁCIO
Sábias agudezas… refinamentos…
– não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraíres
como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe
Um poema não é também quando paras no fim,
porque um verdadeiro poema continua sempre…
Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.
Das Utopias
Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos – onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo…
Se as coisas são inatingíveis… ora!
Não é motivo para não querê-las…
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!
Tão bom viver dia a dia…
A vida assim, jamais cansa…
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu…
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência… esperança…
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas…
Quem ama inventa as coisas a que ama…
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava.
Sê bom
Mas ao coração
Prudência e cautela ajunta.
Quem todo de mel se unta,
Os ursos o lamberão.
Voa um par de andorinhas, fazendo verão. E vem uma vontade de rasgar velhas cartas, velhos poemas, velhas cartas recebidas. Vontade de mudar de camisa, por fora e por dentro… Vontade… para que esse pudor de certas palavras?… Vontade de amar, simplesmente.
Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. só por não poderem ser chatos como os outros? Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese.
A modéstia é a vaidade escondida atrás da porta.
Um dia você aprende que deve obedecer. Um dia você aprende que não pode ter tudo o que quer, que gente que tem orgulho próprio é chato e que se deve ser solidário. Que você não deve confiar em ninguém, que deve ‘fazer o bem sem olhar a quem’, que, se for menino, não chora e que, se for menina, deve-se preservar.
Você vê que a vida é só uma e que deve aproveitá-la. Você aprende que deve-se pensar duas vezes antes de tomar qualquer atitude. Você aprende que deve aprender com seus erros e aprende que raramente aprende com seus erros. Você aprende a se contradizer, você aprende a mudar de idéia, você aprende a se calar, você aprende a aceitar. Aprende que deve lutar pelos seus ideais. Aprende que deve sonhar e que deve ter os pés no chão.
Você percebe que quem imita os outros não tem personalidade e que quem é autêntico é esquisito e excluído. Você aprende que as pessoas podem ser muito cruéis. Que as pessoas podem dar tudo de si mesmas para ajudar. Você aprende que sentir ciúmes é ruim. Você aprende que quem não sente ciúmes é desleixado.
Aprende que não deve se preocupar muito com as coisas. Aprende que não deve deixar a vida correr solta. Que o maior tesouro são os amigos e que você perde os amigos. E ao perder, ainda jogam na sua cara que não era uma amizade verdadeira. Que os outros te julgam e que você não deve julgar ninguém. Que deve-se olhar além das aparências. Que as pessoas te julgam pelo que você aparenta. Que dinheiro importa. Que amor acaba. Que amor verdadeiro não acaba. Que não existe amor verdadeiro. Que dinheiro não trás felicidade.
Aprende que quanto mais você se esforça, mais insuficiente parece ser. E que não se deve desistir dos sonhos. Também, que se deve desistir de coisas que não se consegue depois de tentar muito. Aprende que a vida é curta. Aprende que você ainda tem a vida toda pela frente. Aprende que há burrices como preconceito e discriminação. Aprende que sente preconceito. Aprende que julga os outros e aprende que se deve aprender a tratar as pessoas igualmente. Aprende que as pessoas não são iguais. Aprende que as pessoas somos iguais. E que alguns são mais iguais que os outros.
Aprende que não pode errar e que não se acerta sempre.
Aprende que cantar faz bem. Aprende que pode-se ser altamente repreendido por cantar. Aprende que dançar é bom e que as pessoas podem te repreender por dançar. Aprende que as pessoas te magoam sem nem precisarem de um motivo. E que podem fazer comentários como se você não se importasse com aquilo.
Aprende que quando a pessoa é fora dos padrões ela se sente ofendida quando lhe falam isso. Aprende que as pessoas são fora dos padrões e fingem não se importar. Que fazer piadas é legal e que é melhor fazê-las do que manter a amizade. E que quem não aceita as piadas são tolos. Que a sinceridade é utópica e desnecessária. Que sinceridade é tudo. Que confiança se perde fácil.
Aprende que por mais que tente o contrário, um dia vai magoar alguém. Aprende que com conversas tudo se resolve. Aprende que tem gente que não sabe conversar e que nessas conversas, as palavras podem funcionar como armas.
Aprende que de repente as palavras podem significar nada, algo muito importante ou várias coisas. Aprende que alguns momentos são inúteis… e que outros, que parecem ser tão simples, mudam tudo.
No fim, você aprende que tudo o que você aprende chega a um belo resultado: aporia.
Eu quero o mapa das nuvens e um barco bem vagaroso.
E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas.
Passageiro Clandestino
No porta-mala do meu automóvel
Levo um anjo escondido…
Quando chegamos a um descampado,
Ele sai lá de dentro, estende as asas, belas como a vitória
E aí, então, nos seus ombros, dou uma longa volta pelos céus da cidade…
Amar, nunca me coube
Mas sempre transbordou
O rio de lembranças
Que um dia me afogou
E nesta correnteza
Fiquei a navegar
Embora, com certeza,
Não possa me salvar
Amar nunca me trouxe
Completo esquecimento
Mas antes me somou
Ao antigo tormento
E assim, cada vez mais,
Me prendo neste nó
E cada grito meu
Parece ser maior
Era uma vez duas pulguinhas que passaram a vida inteira economizando e compraram um cachorro só pra elas…
A saudade que dói mais fundo – e irremediavelmente – é a saudade que temos de nós.
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…
e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas
Atiro a rosa do sonho nas tuas mãos distraídas.
Pior, mas muito pior mesmo
do que as lágrimas de crocodilo,
são os sorrisos de crocodilo…
Neste mundo de tantos espantos,
Cheios das mágicas de Deus,
O que existe de mais sobrenatural,
São os ateus.
A morte é que está morta
Ela é aquela Princesa Adormecida
no seu claro jazigo de cristal.
Aquela a quem, um dia – enfim – despertarás…
E o que esperavas ser teu suspiro final
é o teu primeiro beijo nupcial!
– Mas como é que eu te receava tanto
(no teu encantamento lhe dirás)
e como podes ser assim – tão bela?!
Nas tantas buscas, em que me perdi,
vejo que cada amor tinha um pouco de ti…
E ela, sorrindo, compassiva e calma:
– E tu, por que é que me chamavas Morte?
Eu sou, apenas, tua Alma…
Primavera cruza o rio
Cruza o sonho que tu sonhas
A Primavera vem chegando.
Minha vida não foi um romance.
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro
De surpresa,
De encanto,
De medo…
Conhecer o mistério de um corpo é talvez mais importante do que conhecer o mistério de uma alma.
Sábios pensares
Dos pequenos ridículos
nunca faça escândalos ao menos
visto que tanto ousas
não os faça pequenos
o ridículo está é nas pequenas coisas
Do pranto
não tentes consolar o desgraçado
que chora amargamente a sorte má
se o tirares por fim do seu estado
que outra consolação o restará…
Do prazer
quanto mais leve tanto mais sutil
o prazer que das coisas nos provém
escusado é beber todo um barril
para saber que gosto o vinho tem…
Da contradição
se te contradisseste e acusam-te. Sorri.
pois nada houve em realidade
teu pensamento é que chegou por si só
no outro pólo da verdade
Da falsidade
foi tudo falso o que ela disse …
fecha os olhos, crê, a mentira é tão linda
nem ela sabe que fingir meiguice
é o mais certo sinal de que te ama ainda
Do eterno mistério
um outro mundo existe…uma outra vida…
mas de que serve ires para lá…
bem como aqui, tu’alma atônita e perdida
nada compreenderá
Do mau estilo
todo o bem, todo mal que eles te dizem, nada
seria, se soubessem expressá-lo
o ataque de uma borbolete agrada
mais que todos os beijos de um cavalo
— Eu queria propor-lhe uma troca de ideias…
— Deus me livre!
Amizade
Quando o silêncio a dois não se torna incômodo.
Cada noite que Deus dá
meu amor, que esta no céu
despetala uma estrelinha
para ver se ainda o quero.
Dorme, ruazinha…
É tudo escuro…
E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme o teu sono sossegado e puro,
Com teus lampiões, com teus jardins tranquilos.
Dorme…
Não há ladrões, eu te asseguro…
Nem guardas para acaso persegui-los…
Na noite alta, como sobre um muro,
As estrelinhas cantam como grilos…
O vento está dormindo na calçada,
O vento enovelou-se como um cão…
Dorme, ruazinha…
Não há nada…
Só os meus passos…
Mas tão leves são
Que até parecem, pela madrugada,
Os da minha futura assombração…
Boas Maneiras
Os anjos não dão os ombros, não; quando querem mostrar indiferença os anjos dão as asas.
Verbetes
Infância – A vida em tecnicolor.
Velhice – A vida em preto-e-branco.
Verbete
Nós – o pronome do rebanho.
Viajar é mudar o cenário da solidão.
Nunca me acertei bem com os padres, os críticos e com os canudinhos de refresco.
Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! Sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?
Conhecer a si mesmo e aos outros …Ver o mal com mais clareza…ó triste e doloroso dom!
E sofrer mais que todos, no final sem o consolo de ter sido bom…
Arte de Fumar
Desconfia dos que não fumam:
esses não têm vida interior, não tem sentimentos.
O cigarro é uma maneira sutil, e disfarçada de suspirar.
A psicanálise? Uma das mais fascinantes modalidades do gênero policial, em que o detetive procura desvendar um crime que o próprio criminoso ignora.
Para aqueles que atrapalham meu caminho: eu passarinho, eles passarão.
Minha vida está nos meus poemas,
meus poemas são eu mesmo,
nunca escrevi uma vírgula
que não fosse uma confissão.
No retrato que me faço
– traço a traço –
Às vezes me pinto nuvem
Às vezes me pinto árvore…
Nós só amamos os amigos mortos
E só as amadas mortas amam eternamente…
Pequeno poema didático
O tempo é indivisível. Dize,
Qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas e fica a árvore,
Contra o vento incerto e vário.
A vida é indivisível. Mesmo
A que se julga mais dispersa
E pertence a um eterno diálogo
A mais inconsequente conversa.
Todos os poemas são um mesmo poema,
Todos os porres são o mesmo porre,
Não é de uma vez que se morre…
Todas as horas são horas extremas…
E todos os encontros são adeuses!
Poema transitório
Eu que na Era da fumaça: – trenzinho
Vagaroso com vagarosas paradas
Em cada estaçãozinha pobre
Para comprar
Pastéis
Pés-de-moleque
Sonhos
– principalmente sonhos!
porque as moças da cidade vinham
olhar o trem passar:
eles suspirando maravilhosas viagens
e a gente com um desejo súbito
de ficar ali morando sempre…
Nisto, o apito da locomotiva
e o trem se afastando
e o trem arquejando
é preciso partir
é preciso chegar
é preciso partir é preciso chegar…
Ah, como esta vida é urgente!
… no entanto
eu gostava era mesmo de partir…
e – até hoje – quando acaso embarco
para alguma parte
acomodo-me no meu lugar
fecho os olhos e sonho:
viajar, viajar
mas para parte nenhuma…
viajar indefinidamente…
como uma nave espacial perdida entre as estrelas.
O maior chato é o chato perguntativo. Prefiro o chato discursivo ou narrativo, que se pode ouvir pensando noutra coisa…
Diário de Viagem
O poeta foi visto por um rio,
por uma árvore,
por uma estrada…
Biografia
Entre o olhar suspeitoso da tia
E o olhar confiante do cão
O menino inventava a poesia…
Hai-Kai da Palavra Andorinha
A palavra andorinha
Freme devagarinho
E some em silêncio…
Hai-Kai da Cozinheira
A cozinheira preta preta
Preta e gorda
Com seu frescor sorriso de lua…
Outono
É uma borboleta amarela? Ou uma folha que se desprendeu e que não quer tombar?
Germinal
Planta
Com emoção
Este verso em teu coração
Uma folha, ai,
melancolicamente
cai!
O Verso
O verso é um doido cantando sozinho.
Seu assunto é o caminho. E nada mais!
O caminho que ele próprio inventa..
Há uma cor que não vem nos dicionários. É essa indefinível cor que têm todos os retratos, os figurinos da última estação…a cor do tempo.
A lua quando fica velha, todo mundo sabe que vira nova.
A recordação é uma cadeira de balanço embalando sozinha.
Amizade: quando o silêncio a dois não se torna incômodo.
Amor: quando o silêncio a dois se torna cômodo.
Ah, sempre que se sonha alguma coisa
tem-se a idade do tempo em que a sonhamos:
Me esqueci do futuro…
Haverá ainda, no mundo, coisas tão simples e tão puras como a água bebida na concha das mãos?
Poesia, uma maneira de falar sozinho.
A Laranja
A laranja cortada ao meio,
Úmida de amor, anseia pela outra…
É assim, é bem assim que eu te desejo!
As tuas mãos grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já cor de terra
– como são belas as tuas mãos
pelo quanto lidaram, acariciavam ou fremiam da nobre cólera dos justos…
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai, essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam nos braços da cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas…
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo.
como quem junta gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah! Como os fizestes, arder, fulgir, como o milagre de suas mãos!
E é ainda, a vida que transfigura as tuas mãos nodosas…
essa chama de vida – que transcende a própria vida
…e que os Anjos, um dia, chamarão de alma.
O que mata um jardim não é mesmo
alguma ausência
nem o abandono…
O que mata um jardim é esse olhar vazio
de quem por eles passa indiferente.
Mãe
Mãe! São três letras apenas
As desse nome bendito:
Três letrinhas, nada mais…
E nelas cabe o Infinito
E palavra tão pequena
– confessam mesmo os ateus –
É do tamanho do Céu!
E apenas menor que Deus…
São os passos que fazem os caminhos.
Se eu pudesse, pegava a dor; colocava a dor dentro de um envelope e devolvia ao remetente.
A morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim…
Só tu soubeste achar-me… e te foste!
Um bom poema não é aquele que você lê, é aquele que lê você.
Buscas a perfeição? Não sejas vulgar. A autenticidade é muito mais difícil.
As pessoas não se precisam, elas se completam… não por serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida.
Temos que nos bastar… nos bastar sempre e quando procuramos estar com alguém…
Cego é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria.
Surdo é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão.
Não sei dançar. Minha maneira de dançar é o poema.
As pessoas sem imaginação podem ter tido as mais inprevistas aventuras, podem ter visitado as terras mais estranhas. Nada lhes ficou, nada lhes sobrou, uma vida não basta ser vivida: também precisa ser sonhada.
Eu moro em mim mesmo. Não faz mal que o quarto seja pequeno. É bom, assim tenho menos lugares para perder as minhas coisas.
Eles passarão, eu passarinho.
O que eles chamam de nossos defeitos é o que nós temos de diferente deles. Cultivemo-los pois, com o maior carinho – esses nossos benditos defeitos.
Da vez primeira em que me assassinaram
perdi um jeito de sorrir que tinha…
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
A vida é nova e anda nua vestida apenas com o teu desejo!
A gente deve atravessar a vida como quem está gazeando a escola e não como quem vai para a escola.
As pessoas não se precisam, elas se completam.
Chorar é Lindo
Chorar é lindo, pois cada lágrima na face
são palavras ditas de um sentimento calado.
Pessoas que mais amamos, são as que mais magoamos
porque queremos que sejam perfeitas,
e esquecemos que são apenas seres humanos.
Nunca diga que esqueceu alguma pessoa, ou um amor.
Diga apenas que consegue falar neles sem chorar,
porque qualquer amor por mais simples que seja,
será sempre inesquecível…
As lágrimas não doem…
O que dói são os motivos que as fazem caírem!
Não deixe de acreditar no amor,
mas certifique-se de estar entregando seu coração
para alguém que dê valor
aos mesmos sentimentos que você dá,
manifeste suas ideias e planos,
para saber se vocês combinam,
e certifique-se de que quando estão juntos
aquele abraço vale mais que qualquer palavra…
Em cima do meu telhado,
Pirulin lulin lulin,
Um anjo, todo molhado,
Soluça no seu flautim.
O relógio vai bater;
As molas rangem sem fim.
O retrato na parede
Fica olhando para mim.
E chove sem saber por quê…
E tudo foi sempre assim!
Parece que vou sofrer:
Pirulin lulin lulin…
Naquele dia fazia um azul tão límpido, meu Deus, que eu me sentia perdoado para sempre não sei de quê.
Eu não tenho paredes. Só tenho horizontes…
As reticências são os três primeiros passos do pensamento que continua por conta própria o seu caminho.
A ironia atinge apenas a inteligência. Inútil desperdiçá-la com os que estão longe do seu alcance.
Contra estes ainda não se conseguiu inventar nenhuma arma. A burrice é invencível.
Dona Lógica usa coque e óculos, como aquelas velhas professoras que não se fabricam mais e tão chatas que, no meio da aula, sempre alguém lhes pedia “para ir lá fora”. Sim, Dona Lógica, a alma também precisa de um pouco de ar.
Quem faz – em mim – esta interrogação ?
Eu ouço música
como quem apanha chuva:
resignado
e triste
de saber que existe um mundo
do Outro Mundo…
Eu ouço música como
quem está morto
e sente
já um profundo
desconforto
de me verem
ainda neste mundo de cá…
Perdoai,
maestros,
meu estranho ar!
Eu ouço música
como um anjo doente
que não pode voar.
Por causa tua, quantas más ações deixei de cometer.
Sempre
Jamais se saberá com que meticuloso cuidado
Veio o Todo e apagou o vestígio de Tudo
E
Quando nem mais suspiros havia
Ele surgiu de um salto
Vendendo súbitos espanadores de todas as cores!
A gente não sabia
A gente ainda não sabia que a Terra era redonda.
E pensava-se que nalgum lugar, muito longe,
Deveria haver num velho poste uma tabuleta
[qualquer
– uma tabuleta meio torta
E onde se lia em letras rústicas: FIM DO MUNDO.
Ah! depois nos ensinaram que o mundo não tem
[fim
E não havia remédio senão iremos andando às
[tontas
Como formigas na casca de uma laranja.
Como era possível, como era possível, meu Deus,
Viver naquela confusão?
Foi por isso que estabelecemos uma porção de
fins de mundo…
A morte é quando finalmente podemos estar deitados com sapatos.
Deixem o outro mundo em paz! O mistério está aqui!
A imaginação é a memória que enlouqueceu.
A felicidade bestializa, só o sofrimento humaniza as pessoas.
O futuro é uma espécie de banco ao qual vamos remetendo, um a um, os cheques de nossas esperanças. Ora, não é possível que todos os cheques sejam sem fundo.
Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade…
Que eu nunca deixe minha esperança ser abalada por palavras pessimistas.
Humilde Orgulho
Aquele fiozinho d’água
Não era um rio
Bastava-lhe ser um fio de música.
A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal.
Aí pensamos o que fizemos deste ano?
Quando o tempo passou e nem se notou.
Quando o vento levou o nem consegui pegar.
O tempo é o inimigo da ação não feita.
Quando deparamos, ele passou e nem se notou.
Quando eu pensei, em fazer, o tempo já passou.
A vida é um tempo.
Paz: os caminhos estão descansando.
As crianças não brincam de brincar. Brincam de verdade.
Não são todos que realizam os velhos sonhos de infância.
O mundo do sonho é silencioso como o mundo submarino. Por isso é que faz bem sonhar.
O bom da chuva é que parece que não tem fim.
Quem é que pode parar os caminhos? E os rios cantando e correndo? E as folhas ao vento? E os ninhos… E a poesia… A poesia como um seio nascendo…
O mais difícil, mesmo, é a arte de desler.
Há certas coisas que não haveria mesmo ocasião de as colocarmos sensatamente numa conversa – e que só num poema estão no seu lugar.
Cada poema é uma garrafa de náufrago jogada às águas… Quem a encontra, salva-se a si mesmo.
Poesia é comunicação…a sós.
Se nunca nasceste de ti mesmo, dolorosamente, na concepção de um poema… estás enganado: para os poetas não existe parto sem dor.
O poema é uma pedra no abismo.
Repara como o poeta humaniza as coisas: dá hesitação às folhas, anseios ao vento. Talvez seja assim que Deus dá alma aos homens.
Todo poema é uma aproximação.
A maioria das gentes vive de convicção e não de idéias.
Frases felizes…Frases encantadas… Ó festa dos ouvidos! Sempre há tolices muito bem ornadas… Como há pacóvios bem vestidos.
Pergunto-me por que o uivar de lobos, os trovões, os raios constituem o pano de fundo para as cenas de horror. Pois, quando o medo é muito, faz-se um silêncio na alma. E nada mais existe.
A indiferença é a mais refinada forma de polidez.
A verdadeira coragem consiste, apenas, em não nos importarmos com a opinião dos outros. Mas como custa!
Esse estranho que mora no espelho (e é tão mais velho do que eu) olha-me de um jeito de quem procura adivinhar quem sou.
O que têm de bom as nossas mais caras recordações é que elas geralmente são falsas.
No fim a gente acaba descobrindo que até a imaginação tem um teto. E muito baixo até.
O triste dos caminhos é que eles jamais podem ir aonde querem.
O mais triste de um passarinho engaiolado é que ele se sente bem.
Não, a pior tragédia não é a que tomba inesperada, rápida, definitiva e única como um raio e que pode ser atribuída a castigo divino…Mas a que se arrasta quotidianamente, surdamente, monótona como chuva miudinha.
Há ilusões perdidas mas tão lindas que a gente as vê partir como esses balõezinhos de cor que nos escapam das mãos e desaparecem no céu…
Só o que está perdido é nosso para sempre.
No dia em que estiveres muito cheio de incomodações, imagina que morreste anteontem… Confessa: tudo aquilo teria mesmo tanta importância?
Dizer bobagens areja a alma.
Um lugar só é bom quando a gente pode fugir para outro lugar.
Eu sonho com um poema
Cujas palavras sumarentas escorram
Como a polpa de um fruto maduro em tua boca,
Um poema que te mate de amor
Antes mesmo que tu lhe saibas o misterioso sentido,
Basta provares o seu gosto.
E se o que tanto buscas só existe em tua límpida loucura – que importa?
Isso, exatamente isso, é o teu diamante mais puro!
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Jamais deve buscar a coisa em si, a qual depende somente dos espelhos.
A coisa em si, nunca: a coisa em ti.
Um pintor, por exemplo, não pinta uma árvore: ele pinta-se uma árvore.
E um grande poeta – espécie de rei Midas à sua maneira – um grande poeta, bem que ele poderia dizer:
Tudo que eu toco se transforma em mim.
A vida é o dever que trouxemos para fazer em casa.
As únicas coisas eternas são as nuvens.
Não sejas muito justo, e nem utilize sua sabedoria mais que o necessário, para que não venhas a ser estúpido.
Jardim interior
Todos os jardins deviam ser fechados,
com altos muros de um cinza muito pálido,
onde uma fonte
pudesse cantar
sozinha
entre o vermelho dos cravos.
O que mata um jardim não é mesmo
alguma ausência
nem o abandono…
O que mata um jardim é esse olhar vazio
de quem por eles passa indiferente.
Ah! Os relógios
Amigos, não consultem os relógios
quando um dia em for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais um necrológios…
Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida – a verdadeira –
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.
E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém – ao voltar a si da vida –
acaso lhes indaga que horas são…
No fim você vai ver que as coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar…
A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas.
Não me ajeito com os padres, os críticos e os canudinhos de refresco: não há nada que substitua o sabor da comunicação direta.
Triste de quem não conserva nenhum vestígio da infância.
Quando perguntam de onde tenho ressurgido
respondo:
– Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios.
Na convivência, o tempo não importa.
Se for um minuto, uma hora, uma vida.
O que importa é o que ficou deste minuto,
desta hora, desta vida.
Lembra que o que importa
é tudo que semeares colherás.
Por isso, marca a tua passagem,
deixa algo de ti,
do teu minuto,
da tua hora,
do teu dia,
da tua vida.
O Tempo e o Vento
Havia uma escada que parava de repente no ar
Havia uma porta que dava para não se sabia o quê
Havia um relógio onde a morte tricotava o tempo
Mas havia um arroio correndo entre os dedos buliçosos dos pés
E pássaros pousados na pauta dos fios do telégrafo
E o vento!
O vento que vinha desde o princípio do mundo
Estava brincando com teus cabelos…
Quando eu morrer e no frescor de lua
Da casa nova me quedar a sós,
Deixa-me em paz na minha quieta rua…
Nada mais quero com nenhum de vós!
Quero é ficar com algumas poemas tortos
Que andei tentando endireitar em vão…
Que lindo a Eternidade, amigos mortos,
Para as torturas lentas da Expressão!…
Eu levarei comigo as madrugadas,
Pôr de sóis, algum luar, asas em bando,
Mais o rir das primeiras namoradas…
E um dia a morte há de fitar com espanto
Os fios de vida que eu urdi, cantando,
Na orla negra do seu negro manto…
Não gosto de estar dormindo nem de estar morto perto de ninguém.
A mentira é uma verdade que não aconteceu.
Se as coisas são inatingiveis… ora! Não é motivo para não querê-las.
Amanhecer
O sol derrama, na calçada,
a sua bela, matinal urinada
A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio.
Das delicadezas que a vida ensina, o mais bonito sempre fica:
Os laços que se formam entre duas almas também são formas de abraço.
É assim que é o abraço: coração com coração, tudo isso cercado de braçanão.
Alguém me disse, com a voz embargada, que agora, sim, estava convencido da existência de Deus, porque os trabalhos psicografados de Humberto de Campos eram evidentemente dele mesmo.
– Mas isso não prova a existência de Deus… Prova apenas a existência de Humberto de Campos.
Nos foram dadas duas pernas para andar, as duas mãos para segurar, dois ouvidos para ouvir, dois olhos para ver…mas por que só um coração? Porque o outro foi dado a alguém para nos encontrar.
Feliz é aquele que sabe abrir os olhos quando acorda, enxergar sempre a manhã numa nuance mais exata.
E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas…Aí vai!
Ah! quanta vez a vida nos revela que “a saudade da amada criatura” é bem melhor do que a presença dela.
Quero é ficar com alguns poemas tortos que andei tentando endireitar em vão…
Uma curva de caminho, anônima, torna-se às vezes a maior recordação de toda uma volta ao mundo!
INSCRIÇÃO PARA UMA LAREIRA
Em meio aos toros que desabam, cantemos a canção das chamas.
A vida é um incêndio: nela dançamos, salamandras mágicas, que importa restarem cinzas se a chama foi bela e alta!
Ah, sim, a velha poesia…
Poesia, a minha velha amiga…
eu entrego-lhe tudo
a que os outros não dão importância nenhuma…
a saber:
o silêncio dos velhos corredores
uma esquina
uma lua
(porque há muitas, muitas luas…)
o primeiro olhar daquela primeira namorada
que ainda ilumina, ó alma,
como uma tênue luz de lamparina,
a tua câmara de horrores.
E os grilos?
Não estão ouvindo lá fora, os grilos?
Sim, os grilos…
Os grilos são os poetas mortos.
Entrego-lhes grilos aos milhões um lápis verde um retrato
amarelecido um velho ovo de costura os teus pecados
as reivindicações as explicações – menos
o dar de ombros e os risos contidos
mas
todas as lágrimas que o orgulho estancou na fonte
as explosões de cólera
o ranger de dentes
as alegrias agudas até o grito
a dança dos ossos…
Pois bem,
às vezes
de tudo quanto lhe entrego, a Poesia faz uma coisa que
parece que nada tem a ver com os ingredientes mas que
tem por isso mesmo um sabor total: eternamente esse
gosto de nunca e de sempre.
Se tu me amas…ama-me baixinho.
Clair de lune, chiaro de luna, claro de luna… jamais os franceses, os italianos e os espanhóis saberão mesmo o que seja o luar, que nós bebemos de um trago numa palavra só.
Um engano em bronze é um engano eterno.
Se não fosse o Van Gogh, o que seria do amarelo?
Como um cego, grita a gente: ‘Felicidade, onde estás?’ Ou vai-nos andando à frente, ou ficou lá para trás.
Só as amadas mortas amam eternamente.
Qualquer um pode se tornar um poeta quando está amando, o duro é ter que se fazer de um justamente por não estar.
Entre a minha casa e a tua, há uma ponte de estrelas.
Uma ponte de silêncios.
Como perdoar aos inimigos
Perdoas… és cristão… bem o compreendo…
E é mais cômodo, em suma.
Não desculpes, porém, coisa nenhuma,
Que eles bem sabem o que estão fazendo…
O que mata um jardim não é o abandono. O que mata um jardim é esse olhar de quem por ele passa indiferente… E assim é com a vida, você mata os sonhos que finge não ver.
A verdade é que os bichos, quando imitam as pessoas, perdem toda a dignidade.
Quando o silêncio a dois se torna cômodo.
Queria ter a certeza de que apesar de minhas renúncias e loucuras, alguém me valoriza pelo que sou, não pelo que tenho. E que esse alguém me peça para que eu nunca mude, para que eu nunca cresça, para que eu seja sempre eu mesmo.
Das ilusões
Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o.
Com ele ia subindo a ladeira da vida.
E, no entretanto, após cada ilusão perdida…
Que extraordinária sensação de alívio!
E as flores vão chegar num dia qualquer, apenas para informar-lhe como você é especial para alguém. Assim.. sem um motivo ou data especial. “Amar é mudar a alma de casa!” Idealizar é sofrer. Amar é surpreender! Talvez tenhamos que conhecer algumas pessoas erradas, antes de encontrar a pessoa certa. Talvez a pessoa certa, você considera a mais errada, que só quer curtir, mas que um dia te fará feliz, e para que isso aconteça, só depende de você, pois ao encontrá-la, agradeça por esta bênção. Porém, estamos tão presos àquela porta fechada, que não somos capazes de ver o novo caminho que se abriu. Não busque boas aparências, elas podem mudar. Encontre aquela pessoa que te faça dar gargalhadas, ao falar uma piadinha e que faça seu coração sorrir. Afinal, as pessoas não entram em nossas vidas por acaso.
Nunca dês um nome ao rio. Sempre há outro rio a passar.
Na convivência, o tempo não importa.
Se for um minuto, uma hora, uma vida.
O que importa é o que ficou deste minuto,
desta hora… desta vida…
É uma barbaridade o que a gente tem de lutar com as palavras, para obrigar as palavras a dizerem o que a gente quer.
Lá dentro apenas sopra um ar, de morte.
Nada se perde, tudo muda de dono.
(…) até que um dia, por astúcia ou acaso, depois de quase todos os enganos, ela descobriu a porta do labirinto. (…) nada de ir tateando os muros como um cego. Nada de muros. Seus passos tinham – enfim! – a liberdade de traçar seus próprios labirintos.
Nada como não fazer nada e depois descansar.
A convivência entre poeta e leitor, só no silêncio da leitura a sós. A sós, os dois. Isto é, livro e leitor. Este não quer saber de terceiros, não quer que interpretem, que cantem, que dancem um poema. O verdadeiro amador de poemas ama em silêncio…
Louco é quem não procura ser feliz.
É o que dá ver tanta televisão. Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista. Por que só podemos ser felizes formando um par, e não como ímpares. Ter um parceiro constante não é sinônimo de felicidade, a não ser que seja a felicidade de estar correspondendo às expectativas da sociedade, mas isso é outro assunto. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com três parceiros, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio.
Como é ridículo o amor… alheio!
Foi um Poeta, tradutor e jornalista brasileiro.
@omarioquintana
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês. @omarioquintana
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão. @omarioquintana
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu. @omarioquintana
A vida é louca, o mundo é triste:
vale a pena matar-se por isso?
A amizade ė um amor que nunca more.
“Você procura por alguém que cuide de você quando está doente, que não reclame em trocar aquele churrasco dos amigos pelo aniversário da sua avó, que jogue “imagem e ação” e se divirta como uma criança, que sorria de felicidade quando te olha, mesmo quando está de short, camiseta e chinelo.”
Porque nada de exterior me acontece.
Mas, em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto
Seiscentos e Sessenta e Seis
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…
e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
E as horas lá se vão, loucas ou tristes…
Mas é tão bom, em meio às horas todas,
Pensar em ti… saber que tu existes!
O viajante
Eu, sempre que parti, fiquei nas gares
Olhando, triste, para mim…
Os guarda-chuvas perdidos… onde vão parar os guarda-chuvas perdidos ? E os botões que se desprenderam ? E as pastas de papéis, os estojos de pince-nez, as maletas esquecidas nas gares, as dentaduras postiças, os pacotes de compras, os lenços com pequenas economias, onde vão parar todos esses objetos heteróclitos e tristes ? Não sabes ? Vão parar nos anéis de Saturno, são eles que formam, eternamente girando, os estranhos anéis desse planeta misterioso e amigo.
De Gramática e de Linguagem
E havia uma gramática que dizia assim:
“Substantivo (concreto) é tudo quanto indica
Pessoa, animal ou cousa: João, sabiá, caneta”.
Eu gosto das cousas. As cousas sim !…
As pessoas atrapalham. Estão em toda parte. Multiplicam-se em excesso.
As cousas são quietas. Bastam-se. Não se metem com ninguém.
Uma pedra. Um armário. Um ovo, nem sempre,
Ovo pode estar choco: é inquietante…)
As cousas vivem metidas com as suas cousas.
E não exigem nada.
Apenas que não as tirem do lugar onde estão.
E João pode neste mesmo instante vir bater à nossa porta.
Para quê? Não importa: João vem!
E há de estar triste ou alegre, reticente ou falastrão,
Amigo ou adverso…João só será definitivo
Quando esticar a canela. Morre, João…
Mas o bom mesmo, são os adjetivos,
Os puros adjetivos isentos de qualquer objeto.
Verde. Macio. Áspero. Rente. Escuro. luminoso.
Sonoro. Lento. Eu sonho
Com uma linguagem composta unicamente de adjetivos
Como decerto é a linguagem das plantas e dos animais.
Ainda mais:
Eu sonho com um poema
Cujas palavras sumarentas escorram
Como a polpa de um fruto maduro em tua boca,
Um poema que te mate de amor
Antes mesmo que tu saibas o misterioso sentido:
Basta provares o seu gosto…
Alienação!
Eu só pediria licença para lembrar que os alienados são precisamente os que têm uma ideia fixa.
Sonhar é acordar-se para dentro:
de súbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.
Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste…
E, a cada parada uma pancada,
o coração – exausto, ainda insiste.
Insiste em quê? Ganhar o quê? De quem?
O meu parceiro… eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-se
numa velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte é seu disfarce…
Como também disfarce é a minha vida!
Não esquecer que as nuvens estão improvisando sempre, mas a culpa é do vento.
Idades só há duas: ou se está vivo ou morto.
O tempo é a insônia da eternidade.
Se um poeta falar num gato
Se o poeta falar num gato, numa flor,
Num vento que anda por descampados e desvios
E nunca chegou à cidade…
Se falar numa esquina mal e mal iluminada…
Numa antiga sacada… num jogo de dominó…
Se falar naqueles obedientes soldadinhos de chumbo
[ que morriam de verdade…
Se falar na mão decepada no meio de uma escada de caracol…
Se não falar em nada
E disser simplesmente tralalá… Que importa?
Todos os poema são de amor!
Com o OO de espanto, seus RR guturais, seu hirto H, HORROR é uma palavra de cabelos em pé, assustada da própria significação.
Não penses compreender a vida nos autores. Nenhum disso é capaz. Mas à medida que vivendo fores, melhor os compreenderás.
Mãe…
Palavra tão pequenina,
Bem sabem os lábios meus
Que és do tamanho do céu
E apenas menor que Deus
Um poema tanto mais belo é quanto mais parecido for com o cavalo. Por não ter nada de mais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação.
Pior do que ser abandonado é ser esquecido.
Tu és a matéria plástica de meus versos, querida…
Porque, afinal,
Eu nunca fiz meus versos propriamente a ti:
Eu sempre fiz versos de ti!
A vida é como um dever de casa.
Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá.
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é Es-pe-ran-ça…
O que acontece com as crianças
Aprendi a escrever lendo, da mesma forma que se aprende a falar ouvindo. Naturalmente, quase sem querer, numa espécie de método subliminar. Em meus tempos de criança, era aquela encantação. Lia-se continuamente e avidamente um mundaréu de historia (e não estórias) principalmente as do Tico-tico. Mas lia-se corrido, isto é, frase após frase, do princípio ao fim.
Ora, as crianças de hoje não se acostumam a ler corretamente, porque apenas olham as figuras dessas histórias em quadrinhos, cujo “texto” se limita a simples frases interjeitivas e assim mesmo muita vez incorretas. No fundo, uma fraseologia de guinchos e uivos, uma subliteratura de homem das cavernas.
Exagerei? Bem feito! Mas se as crianças, coitadas, nunca adquiriram o hábito da leitura, como saberão um dia escrever?
Viajar é mudar a roupa da alma.
HAVIA
Havia naquele tempo tanta coisa,
Tanta coisa que subiria depois como um balão azul
Quando eu precisasse de um pretexto urgente para não me matar…
Havia
A que passava cuidadosamente os meus poemas a ferro
(e nisso eu vejo agora a maior poesia deles…)
Havia a que sabia fingir que me escutava,
Que parecia beber até, com seus grandes olhos,
Os meus solilóquios
(eram tão chatos que só podiam ser solilóquios mesmo…)
E havia, entre todas,
A Eleita,
A que cortava as unhas da minha mão direita
(agora tenho que recorrer a profissionais…)
E havia, entre as demais,
A que ficou não sei onde esquecida…
MARIO QUINTANA In: Baú de Espantos
O SILÊNCIO
O mundo, às vezes, fica-me tão insignificativo
Como um filme que houvesse perdido de repente o som.
Vejo homens, mulheres: peixes abrindo e fechando a boca
[num aquário
Ou multidões: macacos pula-pulando nas arquibancadas dos
[estádios…
Mas o mais triste é essa tristeza toda colorida dos carnavais
Como a maquilagem das velhas prostitutas fazendo trottoir.
Ás vezes eu penso que já fui um dia um rei, imóvel no seu
[palanque,
Obrigado a ficar olhando
Intermináveis desfiles, torneios, procissões, tudo isso…
Oh! decididamente o meu reino não é deste mundo!
Nem do outro…
Havia um tempo de cadeiras na calçada. Era um tempo em que havia mais estrelas. Tempo em que as crianças brincavam sob a claraboia da lua. E o cachorro da casa era um grande personagem. E também o relógio da parede! Ele não media o tempo simplesmente: ele meditava o tempo.
Mário Quintana, in Caderno H
Parece um sonho
Parece um sonho que ela tenha morrido!
diziam todos… Sua viva imagem,
tinha carne!… E ouvia-se, na aragem,
passar o frêmito do seu vestido…
E era como se ela houvesse partido
e logo fosse regressar de viagem…
– até que em nosso coração dorido
a Dor cravava o seu punhal selvagem!
Mas tua imagem, nosso amor, é agora
menos dos olhos, mais do coração.
Nossa saudade te sorri: não chora…
Mais perto estás de Deus, como um anjo querido.
E ao relembrar-te a gente diz, então:
Parece um sonho que ela tenha vivido!
“Das cartas que me escreve, faço barcos de papel”
Nas tantas buscas, em que me perdi, vejo que cada amor tinha um pouco de ti…
Quem ama inventa
Quem ama inventa as coisas a que ama…
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava…
E era um revoo sobre a ramaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressureições…
Um ritmo divino? Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente,
Ou sozinhos, num ritmo tristonho…
Ó! meu pobre, meu grande amor distante.
Nem sabes tu o bem que faz à gente
Haver sonhado… e ter vivido o sonho!
O homem – eternamente escravo de suas paixões pessoais – é absolutamente incapaz de imparcialidade.
Moça risonha, que ri e sonha.
Coisas
Uma rãzinha verde no gris da manhã…
Um sorriso na face de um ceguinho…
Uma nota aguda como uma pergunta de criança…
Um cheiro agradecido de terra molhada…
Um olhar que nos enche subitamente de azul…
“Os verdadeiros analfabetos são aqueles que aprenderam a ler e não leem.”
(Mário Quintana)
AMIGOS
tenho ” amigos ” que parece que têm medo de mim!… tenho a impressão que se estão a afastar cada vez mais de mim!… mas podem ficar descansados, não tenham medo, podem conviver eu não faço mal, não morde nem tenho nenhuma doença contagiosa!!! acreditem… mas tudo bem… comam, bebam, brinquem hà vontade, que quando precisarem , eu cá estou…Sempre!!… é que afinal eu sou vosso amigo, se é que ainda não repararam..
Se me fosse dado, um dia, uma oportunidade, seguraria todos os meus amigos, que já não sei onde e como estão, e diria: Vocês são extremamente importantes para mim. Dessa forma, eu digo: não deixe de fazer algo que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter alguém ao seu lado, ou de fazer algo, por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá, será desse tempo que infelizmente…não voltará mais.
Y
Fase do encantamento – É quando o romantismo
esta à flor da pele. A admiração é muito grande
(o máximo), a sensação dos recém casados é
uma delícia.
Por que os casais brigam?
Minha esposa sentou-se no sofá, junto a mim, enquanto
eu passava pelos canais.
Ela perguntou, “O que tem na TV?“
Eu disse, “Poeira. “
Aí então, a briga começou…
CONFUSÃO
Essas duas tresloucadas, a Saudade e a Esperança, vivem ambas na casa do Presente, quando deviam estar, é lógico, uma na casa do Passado e a outra na do Futuro. Quanto ao Presente – ah! -, esse nunca está em casa.
Data e Dedicatória (Mário Quintana)
Teus poemas, não os dates nunca… Um poema
Não pertence ao Tempo… Em seu país estranho,
Se existe hora, é sempre a hora estrema
Quando o anjo Azrael nos estende ao sedento
Lábio o cálice inextinguível…
Um poema é de sempre, Poeta:
O que tu fazes hoje é o mesmo poema
Que fizeste em menino,
É o mesmo que,
Depois que tu te fores,
Alguém lerá baixinho e comovidamente,
A vivê-lo de novo…
A esse alguém,
Que talvez ainda nem tenha nascido,
Dedica, pois, os teus poemas.
Não os dates, porém:
As almas não entendem disso…
Antes, todos os caminhos iam.
Agora todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.
Mãe, são três letras apenas as deste nome bendito
Também o céu tem três letras e nelas cabe o infinito.
Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!… E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!
Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons… acerta… desacerta…
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas…
Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço…
Para quê pensar? Também sou da paisagem…
Vago, solúvel no ar, fico sonhando…
E me transmuto… iriso-me… estremeço…
Nos leves dedos que me vão pintando!
Não faça de sua vida um rascunho, pois o tempo poderá ser curto demais para passar a limpo.
Pessoa muito respeitada, amigável, generosa
e fácil de lidar. Mas quando o assunto é o
seu dinheiro, seu tempo ou suas preocupações,
nada ou ninguém é mais importante. Isso
demonstra que deve aprender muito ainda
sobre o crescimento da alma. Mas
controlando esse egoísmo e usando mais
de diplomacia ao tratar com as pessoas,
conseguirá avançar muito no seu caminho.
Eu me esqueci no armário.
Pensei estar vivendo,
estudando, trabalhando, sendo!
Pensei ter amado e odiado,
aprendido e ensinado,
fugido e lutado,
confundido e explicado.
Mas hoje, surpreso,
me vi no armário embutido
calado, sozinho, perdido, parado.
O Sorriso
“Nada custa, mas acrescenta muito.
Enriquece os recebedores sem empobrecer os doadores.
Dura apenas um segundo, mas muitas vezes a memória o guarda para sempre.
Traz a felicidade ao lar.
Alimenta a boa vontade entre as pessoas.
É a senha dos amigos.
Serve de incentivo para o desanimado, de alegria para o triste, de repouso para o fatigado.
Contra o mau humor, é o maior antídoto da natureza.
É o maior e melhor cartão de visitas.
Acalma os nervos e estimula a circulação em todo o rosto.
Promove harmonia em todo o nosso organismo.
Enfim, dá brilho aos olhos e simpatia ao caráter.
Então, SORRIA!…”
Mas quando surges és tão outra,
e múltipla e imprevista…
que nunca te pareces com o teu retrato!
E eu tenho de fechar meus olhos,
para ver-te!
Envelhecer
Antes todos os caminhos iam
Agora todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos
e eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.
EMERGÊNCIA
QUEM FAZ UM POEMA ABRE UMA JANELA…
Datilografia: escrita por batuque.
O fantasma é um exibicionista póstumo.
Há duas espécies de livros: uns que os leitores esgotam, outros que esgotam os leitores.
Se tiver de me esquecer, me esqueça. Mas bem devagarzinho.
O vento vinha ventando
Pelas cortinas de tule.
As mãos da menina morta
Estão varadas de luz.
No colo, juntos, refulgem
Coração, âncora e cruz,
Nunca a água foi tão pura…
Quem a teria abençoado?
Nunca o pão de cada dia
Teve um gosto mais sagrado.
E o vento vinha ventando
Pelas cortinas de tule…
Menos um lugar na mesa
Mais um nome na oração.
Da que consigo levara.
Cruz, âncora e coração
(E o vento vinha ventando…)
Daquela de cujas penas
Só os anjos saberão !
Abraçar é dizer com as mãos o que a boca não consegue, porque nem sempre existe palavra para dizer tudo.
Um leão ferido ainda tem vontade de rugir.
O Destino é o acaso atacado de mania de grandeza.
“As pessoas não se precisam, elas se completam… não por serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida. O segredo é não cuidar das borboletas e sim cuidar do jardim para que elas venham até você.”
By: Ana Claudia Lima
Não sou uma mãe politicamente correta
Tem dias que eu me esqueço de dar o Adtil
E quando eles resolvem ficar doentes juntos, às vezes eu confundo os remédios, as dosagens, os horários. È verdade, já dei remédio trocado. Pior! Teve vezes que nem trocado foi, não dei mesmo, esqueci.
Tem dias que os deixo dormir sem escovar os dentes e sem tomar banho. Quando me dou conta, já foi.
Tem outros que o almoço é o pastel da feira com caldo de cana e o jantar é a pizza. Tudo isso no mesmo dia.
Tem dias que eu cedo ao miojo.
E tem outros que eu escondo o final da barra de chocolate para comer escondida, sozinha.
Tem dias também que eu chantageio, barganho, negocio o feijão do prato com um doce de sobremesa.
E é à frente da TV que às vezes eles comem
Tem dias que eu faço suco de pozinho só para não ter o trabalho de descascar a fruta e AINDA ter que lavar o liquidificador, tudo por preguiça.
Quase todas as noites eles dormem na minha cama e não, eu não os devolvo para as devidas camas. Ou porque estou muito cansada pra fazer isso, ou porque eu quero dormir abraçada com eles.
Tem dias que eu peço para eles pararem de gritar, gritando.
E, desculpa Xuxa, tem dias que eu dou umas palmadas no bumbum deles, só para os chamarem a razão e deixar claro que ultrapassaram os limites.
Mas se quer saber Xuxa, tem dias que eu coloco o seu DVD para garantir o mínimo da manutenção da minha dignidade. Você se ocupa em hipnotiza-los com aquelas baboseiras e assim, eu consigo , pelo menos, escovar os dentes.
Tem dias que eu não sou justa. Faço mais pra um do que pra outro. Dou mais atenção pra um do que pra outro. Exijo mais de um do que do outro. Cedo as birras e choros de um do que do outro.
Tem dias que o que eu mais queria era ser repórter correspondente do Japão e só falar com eles pelo Skype. Ou que eles fizessem um passeio de volta ao mundo no balão e voltar daqui uns 10 anos.
Teve dias que eu me esqueci de ler a agenda da escola, de fazer a lição de casa, de mandar o lanche, a lancheira e até errar o dia de volta as aulas eu já errei.
Já assisti à novela das oito na companhia deles.
Já soltei uns belos palavrões no trânsito com eles no carro.
E quando termina esses dias, as vezes eu me angustio, me frustro e me entristeço, afinal, que tipo de mãe eu sou?
E isso acontece porque ninguém me ensinou, não li em lugar nenhum, não vi em nenhum documentário que mãe também pode ter um deslize de preguiça, de descuido, de praticidade.
Ninguém me disse que às vezes isso tudo pesa, que a gente enche o saco de tudo, que a gente se enche deles, só as vezes.
Não me preparei pra isso. Pensei que fosse pecado.
Em todos os sites que me cadastrei quando engravidei, em todas as edições da Crescer, da Pais & Filhos que li , em todos os blogs e grupos de maternidade que naveguei, vi que não bastava ter parto normal, o que vale mesmo é o natural e humanizado e olha que eu tive 3 partos normais, mas mesmo assim não foi bastante. Me disseram que tinha que amamentar EXCLUSIVAMENTE até o 6 º mês, que só podia oferecer os produtos orgânicos, que não podia colocar açúcar na comida doce e nem sal na comida salgada deles, que eles só podiam escutar o Palavra Cantada e que tinham que aprender a dormir sozinho aos 6 meses.
Ninguém me disse que ás vezes, só por alguns instantes, que nada disso faz sentido, ou até pode continuar fazendo, mas tem dias que simplesmente a gente tem o direito de não querer faze-lo.
Temos esse direito da transgressão, isso ninguém nos avisou.
Eu aviso: nós podemos.
E com isso eu devo admitir que sou Reú Confesso e por isso eu peço, não Tim Maia eu não peço pra voltar, eu só peço para me absolverem.
#eumeabsolvo
“Da perfeição da Vida: Por que prender a vida em conceitos e normas? O Belo e o Feio…O Bom e o Mau…Dor e Prazer. Tudo, afinal, são formas e não degraus do Ser!
Desconfia da tristeza de certos poetas. É uma tristeza profissional e tão suspeita como a exuberante alegria das coristas.
Que a força que rege seu ser não se enfraqueça diante dos problemas.
Que os sonhos não alcançados sirvam de estímulos na realização de outros.
Que as dificuldades encontradas fortaleçam sua fé.
Que seu sorriso alimente sua alma quando os dias amanhecerem cinzas.
Que sua paz, equilíbrio e serenidade tornem seu caminho cada vez mais florido e feliz.
Jamais deves buscar a coisa em si, a qual depende tão somente dos espelhos. A coisa em si, nunca: a coisa em ti.
(in: Caderno H, 1973.)
Vida
Só a poesia possui as coisas vivas. O resto é necropsia.
( in: Caderno H, (1945-1973), Porto Alegre: Editora Globo, 1973.)
Crimes passionais
Os verdadeiros crimes passionais são os sonetos de amor.
Dos elefantes
O único defeito dos elefantes é não serem portáteis.
( in: Da Preguiça como Método de Trabalho, 1987.)
Triste mastigação
As reflexões dos velhos são amargas como azeitonas.
(in: Sapato Florido, 1948.)
O lampião
A janelinha de acetilene do lampião da esquina tinha uma luz que não era a do dia nem a da noite… a mesma luz que banhava as pessoas, animais e coisas que a gente via em sonhos… aquela mesma luz que deveria enluarar, mais tarde, as janelas altas do outro mundo…
( in: Sapato Florido, 1948.)
Dos leitores
Há leitores que acham bom tudo o que a gente escreve. Há outros que sempre acham que poderia ser melhor. Mas, na verdade, até hoje não pude saber qual das duas espécies irrita mais.
Família desencontrada
O verão é um senhor gordo sentado na varanda reclamando cerveja. O inverno é o vovozinho tiritante. O outono, um tio solteirão. A primavera, em compensação, é uma menina pulando corda.
Coexistência pacífica
Amai-vos uns aos outros é muito forte para nós: o mais que podemos fazer, dentro da imperfeição humana, é suportarmo-nos uns aos outros.
Fisiognomia
Há longos narizes pensativos que parecem estar pescando. São uns introvertidos, uns inofensivos… O diabo são esses narizinhos arrebitados, sempre se dando conta de tudo.
(in: Da Preguiça como Método de Trabalho, 1987.)
“Pus meus sapatos na janela alta, sobre o rebordo.
Céu é o que lhes falta pra suportarem a existência rude.
E lá, imóveis eles sonham
Que são dois velhos barcos abandonados
À margem tranquila de um açude.”
“De noite todos os meus pensamentos são escuros
E todas as palavras têm a letra “u”
Rude
Virtude
Cruzes!”.
(in: Velório sem defunto, 1990.)
“Porque a poesia purifica a alma
…e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!”
Texto extraído do livro “Nova Antologia Poética”, Editora Globo – São Paulo, 1998, pág. 105.
“O que mais me comove, em música,
são essas notas soltas — pobres notas únicas —
que do teclado arrancam o afinador de pianos”…
(Versos extraídos do livro “Mário Quintana — Prosa e Verso”, Editora Globo (9ª edição).)
“Enquanto isso, Deus, que afinal é clemente, Põe-se a cogitar na criação. em outro mundo, De uma nova humanidade – sem livre-arbítrio”…
(trecho do livro em PDF: Baú de Espantos)
“ Era um lugar em que Deus ainda acreditava na gente… Verdade que se ia à missa quase só para namorar mas tão inocentemente que não passava de um jeito, um tanto diferente, de rezar”…
(trecho extraído do livro em PDF: Baú de Espanto)
” Querias que eu falasse de “poesia” um pouco mais… e desprezasse o quotidiano atroz… querias… era ouvir o som da minha voz e não um eco – apenas – deste mundo louco!”
(trecho extraído do livro em PDF: Baú de Espanto)
“Como eu vou saber, pobre arqueólogo do futuro, o que inquietamente procuro em minhas escavações do ar?”
(trecho do poema O descobridor do livro em PDF: Baú de Espantos)
A ignorância rasa e simples é coisa honesta e conserva desanuviado o entendimento.
No começo eu era só certezas.
No meio eu era só dúvidas.
Agora é o final
e eu só duvido.
“Vale a pena viver – nem que seja para dizer que não vale a pena…”
O amor é igual a uma borboleta: quando você tenta pegá-la, ela foge, mas quando você está distraído, ela vem e pousa em você!
(…)
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
(…)
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…
e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
“Enquanto o mundo ri e se diverte da vida
eu aqui sem razão, que me obriga a viver com o coração na mão !”
“Aquele nó na garganta
que doí pra engolir
mais desce seco”
Sempre preferi deixar dezenas de mulheres esperançosas do que uma só desiludida.
Não tenho vergonha de dizer que estou triste,
Não dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez de se matarem, fazem poemas:
Estou triste por que vocês são burros e feios
E não morrem nunca…
Minha alma assenta-se no cordão da caçada
E chora,
Olhando as poças barrentas que a chuva deixou.
Eu sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês uns amores.
Na minha cara há um vasto sorriso pintado a vermelhão.
E trocamos brindes,
Acreditamos em tudo o que vem nos jornais.
Somos democratas e escravocratas.
Nossas almas? Sei lá!
Mas como são belos os filmes coloridos!
(Ainda mais os de assuntos bíblicos…)
Desce o crepúsculo
E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se em todas as poças d’água,
Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!
Que esta minha amada paz e este meu
amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade
bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsoria
dos cemitérios
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto
Não te abras com teu amigo Que ele tem um outro amigo tem e o amigo doteu amigo possui amigos também…
não há nada que substitua o sabor da comunicação direta
Sonhar e acorda-se para dentro
Despertador só é útil para lembrar de mudar de lado e dormir de novo
Não importa saber se a gente acredita em Deus: o importante é saber se Deus acredita na gente…
“Nascer é uma possibilidade
Viver é um risco
Envelhecer é um privilégio!”
Não corra atras das borboletas,tenha seu proprio Jardim
Velha história
Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelos cafés. Como era tocante vê-los no “17”! – o homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando do peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial… Ora,um dia o homem e o peixinho passeavam na margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado e eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho: “Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!…”. Dito isso, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n’água. E a água fez um redemoinho, que foi serenando, serenando… até que o peixinho morreu afogado…
Tua orelha num frêmito desnuda-se:
O que seria
O que seria que te disse o vento?
A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa.
O adolescente
A vida é tão bela que chega a dar medo,
Não o medo que paralisa e gela,
estátua súbita,
mas
esse medo fascinante e fremente de curiosidade
que faz
o jovem felino seguir para a frente farejando o vento
ao sair, a primeira vez, da gruta.
Medo que ofusca: luz!
Cumplicentemente,
as folhas contam-te um segredo
velho como o mundo:
Adolescente, olha! A vida é nova…
A vida é nova e anda nua
– vestida apenas com o teu desejo!
O tempo é um ponto de vista dos relógios.
No silêncio das noites soluçam as almas pelas torneiras das pias.
Segunda canção de muito longe
Havia um corredor que fazia cotovelo:
Um mistério encanando com outro mistério, no escuro…
Mas vamos fechar os olhos
E pensar numa outra cousa…
Vamos ouvir o ruído cantado, o ruído arrastado das correntes no algibe,
Puxando a água fresca e profunda.
Havia no arco do algibe trepadeiras trêmulas.
Nós nos debruçávamos à borda, gritando os nomes uns dos outros,
E lá dentro as palavras ressoavam fortes, cavernosas como vozes de leões.
Nós éramos quatro, uma prima, dois negrinhos e eu.
Havia os azulejos, o muro do quintal, que limitava o mundo,
Uma paineira enorme e, sempre e cada vez mais, os grilos e as estrelas…
Havia todos os ruídos, todas as vozes daqueles tempos…
As lindas e absurdas cantigas, tia Tula ralhando os cachorros,
O chiar das chaleiras…
Onde andará agora o pince-nez da tia Tula
Que ela não achava nunca?
A pobre não chegou a terminar o Toutinegra do Moinho,
Que saía em folhetim no Correio do Povo!…
A última vez que a vi, ela ia dobrando aquele corredor escuro.
Ia encolhida, pequenininha, humilde. Seus passos não faziam ruído.
E ela nem se voltou para trás!
Eles ergueram a Torre de Babel para escalar o Céu. Mas Deus não estava lá! Estava ali mesmo, entre eles, ajudando a construir a torre.
O homem é um bicho que arreganha os dentes sem necessidade, isto é, quando nos sorri.
Delícia de olhar, no céu, os v v v dos voos distanciando-se…
Se alguém acha que estás escrevendo muito bem, desconfia… O crime perfeito não deixa vestígios.
Não pretendo que a poesia seja um antídoto para a tecnocracia atual. Mas sim um alívio. Como quem se livra de vez em quando de um sapato apertado e passeia descalço sobre a relva, ficando assim mais próximo da natureza, mais por dentro da vida. Porque as máquinas um dia viram sucata. A poesia, nunca.
Hoje o que mais se precisa é de silêncios que interrompam o ruído.
Toda opção é um ato de desespero.
O problema, seu poeta, é ocupar o espírito sem ao mesmo tempo estraçalhá-lo.
Parece que só na vida é que há ficção.
A tarde é uma tartaruga com o casco pardacento de poeira, a arrastar-se interminavelmente. Os ponteiros estão esperando por ela. Eu só queria saber quem foi que disse que a vida é curta…
Como é que pode escrever certo quem não sabe ao certo o que procura dizer?
Há vivos que não sabem que estão vivos…
Todo poema é uma aproximação. A sua incompletude é que o aproxima da inquietação do leitor. Este não quer que lhe provem coisa alguma. Está farto de soluções.
Tenho uma enorme pena dos homens famosos, que por isso mesmo perderam sua vida íntima e são como esses animais do Zoológico, que fazem tudo à vista do público.
Quando um amigo morre, uma coisa não lhe perdoamos: como nos deixou assim sem mais nem menos, assim no ar, em meio de algo que lhe queríamos dizer ou – pior ainda – em meio do silêncio a dois no bar costumeiro? Que outros hábitos, que outras relações terá ele arranjado? Que novas aventuras ou desventuras de que não nos conta nada?
Mas se a vida é tão curta como dizes
por que é que me estás lendo até agora?
A poesia é irredutível.
Vivemos conjugando o tempo passado (saudade, para os românticos) e o tempo futuro (esperança, para os idealistas). Uma gangorra, como vês, cheia de altos e baixos – uma gangorra emocional. Isto acaba fundindo a cuca de poetas e sábios e maluquecendo de vez o Homo sapiens. Mais felizes os animais, que, na sua gramática imediata, apenas lhes sobra um tempo: o presente do indicativo. E que nem dá tempo para suspiros…
As religiões cresceram entre os humildes porque aqueles que estavam por cima já se julgavam no paraíso.
O bicho,
quando quer fugir dos outros,
faz um buraco na terra.
O homem,
para fugir de si,
fez um buraco no céu.
Velhice é quando um dia as moças começam a nos tratar com respeito e os rapazes sem respeito nenhum.
A idade é o menor sintoma de velhice.
Não tentes tirar uma ideia da cabeça de outrem porque, examinando bem, verás que em geral não se trata de ideias, mas de convicções. São inextirpáveis. E a causa única de todas as guerras – políticas ou religiosas, paroquianas ou internacionais.
A morte é o aperitivo da vida.
Há dois sinais de envelhecimento. O primeiro é desprezar os jovens. O outro é quando a gente começa a adulá-los.
Acusarem um poeta de ser egoísta é acusá-lo de ser ele mesmo.
Deve ser o fio de vida que vai unindo, pedaço a pedaço, essa colcha de retalhos que é a história do mundo.
As civilizações
As civilizações desabam
por implosão…
Depois,
como um filme passando às avessas
elas se erguem em câmera lenta do chão.
Não há de ser nada…
Os arqueólogos esperam, pacientemente,
A sua ocasião!
Não basta saber amar…
Neste mundo, que tanto mal encerra,
não basta saber amar,
mas também saber odiar,
não só servir a paz, mas também ir para a guerra.
Seguiremos assim o próprio exemplo
de Jesus, que tanto amor pregou na Terra…,
quando Ele,
num ímpeto de cólera,
a relhaço expulsou os vendilhões do templo!
A mudança
A alegre, a festiva agitação das panelas e tachos
A inútil zanga dos velhos armários de mogno, solenes,
Achando tudo aquilo uma grande palhaçada…
As xícaras e pires fazendo tlin-tlin-tlin-tlin
As gaiolas dos passarinhos cantando em coro com os
próprios passarinhos
Oh! a alegria das coisas com aquela mudança
Para onde? Não importa! Desde que não seja
Este eterno mesmo lugar!
Não gosto do Carnaval porque parece filme histórico italiano.
O ópio
Dizem os comunistas que a religião é o ópio do povo; outros dizem que o ópio do povo é precisamente o comunismo; se pedissem a minha opinião, eu diria que o ópio do povo é o trabalho.
Do trabalho
O trabalho é a farra dos velhos.
O espetáculo predileto dos pobres: observar os ricos.
O amigo
Amigo é a criatura que escuta todas as nossas coisas sem aquela cara
que parece estar dizendo: – E eu com isso?
O poema do amigo
Estranhamente esverdeado e fosfóreo,
Que de vezes já o encontrei, em escusos bares submarinos,
O meu calado cúmplice!
Teríamos assassinado juntos a mesma datilógrafa?
Encerráramos um anjo do Senhor nalgum escuro calabouço?
Éramos necrófilos
Ou poetas?
E aquele segredo sentava-se ali entre nós todo o tempo,
Como um convidado de máscara.
Da sinceridade
Tens um amigo que fala bem
E um cão que nada explica.
Um jura-te amizade… O outro, porém,
Seus bons serviços te dedica.
Os silêncios
Não é possível amizade quando dois silêncios não se combinam.
Bilhete
Ora, como dizia o festejado
arqui-sofista Valerius:
“O Universo é uma nódoa
na perfeição do Não-ser”…
Relembro isto ao tentar mandar-te
– ante a pureza intocada
desta página –
uma mensagem
de Natal. “Mas”,
– diz-me a página, “essa mensagem
foi mandada há muito (pergunta
aos três Reis Magos
se não foi…)”
Ah! Sim, eles tinham a Estrela!
Mas onde é que ela está?
A gente por aqui só encontrou depois
estrelas pirotécnicas
estrelas-do-mar
estrelas de generais.
Melhor não falar e
– em vez de escrever
qualquer palavra que macularia
uma pobre página, ainda nuinha
como a verdade –
será bom apenas desenhar
coisas
sem nenhum conceito
para atrapalhar…
Hoje,
dia de Natal,
eu desenharia pois
– toscamente –
nesta página
a Virgem, o Menino, o burrico…
– imagina
o bem que isso nos faria aos dois…
Porque então,
eu não estaria
te mandando umaideia
apenas…
Eu te mandaria umaVisão!
Tudo tão vago…
Nossa Senhora
Na beira do rio
Lavando os paninhos
Do bento filhinho
São João estendia
São José enxugava
E o menino chorava
Do frio que fazia
Dorme criança
Dorme meu amor
Que a faca que corta
Dá talho sem dor
(de uma cantiga de ninar)
Tudo tão vago… Sei que havia um rio…
Um choro aflito… Alguém cantou, no entanto…
E ao monótono embalo do acalanto
O choro pouco a pouco se extinguiu…
O Menino dormira… Mas o canto
Natural como as águas prosseguiu…
E ia purificando como um rio
Meu coração que enegrecera tanto…
E era a voz que eu ouvi em pequenino…
E era Maria, junto à correnteza,
Lavando as roupas de Jesus Menino…
Eras tu… que ao me ver neste abandono,
Daí do Céu cantavas com certeza
Para embalar inda uma vez meu sono!…
Alegria
Não essa alegria fácil dos cabritos monteses
Nem a dos piões regirando
Mas
Uma alegria sem guizos e sem panderetas…
Essa a que eu queria:
A imortal, a serena alegria que fulge no olhar dos santos
Ante a presença luminosa da morte!
Cada palavra é uma borboleta morta espetada na página:
Por isso a palavra escrita é sempre triste…
Só o poeta é que tem de lidar com a ingrata linguagem alheia…
A impura linguagem dos homens!
Interrogações
Nenhuma pergunta demanda resposta.
Cada verso é uma pergunta do poeta.
E as estrelas…
as flores…
o mundo…
são perguntas de Deus.
Descobertas
Descobrir continentes é tão fácil como esbarrar com um elefante:
Poeta é o que encontra uma moedinha perdida…
Os poemas
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…
Delícia de fechar os olhos, por um instante e assim ficar, sozinho, fabricando escuro… sabendo que existe a luz!
O que mais me revolta nas matemáticas são as suas aplicações práticas.
Todo esse apego do homem ao cachorro é porque o cachorro considera o seu dono o primeiro homem do mundo…
Se a tua vida não puder ser uma tragédia grega – por amor de Deus! – não a faças um tango argentino…
Quando dês opinião, nunca deixes de escrever a data…
A única coisa que nos diferencia de peixes num aquário é que temos consciência dos limites de nosso mundo…
Haverá coisa escrita que não seja póstuma? Tudo que sai impresso é epitáfio…
Proletário
Sujeito explorado financeiramente pelos patrões e literariamente pelos poetas engajados.
Os chinelos são um par de gêmeos obedientes, sempre juntinhos ao pé da cama, pacientemente à espera do papai, que às vezes custa tanto a chegar.
Preocupar-se com a salvação da própria alma é indigno de um verdadeiro gentleman.
Fazia tanto calor que as sombras se ocultavam debaixo da barriga dos cavalos e da copa das árvores.
O bom das filas é nos convencerem de que afinal esta pobre vida não é tão curta como dizem.
Meu Deus, por que será que nos sentimos tão culposos diante desse olhar interrogativo que nos lançam, às vezes, os cães? Mas culposos de quê?
Conhecer o mundo não adianta nada: as viagens apenas complicam a ignorância.
O mais difícil na morte é acomodar-se a gente aos novos hábitos.
Talvez a poesia não passe de um gênero de crônica, apenas: uma espécie de crônica da eternidade.
As lagartas não podem acreditar na lenda das borboletas – tão antiga entre o seu rastejante e esforçado povo… mas sua felicidade consiste em relembrar, às vezes, o absurdo e maravilha desse velho sonho: o de se transformarem, um dia, em borboletas.
O fato é um aspecto secundário da realidade.
O crítico é um camarada que contorna uma tapeçaria e vai olhá-la pelo lado avesso.
Durante as belas noites de tempestade os relâmpagos tiram radiografias da paisagem.
É preciso escrever um poema várias vezes para que dê a impressão de que foi escrito pela primeira vez.
Não se devia permitir nos relógios de parede esses ponteiros que marcam os segundos: eles nos envelhecem muito mais que o ponteiro das horas.
Nós todos levamos o anel da morte e um dia temos de o trocar com ela.
Ah, nem queiras saber… A vida é preciosa como um pão roubado!
O único problema da solidão consiste em como preservá-la.
E chegará um tempo em que os militares inventarão um projétil tão perfeito, mas tão perfeito mesmo, que dará volta ao mundo e os pegará por trás.
Os sonhos têm luz própria, uma luz que não vem de nenhum sol, de nenhuma lua, de nenhum foco. Está em toda parte. Na próxima vez que sonhares, procura ver se o teu vulto projeta alguma sombra. E se a tua imagem se reflete nalgum espelho. Tolice minha! Nos salões do sonho nunca há espelhos…
Mas felizes, felizes esses peixinhos de aquário: pensam que o seu universo é infinito.
O dia passa, a vida continua. E os que pensam que a vida muda com o gosto devem pensar também que o corpo se transforma com as modas.
Teus silêncios são pausas musicais.
O gato é preguiçoso como uma segunda-feira.
Às vezes, nos dias calmos, apenas se nota uma leve ondulação na relva: são os cavalos do vento que estão pastando.
Livro bom, mesmo, é aquele de que às vezes interrompemos a leitura para seguir – até onde? – uma entrelinha… Leitura interrompida? Não. Esta é a verdadeira leitura continuada.
O mais espantoso nos velhos é a sua falta de pressa, como se eles dispusessem de todo o tempo que teriam os moços se não tivessem tanta pressa.
O mais triste nas praias de verão é que nos assemelhamos a um bando de focas tropicais.
Um dos motivos que me fazem acreditar em nossa origem extraterrestre é que o homem é o único animal que aprecia olhar os incêndios.
Os clássicos escreviam tão bem porque não tinham os clássicos para atrapalhar.
As que ocultam o rosto quando choram é para disfarçarem que estão rindo.
A memória é um sótão atravancado de objetos inúteis, onde tanto desejaríamos encontrar aquelas coisas perdidas que – de tão perdidas – já nem sabemos mais.
O que sejam…
Os extrovertidos são julgados normais. Quanto aos introvertidos, chegam a submetê-los a tratamento. Mas para curá-los de quê? De não poderem ser chatos, como os outros?
O bom dessas grandes civilizações é que um dia elas se acabam e tudo começa novamente.
Não sou desses que um dia pensam uma coisa e no outro dia pensam outra coisa muito diferente. Eu penso as duas coisas ao mesmo tempo. Duas ou mais. Não tenho culpa de ser ecumênico.
É tal a sua pressa de comunicação que eles se esquecem de aprender primeiro a expressar-se.
Coragem não é documento: os gângsteres também são heróis.
O que há de terrível nos robôs não é como eles se parecem conosco, mas como nós nos parecemos com eles.
Nós não perdemos os mortos, os mortos é que nos perdem.
Um dia de chuva é bom para a gente comprar livros de poemas… Quem perguntar por que, de nada lhe adianta comprar um livro de poemas.
Não deves acreditar nas respostas. As respostas são muitas e a tua pergunta é única e insubstituível.
Pensamento para o teu aniversário
Nem todos podem estar na flor da idade, é claro! Mas cada um está na flor da sua idade.
Assim devia ser a relação de autor para leitor: uma face nua num espelho límpido. Mas é tão difícil… Ou a face está mascarada ou o espelho embaciado.
Ser poeta não é dizer grandes coisas, mas ter uma voz reconhecível dentre todas as outras.
Se dependesse das mães, não haveria guerras! Mas as filhas preferem os soldados.
Os quadros são janelas abertas para o outro mundo deste mundo.
A vida está cheia de interferências indébitas, de acasos estúpidos, de personagens errados que travam conosco desencontrados diálogos de surdos, a vida está atravancada de pormenores inúteis, a vida parece um romance malfeito!
Aula de filosofia
Eu só te poderia dar uma noção do nada se não tivéssemos nascido. Agora é tarde, é muito tarde, minha filha… Ah, deliciosamente tarde!
Um autor, primeiro, é assunto. Mas a glória, mesmo, é quando ele vira falta de assunto.
Com a adição de mais um dia nos anos bissextos – esse indesejado 29 de fevereiro – a gente sempre desconfia que na verdade foi vítima de uma subtração.
O poema é um objeto súbito:
Os outros objetos já existiam.
Amor, quantos crimes se cometem em teu nome!
Havia um tempo em que o céu mirava-se nos meus olhos e não meus olhos no azul do céu, o que não é nenhuma novidade, porque todo o mundo já passou por essa fase: só tem que nem todos se lembram.
A beleza de um verso não está no que diz, mas no poder encantatório das palavras que diz: um verso é uma fórmula mágica.
Um poeta sofre três vezes: primeiro quando ele os sente, depois quando os escreve e, por último, quando declamam os seus versos.
Poesia não é a gente tentar em vão trepar pelas paredes, como se vê em tanto louco por aí: poesia é trepar mesmo pelas paredes.
A primavera, entre nós, é uma licença poética.
Às vezes eu pesco um leitor. Outras vezes o leitor me pesca. Entre uma coisa e outra, as águas vão passando.
A vida era muito mais intensa quando não passava, na média, de quarenta anos. Agora é um longo, um interminável arrastar de correntes: nós somos as almas penadas deste mundo.
Ah, esses livros que nos vêm às mãos, na Biblioteca Pública e que nos enchem os dedos de poeira. Não reclames, não. A poeira das bibliotecas é a verdadeira poeira dos séculos.
Meditação para o dia de Natal
Ah! Aquela confiança que tem uma criança rezando… Inocente confiança. Alegria. Quem é de nós que reza com alegria? Parece que só existe mesmo o Deus das crianças… Deus é impróprio para adultos.
O mais triste das dedicatórias são as datas.
Já repararam? A má reputação sempre fez parte da fama…
O leão é um animal tão belo que ser devorado por ele é melhor do que ser devorado por um crocodilo… Diante da sua arremetida, bem sei que se pode morrer de puro medo… porém nunca de horror.
Por que será que as pessoas virtuosas parece que estão sempre representando?
O primeiro sinal da incompreensão é o riso; o segundo, a seriedade.
Um poema só termina por acidente de publicação ou de morte do autor.
Mas só Deus – que é único, que não tem par – poderia dizer o que é a solidão.
Essas distâncias astronômicas não são tão grandes assim: basta estenderes o braço e tocar no ombro do teu vizinho.
Os filhos são um subproduto do amor.
Diálogo inútil
– Mas por que tu não fazes um poema de amor?
– Todos os poemas são de amor.
Conversa de velho é cheia de parênteses e esses parênteses são cheios de parentes.
Uma alma sem mistério nem seria alma… Da mesma forma que um Deus compreensível não seria Deus.
O que mais enfurece o vento são esses poetas inveterados que o fazem rimar com lamento.
Outono: essas folhas que tombam na água parada dos tanques e não podem sair viajando pelas correntezas do mundo…
Decifrar palavras cruzadas é uma forma tranquila de desespero.
O que há de mais admirável nas democracias é a facilidade com que qualquer pessoa pode passar da crônica policial para a crônica social.
Antes, se alguém começava a ouvir vozes, era adorado como um santo ou queimado como um bruxo. Agora, é simplesmente encaminhado ao psiquiatra.
Bebê
Coisinha deficiente, inconsciente, inerme, inválida, trabalhosa, querida.
O que prejudica a minha preguiça prejudica o meu trabalho.
O comum dos homens só se interessa pela sua própria pessoa, mas o poeta só se interessa pelo seu próprio eu.
A borboleta mais difícil de caçar é o adjetivo.
A arte de escrever é, por essência, irreverente e tem sempre um quê de proibido: algo assim como essa tentação irresistível que leva os garotos a riscar a brancura dos muros.
A morte não iguala ninguém: há caveiras que possuem todos os dentes.
A morte é um abrir de todas as porteiras; um desabalado tropel de cavalos.
A poesia, como todo verdadeiro jogo, é uma luta da astúcia contra o acaso.
O espaço é cheio de buracos: nós, as coisas, os mundos. A perfeição seria o espaço puro, fica ele a pensar com os seus buracos… Mas isso, Sr. Espaço, é uma coisa tão impossível como a poesia pura.
Sempre fui metafísico. Só penso na morte, em Deus e em como passar uma velhice confortável.
A nossa própria alma apanha-nos em flagrante nos espelhos que olhamos sem querer.
O progresso é a insidiosa substituição da harmonia pela cacofonia.
Ser poeta não é uma maneira de escrever. É uma maneira de ser.
Para mim o poeta não é essa espécie saltitante que chamam de Relações Públicas. O poeta é Relações íntimas. Dele com o leitor.
Os verdadeiros poetas não leem os outros poetas. Os verdadeiros poetas leem os pequenos anúncios dos jornais.
E eis que, tendo Deus descansado no sétimo dia, os poetas continuaram a obra da Criação.
O poeta é uma criatura essencialmente dramática, isto é, contraditória, isto é, verdadeira.
Tudo já está nas enciclopédias e todas dizem as mesmas coisas. Nenhuma delas nos pode dar uma visão inédita do mundo. Por isso é que leio os poetas. Só com os poetas se pode aprender algo novo.
A magia das palavras num poeta deve ser tão sutil que a gente esqueça que ele está usando palavras.
A função do poeta não é explicar-se. A função do poeta é expressar-se.
Um poeta deve escrever como se fosse o último vivente sobre a face da Terra.
É preciso a saudade para eu te sentir
como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida…
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato…
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!
A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas.
Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro.
A alma é essa coisa que nos pergunta se a alma existe.
A amizade é um amor que nunca morre.
A arte de viver é simplesmente a arte de conviver… simplesmente, disse eu? Mas como é difícil!
A poesia não se entrega a quem a define.
A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda.
Ah, esses moralistas… Não há nada que empeste mais do que um desinfetante!
Mas o que quer dizer este poema? – perguntou-me alarmada a boa senhora.
E o que quer dizer uma nuvem? – respondi triunfante.
Uma nuvem – disse ela – umas vezes quer dizer chuva, outras vezes bom tempo…
Autodidata é um ignorante por conta própria.
Bilhete
Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda…
DA FELICIDADE
Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!
DA OBSERVAÇÃO
Não te irrites, por mais que te fizerem
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio.
DAS UTOPIAS
Se as coisas são inatingíveis… ora!
Não é motivo para não querê-las…
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
De um autor inglês do saudoso século XIX: O verdadeiro gentleman compra sempre três exemplares de cada livro: um para ler, outro para guardar na estante e o último para dar de presente.
Democracia? É dar, a todos, o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, isso depende de cada um.
Dizes que a beleza não é nada? Imagina um hipopótamo com alma de anjo… Sim, ele poderá convencer alguém da sua angelitude – mas que trabalheira!
DO AMOROSO ESQUECIMENTO
Eu, agora – que desfecho!
Já nem penso mais em ti…
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?
DOS MILAGRES
O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo…
Nem mudar água pura em vinho tinto…
Milagre é acreditarem nisso tudo!
E um dia os homens descobrirão que esses discos voadores estavam apenas estudando a vida dos insetos…
Esquece todos os poemas que fizeste. Que cada poema seja o número um.
Esses padres conhecem mais pecados do que a gente…
Esses que puxam conversa sobre se chove ou não chove – não poderão ir para o Céu! Lá faz sempre bom tempo…
Há 2 espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e os amigos, que são os nossos chatos prediletos.
Há uns que morrem antes; outros depois. O que há de mais raro, em tal assunto, é o defunto certo na hora exata.