Morte, que mistérios encerras?… Ninguém o sabe… Todos o podem saber… Basta ir ao teu encontro, corajosa, resolutamente, que nenhum mistério existirá já!
Quase
Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Assombro ou paz? Em vão… Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido…
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo … e tudo errou…
— Ai a dor de ser — quase, dor sem fim…
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…
Momentos de alma que,desbaratei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ânsias que foram mas que não fixei…
Se me vagueio, encontro só indícios…
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios…
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…
Um pouco mais de sol — e fora brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
[…]
Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo
Eu não sou eu nem sou outro
sou qualquer coisa de intermédio.
Quase
Um pouco mais de sol – eu era brasa.
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
[…]
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…
Último Soneto
Que rosas fugitivas foste ali!
Requeriam-te os tapetes, e vieste…
— Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.
Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste!
Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi…
Pensei que fosse o meu o teu cansaço —
Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, tão esbelta, te curvava…
E fugiste… Que importa? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste,
Onde a minha saudade a Cor se trava?…
7
Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.
Como eu não possuo
Olho em volta de mim. Todos possuem —
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.
Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas a minhalma pára e não os sente!
Quero sentir. Não sei… perco-me todo…
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo para ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.
Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse — ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!…
Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo…
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?…
Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor…
Como eu quisera emaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos de harmonia e cor!…
Desejo errado… Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim — ó ânsia! — eu a teria…
Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases doirados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante…
De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.
Epígrafe
A sala do castelo é deserta e espelhada.
Tenho medo de Mim. Quem sou? De onde cheguei?…
Aqui, tudo já foi… Em sombra estilizada,
A cor morreu — e até o ar é uma ruína…
Vem de Outro tempo a luz que me ilumina —
Um som opaco me dilui em Rei…
Das Sete Canções de Declíno
Um frenesi
hialino arrepiou
Pra sempre a minha carne e a minha vida.
Foi um barco de vela que parou
Em súbita baía adormecida…
Baía embandeirada de miragem,
Dormente de ópio, de cristal e anil.
Na ideia de um país de gaze e Abril,
Em duvidosa e tremulante imagem…
Parou ali a barca – e, ou fosse encanto,
Ou preguiça, ou delírio, ou esquecimento,
Não mais aparelhou… – ou fosse o vento
Propício que faltasse: ágil e santo…
…Frente ao porto esboçara-se a cidade,
Descendo enlanguescida e preciosa:
As cúpulas de sombra cor de rosa
As torres de platina e de saudade.
Avenidas de seda deslizando,
Praças de honra libertas sobre o mar…
Jardins onde as flores fossem luar;
Lagos – carícias de âmbar flutuando…
Os palácios a rendas e escumalha,
De filigrana e cinza as catedrais –
Sobre a cidade a luz – esquiva poalha
Tingindo-se através longos vitrais…
Vitrais de sonho a debruá-la em volta,
A isolá-la em lenda marchetada:
Uma Veneza de capricho – solta,
Instável, dúbia, pressentida, alada…
Exílio branco – a sua atmosfera,
Murmúrio de aplausos – seu brou-há-há…
E na Praça mais larga, em frágil cera,
Eu – a estátua que nunca tombará…
Sou todo incoerências. Vivo desolado, abatido, parado de energia, e admiro a vida, entanto como nunca ninguém a admirou!
Fim
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza…
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.
O Recreio
Na minha Alma há um balouço
Que está sempre a balouçar —
Balouço à beira dum poço,
Bem difícil de montar…
— E um menino de bibe
Sobre ele sempre a brincar…
Se a corda se parte um dia
(E já vai estando esgarçada),
Era uma vez a folia:
Morre a criança afogada…
— Cá por mim não mudo a corda,
Seria grande estopada…
Se o indez morre, deixá-lo…
Mais vale morrer de bibe
Que de casaca… Deixá-lo
Balouçar-se enquanto vive…
— Mudar a corda era fácil…
Tal ideia nunca tive…
GLOSAS
Amor é chama que mata,
Dizem todos com razão,
É mal do coração
E com ele se endoidece.
O amor é um sorriso
Sorriso que desfalece.
Madeixa que se desata
Denominam-no também.
O amor não é um bem:
Quem ama sempre padece.
O amor é um perfume
Perfume que se esvaece.
Serradura
A minha vida sentou-se
E não há quem a levante,
Que desde o Poente ao Levante
A minha vida fartou-se.
E ei-la, a mona, lá está,
Estendida, a perna traçada,
No indindável sofá
Da minha Alma estofada.
Pois é assim: a minha Alma
Outrora a sonhar de Rússias,
Espapaçou-se de calma,
E hoje sonha só pelúcias.
Vai aos Cafés, pede um bock,
Lê o <
E não há nenhum remoque
Que a regresse ao Oiro antigo:
Dentro de mim é um fardo
Que não pesa, mas que maça:
O zumbido dum moscardo,
Ou comichão que não passa.
Folhetim da <
Pelo nosso Júlio Dantas —
Ou qualquer coisa entre tantas
Duma antipatia igual…
O raio já bebe vinho,
Coisa que nunca fazia,
E fuma o seu cigarrinho
Em plena burocracia!…
Qualquer dia, pela certa,
Quando eu mal me precate,
É capaz dum disparate,
Se encontra a porta aberta…
Isto assim não pode ser…
Mas como achar um remédio?
— Pra acabar este intermédio
Lembrei-me de endoidecer:
O que era fácil — partindo
Os móveis do meu hotel,
Ou para a rua saindo
De barrete de papel
A gritar <
Mas a minha Alma, em verdade,
Não merece tal façanha,
Tal prova de lealdade…
Vou deixá-la — decidido —
No lavabo dum Café,
Como um anel esquecido.
É um fim mais raffiné.
Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Ouve esta música? É a expressão da minha vida: uma partitura admirável, estragada por um horrível, por um infame executante.
Cumpridos dez anos de prisão por um crime que não pratiquei e do qual, entanto, nunca me defendi, morto para a vida e para os sonhos… nada podendo já esperar e coisa alguma desejando – eu venho fazer enfim a minha confissão: isto é, demonstrar a minha inocência.
A minha alma não se angustia apenas, a minha alma sangra.As dores morais transformam-se-me em verdadeiras dores físicas, em dores horríveis, que eu sinto materialmente – não no meu corpo, mas no meu espírito.
É curioso: sou um isolado que conhece meio mundo, um desclassificado que não tem uma dívida, uma nódoa – que todos consideram, e que entretanto em parte alguma é adimitido (…) Nos próprios meios onde me tenho embrenhado, não sei por que senti-me sempre um estranho…
Além-tédio
Nada me expira já, nada me vive —
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.
Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital…
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.
Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.
Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu… Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!
Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.
E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios…
E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes,
mais esguios…
Mastros quebrados, singro num mar d’Ouro
Dormindo fôgo, incerto, longemente…
Tudo se me igualou num sonho rente,
E em metade de mim hoje só móro…
São tristezas de bronze as que inda choro –
Pilastras mortas, marmores ao Poente…
Lagearam-se-me as ânsias brancamente
Por claustros falsos onde nunca óro…
Desci de mim. Dobrei o manto d’Astro,
Quebrei a taça de cristal e espanto,
Talhei em sombra o Oiro do meu rastro…
Findei… Horas-platina… Olor-brocado…
Luar-ânsia… Luz-perdão… Orquideas pranto…
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
– Ó pantanos de Mim – jardim estagnado…
Perdi-me dentro de mim,
Porque eu era labirinto.
A UM SUICIDA
À memória de Tomás Cabreira Júnior
Tu crias em ti mesmo e eras corajoso,
Tu tinhas ideais e tinhas confiança,
Oh! quantas vezes desesp’rançoso,
Não invejei a tua esp’rança!
Dizia para mim: — Aquele há-de vencer
Aquele há-de colar a boca sequiosa
Nuns lábios cor-de-rosa
Que eu nunca beijarei, que me farão morrer
A nossa amante era a Glória
Que para ti — era a vitória,
E para mim — asas partidas.
Tinhas esp’ranças, ambições…
As minhas pobres ilusões,
Essas estavam já perdidas…
Imersa no azul dos campos siderais
Sorria para ti a grande encantadora,
A grande caprichosa, a grande amante loura
Em que tínhamos posto os nossos ideais.
Robusto caminheiro e forte lutador
Havias de chegar ao fim da longa estrada
De corpo avigorado e de alma avigorada
Pelo triunfo e pelo amor
Amor! Quem tem vinte anos
Há-de por força amar.
Na idade dos enganos
Quem se não há-de enganar?
Enquanto tu vencerias
Na luta heroica da vida
E, sereno, esperarias
Aquela segunda vida
Dos bem-fadados da Glória
Dos eternos vencedores
Que revivem na memória —
Sem triunfos, sem amores,
Eu teria adormecido
Espojado no caminho,
Preguiçoso, entorpecido,
Cheio de raiva, daninho…
Recordo com saudade as horas que passava
Quando ia a tua casa e tu, muito animado,
Me lias um trabalho há pouco terminado,
Na salazinha verde em que tão bem se estava.
Dizíamos ali sinceramente
As nossas ambições, os nossos ideais:
Um livro impresso, um drama em cena, o nome nos jornais…
Dizíamos tudo isso, amigo, seriamente…
Ao pé de ti, voltava-me a coragem:
Queria a Glória… Ia partir!
Ia lançar-me na voragem!
Ia vencer ou sucumbir!…
Ai! mas um dia, tu, o grande corajoso,
Também desfaleceste.
Não te espojaste, não. Tu eras mais brioso:
Tu, morreste.
Foste vencido? Não sei.
Morrer não é ser vencido,
Nem é tão pouco vencer.
Eu por mim, continuei
Espojado, adormecido,
A existir sem viver
Foi triste, muito triste, amigo, a tua sorte —
Mais triste do que a minha e malaventurada.
… Mas tu inda alcançaste alguma coisa: a morte,
E há tantos como eu que não alcançam nada…
Lisboa, 1° de outubro de 1911
(aos 21 anos)
Permaneci, mas já não me sou.
Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida…
Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.
O pobre moço das ânsias…
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.
A grande ave dourada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.
Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traíu a si mesmo.
Num impeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…
Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante —
Manhã tão forte que me anoiteceu.
Morte, que mistérios encerras?… Ninguém o sabe… Todos o podem saber… Basta ir ao teu encontro, corajosa, resolutamente, que nenhum mistério existirá já!
Quase
Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Assombro ou paz? Em vão… Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido…
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo … e tudo errou…
— Ai a dor de ser — quase, dor sem fim…
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…
Momentos de alma que,desbaratei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ânsias que foram mas que não fixei…
Se me vagueio, encontro só indícios…
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios…
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…
Um pouco mais de sol — e fora brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
[…]
Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo
Eu não sou eu nem sou outro
sou qualquer coisa de intermédio.
Quase
Um pouco mais de sol – eu era brasa.
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
[…]
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…
Último Soneto
Que rosas fugitivas foste ali!
Requeriam-te os tapetes, e vieste…
— Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.
Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste!
Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi…
Pensei que fosse o meu o teu cansaço —
Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, tão esbelta, te curvava…
E fugiste… Que importa? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste,
Onde a minha saudade a Cor se trava?…
7
Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.
Como eu não possuo
Olho em volta de mim. Todos possuem —
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.
Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas a minhalma pára e não os sente!
Quero sentir. Não sei… perco-me todo…
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo para ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.
Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse — ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!…
Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo…
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?…
Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor…
Como eu quisera emaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos de harmonia e cor!…
Desejo errado… Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim — ó ânsia! — eu a teria…
Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases doirados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante…
De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.
Epígrafe
A sala do castelo é deserta e espelhada.
Tenho medo de Mim. Quem sou? De onde cheguei?…
Aqui, tudo já foi… Em sombra estilizada,
A cor morreu — e até o ar é uma ruína…
Vem de Outro tempo a luz que me ilumina —
Um som opaco me dilui em Rei…
Das Sete Canções de Declíno
Um frenesi
hialino arrepiou
Pra sempre a minha carne e a minha vida.
Foi um barco de vela que parou
Em súbita baía adormecida…
Baía embandeirada de miragem,
Dormente de ópio, de cristal e anil.
Na ideia de um país de gaze e Abril,
Em duvidosa e tremulante imagem…
Parou ali a barca – e, ou fosse encanto,
Ou preguiça, ou delírio, ou esquecimento,
Não mais aparelhou… – ou fosse o vento
Propício que faltasse: ágil e santo…
…Frente ao porto esboçara-se a cidade,
Descendo enlanguescida e preciosa:
As cúpulas de sombra cor de rosa
As torres de platina e de saudade.
Avenidas de seda deslizando,
Praças de honra libertas sobre o mar…
Jardins onde as flores fossem luar;
Lagos – carícias de âmbar flutuando…
Os palácios a rendas e escumalha,
De filigrana e cinza as catedrais –
Sobre a cidade a luz – esquiva poalha
Tingindo-se através longos vitrais…
Vitrais de sonho a debruá-la em volta,
A isolá-la em lenda marchetada:
Uma Veneza de capricho – solta,
Instável, dúbia, pressentida, alada…
Exílio branco – a sua atmosfera,
Murmúrio de aplausos – seu brou-há-há…
E na Praça mais larga, em frágil cera,
Eu – a estátua que nunca tombará…
Sou todo incoerências. Vivo desolado, abatido, parado de energia, e admiro a vida, entanto como nunca ninguém a admirou!
Fim
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza…
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.
O Recreio
Na minha Alma há um balouço
Que está sempre a balouçar —
Balouço à beira dum poço,
Bem difícil de montar…
— E um menino de bibe
Sobre ele sempre a brincar…
Se a corda se parte um dia
(E já vai estando esgarçada),
Era uma vez a folia:
Morre a criança afogada…
— Cá por mim não mudo a corda,
Seria grande estopada…
Se o indez morre, deixá-lo…
Mais vale morrer de bibe
Que de casaca… Deixá-lo
Balouçar-se enquanto vive…
— Mudar a corda era fácil…
Tal ideia nunca tive…
GLOSAS
Amor é chama que mata,
Dizem todos com razão,
É mal do coração
E com ele se endoidece.
O amor é um sorriso
Sorriso que desfalece.
Madeixa que se desata
Denominam-no também.
O amor não é um bem:
Quem ama sempre padece.
O amor é um perfume
Perfume que se esvaece.
Serradura
A minha vida sentou-se
E não há quem a levante,
Que desde o Poente ao Levante
A minha vida fartou-se.
E ei-la, a mona, lá está,
Estendida, a perna traçada,
No indindável sofá
Da minha Alma estofada.
Pois é assim: a minha Alma
Outrora a sonhar de Rússias,
Espapaçou-se de calma,
E hoje sonha só pelúcias.
Vai aos Cafés, pede um bock,
Lê o <
E não há nenhum remoque
Que a regresse ao Oiro antigo:
Dentro de mim é um fardo
Que não pesa, mas que maça:
O zumbido dum moscardo,
Ou comichão que não passa.
Folhetim da <
Pelo nosso Júlio Dantas —
Ou qualquer coisa entre tantas
Duma antipatia igual…
O raio já bebe vinho,
Coisa que nunca fazia,
E fuma o seu cigarrinho
Em plena burocracia!…
Qualquer dia, pela certa,
Quando eu mal me precate,
É capaz dum disparate,
Se encontra a porta aberta…
Isto assim não pode ser…
Mas como achar um remédio?
— Pra acabar este intermédio
Lembrei-me de endoidecer:
O que era fácil — partindo
Os móveis do meu hotel,
Ou para a rua saindo
De barrete de papel
A gritar <
Mas a minha Alma, em verdade,
Não merece tal façanha,
Tal prova de lealdade…
Vou deixá-la — decidido —
No lavabo dum Café,
Como um anel esquecido.
É um fim mais raffiné.
Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Ouve esta música? É a expressão da minha vida: uma partitura admirável, estragada por um horrível, por um infame executante.
Cumpridos dez anos de prisão por um crime que não pratiquei e do qual, entanto, nunca me defendi, morto para a vida e para os sonhos… nada podendo já esperar e coisa alguma desejando – eu venho fazer enfim a minha confissão: isto é, demonstrar a minha inocência.
A minha alma não se angustia apenas, a minha alma sangra.As dores morais transformam-se-me em verdadeiras dores físicas, em dores horríveis, que eu sinto materialmente – não no meu corpo, mas no meu espírito.
É curioso: sou um isolado que conhece meio mundo, um desclassificado que não tem uma dívida, uma nódoa – que todos consideram, e que entretanto em parte alguma é adimitido (…) Nos próprios meios onde me tenho embrenhado, não sei por que senti-me sempre um estranho…
Além-tédio
Nada me expira já, nada me vive —
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.
Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital…
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.
Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.
Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu… Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!
Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.
E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios…
E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes,
mais esguios…
Mastros quebrados, singro num mar d’Ouro
Dormindo fôgo, incerto, longemente…
Tudo se me igualou num sonho rente,
E em metade de mim hoje só móro…
São tristezas de bronze as que inda choro –
Pilastras mortas, marmores ao Poente…
Lagearam-se-me as ânsias brancamente
Por claustros falsos onde nunca óro…
Desci de mim. Dobrei o manto d’Astro,
Quebrei a taça de cristal e espanto,
Talhei em sombra o Oiro do meu rastro…
Findei… Horas-platina… Olor-brocado…
Luar-ânsia… Luz-perdão… Orquideas pranto…
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
– Ó pantanos de Mim – jardim estagnado…
Perdi-me dentro de mim,
Porque eu era labirinto.