AutorLuis Fernando Verissimo

Luis Fernando Verissimo

A verdade é que a gente não faz filhos. Só faz o layout. Eles mesmos fazem a arte-final.

Luis Fernando Verissimo

Brasil: esse estranho país de corruptos sem corruptores.

Luis Fernando Verissimo

Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo.

Luis Fernando Verissimo

Muitas mulheres consideram os homens perfeitamente dispensáveis no mundo, a não ser naquelas profissões reconhecidamente masculinas, como as de costureiro, cozinheiro, cabeleireiro, decorador de interiores e estivador.

Luis Fernando Verissimo

No Brasil o fundo do poço é apenas uma etapa.

Luis Fernando Verissimo

Nunca usei bombacha, não gosto de chimarrão e nem de me lembrar da última vez que subi num cavalo. Aliás, o cavalo também não gosta.

Luis Fernando Verissimo

Só acredito naquilo que posso tocar. Não acredito, por exemplo, em Luiza Brunet.

Luis Fernando Verissimo

Você é o seu sexo. Todo o seu corpo é um órgão sexual, com exceção talvez das clavículas.

Luis Fernando Verissimo

[Ao ser perguntado por que costuma o número dezessete tantas vezes em suas crônicas]
Dezessete é um número cabalístico e, sendo cabalístico, eu não posso revelar. Brincadeira, não tem nenhum significado. Dezessete é uma palavra bonita.

Luis Fernando Verissimo

A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer “escrever claro” não é certo mas é claro, certo?

Luis Fernando Verissimo

Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data.

Luis Fernando Verissimo

Com esse negócio de clonagem, já estou me sentindo um disco de vinil.

Luis Fernando Verissimo

É “de esquerda” ser a favor do aborto e contra a pena de morte, enquanto direitistas defendem o direito do feto à vida, porque é sagrada, e o direito do Estado de matá-lo se ele der errado.

Luis Fernando Verissimo

Pensei vagamente em estudar arquitetura, como todo o mundo. Acabaria como todos que eu conheço que estudaram arquitetura, fazendo outra coisa. Poupei-me daquela outra coisa, mesmo que não tenha me formado em nada e acabado fazendo esta estranha outra coisa, que é dar palpites sobre todas as coisas.

Luis Fernando Verissimo

Quando o casamento parecia a caminho de se tornar obsoleto, substituído pela coabitação sem nenhum significado maior, chegam os gays para acabar com essa pouca-vergonha.

Luis Fernando Verissimo

Escrevi uma vez que era um cético que só acreditava no que pudesse tocar: não acreditava na Luiza Brunet, por exemplo. Cruzei com a Luiza Brunet num dos camarotes deste Carnaval. Ela me cobrou a frase, e disse que eu podia tocá-la para me convencer da sua existência. Toquei-a. Não me convenci. Não pode existir mulher tão bonita e tão simpática ao mesmo tempo. Vou precisar de mais provas.

Luis Fernando Verissimo

Minha mulher e eu temos o segredo para fazer um casamento durar:
Duas vezes por semana, vamos a um ótimo restaurante, com uma comida gostosa, uma boa bebida e um bom companheirismo. Ela vai às terças-feiras e eu, às quintas.
Nós também dormimos em camas separadas: a dela é em Fortaleza e a minha, em SP.
Eu levo minha mulher a todos os lugares, mas ela sempre acha o caminho de volta.
Perguntei a ela onde ela gostaria de ir no nosso aniversário de casamento, “em algum lugar que eu não tenha ido há muito tempo!” ela disse. Então, sugeri a cozinha.
Nós sempre andamos de mãos dadas…
Se eu soltar, ela vai às compras!
Ela tem um liquidificador, uma torradeira e uma máquina de fazer pão, tudo elétrico.
Então, ela disse: “nós temos muitos aparelhos, mas não temos lugar pra sentar”.
Daí, comprei pra ela uma cadeira elétrica.
Lembrem-se: o casamento é a causa número 1 para o divórcio. Estatisticamente, 100% dos divórcios começam com o casamento. Eu me casei com a “senhora certa”.
Só não sabia que o primeiro nome dela era “sempre”.
Já faz 18 meses que não falo com minha esposa. É que não gosto de interrompê-la.
Mas, tenho que admitir: a nossa última briga foi culpa minha.
Ela perguntou: “O que tem na TV?”
E eu disse: “Poeira”.

Luis Fernando Verissimo

Seus amigos de verdade amam você de qualquer jeito.

Luis Fernando Verissimo

Os tristes acham que o vento geme;
Os alegres acham que ele canta.

Luis Fernando Verissimo

Era uma vez… numa terra muito distante… uma princesa linda, independente e cheia de autoestima.
Ela se deparou com uma rã enquanto contemplava a natureza e pensava em como o maravilhoso lago do seu castelo era relaxante e ecológico…
Então, a rã pulou para o seu colo e disse: linda princesa, eu já fui um príncipe muito bonito.
Uma bruxa má lançou-me um encanto e transformei-me nesta rã asquerosa.
Um beijo teu, no entanto, há de me transformar de novo num belo príncipe e poderemos casar e constituir lar feliz no teu lindo castelo.
A tua mãe poderia vir morar conosco e tu poderias preparar o meu jantar, lavar as minhas roupas, criar os nossos filhos e seríamos felizes para sempre…
Naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã sautée, acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a princesa sorria, pensando consigo mesma:
– Eu, hein? Nem morta!

Luis Fernando Verissimo

Roubando corações

Luis Fernando Verissimo

Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.

Luis Fernando Verissimo

A vida é curta; longa é a paixão.

Luis Fernando Verissimo

Tu e Eu
Somos diferentes, tu e eu.
Tens forma e graça
e a sabedoria de só saber crescer
até dar pé.
En não sei onde quero chegar
e só sirvo para uma coisa
– que não sei qual é!
És de outra pipa
e eu de um cripto.
Tu, lipa
Eu, calipto.
Gostas de um som tempestade
roque lenha
muito heavy
Prefiro o barroco italiano
e dos alemães
o mais leve.
És vidrada no Lobão
eu sou mais albônico.
Tu,fão.
Eu,fônico.
És suculenta
e selvagem
como uma fruta do trópico
Eu já sequei
e me resignei
como um socialista utópico.
Tu não tens nada de mim
eu não tenho nada teu.
Tu,piniquim.
Eu,ropeu.
Gostas daquelas festas
que começam mal e terminam pior.
Gosto de graves rituais
em que sou pertinente
e, ao mesmo tempo, o prior.
Tu és um corpo e eu um vulto,
és uma miss, eu um místico.
Tu,multo.
Eu,carístico.
És colorida,
um pouco aérea,
e só pensas em ti.
Sou meio cinzento,
algo rasteiro,
e só penso em Pi.
Somos cada um de um pano
uma sã e o outro insano.
Tu,cano.
Eu,clidiano.
Dizes na cara
o que te vem a cabeça
com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,
escolho uma terceira
e no fim digo o sinônimo.
Tu não temes o engano
enquanto eu cismo.
Tu,tano.
Eu,femismo.

Luis Fernando Verissimo

O homem trocado
O homem acorda da anestesia e olha em volta. Ainda está na sala de
recuperação. Há uma enfermeira do seu lado. Ele pergunta se foi tudo bem.
– Tudo perfeito – diz a enfermeira, sorrindo.
– Eu estava com medo desta operação…
– Por quê? Não havia risco nenhum.
– Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série de enganos…
E conta que os enganos começaram com seu nascimento. Houve uma troca
de bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por um casal de
orientais, que nunca entenderam o fato de terem um filho claro com olhos
redondos. Descoberto o erro, ele fora viver com seus verdadeiros pais. Ou
com sua verdadeira mãe, pois o pai abandonara a mulher depois que esta não
soubera explicar o nascimento de um bebê chinês.
– E o meu nome? Outro engano.
– Seu nome não é Lírio?
– Era para ser Lauro. Se enganaram no cartório e…
Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo castigo pelo que não
fazia. Fizera o vestibular com sucesso, mas não conseguira entrar na
universidade. O computador se enganara, seu nome não apareceu na lista.
– Há anos que a minha conta do telefone vem com cifras incríveis. No mês
passado tive que pagar mais de R$ 3 mil.
– O senhor não faz chamadas interurbanas?
– Eu não tenho telefone!
Conhecera sua mulher por engano. Ela o confundira com outro. Não foram
felizes.
– Por quê?
– Ela me enganava.
Fora preso por engano. Várias vezes. Recebia intimações para pagar dívidas
que não fazia. Até tivera uma breve, louca alegria, quando ouvira o médico
dizer:
– O senhor está desenganado.
Mas também fora um engano do médico. Não era tão grave assim. Uma
simples apendicite.
– Se você diz que a operação foi bem…
A enfermeira parou de sorrir.
– Apendicite? – perguntou, hesitante.
– É. A operação era para tirar o apêndice.
– Não era para trocar de sexo?

Luis Fernando Verissimo

Cinema é melhor pra saúde do que pipoca!
Conversa é melhor do que piada.
Exercício é melhor do que cirurgia.
Humor é melhor do que rancor.
Amigos são melhores do que gente influente.
Economia é melhor do que dívida.
Pergunta é melhor do que dúvida.
Sonhar é melhor do que NADA!

Luis Fernando Verissimo

Acredite
Acredite nas pessoas… Naquelas que possuem algo mais… Aquelas que, às vezes, a gente confunde com anjos e outras divindades… Digo daquelas pessoas que existem em nossas vidas e enchem nosso espaço com pequenas alegrias e grandes atitudes… Falo daquelas que te olham nos olhos quando precisam ser verdadeiras, tecendo elogios, que pedem desculpas com a simplicidade de uma criança…
Pessoas firmes… Verdadeiras, transparentes, amigas, ingênuas… Que com um sorriso, um beijos, um abraço, uma palavra de faz feliz… Aquelas que erram… Acertam… Não tem vergonha de dizer não sei… aquelas que sonham… Aquelas amigas… Aquelas que passam pela vida deixando sua marca, saudades, aquelas que fazem à diferença… Aquelas que vivem intensamente um grande amor…
desconhecido

Luis Fernando Verissimo

Grande Edgar
Já deve ter acontecido com você.
– Não está se lembrando de mim?
Você não está se lembrando dele. Procura, freneticamente, em todas as fichas armazenadas na memória o rosto dele e o nome correspondente, e não encontra. E não há tempo para procurar no arquivo desativado. Ele está ali, na sua frente, sorrindo, os olhos iluminados, antecipando a sua resposta. Lembra ou não lembra?
Neste ponto, você tem uma escolha. Há três caminhos a seguir.
Um, o curto, grosso e sincero.
– Não.
Você não está se lembrando dele e não tem por que esconder isso. O “Não” seco pode até insinuar uma reprimenda à pergunta. Não se faz uma pergunta assim, potencialmente embaraçosa, a ninguém, meu caro. Pelo menos não entre pessoas educadas. Você devia ter vergonha. Não me lembro de você e mesmo que lembrasse não diria. Passe bem.
Outro caminho, menos honesto mas igualmente razoável, é o da dissimulação.
– Não me diga. Você é o… o…
“Não me diga”, no caso, quer dizer “Me diga, me diga”. Você conta com a piedade dele e sabe que cedo ou tarde ele se identificará, para acabar com a sua agonia. Ou você pode dizer algo como:
– Desculpe deve ser a velhice, mas…
Este também é um apelo à piedade. Significa “Não torture um pobre desmemoriado, diga logo quem você é!” É uma maneira simpática de dizer que você não tem a menor idéia de quem ele é, mas que isso não se deve à insignificância dele e sim a uma deficiência de neurônios sua.
E há o terceiro caminho. O menos racional e recomendável. O que leva à tragédia e à ruína. E o que, naturalmente, você escolhe.
– Claro que estou me lembrando de você!
Você não quer magoá-lo, é isso. Há provas estatísticas que o desejo de não magoar os outros está na origem da maioria dos desastres sociais, mas você não quer que ele pense que passou pela sua vida sem deixar um vestígio sequer. E, mesmo, depois de dizer a frase não há como recuar. Você pulou no abismo. Seja o que Deus quiser. Você ainda arremata:
– Há quanto tempo!
Agora tudo dependerá da reação dele. Se for um calhorda, ele o desafiará.
– Então me diga quem eu sou.
Neste caso você não tem outra saída senão simular um ataque cardíaco e esperar, falsamente desacordado, que a ambulância venha salvá-lo. Mas ele pode ser misericordioso e dizer apenas:
– Pois é.
Ou:
– Bota tempo nisso.
Você ganhou tempo para pesquisar melhor a memória. Quem é esse cara, meu Deus? Enquanto resgata caixotes com fichas antigas do meio da poeira e das teias de aranha do fundo do cérebro, o mantém à distância com frases neutras como “jabs” verbais.
– Como cê tem passado?
– Bem, bem.
– Parece mentira.
– Puxa.
(Um colega da escola. Do serviço militar. Será um parente? Quem é esse cara, meu Deus?)
Ele está falando:
– Pensei que você não fosse me reconhecer…
– O que é isso?!
– Não, porque a gente às vezes se decepciona com as pessoas.
– E eu ia esquecer você? Logo você?
– As pessoas mudam. Sei lá.
– Que idéia!
(É o Ademar! Não, o Ademar já morreu. Você foi ao enterro dele. O… o… como era o nome dele? Tinha uma perna mecânica. Rezende! Mas como saber se ele tem uma perna mecânica? Você pode chutá-lo, amigavelmente. E se chutar a perna boa? Chuta as duas. “Que bom encontrar você!” e paf, chuta uma perna. “Que saudade!” e paf, chuta a outra. Quem é esse cara?)
– É incrível como a gente perde contato.
– É mesmo.
Uma tentativa. É um lance arriscado, mas nesses momentos deve-se ser audacioso.
– Cê tem visto alguém da velha turma?
– Só o Pontes.
– Velho Pontes!
(Pontes. Você conhece algum Pontes? Pelo menos agora tem um nome com o qual trabalhar. Uma segunda ficha para localizar no sótão. Pontes, Pontes…)
– Lembra do Croarê?
– Claro!
– Esse eu também encontro, às vezes, no tiro ao alvo.
– Velho Croarê!
(Croarê. Tiro ao alvo. Você não conhece nenhum Croarê e nunca fez tiro ao alvo. É inútil. As pistas não estão ajudando. Você decide esquecer toda a cautela e partir para um lance decisivo. Um lance de desespero. O último, antes de apelar para o enfarte.)
– Rezende…
– Quem?
Não é ele. Pelo menos isso está esclarecido.
– Não tinha um Rezende na turma?
– Não me lembro.
– Devo estar confundindo.
Silêncio. Você sente que está prestes a ser desmascarado.
– Sabe que a Ritinha casou?
– Não!
– Casou.
– Com quem?
– Acho que você não conheceu. O Bituca.
Você abandonou todos os escrúpulos. Ao diabo com a cautela. Já que o vexame é inevitável, que ele seja total, arrasador. Você está tomado por uma espécie de euforia terminal. De delírio do abismo. Como que não conhece o Bituca?
– Claro que conheci! Velho Bituca…
– Pois casaram…
É a sua chance. É a saída. Você passa ao ataque.
– E não me avisaram nada?!
– Bem…
– Não. Espera um pouquinho. Todas essas coisas acontecendo, a Ritinha casando com o Bituca, o Croarê dando tiro, e ninguém me avisa nada?!
– É que a gente perdeu contato e…
– Mas o meu nome está na lista, meu querido. Era só dar um telefonema. Mandar um convite.
– É…
– E você ainda achava que eu não ia reconhecer você. Vocês é que esqueceram de mim!
– Desculpe, Edgar. É que…
– Não desculpo não. Você tem razão. As pessoas mudam…
(Edgar. Ele chamou você de Edgar. Você não se chama Edgar. Ele confundiu você com outro. Ele também não tem a mínima idéia de quem você é. O melhor é acabar logo com isso. Aproveitar que ele está na defensiva. Olhar o relógio e fazer cara de “Já?!”)
– Tenho que ir. Olha, foi bom ver você, viu?
– Certo, Edgar. E desculpe, hein?
– O que é isso? Precisamos nos ver mais seguido.
– Isso.
– Reunir a velha turma.
– Certo.
– E olha, quando falar com a Ritinha e o Mutuca…
– Bituca.
– E o Bituca, diz que eu mandei um beijo. Tchau, hein?
– Tchau, Edgar!
Ao se afastar, você ainda ouve, satisfeito, ele dizer “Grande Edgar”. Mas jura que é a última vez que fará isso. Na próxima vez que alguém lhe perguntar “Você está me reconhecendo?” não dirá nem não. Sairá correndo.
Este texto está nos livros As mentiras que os homens contam, Comédias da vida privada e O suicida e O computador.

Luis Fernando Verissimo

COMO AS MULHERES DOMINARAM O MUNDO.
Conversa entre pai e filho, por volta do ano de 2031 sobre como as mulheres dominaram o mundo.
– Foi assim que tudo aconteceu, meu filho…
Elas planejaram o negócio discretamente, para que não notássemos Primeiro elas pediram igualdade entre os sexos. Os homens, bobos, nem deram muita bola para isso na ocasião. Parecia brincadeira.
Pouco a pouco, elas conquistaram cargos estratégicos: Diretoras de Orçamento, Empresárias, Chefes de Gabinete, Gerentes disso ou daquilo.
– E aí, papai?
– Ah, os homens foram muito ingênuos. Enquanto elas conversavam ao telefone durante horas a fio, eles pensavam que o assunto fosse telenovela. Triste engano. De fato, era a rebelião se expandindo nos inocentes intervalos comerciais. “Oi querida!”, por exemplo, era a senha que identificava as líderes. “Celulite”, eram as células que formavam a organização. Quando queriam se referir aos maridos, diziam “O regime”.
– E vocês? Não perceberam nada?
– Ficávamos jogando futebol no clube, despreocupados. E o que é pior:
Continuávamos a ajudá-las quando pediam. Carregar malas no aeroporto, consertar torneiras, abrir potes de azeitona, ceder a vez nos naufrágios. Essas coisas de homem.
– Aí, veio o golpe mundial?!?
– Sim o golpe. O estopim foi o episódio Hillary-Mônica. Uma farsa. Tudo armado para desmoralizar o homem mais poderoso do mundo. Pegaram-no pelo ponto fraco, coitado. Já lhe contei, né? A esposa e a amante, que na TV posavam de rivais eram, no fundo, cúmplices de uma trama diabólica. Pobre Presidente…
– Como era mesmo o nome dele?
– William, acho. Tinha um apelido, mas esqueci… Desculpe, filho, já faz tanto tempo…
– Tudo bem, papai. Não tem importância. Continue…
– Naquela manhã a Casa Branca apareceu pintada de cor-de-rosa. Era o sinal que as mulheres do mundo inteiro aguardavam. A rebelião tinha sido vitoriosa! Então elas assumiram o poder em todo o planeta. Aquela torre do relógio em Londres chamava-se Big-Ben, e não Big-Betty, como agora… Só os homens disputavam a Copa do Mundo, sabia? Dia de desfile de moda não era feriado. Essa Secretária Geral da ONU era uma simples cantora. Depois trocou o nome, de Madonna para Mandona…
– Pai, conta mais…
– Bem filho… O resto você já sabe.
Instituíram o Robô “Troca-Pneu” como equipamento obrigatório de todos os carros…
A Lei do Já-Prá-Casa, proibindo os homens de tomar cerveja depois do trabalho…
E, é claro, a famigerada semana da TPM, uma vez por mês…
– TPM???
– Sim, TPM… A Temporada Provável de Mísseis… E quando elas ficam irritadíssimas e o mundo corre perigo de confronto nuclear…
– Sinto um frio na barriga só de pensar, pai…
– Sssshhh! Escutei barulho de carro chegando. Disfarça e continua picando essas batatas…

Luis Fernando Verissimo

Roubar um coração

Luis Fernando Verissimo

Falo a língua das loucos porque não conheço a mórbida coerência dos lúcidos nem suas vãs filosofias.

Luis Fernando Verissimo

A aliança
Esta é uma história exemplar, só não está muito claro qual é o exemplo. De qualquer jeito, mantenha-a longe das crianças. Também não tem nada a ver com a crise brasileira, o apartheid, a situação na América Central ou no Oriente Médio ou a grande aventura do homem sobre a Terra. Situa-se no terreno mais baixo das pequenas aflições da classe média. Enfim. Aconteceu com um amigo meu. Fictício, claro.
Ele estava voltando para casa como fazia, com fidelidade rotineira, todos os dias à mesma hora. Um homem dos seus 40 anos, naquela idade em que já sabe que nunca será o dono de um cassino em Samarkand, com diamantes nos dentes, mas ainda pode esperar algumas surpresas da vida, como ganhar na loto ou furar-lhe um pneu. Furou-lhe um pneu. Com dificuldade ele encostou o carro no meio-fio e preparou-se para a batalha contra o macaco, não um dos grandes macacos que o desafiavam no jângal dos seus sonhos de infância, mas o macaco do seu carro tamanho médio, que provavelmente não funcionaria, resignação e reticências… Conseguiu fazer o macaco funcionar, ergueu o carro, trocou o pneu e já estava fechando o porta-malas quando a sua aliança escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão. Ele deu um passo para pegar a aliança do asfalto, mas sem querer a chutou. A aliança bateu na roda de um carro que passava e voou para um bueiro. Onde desapareceu diante dos seus olhos, nos quais ele custou a acreditar.
Limpou as mãos o melhor que pôde, entrou no carro e seguiu para casa. Começou a pensar no que diria para a mulher. Imaginou a cena. Ele entrando em casa e respondendo às perguntas da mulher antes de ela fazê-las.
— Você não sabe o que me aconteceu!
— O quê?
— Uma coisa incrível.
— O quê?
— Contando ninguém acredita.
— Conta!
— Você não nota nada de diferente em mim? Não está faltando nada?
— Não.
— Olhe.
E ele mostraria o dedo da aliança, sem a aliança.
— O que aconteceu?
E ele contaria. Tudo, exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no asfalto. O chute involuntário. E a aliança voando para o bueiro e desaparecendo.
— Que coisa — diria a mulher, calmamente.
— Não é difícil de acreditar?
— Não. É perfeitamente possível.
— Pois é. Eu…
— SEU CRETINO!
— Meu bem…
— Está me achando com cara de boba? De palhaça? Eu sei o que aconteceu com essa aliança. Você tirou do dedo para namorar. É ou não é? Para fazer um programa. Chega em casa a esta hora e ainda tem a cara-de-pau de inventar uma história em que só um imbecil acreditaria.
— Mas, meu bem…
— Eu sei onde está essa aliança. Perdida no tapete felpudo de algum motel. Dentro do ralo de alguma banheira redonda. Seu sem-vergonha!
E ela sairia de casa, com as crianças, sem querer ouvir explicações. Ele chegou em casa sem dizer nada. Por que o atraso? Muito trânsito. Por que essa cara? Nada, nada. E, finalmente:
— Que fim levou a sua aliança? E ele disse:
— Tirei para namorar. Para fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamento agora, eu compreenderei.
Ela fez cara de choro. Depois correu para o quarto e bateu com a porta. Dez minutos depois reapareceu. Disse que aquilo significava uma crise no casamento deles, mas que eles, com bom-senso, a venceriam.
— O mais importante é que você não mentiu pra mim.
E foi tratar do jantar.

Luis Fernando Verissimo

A família não nasce pronta. Constrói-se aos poucos e é o melhor laboratório do amor. Em casa, entre pais e filhos, pode-se aprender a amar, ter respeito, fé, solidariedade, companheirismo e outros sentimentos.

Luis Fernando Verissimo

Falo a língua dos loucos, porque não conheço a mórbida coerência dos lúcidos.

Luis Fernando Verissimo

Caras Novas
O Rio é a capital mundial da operação plástica. Não param de chegar estrangeiros para ver, não o pão de açúcar; mas, o Pitangui. Quem não consegue reserva com o Pitangui recorre a outros restauradores brasileiros, com menos nome mas igualmente competentes (é o que dizem, eu não sei. Na única vez que eu consultei um cirurgião plástico ele foi radical: sugeriu outra cabeça. E aquela história do cara que era tão feio que foi desenganado pela cirurgia plástico?). Os responsáveis pelo turismo no Rio podiam montar um balcão no aeroporto – reserva de cirurgião – para receber os visitantes que chegam tapando o rosto e pedindo informações.
— Que tipo de operação o senhor deseja?
— Papada. Quero um bom homem de papada.
O cirurgião plástico, injustamente chamado de gigolô da vaidade, desempenha uma função social muito importante. Os eventuais exageros não são culpa sua. São os clientes que insistem.
— Minha senhora, é impossível esticar a sua pele ainda mais. Já lhe operei 17 vezes. não tenho mais o que puxar.
— Desta vez só quero que você tire esta covinha do queixo.
— Isso não é covinha. É o seu umbigo.
Antigamente a cirurgia plástica era um recurso extremo.
— Querida, que bobagem, operar o nariz. Eu gosto do seu nariz assim como está. Casei com seu nariz, casei com você.
— Acontece que eu não aguento mais o meu nariz. Não posso viver com ele mais nenhum minuto. Não quero mais ver esse nariz na minha frente.
— Mas uma operação plástica…
— Você tem que escolher, eu ele ou eu.
Hoje só falta das nas colunas sociais:
“Gigi Gavrache reuniu um grupo de amigos para a inauguração do seu novo queixo- o terceiro em dois anos -que recebei muitos elogios. “Voluntarioso”, “sensível”, “um clássico”, foram alguns comentários ouvidos durante a noite. “Não posso me queixar…” disse Gigi, com sua conhecida verve.”
“Muito comentado o encontro casual de Dora Avante e Scaninha Vabis na pérgola do copa, sábado pela manhã. As duas estavam com o mesmo nariz. Domage…”
Imagino que no mundo da cirurgia plástica – que é uma forma de escultura com anestesia – devem existir algumas mesmas instituições do mundo das artes, que também são plásticas. Como a fofoca.
— O que você está achando da nova fase dele?
— Muita influência estrangeira. Só dá perfil romano.
— Achei o queixo da Gigi bem solucionado.
— Mas, nada original. Eu estava fazendo queixos assim há cem anos. O romantismo está ultrapassado. Ele não evoluiu.
— Por sinal, não deixe de ir ao meu vernissage.
— Vernissage?
— Vou expor alguns traseiros. Meu trabalho mais recente.
Mas tem um problema que me preocupa. Digamos que a americana rica se operou com o Pitangui. Esta contentíssima com o resultado e prepara-se para embarcar no avião de volta a Dallas. Ela tem que passar pelas autoridades no aeroporto.
— Seu passaporte, senhorita
— Senhorita não, senhora.
— Perdão.
— Obrigada.
— Mas… este passaporte não é seu.
— Como que não? Ai está meu nome. Gertrude sou eu.
— Mas a fotografia é do Ronald Reagan.
— Ridículo.
— Está aqui. O Ronald Reagan de peruca.
— Essa sou eu.
— Impossível senhorita. Vamos ter que confiscar este passaporte. Providencie outro com a sua fotografia.

Luis Fernando Verissimo

Peça infantil
A professora começa a se arrepender de ter concordado (”você é a única que tem temperamento para isto”) em dirigir a peça quando uma das fadinhas anuncia que precisa fazer xixi. é como um sinal. todas as fadinhas decidem que precisam, urgentemente, fazer xixi.
— Está bem, mas só as fadinhas — diz a professora. — e uma de cada vez!
Mas as fadinhas vão em bando para o banheiro.
— Uma de cada vez! uma de cada vez! E você, onde é que pensa que vai?
— Ao banheiro.
— Não vai, não.
— Mas tia…
— Em primeiro lugar, o banheiro já está cheio. em segundo lugar, você não é fadinha, é caçador. Volte para o seu lugar.
Um pirata chega atrasado e com a notícia de que sua mãe não conseguiu terminar a capa. Serve uma toalha?
— Não. Você vai ser o único de capa branca. É melhor tirar o tapa-olho e ficar de anão. Vai ser um pouco engraçado, oito anões, mas tudo bem. Por que você está chorando?
— Eu não quero ser anão.
— Então fica de lavrador.
— Posso ficar com o tapa-olho?
— Pode. Um lavrador de tapa-olho, tudo bem.
— Tia, onde é que eu fico?
É uma margarida.
— Você fica ali.
A professora se dá conta de que as margaridas estão desorganizadas.
— Atenção, margaridas! Todas ali. Você não. Você é coelhinho.
— Mas meu nome é Margarida.
— Não interessa! desculpe, a tia não quis gritar com você. atenção, coelhinhos. todos comigo. Margaridas ali, coelhinhos aqui. lavradores daquele lado, árvores atrás. árvore, tira o dedo do nariz. Onde é que estão as fadinhas? Que xixi mais demorado!
— Eu vou chamar.
— Fique onde está, lavrador. Uma das margaridas vai chamá-las.
— Já vou.
— Você não, Margarida! Você é coelhinho. Uma das margaridas. Você. Vá chamar as fadinhas. Piratas, fiquem quietos!
— Tia, o que é que eu sou? Eu esqueci o que eu sou.
— Você é o sol. Fica ali que depois a tia… piratas, por favor!
As fadinhas começam a voltar. Com problemas. muitas se enredaram nos seus véus e não conseguem arrumá-los. Ajudam-se mutuamente mas no seu nervosismo só pioram a confusão.
— Borboletas, ajudem aqui! — pede a professora.
Mas as borboletas não ouvem. As borboletas estão etéreas. As borboletas fazem poses, fazem esvoaçar seus próprios véus e não ligam para o mundo. A professora, com a ajuda de um coelhinho amigo, de uma árvore e de um camponês, desembaraça os véus das fadinhas.
— Piratas, parem. O próximo que der um pontapé vai ser anão.
Desastre: quebrou uma ponta da lua.
— Como é que você conseguiu isso? — pergunta a professora sorrindo, sentindo que o seu sorriso deve parecer demente.
— Foi ela!
A acusada é uma camponesa gorda que gosta de distribuir tapas entre os seus inferiores.
— Não tem remédio. tira isso da cabeça e fica com os anões.
— E a minha frase?
A professora tinha esquecido. A lua tem uma fala.
— Quem diz a frase da lua é, deixa ver… o relógio.
— Quem?
— O relógio. Cadê o relógio?
— Ele não veio.
— O quê?
— Está com caxumba.
— Ai, meu Deus. Sol, você vai ter que falar pela lua. Sol, está me ouvindo?
— Eu?
— Você, sim senhor. Você é o sol. Você sabe a fala da lua?
— Me deu uma dor de barriga.
— Essa não é a frase da Lua.
— Me deu mesmo, tia. Tenho que ir embora.
— Está bem, está bem. Quem diz a frase da lua é você.
— Mas eu sou caçador.
— Eu sei que você é caçador! Mas diz a frase da lua! Eu não quero discussão!
— Mas eu não sei a frase da lua.
— Piratas, parem!
— Piratas, parem! certo?
— Eu não estava falando com você. Piratas, de uma vez por todas…
A camponesa gorda resolve tomar a justiça nas mãos e dá um croque num pirata. A classe unida avança contra a camponesa, que recua, derrubando uma árvore. As borboletas esvoaçam. Os coelhinhos estão em polvorosa. A professora grita:
— Parem! parem! A cortina vai abrir. Todos a seus lugares. Vai começar!
— Mas, tia, e a frase da lua?
— “Boa-noite, sol”.
— Boa-noite.
— Eu não estou falando com você!
— Eu não sou mais o sol?
— É. Mas eu estava dizendo a frase da lua. “Boa-noite, sol.”
— Boa-noite, sol. Boa-noite, sol. Não vou esquecer. Boa-noite, sol…
— Atenção, todo mundo! Piratas e anões nos bastidores. Quem fizer um barulho antes de entrar em cena, eu esgoelo. Coelhinhos nos seus lugares. Árvores para trás. Fadinhas, aqui. Borboletas, esperem a deixa. Margaridas, no chão.
Todos se preparam.
— Você não, Margarida! Você é o coelhinho!
Abre o pano.

Luis Fernando Verissimo

Bom mesmo
Tem uma crônica do Paulo Mendes Campos em que ele conta de um amigo que sofria de pressão alta e era obrigado a fazer uma dieta rigorosa. Certa vez, no meio de uma conversa animada de um grupo, durante a qual mantivera um silêncio triste, ele suspirou fundo e declarou:
– Vocês ficam ai dizendo que bom mesmo é mulher. Bom mesmo é sal!
O que realmente diferencia os estágios da experiência humana nesta Terra é o que o homem, a cada idade, considera bom mesmo. Não apenas bom. Melhor do que tudo. Bom MESMO.
Um recém-nascido, se pudesse participar articuladamente de uma conversa com homens de outras idades, ouviria pacientemente a opinião de cada um sobre as melhores coisas do mundo e no fim decretaria:
– Conversa. Bom mesmo é mãe.
Depois de uma certa idade, a escolha do melhor de tudo passa a ser mais difícil. A infância é um viveiro de prazeres. Como comparar, por exemplo, o orgulho de um pião bem lançado, o volume voluptuoso de uma bola de gude daquelas boas entre os dedos, o cheiro da terra úmida e o cheiro de caderno novo?
– Bom mesmo é o cheiro de Vick VapoRub.
Mas acho que, tirando-se uma média das opiniões de pré-adolescentes normais brasileiros, se chegaria fatalmente à conclusão de que nesta fase bom mesmo, melhor do que tudo, melhor até do que fazer xixi na piscina, é passe de calcanhar que dá certo.
Mais tarde a gente se sente na obrigação de pensar que bom mesmo é mulher (ou prima, que é parecido com mulher), mas no fundo ainda acha que bom mesmo é acordar na segunda-feira com febre e não precisar ir à aula.
Depois, sim, vem a fase em que não tem conversa. Bom mesmo é sexo!
Esta fase dura geralmente até o fim da vida, mesmo quando o sexo precisa disputar a preferência com outras coisas boas (“Pra mim é sexo em primeiro e romance policial em segundo, mas longe”). Quando alguém diz que bom mesmo é outra coisa, está sendo exemplarmente honesto ou desconcertantemente original.
– Bom mesmo é figada com queijo.
– Melhor do que sexo?
– Bom… Cada coisa na sua hora.
Com a chamada idade madura, embora persista o consenso de que nada se iguala ao prazer, mesmo teórico, do sexo, as necessidades do conforto e os pequenos prazeres da vida prática vão se impondo.
– Meu filho, eu sei que você aí, tão cheio de vida e de entusiasmo, não vai compreender isto. Mas tome nota do que eu digo porque um dia você concordará comigo: bom mesmo é escada rolante.
E esta é a trajetória do homem e seu gosto inconstante sobre a Terra, do colo da mãe, que parece que nada, jamais, substituirá, à descoberta final de que uma boa poltrona reclinável, se não é igual, é parecido. E que bom, mas bom MESMO, é nunca mais ser obrigado a ir a lugar nenhum, mesmo sem febre.

Luis Fernando Verissimo

Tecnologia
Para começar, ele nos olha nos olha na cara. Não é como a máquina de escrever, que a gente olha de cima, com superioridade. Com ele é olho no olho ou tela no olho. Ele nos desafia. Parece estar dizendo: vamos lá, seu desprezível pré-eletrônico, mostre o que você sabe fazer. A máquina de escrever faz tudo que você manda, mesmo que seja a tapa. Com o computador é diferente. Você faz tudo que ele manda. Ou precisa fazer tudo ao modo dele, senão ele não aceita. Simplesmente ignora você. Mas se apenas ignorasse ainda seria suportável. Ele responde. Repreende. Corrige. Uma tela vazia, muda, nenhuma reação aos nossos comandos digitais, tudo bem. Quer dizer, você se sente como aquele cara que cantou a secretária eletrônica. É um vexame privado. Mas quando você o manda fazer alguma coisa, mas manda errado, ele diz “Errado”. Não diz “Burro”, mas está implícito. É pior, muito pior. Às vezes, quando a gente erra, ele faz “bip”. Assim, para todo mundo ouvir. Comecei a usar o computador na redação do jornal e volta e meia errava. E lá vinha ele: “Bip!” “Olha aqui, pessoal: ele errou.” “O burro errou!”
Outra coisa: ele é mais inteligente que você. Sabe muito mais coisa e não tem nenhum pudor em dizer que sabe. Esse negócio de que qualquer máquina só é tão inteligente quanto quem a usa não vale com ele. Está subentendido, nas suas relações com o computador, que você jamais aproveitará metade das coisas que ele tem para oferecer. Que ele só desenvolverá todo o seu potencial quando outro igual a ele o estiver programando. A máquina de escrever podia ter recursos que você nunca usaria, mas não tinha a mesma empáfia, o mesmo ar de quem só agüentava os humanos por falta de coisa melhor, no momento. E a máquina, mesmo nos seus instantes de maior impaciência conosco, jamais faria “bip” em público.
Dito isto, é preciso dizer também que quem provou pela primeira vez suas letrinhas dificilmente voltará à máquina de escrever sem a sensação de que está desembarcando de uma Mercedes e voltando à carroça. Está certo, jamais teremos com ele a mesma confortável cumplicidade que tínhamos com a velha máquina. É outro tipo de relacionamento, mais formal e exigente. Mas é fascinante. Agora compreendo o entusiasmo de gente como Millôr Fernandes e Fernando Sabino, que dividem a sua vida profissional em antes dele e depois dele. Sinto falta do papel e da fiel Bic, sempre pronta a inserir entre uma linha e outra a palavra que faltou na hora, e que nele foi substituída por um botão, que, além de mais rápido, jamais nos sujará os dedos, mas acho que estou sucumbindo. Sei que nunca seremos íntimos, mesmo porque ele não ia querer se rebaixar a ser meu amigo, mas retiro tudo o que pensei sobre ele. Claro que você pode concluir que eu só estou querendo agradá-lo, precavidamente, mas juro que é sincero.
Quando saí da redação do jornal depois de usar o computador pela primeira vez, cheguei em casa e bati na minha máquina. Sabendo que ela agüentaria sem reclamar, como sempre, a pobrezinha.

Luis Fernando Verissimo

Ser um tímido notório é uma contradição. O tímido tem horror a ser notado, quanto mais a ser notório. Se ficou notório por ser tímido, então tem que se explicar. Afinal, que retumbante timidez é essa, que atrai tanta atenção? Se ficou notório apesar de ser tímido, talvez estivesse se enganando junto com os outros e sua timidez seja apenas um estratagema para ser notado. Tão secreto que nem ele sabe. É como no paradoxo psicanalítico, só alguém que se acha muito superior procura o analista para tratar um complexo de inferioridade, porque só ele acha que se sentir inferior é doença.
Todo mundo é tímido, os que parecem mais tímidos são apenas os mais salientes. Defendo a tese de que ninguém é mais tímido do que o extrovertido. O extrovertido faz questão de chamar atenção para sua extroversão, assim ninguém descobre sua timidez. Já no notoriamente tímido a timidez que usa para disfarçar sua extroversão tem o tamanho de um carro alegórico. Daqueles que sempre que-bram na concentração. Segundo minha tese, dentro de cada Elke Maravilha existe um tímido tentando se esconder e dentro de cada tímido existe um exibido gritando “Não me olhem! Não me olhem!” só para chamar a atenção.
O tímido nunca tem a menor dúvida de que, quando entra numa sala, todas as atenções se voltam para ele e para sua timidez espetacular. Se cochicham, é sobre ele. Se riem, é dele. Mentalmente, o tímido nunca entra num lugar. Explode no lugar, mesmo que chegue com a maciez estudada de uma noviça. Para o tímido, não apenas todo mundo mas o próprio destino não pensa em outra coisa a não ser nele e no que pode fazer para embaraçá-lo.
O tímido vive acossado pela catástrofe possível. Vai tropeçar e cair e levar junto a anfitriã. Vai ser acusado do que não fez, vai descobrir que estava com a braguilha aberta o tempo todo. E tem certeza de que cedo ou tarde vai acontecer o que o tímido mais teme, o que tira o seu sono e apavora os seus dias: alguém vai lhe passar a palavra.

Luis Fernando Verissimo

Minha musa inspiradora é o meu prazo de entrega.

Luis Fernando Verissimo

Declaração de amor
Tentei dizer o quanto te amava, aquela vez,
baixinho, mas havia uma grande berreira,
um enorme burburinho e, pensado bem,
o berçário não era o melhor lugar.
Você de fraldas, uma graça, e eu pelado lado a lado,
cada um recém-chegado, você sem saber ouvir,
eu sem saber falar.
Tentei de novo, lembro-me bem, na escola.
Um PS no bilhete pedindo cola interceptado
pela professora como um gavião.
Fui parar na sala da diretora e depois na rua
enquanto você, compreensivelmente, ficou na sua.
A vida é curta, longa é a paixão.
Numa festinha, ah, nossas festinhas, disse tudo:
“Eu te adoro, te venero, na tua frente fico mudo”
E você não disse nada. E você não disse nada.
Só mais tarde, de ressaca, atinei.
Cheio de amor e Cuba,
me enganei e disse tudo para uma almofada.
Gravei, em vinte árvores, quarenta corações.
O teu nome, o meu, flechas e palpitações:
No mal-me-quer, bem-me-quer, dizimei jardins.
Resultado: sou persona pouco grata corrido a gritos de
“Mata! Mata!” por conservacionistas, ecólogos e afins.
Recorri, em desespero, ao gesto obsoleto:
“Se não me segurarem faço um soneto”
E não é que fiz, e até com boas rimas?
Você não leu, e nem sequer ficou sabendo.
Continuo inédito e por teu amor sofrendo.
Mas fui premiado num concurso em Minas.
Comecei a escrever com pincel e piche num muro branco,
o asseio que se lixe, todo o meu amor para a tua ciência.
Fui preso, aos socos, e fichado.
Dias e mais dias interrogado:
era PC < PC do B ou alguma dissidência?
Te escrevi com lágrimas, sangue, suor e mel
(você devia ver o estado do papel)
uma carta longa, linda e passional.
De resposta nem uma cartinha
nem um cartão, nem uma linha!
Vá se confiar no Correio Nacional.
Com uma serenata, sim, uma serenata
como nos tempos da Cabocla Ingrata me declararia,
respeitando a métrica.
Ardor, tenor, a calçada enluarada…
havia tudo sob a tua sacada
menos tomada para guitarra elétrica.
Decidi, então, botar a maior banca no
céu escrever com fumaça branca:
“Te amo, assinado…” e meu nome bem legível.
Já tinha avião, coragem, brevê tudo para
impressionar você, mas veio a crise, faltou o combustível.
Ontem você me emprestou seu ouvido e na discoteca,
em meio do alarido, despejei meu coração.
Falei da devoção há anos entalada e você
disse “eu não escuto nada”.
Curta é a vida, longa é a paixão.
Na velhice, num asilo, lado a lado em meio a um silêncio
abençoado direi o que sinto, meu bem.
O meu único medo é que então, empinando a orelha com a
mão, você me responda só: “Heim?”

Luis Fernando Verissimo

Não vejo vantagem na reencarnação, a não ser que conte tempo para o INSS.

Luis Fernando Verissimo

Uma pessoa é uma coisa muito complicada. Mais complicada que uma pessoa, só duas. Três, então, é uma caos, quando não é um drama passional. Mas as pessoas só se definem no seu relacionamento com outras. Ninguém é o que pensa que é, muito menos o que diz que é (…) Ou seja, NINGUÉM É NADA SOZINHO, somos o nosso comportamento com o outro.

Luis Fernando Verissimo

Tem muita gente honesta neste país. Só não se identificam para não ficar de fora se aparecer um bom negócio.

Luis Fernando Verissimo

Às vezes estamos sem rumo, mas alguém entra em nossa vida, e se torna o nosso destino. Às vezes estamos no meio de centenas de pessoas, e a solidão aperta nosso coração pela falta de uma única pessoa.

Luis Fernando Verissimo

O Casamento
Pois é…
Minha esposa e eu sempre andamos de mãos dadas.
Se eu soltar, ela vai às compras.
Ela tem um liquidificador elétrico, uma torradeira elétrica, e uma máquina de fazer pão elétrico.
Então ela disse: ‘Nós temos muitos aparelhos, mas não temos lugar pra sentar’. Daí, comprei pra ela uma cadeira elétrica.
Eu me casei com a ‘Senhora Certa’. Só não sabia que o primeiro nome dela era ‘Sempre’.
Já faz 18 meses que não falo com minha esposa.
É que não gosto de interrompê-la. Mas tenho que admitir, a nossa última briga foi culpa minha.
Ela perguntou: ‘O que tem na TV? – “E eu disse ‘Poeira.”
No começo Deus criou o mundo e descansou.
Então, Ele criou o homem e descansou.
Depois, criou a mulher. Desde então, nem Deus, nem o homem, nem o Mundo tiveram mais descanso.
Quando o nosso cortador de grama quebrou, minha mulher ficava sempre me dando a entender que eu deveria consertá-lo.
Mas eu sempre acabava tendo outra coisa para cuidar antes, o caminhão, o carro, a pesca, sempre alguma coisa mais importante para mim. Finalmente ela pensou num jeito esperto de me convencer.
Certo dia, ao chegar em casa, encontrei-a sentada na grama alta, ocupada em podá-la com uma tesourinha de costura.
Eu olhei em silêncio por um tempo, me emocionei bastante e depois entrei em casa.
Em alguns minutos eu voltei com uma escova de dente e lhe entreguei.
Quando você terminar de cortar a grama, ‘ eu disse, ‘você pode também varrer a calçada. ‘
Depois disso não me lembro de mais nada. Os médicos dizem que eu voltarei a andar, mas mancarei pelo resto da vida’.
O casamento é uma relação entre duas pessoas na qual uma está sempre certa e a outra é o marido…

Luis Fernando Verissimo

No fim, o que a gente mais sente falta do passado é o seu futuro.

Luis Fernando Verissimo

QUEM SABE?
O corpo e a mente
têm biografias separadas,
cada um sua memória própria,
seu próprio jogo de charadas,
Meu corpo tem lembranças
– cheiros, tiques, andanças –
que a mente não registrou
e o corpo não tem as marcas
de metade do que a mente passou

Luis Fernando Verissimo

Carências
Quem não gosta de ser amado? Se Receber atenção especial? Quem não gosta de beijo na boca e abraços apertados? Quem prefere a solidão a uma boa companhia?
Nesse mundo maluco e agitado, as pessoas estão se encontrando hoje, se amando amanhã e entrando em crise depois de amanhã.
Uma coisa frenética e louca, que tem feito muita gente que se julgava equilibrada perder os parafusos e fazer muita besteira. Paixão, loucura e obsessão, três dos mais perigosos ingredientes que estão crescendo nos relacionamentos de hoje em dia por causa da velocidade das informações e o medo de ficar sozinho.
As pessoas não estão conseguindo conviver sozinhas com seus defeitos, vícios e qualidades e partem desesperadamente para encontrar alguém, a tal da alma gêmea, e se entregam muitas vezes aos primeiros pares de olhos que piscam para o seu lado.
Vale tudo nessa guerra, chat, carta, agência, festas. É uma guerra para não ficar sozinho. Medo, medo de se encarar no espelho e perceber as próprias deficiências, medo de encarar a vida e suas lutas. Então a pessoa consegue alguém
(ou acha que está nascendo um grande amor), fecha os olhos para a realidade e começa a viver um sonho, trancado em si mesmo, transfere toda a sua carência para o(a) parceiro(a), transfere a responsabilidade de ser feliz para uma pessoa que na verdade ela mal conhece.
Então, um belo dia, vem o espanto, vem a realidade, o caso melado, o “falso amor” acaba, e você que apostou todas as suas fichas nesse romance fica sem chão, sem eira nem beira, e o pior: muitas vezes fica sem vontade de viver.
Pobre povo desse século da pressa! Precisamos urgentemente voltar o costume “antigo” de “ter tempo”, de dar um tempo para o tempo nos mostrar quem são as pessoas.

Luis Fernando Verissimo

Nunca tenha medo de tentar algo novo. Lembre-se de que um amador solitário construiu a Arca. Um grande grupo de profissionais construiu o Titanic.

Luis Fernando Verissimo

O casamento foi a maneira que a humanidade encontrou de propagar a espécie sem causar faltório na vizinhança. As tradições matrimoniais se transformaram através dos tempos e variam de cultura para cultura. Em certas sociedades primitivas o tempo gasto nas preliminares do casamento – corte, namoro, noivado, etc…- era abreviado. O macho escolhia uma fêmea, batia com um tacape na sua cabeça e a arrastava para sua caverna. Com o passar do tempo este método foi abandonado , por pressão dos buffets, das lojas de presente e das mulheres, que não admitiam um período pré-conjugal tão curto. O homem precisava aproximar-se dela, cheirar seus cabelos, grunhir no seu ouvido, mordiscar a sua orelha e só então, quando ela estivesse disraída, bater com o tacape na sua cabeça e arrastá-la para a caverna.

Luis Fernando Verissimo

Com o tempo, os detalhes estragam qualquer biografia.

Luis Fernando Verissimo

A maneira como você encara a vida é que faz a diferença. A vida muda quando você muda.

Luis Fernando Verissimo

E POR FALAR EM LADRÃO DE GALINHAS…
Pegaram o cara em flagrante roubando galinhas de um galinheiro e levaram para a delegacia.
– Que vida mansa, hein, vagabundo? Roubando galinha para ter o que comer sem precisar trabalhar. Vai para cadeia!
– Não era para mim não. Era para vender.
– Pior. Venda de artigo roubado. Concorrência desleal com o comércio estabelecido. Sem-vergonha!
– Mas eu vendia mais caro.
– Mais caro?
– Espalhei o boato que as galinhas do galinheiro eram bichadas e as minhas não. E que as do galinheiro botavam ovos brancos enquanto as minhas botavam ovos marrons.
– Mas eram as mesmas galinhas, safado.
– Os ovos das minhas eu pintava.
– Que grande pilantra…
Mas já havia um certo respeito no tom do delegado.
– Ainda bem que tu vai preso. Se o dono do galinheiro te pega…
– Já me pegou. Fiz um acerto com ele. Me comprometi a não espalhar mais boato sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar os preços dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Convidamos outros donos de galinheiro a entrar no nosso esquema. Formamos um oligopólio.
Ou, no caso, um ovigopólio.
– E o que você faz com o lucro do seu negócio?
– Especulo com dólar. Invisto alguma coisa no tráfico de drogas. Comprei alguns deputados. Dois ou três ministros. Consegui exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação do governo e superfaturo os preços.
O delegado mandou pedir um cafezinho para o preso e perguntou se a cadeira estava confortável, se ele não queria uma almofada. Depois perguntou:
– Doutor, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está
milionário?
– Trilionário. Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o que tenho depositado ilegalmente no exterior.
– E, com tudo isso, o senhor continua roubando galinhas?
– Às vezes. Sabe como é.
– Não sei não, excelência. Me explique.
– É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa.
Do risco, entende? Daquela sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão, e isso é excitante. Como agora. Fui preso, finalmente. Vou para a cadeia. É uma experiência nova.
– O que e isso, excelência? O senhor não vai ser preso não.
– Mas fui pego em flagrante pulando a cerca do galinheiro!
– Sim. Mas primário, e com esses antecedentes…

Luis Fernando Verissimo

Não somos otários, como pensam. Somos hipócritas. Isto é, otários conscientes, otários assumidos, otários porque o contrário seria sucumbir ao amoralismo dos outros.

Luis Fernando Verissimo

Ninguém é o que parece ou o que aparece. O essencial não há quem enxergue. Todo mundo é só a ponta do seu iceberg.

Luis Fernando Verissimo

DIGA NÃO AS DROGAS
Tudo começou quando eu tinha uns 14 anos e um amigo chegou com aquele papo de “experimenta, depois, quando você quiser, é só parar…” e eu fui na dele. Primeiro ele me ofereceu coisa leve, disse que era de “raiz”, “natural” , da terra”, que não fazia mal, e me deu um inofensivo disco do “Chitãozinho e Xororó” e em seguida um do “Leandro e Leonardo”. Achei legal, coisa bem brasileira; mas a parada foi ficando mais pesada, o consumo cada vez mais freqüente, comecei a chamar todo mundo de “Amigo” e acabei comprando pela primeira vez.
Lembro que cheguei na loja e pedi: – Me dá um CD do Zezé de Camargo e Luciano. Era o princípio de tudo! Logo resolvi experimentar algo diferente e ele me ofereceu um CD de Axé. Ele dizia que era para relaxar; sabe, coisa leve… “Banda Eva”, “Cheiro de Amor”, “Netinho”, etc. Com o tempo, meu amigo foi oferecendo coisas piores: “É o Tchan”, “Companhia do Pagode”, “Asa de Águia” e muito mais. Após o uso contínuo eu já não queria mais saber de coisas leves, eu queria algo mais pesado, mais desafiador, que me fizesse mexer a bunda como eu nunca havia mexido antes, então, meu “amigo” me deu o que eu queria, um Cd do “Harmonia do Samba”. Minha bunda passou a ser o centro da minha vida, minha razão de existir. Eu pensava por ela, respirava por ela, vivia por ela! Mas, depois de muito tempo de consumo, a droga perde efeito, e você começa a querer cada vez mais, mais, mais . . . Comecei a freqüentar o submundo e correr atrás das paradas. Foi a partir daí que começou a minha decadência. Fui ao show de encontro dos grupos “Karametade” e “Só pra Contrariar”, e até comprei a Caras que tinha o “Rodriguinho” na capa.
Quando dei por mim, já estava com o cabelo pintado de loiro, minha mão tinha crescido muito em função do pandeiro, meus polegares já não se mexiam por eu passar o tempo todo fazendo sinais de positivo. Não deu outra: entrei para um grupo de Pagode. Enquanto vários outros viciados cantavam uma “música” que não dizia nada, eu e mais 12 infelizes dançávamos alguns passinhos ensaiados, sorriamos fazíamos sinais combinados. Lembro-me de um dia quando entrei nas lojas Americanas e pedi a coletânea “As Melhores do Molejão”. Foi terrível!! Eu já não pensava mais!! Meu senso crítico havia sido dissolvido pelas rimas “miseráveis” e letras pouco arrojadas. Meu cérebro estava travado, não pensava em mais nada. Mas a fase negra ainda estava por vir. Cheguei ao fundo do poço, no limiar da condição humana, quando comecei a escutar “Popozudas”, “Bondes”, “Tigrões”, “Motinhas” e “Tapinhas”. Comecei a ter delírios, a dizer coisas sem sentido. Quando saia a noite para as festas pedia tapas na cara e fazia gestos obscenos. Fui cercado por outros drogados, usuários das drogas mais estranhas; uns nobres queriam me mostrar o “caminho das pedras”, outros extremistas preferiam o “caminho dos templos”. Minha fraqueza era tanta que estive próximo de sucumbir aos radicais e ser dominado pela droga mais poderosa do mercado: a droga limpa.
Hoje estou internado em uma clínica. Meus verdadeiros amigos fizeram única coisa que poderiam ter feito por mim. Meu tratamento está sendo muito duro: doses cavalares de Rock, MPB, Progressivo e Blues. Mas o meu médico falou que é possível que tenham que recorrer ao Jazz e até mesmo a Mozart e Bach. Queria aproveitar a oportunidade e aconselhar as pessoas a não se entregarem a esse tipo de droga. Os traficantes só pensam no dinheiro. Eles não se preocupam com a sua saúde, por isso tapam sua visão para as coisas boas e te oferecem drogas.
Se você não reagir, vai acabar drogado: alienado, inculto, manobrável, consumível, descartável e distante; vai perder as referências e definhar mentalmente.
Em vez de encher cabeça com porcaria, pratique esportes e, na dúvida, se não puder distinguir o que é droga ou não, faça o seguinte:
* Não ligue a TV no domingo à tarde;
* Não escute nada qu e venha de Goiânia ou do interior de São Paulo;
* Não entre em carros com adesivos “Fui…..”;
* Se te oferecerem um CD, procure saber se o indivíduo foi ao programa da Hebe ou ao Sábado do Gugu;
* Mulheres gritando histericamente são outro indício;
* Não compre um CD que tenha mais de 6 pessoas na capa;
* Não vá a shows em que os suspeitos façam passos ensaiados;
* Não compre nenhum CD em que a capa tenha nuvens ao fundo;
* Não compre nenhum CD que tenha vendido mais de um milhão de cópias no
Brasil; e
* Não escute nada em que o autor não consiga uma concordância verbal mínima.
Mas principalmente, duvide de tudo e de todos.
A vida é bela!!!! Eu sei que você consegue!!! Diga não às drogas!!

Luis Fernando Verissimo

Faleceu ontem a pessoa que atrapalhava sua vida

Luis Fernando Verissimo

Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter sido.
Ah, se apenas tivéssemos acertado aquele número (unzinho e eu ganhava a sena acumulada), topado aquele emprego, completado aquele curso, chegado antes, chegado depois, dito sim, dito não, ido para Londrina, casado com a Doralice, feito aquele teste…
Agora mesmo neste bar imaginário em que estou bebendo para esquecer o que não fiz – aliás, o nome do bar é Imaginário – sentou um cara do meu lado direito e se apresentou:
– Eu sou você, se tivesse feito aquele teste no Botafogo
E ele tem mesmo a minha idade e a minha cara. E o mesmo desconsolo.
– Por quê? Sua vida não foi melhor do que a minha?
– Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular. Cheguei a seleção. Fiz um grande contrato. Levava uma grande vida. Até que um dia..
– Eu sei, eu sei… disse alguém sentado ao lado dele.
Olhamos para o intrometido… Tinha a nossa idade e a nossa cara e não parecia mais feliz do que nós. Ele continuou:
– Você hesitou entre sair e não sair do gol. Não saiu, levou o único gol do jogo, caiu em desgraça, largou o futebol e foi ser um medíocre propagandista.
– Como é que você sabe?
– Eu sou você, se tivesse saído do gol. Não só peguei a bola como me mandei para o ataque com tanta perfeição que fizemos o gol da vitória. Fui considerado o herói do jogo. No jogo seguinte, hesitei entre me atirar nos pés de um atacante e não me atirar. Como era um herói, me tirei… Levei um chute na cabeça. Não pude ser mais nada. Nem propagandista. Ganho uma miséria do INSS e só faço isto: bebo e me queixo da vida. Se não tivesse ido nos pés do atacante…
Ele chutaria para fora. Quem falou foi o outro sósia nosso, ao lado dele, que em seguida se apresentou.
– Eu sou você se não tivesse ido naquela bola. Não faria diferença. Não seria gol. Minha carreira continuou. Fiquei cada vez mais famoso, e agora com fama de sortudo também. Fui vendido para o futebol europeu, por uma fábula. O primeiro goleiro brasileiro a ir jogar na Europa. Embarquei com festa no Rio…
– E o que aconteceu? perguntamos os três em uníssono.
– Lembra aquele avião da VARIG que caiu na chegada em Paris?
– Você…
– Morri com 28 anos.
– Bem que tínhamos notado sua palidez.
– Pensando bem, foi melhor não fazer aquele teste no Botafogo…
– E ter levado o chute na cabeça…
– Foi melhor, continuou, ter ido fazer o concurso para o serviço público naquele dia. Ah, se eu tivesse passado…
– Você deve estar brincando.
Disse alguém sentado a minha esquerda. Tinha a minha cara, mas parecia mais velho e desanimado.
– Quem é você?
– Eu sou você, se tivesse entrado para o serviço público.
Vi que todas as banquetas do bar à esquerda dele estavam ocupadas por versões de mim no serviço público, uma mais desiludida do que a outra. As conseqüências de anos de decisões erradas, alianças fracassadas, pequenas traições, promoções negadas e frustração. Olhei em volta. Eu lotava o bar. Todas as mesas estavam ocupadas por minhas alternativas e nenhuma parecia estar contente. Comentei com o barman que, no fim, quem estava com o melhor aspecto, ali, era eu mesmo. O barman fez que sim com a cabeça, tristemente. Só então notei que ele também tinha a minha cara, só com mais rugas.
– Quem é você? – perguntei.
– Eu sou você, se tivesse casado com a Doralice.
– E..?
Ele não respondeu. Só fez um sinal, com o dedão virado para baixo.

Luis Fernando Verissimo

Sonho é comer um churrasco preparado por gaúchos, numa praia do nordeste, com mulheres mineiras, organizado por paulistas e animado por cariocas.
Pesadelo é comer um churrasco preparado por mineiros, numa praia gaúcha, com mulheres nordestinas, organizado por cariocas e animado por paulistas.

Luis Fernando Verissimo

Os dois menores e melhores contos de fadas do mundo.
1. Conto de fada para mulheres do séc. 21
Era uma vez uma linda moça que perguntou a um lindo rapaz:
– Você quer casar comigo?
Ele respondeu:
– Não!
E a moça viveu feliz para sempre, foi viajar, fez compras, conheceu muitos
outros rapazes, visitou muitos lugares, foi morar na praia, comprou outro
carro, mobiliou sua casa, sempre estava sorrindo e de bom humor, nunca lhe
faltava nada, bebia cerveja com as amigas sempre que estava com vontade e
ninguém mandava nela.
O rapaz ficou barrigudo, careca, o pinto caiu, a bunda murchou, ficou
sozinho e pobre, pois não se constrói nada sem uma mulher.
2. Conto de fada para mulheres do séc. 21
Era uma vez, numa terra muito distante, uma linda princesa independente e
cheia de autoestima que, enquanto contemplava a natureza e pensava em como
o maravilhoso lago do seu castelo estava de acordo com as conformidades
ecológicas, se deparou com uma rã.
Então, a rã pulou para o seu colo e disse: – Linda princesa, eu já fui um
príncipe muito bonito. Mas uma bruxa má lançou-me um encanto e eu
transformei-me nesta rã asquerosa. Um beijo teu, no entanto, há de me
transformar de novo num belo príncipe e poderemos casar e constituir um lar
feliz no teu lindo castelo. A minha mãe poderia vir morar conosco e tu
poderias preparar o meu jantar, lavarias as minhas roupas, criarias os
nossos filhos e viveríamos felizes para sempre.
E então, naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã à sautée,
acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a
princesa sorria e pensava:
– Nem morta!

Luis Fernando Verissimo

Certas palavras tem o significado errado. Falácia, por exemplo, devia ser o nome de alguma coisa vagamente vegetal. As pessoas deveriam criar falácias com todas as suas variedades. A Falácia Amazônica. A misteriosa Falácia Negra.
Hermeneuta deveria ser o membro de uma seita de andarilhos herméticos. Onde eles chegassem, tudo se complicaria.
– Os hermeneutas estão chegando!
– Ih, agora que ninguém vai entender mais nada…
Os hermeneutas ocupariam a cidade e paralisariam todas as atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas. Ao se retirarem deixariam a população prostrada pela confusão. Levaria semanas até que as coisas recuperassem o seu sentido óbvio. Antes disso, tudo pareceria ter um sentido oculto.
– Alo…
– O que é que você quer dizer com isso?
Traquinagem deveria ser uma peça mecânica.
– Vamos ter que trocar a traquinagem. E o vetor está gasto.
Plúmbeo deveria ser barulho que um corpo faz ao cair na água.
Mas, nenhuma palavra me fascinava tanto quanto defenestração.
A princípio foi o fascínio da ignorância. Eu não sabia o seu significado, nunca me lembrava de procurar no dicionário e imaginava coisas. Defenestrar deveria ser um ato exótico praticado por poucas pessoas. Tinha até um certo tom lúbrico. Galanteadores de calçada deveriam sussurrar ao ouvido de mulheres:
– Defenestras?
A resposta seria um tapa na cara. Mas, algumas… Ah, algumas defenestravam.
Também podia ser algo contra pragas e insetos. As pessoas talvez mandassem defenestrar a casa. Haveria, assim, defenestradores profissionais.
Ou quem sabe seria uma daquelas misteriosas palavras que encerram os documentos formais? “Nesses termos , pede defenestração..” Era uma palavra cheia de implicações. Devo até tê-la usado uma ou outra vez, como em?
-Aquele é um defenestrado.
Dando a entender que era uma pessoa, assim, como dizer? Defenestrada. Mesmo errada era a palavra exata.
Um dia, finalmente, procurei no dicionário. E aí está o Aurelião que não me deixa mentir. “Defenestração” vem do francês “Defenestration”. Substantivo feminino. Ato de atirar alguém ou algo pela janela.
Ato de atirar alguém ou algo pela janela!
Acabou a minha ignorância, mas não minha fascinação. Um ato como esse só tem nome próprio e lugar nos dicionários por alguma razão muito forte. Afinal, não existe, que eu saiba, nenhuma palavra para o ato de atirar alguém ou algo pela porta, ou escada a baixo. Por que então, defenestração?
Talvez fosse um hábito francês que caiu em desuso. Como o rapé. Um vício como o tabagismo ou as drogas, suprimido a tempo.
– Lês defenestrations. Devem ser proibidas.
– Sim, monsieur le Ministre.
– São um escândalo nacional. Ainda mais agora, com os novos prédios.
– Sim, monsieur lê Mnistre.
-Com prédios de três, quatro andares, ainda era possível. Até divertido. Mas, daí para cima vira crime. Todas as janelas do quarto andar para cima devem ter um cartaz: “Interdit de defenestrer”. Os transgressores serão multados. Os reincidentes serão presos.
Na Bastilha, o Marquês de Sade deve ter convivido com notórios defenestreurs. E a compulsão, mesmo suprimida, talvez ainda persista no homem, como persiste na sua linguagem. O mundo pode estar cheio de defenestradores latentes.
– É essa estranha vontade de jogar alguém ou algo pela janela, doutor…
– Humm, O Impulsus defenestrex de que nos fala Freud. Algo a ver com a mãe. Nada com o que se preocupar – diz o analista, afastando se da janela.
Quem entre nós nunca sentiu a compulsão de atirar alguém ou algo pela janela? A basculante foi inventada para desencorajar a defenestração. Toda a arquitetura moderna, com suas paredes externas de vidro reforçado e sem aberturas, pode ser uma reação inconsciente a esta volúpia humana, nunca totalmente dominada.
Na lua-de-mel, numa suíte matrimonial no 17º andar.
-Querida…
– Mmmm?
-Há uma coisa que preciso lhe dizer…
-Fala amor.
-Sou um defenestrador.
E a noiva, na inocência, caminha para a cama:
– Estou pronta pra experimentar tudo com você. Tudo!
Uma multidão cerca o homem que acaba de cair na calçada. Entre gemidos, ele aponta para cima e balbucia:
– Fui defenestrado…
Alguém comenta:
– Coitado. E depois ainda atiraram ele pela janela.
Agora mesmo me deu uma estranha compulsão de arrancar o papel da máquina, amassa-lo e defenestrar essa crônica. Se ela sair é porque resisti.

Luis Fernando Verissimo

Um telefone toca num fim de tarde, começo de noite . . .
* Alô?
* Pronto.
Ele: – Voz estranha… Gripada?
Ela: – Faringite.
Ele: – Deve ser o sereno. No mínimo tá saindo todas as noites pra badalar.
Ela: – E se estivesse? Algum problema?
Ele: – Não, imagina! Agora, você é uma mulher livre.
Ela: – E você? Sua voz também está diferente. Faringite?
Ele: – Constipado.
Ela: – Constipado? Você nunca usou esta palavra na vida.
Ele: – A gente aprende.
Ela: – Tá vendo? A separação serviu para alguma coisa.
Ele: – Viver sozinho é bom. A gente cresce.
Ela: – Você sempre viveu sozinho. Até quando casado só fez o que quis.
Ele: – Maldade sua, pois deixei de lado várias coisas quando a gente se casou.
Ela: – Evidente! Só faltava você continuar rebolando nas discotecas com as amigas.
Ele: – Já você não abriu mão de nada. Não deixou de ver novela, passear no shopping,
comprar jóias, conversar ao telefone com as amigas durante horas.
. . . Silêncio . . .
Ela: – Comprar jóias? De onde você tirou essa idéia? A única coisa que comprei
em quinze anos de casamento foi um par de brincos.
Ele: – Quinze anos? Pensei que fosse bem menos.
Ela: – A memória dos homens é um caso de polícia!
Ele: – Mas conversar com as amigas no telefone …
Ela: – Solidão, meu caro, cansaço … Trabalhar fora, cuidar das crianças e ainda
preparar o jantar para o HERÓI que chega à noite… Convenhamos, não chega a
ser uma roda-gigante de emoções …
Ele: – Você nunca reclamou disso.
Ela: – E você me perguntou alguma vez?
Ele: – Lá vem você de novo… As poucas coisas que eu achava que estavam certas…
Isso também era errado!?
Ela: – Evidente, a gente não conversava nunca …
Ele: – Faltou diálogo, é isso? Na hora, ninguém fala nada. Aparece um impasse e
as mulheres não reclamam. Depois, dizem que Faltou diálogo.
As mulheres são de Marte !
Ela: – E vocês são de Saturno!
. . . Silêncio . . .
Ele: – E aí, como vai a vida?
Ela: – Nunca estive tão bem. Livre para pensar, ninguém pra Me dizer o que devo fazer …
Ele: – E isso é bom?
Ela: – Pense o que quiser, mas quinze anos de jornada são de enlouquecer qualquer uma.
Ele: – Eu nunca fui autoritário!
Ela: – Também nunca foi compreensivo!
Ele: – Jamais dei a entender que era perfeito. Tenho minhas limitações como qualquer
mortal …
Ela: – Limitado e omisso como qualquer mortal.
Ele: – Você nunca foi irônica.
Ela: – Isso a gente aprende também.
Ele: – Eu sempre te apoiei.
Ela: – Lógico. Se não me engano foi no segundo mês de casamento que você lavou a
única louça da tua vida. Um apoio inestimável … Sinceramente, eu não sei o
que faria sem você? Ou você acha que fazer vinte caipirinhas numa tarde para um
bando de marmanjos que assistem ao jogo da Copa do Mundo era realmente
o meu grande objetivo na vida ?
Ele: – Do que você está falando?
Ela: – Ah, não lembra?
Ele: – Ana, eu detesto futebol.
Ela: – Ana!? Esqueceu meu nome também? Alexandre, você ficou louco?
Ele: – Alexandre? Meu nome é Ronaldo!
. . . Silêncio . . .
Ele: – De onde está falando?
Ela: – 2578 9922
Ele: – Não é o 2578 9222?
Ela: – Não.
Ele: – Ah, desculpe, foi engano.
Depois de um tempo ambos caem na gargalhada.
Ele: Quer dizer que você faz uma ótima caipirinha, hein?
Ela: – Modéstia à parte… Mas não gosto, prefiro vinho tinto.
Ele: – Mesmo? Vinho é a minha bebida preferida!
Ela: – E detesta futebol?
Ele: – Deus me livre… 22 caras correndo atrás de uma bola… Acho ridículo!
Ela: – Bem, você me dá licença, mas eu vou preparar o jantar.
Ele: – Que pena… O meu já está pronto. Risoto, minha especialidade!
Ela: – Mentira! É o meu prato predileto…
Ele: – Mesmo! Bem, a porção dá pra dois, e estou abrindo um Chianti também.
Você não gostaria de…
Ela: – Adoraria!
Ele dá o endereço.
… CUIDADO COM AS LINHAS CRUZADAS …

Luis Fernando Verissimo

A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.

Luis Fernando Verissimo

A diferença entre o Brasil e a República Checa é que a República Checa tem o governo em Praga e o Brasil tem essa praga no governo.

Luis Fernando Verissimo

Se o tal “amor” é impontual e imprevisível que se dane! Não adianta: as pessoas são impacientes! São e sempre vão ser! Tem gente que diz que não é… “Eu não sou ansioso, as coisas acontecem quando tem que acontecer.” Mentira! Por dentro todo ser humano é igual: impaciente, sonhador, iludido… Jura de pé junto que não, mas vive sempre em busca da famosa cara metade! Pode dar o nome que quiser: amor, alma gêmea, par perfeito, a outra metade da laranja… No fim dá tudo no mesmo. Pode soar brega, cafona… Mas é a realidade. Inclusive o assunto “amor” é sempre cafonérrimo. Acredito que o status de cafona surgiu porque a grande maioria das pessoas nunca teve a oportunidade de viver um grande amor. Poucas pessoas experimentaram nesta vida a sensação de sonhar acordada, de dormir do lado do telefone, de ter os olhos brilhando, de desfilar com aquele sorriso de borboleta azul estampado no rosto.

Luis Fernando Verissimo

Não viro a cara para meus acusadores, embora eles só mereçam desprezo, mas os enfrento com um olhar límpido como minha consciência e um leve sorriso no canto da boca.

Luis Fernando Verissimo

Era uma vez uma linda moça que perguntou a um lindo rapaz:
– Você quer casar comigo?
Ele respondeu:
– NÃO!
E a moça viveu feliz para sempre, foi viajar, fez compras, conheceu muitos outros rapazes, visitou muitos lugares, foi morar na praia, comprou outro carro, mobiliou sua casa, sempre estava sorrindo e de bom humor, nunca lhe faltava nada, bebia cerveja com as amigas sempre que estava com vontade e ninguém mandava nela. O rapaz ficou barrigudo, careca, o pinto caiu, a bunda murchou, ficou sozinho e pobre, pois não se constrói nada sem uma MULHER.

Luis Fernando Verissimo

Duas histórias
Homem senta num bar ao lado de um velhinho que lhe parece familiar. O velhinho está um caco mas, mesmo assim, aquele bigodinho, aqueles olhos…
– Desculpe, mas você não é o Adolf Hitler?
– Sou.
– Pensei que você tivesse…
– Todo mundo pensou. Continuo vivo.
– Aposto que você vive cheio de remorso pelo que fez.
– Que foi que eu fiz?
– Mas como? E os seis milhões de judeus que mandou matar?
– Ach,eles. Já tinha me esquecido.
– Quer dizer que se fosse começar outra vez, hoje, você faria a mesma coisa?
– Não. Mandava matar seis milhões de judeus e dois acrobatas.
– Por que dois acrobatas?
– Viu como você esqueceu os judeus?
A tática, ajustada às devidas proporções, tem sido muito usada por aqui. Quando um assunto ameaça a se tornar um escândalo, ou quando um escândalo ameaça se tornar assunto, acrescente, rápido, dois acrobatas. Os acrobatas passam a ser o assunto. E os acrobatas não têm falhado muito, ultimamente, neste país de distraídos. Sua última aparição foi no caso do Eduardo Jorge. Lembra dele? Eduardo Jorge, aquele que era secretário particular do… O patriciado brasileiro sobrevive porque dominou a arte de mudar de assunto.

Luis Fernando Verissimo

Papos
– Me disseram…
– Disseram-me.
– Hein?
– O correto e “disseram-me”. Não “me disseram”.
– Eu falo como quero. E te digo mais… Ou é “digo-te”? – O quê?
– Digo-te que você…
– O “te” e o “você” não combinam.
– Lhe digo?
– Também não. O que você ia me dizer?
– Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou te partir a
cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?
– Partir-te a cara.
– Pois é. Parti-la hei de, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me.
– É para o seu bem.
– Dispenso as suas correções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender.
Mais uma correção e eu…
– O quê?
– O mato.
– Que mato?
– Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem?
– Pois esqueça-o e pára-te. Pronome no lugar certo e elitismo!
– Se você prefere falar errado…
– Falo como todo mundo fala. O importante é me entenderem. Ou
entenderem-me?
– No caso… não sei.
– Ah, não sabe? Não o sabes? Sabes-lo não?
– Esquece.
– Não. Como “esquece”? Você prefere falar errado? E o certo é “esquece” ou
“esqueça”? Ilumine-me. Me diga. Ensines-lo-me, vamos.
– Depende.
– Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-lo-ias se o soubesses, mas não
sabes-o.
– Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser.
– Agradeço-lhe a permissão para falar errado que mas dás. Mas não posso
mais dizer-lo-te o que dizer-te-ia.
– Por que?
– Porque, com todo este papo, esqueci-lo.

Luis Fernando Verissimo

Lerdeza
A frase que o Everton mais ouvia da mãe era “levanta e vai buscar”, geralmente seguida de um epíteto, como “seu preguiçoso” ou, pior, “lerdeza”. Porque o que o Everton mais fazia, atirado no sofá na frente da TV na sua posição de costume (que a mãe chamava de “estrapaxado”), era pedir para lhe trazerem coisas. Uma Coca. Uns salgadinhos…
– Levanta e vai buscar!
– Pô, mãe.
– Lerdeza!
O Everton já estava com quinze anos e era uma luta convencê-lo a sair do sofá e ir fazer o que os garotos de quinze anos fazem. Correr. Jogar bola. Namorar. Ou pelo menos ir buscar sua própria Coca.
– Esse menino um dia ainda vai se fundir com o sofá…
Everton não queria outra coisa. Ser um homem-sofá. Um estofado humano, alimentado sem precisar sair do lugar. E sem tirar os olhos da TV. E como era filho único, e insistente, sempre conseguia que lhe trouxessem o que pedia. Quando não era a mãe, sob protestos (“Toma, lerdeza, mas é a última vez”) era Marineide, a empregada de vinte e poucos anos cujo decote era a única coisa que fazia o Everton desviar os olhos da TV, e assim mesmo por poucos segundos.
***
Um dia, estrapaxado no sofá, o Everton se deu conta de que estava sozinho em casa. A mãe tinha saído, o pai estava no trabalho, a Marineide de folga, e ele sem ninguém para lhe trazer uma Coca, uns chips de batata e uns Bis. Levantar-se e ir buscar estava fora de questão.
Fechou os olhos e concentrou-se. Concentrou-se com força. Depois de alguns minutos, ouviu ruídos vindo da cozinha. A geladeira abrindo e fechando. Uma porta de armário abrindo e fechando. Depois silêncio. Quando abriu os olhos, a Coca, os chips e os Bis pairavam no ar, à sua frente. Ele só precisou estender a mão.
No dia seguinte, Everton testou seu poder recém-descoberto na Marineide, que até hoje não sabe como a sua blusa desabotoou sozinha e seu soutien simplesmente voou longe daquele jeito, e logo na frente do menino. Everton também acendeu a TV e mudou de canais sem precisar usar o controle remoto, e fez um vaso voar pela sala só com a força do seu pensamento. Apagou a TV e ficou, atirado no sofá, refletindo sobre o que significava aquilo. Ele era um fenômeno. Tinha um poder único – fazia as coisas acontecerem apenas pela sua vontade. Contaria aos pais, claro. Eles poderiam ganhar dinheiro com seu poder. O pai saberia como. Ele se transformaria numa celebridade. Cientistas do mundo inteiro o procurariam, sua capacidade extraordinária seria usada em benefício da humanidade. No combate ao crime, por exemplo. Nas comunicações. Na medicina a distância.
***
E se aquilo fosse, de alguma forma, um poder religioso? Até onde a revelação do seu dom milagroso seria um sinal de que ele tinha uma missão a cumprir na Terra? Até onde aquilo o levaria? Fosse o que fosse, uma coisa era certa. Ele teria que sair do sofá.
***
– Mãe.
– Ahn?
– Eu quero daquelas coisinhas de queijo. E uma Coca.
– Levanta e vai buscar.
– Pô, mãe.
– Tá bem. Mas esta é a última vez.
E já a caminho da cozinha:
– Lerdeza!

Luis Fernando Verissimo

A bola nova
Essa bola amarela, não sei não. Antigamente as bolas de futebol tinham a cor do couro com que eram feitas. Pintadas de branco, só em jogo noturno. Lembro do meu espanto ao saber que, em cada jogo oficial de campeonato usavam uma bola nova, o que me levava a sonhar com montes de bolas usadas uma vez só, estocadas em algum lugar. Uma visão do paraíso. E era uma bola por partida, substituída, com autorização do juiz, apenas em caso de perda de esfericidade, o nome científico de murchamento. Isto significava que quando a bola espirrava para fora do campo, era devolvida pelo público para que o jogo pudesse continuar. A bola era devolvida pelo público! Talvez nada na nossa história recente tenha a importância simbólica deste fato: no tempo da Número 5 cor de couro a torcida devolvia a bola. Se a bola demorasse a voltar para o campo havia manifestações de impaciência e quem a retivesse – só por farra, ninguém era ladrão – era hostilizado pelos outros torcedores. Não se sabe se a torcida passou a ficar com a bola quando começaram a usar várias por partida ou se foi algo na nossa alma que mudou. Há quem atribua a uma reversão dos pólos magnéticos da Terra lá pelos anos 40 e 50 a deterioração do caráter do brasileiro. Não sei. Seja como for, uma das suas primeiras manifestações foi não devolverem mais a bola.
Ela era branca só em jogo noturno porque ajudava a visibilidade, até se darem conta de que o branco também favoreceria a visibilidade de dia, pois seu contraste com o verde do gramado era maior do que o do marrom. Agora houve um retrocesso. A cor da nova bola não é marrom, é amarelo cocô-de-criança. Os goleiros estão se queixando de que ela é mais difícil de pegar, mas talvez estejam só com nojo. O contraste com o verde decididamente piorou. Não demora aparecer uma teoria conspiratória alegando que a troca foi para atrapalhar o Brasil na Copa deste ano. Um reconhecimento de que o Brasil era imbatível com a bola antiga, o campeão definitivo da bola branca. Como todos estranharão a bola nova da mesma maneira, estaria começando outra era com tudo reequilibrado, e com chance até para Trinidad-Tobago.
Além da bola, o Brasil precisará se preocupar com a soberba. O clima nacional está um pouco como o de 82, lembra? Aquele time que foi para a Copa da Espanha, com Falcão, Cerezo, Sócrates, Zico, Eder, também não podia perder para ninguém, com qualquer bola. Nos anais da Fifa não consta, mas quem ganhou aquela Copa foi a Soberba. Vai ser nosso principal inimigo na Alemanha.

Luis Fernando Verissimo

A pessoa errada te faz perder a cabeça, perder a hora, morrer de amor. A pessoa errada vai ficar um dia sem te procurar que é pra na hora que vocês se encontrarem a entrega ser muito mais verdadeira. A pessoa errada, é na verdade, aquilo que a gente chama de pessoa certa. Essa pessoa vai te fazer chorar, mas uma hora depois vai estar enxugando suas lágrimas. Essa pessoa vai tirar seu sono. Essa pessoa talvez te magoe e depois te enche de mimos pedindo seu perdão. Essa pessoa pode não estar 100% do tempo ao seu lado, mas vai estar 100% da vida dela esperando você. Vai estar o tempo todo pensando em você. A pessoa errada tem que aparecer pra todo mundo, porque a vida não é certa.

Luis Fernando Verissimo

Descobri vivendo que sofrer não deixa nada mais dramático, que chorar não alivia a raiva e que implorar não traz ninguém de volta… a palavra é valor!

Luis Fernando Verissimo

Você é a única pessoa que pode fazer a revolução de sua vida. Você é a única pessoa que pode prejudicar a sua vida. Você é a única pessoa que pode ajudar a si mesmo. “Sua vida não muda quando seu chefe muda. Quando sua empresa muda, quando seus pais mudam, quando seu namorado ou namorada muda. Sua vida muda.. quando você muda! Você é o único responsável por ela”.
O mundo é como um espelho que devolve a cada pessoa o reflexo de seus próprios pensamentos e seus atos. A maneira como você encara a vida é que faz toda diferença. A vida muda, quando “você muda”.

Luis Fernando Verissimo

Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se.

Luis Fernando Verissimo

O mundo não é ruim, só está mal frequentado.

Luis Fernando Verissimo

No começo Deus criou o mundo e descansou. Então, Ele criou o homem e descansou. Depois, criou a mulher. Desde então, nem Deus, nem o homem, nem o Mundo, tiveram mais descanso.

Luis Fernando Verissimo

Mulher nem sempre te dá mole por que está a fim de você, na maioria das vezes é para ter opção.

Luis Fernando Verissimo

Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter sido.

Luis Fernando Verissimo

Te escrevi com lágrimas, sangue, suor e mel
(você devia ver o estado do papel)
uma carta longa, linda e passional…
…De resposta nem uma cartinha,
nem um cartão, nem uma linha!
Vá se confiar no Correio Nacional

Luis Fernando Verissimo

Uma donzela estava um dia sentada à beira de um riacho deixando a água do riacho passar por entre os seus dedos muito brancos, quando sentiu seu anel de diamante ser levado pelas águas. Temendo o castigo do pai, a donzela contou em casa que fora assaltada por um homem no bosque e que ele arrancara o anel de diamante do seu dedo e a deixara desfalecida sobre um canteiro de margarida. O pai e os irmãos da donzela foram atrás do assaltante e encontraram um homem dormindo no bosque, e o mataram, mas não encontraram o anel de diamante. E a donzela disse:
– Agora me lembro, não era um homem, erram dois.
– E o pai e os irmãos da donzela saíram atrás do segundo homem e o encontraram, e o mataram, mas ele também não tinha o anel. E a donzela disse:
– Então está com o terceiro!
Pois se lembrara que havia um terceiro assaltante. E o pai e os irmãos da donzela saíram no encalço do terceiro assaltante, e o encontraram no bosque. Mas não o mataram, pois estavam fartos de sangue. E trouxeram o homem para a aldeia, e o revistaram e encontraram no seu bolso o anel de diamante da donzela, para espanto dela.
– Foi ele que assaltou a donzela, e arrrancou o anel de seu dedo e a deixou desfalecida – gritaram os aldeões. – Matem-no!
– Esperem! – gritou o homem, no momento em que passavam a corda da forca pelo seu pescoço. – Eu não roubei o anel. Foi ela que me deu!
E apontou para a donzela, diante do escândalo de todos.
O homem contou que estava sentado à beira do riacho, pescando, quando a donzela se aproximou dele e pediu um beijo. Ele deu o beijo. Depois a donzela tirara a roupa e pedira e pedira que ele a possuísse, pois queria saber o que era o amor. Mas como era um homem honrado, ele resistira, e dissera que a donzela devia ter paciência, pois conheceria o amor do marido no seu leito de núpcias. Então a donzela lhe oferecera o anel, dizendo “Já que meus encantos não o seduzem, este anel comprará o seu amor”. E ele sucumbira, pois era pobre, e a necessidade é o algoz da honra.
Todos se viraram contra a donzela e gritaram: “Rameira! Impura! Diaba!” e exigiram seu sacrifício. E o próprio pai da donzela passou a forca para o seu pescoço.
Antes de morrer, a donzela disse para o pescado:
– A sua mentira era maior que a minha. E Eles mataram pela minha mentira e vão matar pela sua. Onde está, afinal, a verdade?
O pescador deu de ombros e disse:
– A verdade é que eu achei o anel na barriga de um peixe. Mas quem a acreditaria nisso? O pessoal quer violência e sexo, não histórias de pescador.

Luis Fernando Verissimo

Não se alcança o coração de alguém com pressa.

Luis Fernando Verissimo

“Às vezes perdemos nossa fé, então descobrimos que precisamos acreditar, tanto quanto precisamos respirar…é nossa razão de existir.”

Luis Fernando Verissimo

Quando se deseja realmente conquistar um coração, é preciso que antes já tenhamos conseguido conquistar o nosso, é preciso que ele já tenha sido explorado nos mínimos detalhes, que já se tenha conseguido conhecer cada cantinho, entender cada espaço preenchido e aceitar cada espaço vago.

Luis Fernando Verissimo

Pensando bem, em tudo o que a gente vê, e vivencia, e ouve e pensa, não existe uma pessoa certa pra gente. Existe uma pessoa que, se você for parar pra pensar é, na verdade, a pessoa errada. Porque a pessoa certa faz tudo certinho. Chega na hora certa, fala as coisas certas, faz as coisas certas, mas nem sempre a gente está precisando das coisas certas. Aí é a hora de procurar a pessoa errada.

Luis Fernando Verissimo

ESPÍRITOS OPOSTOS
Não houve muita política na última entrega dos Oscars. Uma piada do Billy Cristal aludia aos privilégios que Bush teve durante o seu serviço militar e o diretor do documentário premiado sobre Robert MacNamara e o envolvimento americano no Vietnã disse temer que o país estivesse entrando em outro buraco parecido, no Iraque. No ano passado as críticas a Bush e à guerra foram aplaudidas e vaiadas. Este ano não houve vaias.
A guerra do Iraque pode ser menos discutida, nas próximas eleições americanas, do que uma outra questão quente: casamento entre gays, sim ou não? É uma discussão engraçada, porque as posições de lado a lado tendem a ser invertidas, sem trocadilho. Os gays, no caso, são mais conservadores do que seus críticos, pois lutam para preservar e prestigiar uma instituição que parecia estar agonizando, vítima da nova moral sexual.
Em muitos casos o que os parceiros buscam é uma formalização legal da união para fins de sucessão etc., mas na maioria dos casos — imagino — o que querem é uma sagração matrimonial como a dos seus pais, com toda a sua carga de tradição e emoção. Véu, grinalda e gravatas prateadas opcionais.
As objeções religiosas a casamentos entre pessoas do mesmo sexo também são paradoxais. Em toda ligação homossexual — ou homoerótica, porque o mundo está cheio de ligações homossexuais que não sabem que são — existe um componente “feminino” e um componente “masculino”, mesmo que imprecisamente definidos por características de personalidade e comportamento.
E na medida que personalidade e comportamento expressam o “espírito” de alguém, para usar outro termo indefinível, todas as uniões sexuais são entre “homem” e “mulher”, mesmo quando os corpos são do mesmo gênero. O espírito é a pessoa, segundo o ensinamento religioso, não o seu corpo transitório. Mas nenhuma religião quer saber de espíritos de sexos opostos se amando e fazendo arranjos domésticos “normais”. Sua crítica parece materialista e contraditória. Mas como não sou nem gay nem religioso, longe de mim esse cálice de confusão.
O mais curioso de tudo é a nova avidez das pessoas por parâmetros formais e cerimônia. Ouço dizer que foi por insistência dos alunos que as solenidades de formatura que, misericordiosamente, se encaminhavam para uma depuração sensata e para a brevidade, voltaram a ser como eram antes, pesados e palavrosos rituais de passagem com beca e tudo. Agora, quando o casamento parecia a caminho de se tornar obsoleto, substituído pela coabitação sem nenhum significado maior, chegam os gays para acabar com essa pouca-vergonha.

Luis Fernando Verissimo

Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer “escrever claro” não é certo, mas é claro, certo?

Luis Fernando Verissimo

Você só sabe até onde pode ir quando já foi.

Luis Fernando Verissimo

É importante as pessoas combinarem como se comportarão em determinadas situações sociais para evitar surpresas.

Luis Fernando Verissimo

O maior mistério da vida do Homem, que não é o que há depois da morte ou quais são os limites do Universo, mas: o que a Mulher está pensando?

Luis Fernando Verissimo

A maioria dos homens preferem pensar que mulheres estejam pensando o que eles querem que estejam pensando.

Luis Fernando Verissimo

Você sabe o que um homem pensa de uma mulher pelo modo como fala nela de longe.

Luis Fernando Verissimo

No Brasil, como se sabe, o verdadeiro dia primeiro de janeiro é a quarta-feira de cinzas – à tarde.

Luis Fernando Verissimo

O futuro é uma folha pautada esperando a primeira anotação do ano.

Luis Fernando Verissimo

E é só por isso que encontramos tantas pessoas pela vida a fora que dizem que nunca mais conseguiram amar alguém… é simples… é porque elas não possuem mais coração, eles foram roubados, arrancados do seu peito, e somente com um grande amor ela terá um novo coração, afinal de contas, corações são para serem divididos, e com certeza esse grande amor repartirá o dele com você.

Luis Fernando Verissimo

No mundo moderno, depois do advento dos tradutores on-line, ficou fácil nomear tudo em latim, por puro fetiche. Qualquer ente, vivo ou morto, pode ter um nome em latim. Uma pequena codorna assustadiça do período mesozoico, por exemplo, pode ser rapidamente batizada como coturnissaurus atonitus parvus.

Luis Fernando Verissimo

Nessas horas sempre surge aquela tradicional perguntinha: Por que aquela pessoa pela qual você trocaria qualquer programa por um simples filme com pipoca abraçadinho no sofá da sala não despenca na sua vida?

Luis Fernando Verissimo

Carta aos tímidos
Como um tímido veterano, acho que já posso dar alguns conselhos às novas gerações de envergonhados, jovens que estão recém-descobrindo o martírio de ter de enfrentar este terror, os outros, e se lançando na grande aventura que é se impor, se fazer ouvir, ter amigos, namorar, procriar e, enfim, viver, quando o que preferia era ficar quieto em casa. Ou, de preferência, no útero.
Para começar, algumas coisas que não funcionam. Tentei todas e não deram certo. Decorar frase, por exemplo. Já fui com uma frase pronta para impressionar a menina e na hora saiu ‘Teus marilus verdes são como dois olhos, lagoa’. Também resista à tentação de assumir um ar superior e dar a impressão de que você não é tímido, é misterioso. Eu sou do tempo em que a gente usava chaveiro com correntinha (além de tope e topete, tope de gravata enorme e topete duro de Gumex) e ficava girando a correntinha no dedo enquanto examinava as garotas na saída das matinês (eu sou do tempo das saídas de matinês). Um dia deu certo, a garota veio falar comigo, ou ver de perto o que mantinha o topete em pé, foi atingida pela hélice da correntinha e saiu furiosa. Melhor, porque eu não tinha nenhuma fala pronta que correspondesse à pose. Evite, é claro, as manobras calhordas. Como identificar alguém tão tímido quanto você no grupo e quando alguém, por sacanagem, lhe pedir um discurso, passar a palavra imediatamente para ele. O mínimo que um tímido espera de outro é solidariedade. E não há momento mais temido na vida de um tímido do que quando lhe passam a palavra.
Tente se convencer de que você não é o alvo de todos os olhares e de todas as expectativas de vexame quando entra em qualquer recinto. No fundo, a timidez é uma forma extrema de vaidade, pois é a certeza de que, onde o tímido estiver, ele é o centro das atenções, o que torna quase inevitável que errará a cadeira e sentará no chão, ou no colo da anfitriã. Convença-se: o mundo não está só esperando para ver qual é a próxima que você vai aprontar. E mire-se no meu exemplo. Depois que aposentei a correntinha e (suspiro) perdi o topete, namorei, procriei, fiz amigos, vivi e hoje até faço palestras, ou coisas bem parecidas. Mesmo com o secreto e permanente desejo, é verdade, de estar quieto em casa.

Luis Fernando Verissimo

Inimigos
“O apelido de Maria Tereza, para Norberto, era ‘Quequinha’. Depois do casamento, sempre que queria contar para os outros uma de sua mulher, o Norberto pegava na sua mão, carinhosamente, e começava:
– Pois a Quequinha…
E a Quequinha, dengosa, protestava:
-Ora, Beto!
Com o passar do tempo o Norberto deixou de chamar a Maria Tereza de Quequinha. Se ela estivesse ao seu lado e ele quisesse se referir a ela, dizia:
-A mulher aqui…
Ou, às vezes:
-Esta mulherzinha…
Mas nunca mais Quequinha.
(O tempo, o tempo. O amor tem mil inimigos, mas o pior deles é o tempo. O tempo ataca o silêncio. O tempo usa armas químicas.)
Com o tempo, Norberto passou a tratar a mulher por Ela.
-Ela odeia o Charles Bronson.
-Ah, não gosto mesmo.
Deve-se dizer que o Norberto, a esta altura, embora a chama-se de Ela, ainda usava um vago gesto de mão para indicá-la. Pior foi quando passou a dizer ‘essa ai’ e a apontava com o queixo.
– Essa ai…
E apontava com o queixo, até curvando a boca com um certo desdém.
(O tempo, o tempo. Tempo captura o amor e não o mata na hora. Vai tirando uma asa, depois cura.)
Hoje, quando quer contar alguma coisa da mulher, o Norberto nem olha na direção. Faz um meneio de lado com a cabeça e diz:
– Aquilo…

Luis Fernando Verissimo

A vida é bela, o paraíso é um comprimido. Qualquer balaco ilegal ou proibido.

Luis Fernando Verissimo

Conto Erótico
– Às suas ordens.
– Que-quem é?
– Às suas ordens.
– Acho que apertei o botão errado. Ainda não me acostumei com o painel deste novo sistema. Como é que eu faço par conseguir linha direta?
– Linha direta: comprima o botão vermelho no canto direito inferior do painel. Aguarde. Se der sinal de linha, comprima o botão marrom, depois o vermelho novamente.
Repita a operação até conseguir a linha.
– Obrigado, senhorita…
– De nada. Desligo.
– Escute!
– Às suas ordens.
– Olhe. Por favor, não pense que eu estou sendo indiscreto, mas é que não reconheci sua voz. Você é nova no escritório? Alô?
– Às suas ordens.
– Eu só queria esta informação…
– Informação: Comprima o “zero’ no painel. Aguarde. Quando ouvir o sinal eletrônico, declare a informação desejada. Fale pausadamente.
– Não. Não. Eu só queria saber… Em primeiro lugar, o que é que você está fazendo aqui a esta hora? todo mundo já foi para casa. Já sei, é seu primeiro dia, você ainda está desambientada. Mas não precisa exagerar. Ninguém me disse que iam contratar uma nova telefonista. Aliás, me disseram que com esse novo sistema, não precisa telefonista. Você não responde?
– Às sua ordens.
– Só me diga seu nome. Olhe, não sei o que lhe disseram a meu respeito, mas eu não sou um patrão duro, não. Só fico até esta hora no escritório porque, francamente, este é o lugar onde me sinto melhor. Minha mulher nem fala mais comigo. Me sinto muito melhor aqui, na minha mesa, na minha poltrona giratória, as minhas coisas, agora este novo telefone… entendeu? Não sei porque estou contando tudo isto para você. Ah, é para você não ter medo de conversar comigo. Sou absolutamente inofensivo. As funcionárias deste escritório, para mim, fazem parte da mobília, entende? Jamais faltei com respeito com nenhuma delas. Aliás, jamais faltei com respeito com mulher nenhuma, ouviu? Você não tem nada para me dizer?
– Não há mensagens.
– O quê?
– Às suas ordens.
– Mas eu sou um animal. Você é uma gravação! Agora entendi. E eu aqui falando sozinho…Mas sabe que você tem uma voz linda?
– Às suas ordens.
– Quero fazer amor com você. Agora. aqui. em cima da mesa. Com a sua cabeça atirada para trás, por ima do calendário eletrônico. Com o jogo de canetas de acrílico espetando as suas costas. E você rindo, selvagemente, de prazer e de dor. Depois rolaremos pelo carpete como dois loucos. Como duas feras. Derrubaremos a mesa do café.
-Café: comprima o botão rosa.
– Ahn. Diz de novo. Comprima o botão rosa. Diz. Café.
– Café: comprima o botão rosa.
– Meu amor, minha paixão. Café,
– Café: comprima o botão rosa.
– Quero passar o resto da minha vida ouvindo a sua voz e comprimindo seu botão rosa. Nunca mais preciso sair do escritório. Só nós dois. Quero fazer tudo com você. Tudo!
– Você deixa?
– Às suas ordens.

Luis Fernando Verissimo

A pessoa errada é, na verdade, aquilo que a gente chama de “pessoa certa”. Essa pessoa vai te fazer chorar, mas uma hora depois vai estar enxugando suas lágrimas. Essa pessoa vai tirar seu sono, mas vai te dar em troca uma noite de amor inesquecível!

Luis Fernando Verissimo

O homem gosta do que vê e a mulher gosta do que ouve.

Luis Fernando Verissimo

Será que Deus confiaria tamanha responsabilidade a um simples mortal? E não satisfeitas em ensinar a vida elas insistem em ensinar a vivê-la, de forma íntegra, oferecendo amor incondicional e disponibilidade integral. Fala-se em “praga de mãe”, “amor de mãe”, “coração de mãe”… Tudo isso é meio mágico… Talvez Ele tenha instalado o dispositivo “coração de mãe” nos “anjos da guarda” de Seus filhos (que, aliás, foram criados à Sua imagem e semelhança)

Luis Fernando Verissimo

O que é certo mesmo, é que temos que viver cada momento, cada segundo… Amando, sorrindo, chorando, emocionando, pensando, agindo, querendo, conseguindo….
E só assim é possível chegar àquele momento do dia em que a gente diz : ” Graças à Deus deu tudo certo”.

Luis Fernando Verissimo

E para os amores impossíveis: tempo.

Luis Fernando Verissimo

Não experimentei ainda a fondue de camarão porque precisei escolher entre comprar alguns quilos de camarão e a educação dos meus filhos e a consciência -depois de alguma hesitação- falou mais alto.

Luis Fernando Verissimo

O amor tem mil inimigos, mas o pior deles é o tempo.

Luis Fernando Verissimo

A única alternativa para a velhice é a morte.

Luis Fernando Verissimo

Ninguém é uma coisa só, nós todos somos muitos.

Luis Fernando Verissimo

Quem Sabe
Diz a mecânica quântica
que as partículas atômicas
se comportam de um jeito
quando são observadas
e de outro quando estão sós
(como, aliás, todos nós).
E quem nos assegura
que o Universo que está aí
não é como aí está
quando ninguém está olhando?
E que quando os astrônomos
se viram do telescópio
para a prancheta
o Universo não faz uma careta?
O corpo e a mente têm biografias separadas,
cada um sua memória própria,
seu próprio jogo de charadas,
Meu corpo tem lembranças- cheiros, tiques, andanças –
que a mente não registrou
e o corpo não tem as marcasde metade do que a mente passou
(Pior que uma mente insana
num corpo sem muito assunto
é um corpo que já foi ao Nirvana
sem que a mente tenha ido junto.)
Cada um tem um passado
do qual o outro não tem pista
(como um bilhete amassado)
e nem o Mahabharataexplica
uma mente anarquista
num corpo socialdemocrata.
Compartilham bioplasmase o gosto por certas atrizes,
mas não tem os mesmos fantasmas
nem as mesmas cicatrizes.
Das duas, uma, gente:
ou toda mente é de outro corpo-
ou todo corpo mente.

Luis Fernando Verissimo

“O que não nos escandaliza também nos define.”

Luis Fernando Verissimo

O Brasil dos corruptos, sem corruptores.

Luis Fernando Verissimo

Assalto a Banco
Alô? Quem tá falando?
— Aqui é o ladrão.
— Desculpe, a telefonista deve ter se enganado, eu não queria falar com o dono do banco. Tem algum funcionário aí?
— Não, os funcionário tá tudo refém.
— Há, eu entendo. Afinal, eles trabalham quatorze horas por dia, ganham um salário ridículo, vivem levando esporro, mas não pedem demissão porque não encontram outro emprego, né? Vida difícil… mas será que eu não poderia dar uma palavrinha com um deles?
— Impossível. Eles tá tudo amordaçado.
— Foi o que pensei. Gestão moderna, né? Se fizerem qualquer crítica, vão pro olho da rua. Não haverá, então, algum chefe por aí?
— Claro que não mermão. Quanta inguinorânça! O chefe tá na cadeia, que é o lugar mais seguro pra se comandar assalto!
— Bom… Sabe o que que é? Eu tenho uma conta…
— Tamo levando tudo, ô bacana. O saldo da tua conta é zero!
— Não, isso eu já sabia. Eu sou professor! O que eu queria mesmo era uma informação sobre juro.
— Companheiro, eu sou um ladrão pé-de-chinelo. Meu negócio é pequeno. Assalto a banco, vez ou outra um sequestro. Pra saber de juro é melhor tu ligá pra Brasília.
— Sei, sei. O senhor ta na informalidade, né? Também, com o preço que tão cobrando por um voto hoje em dia… mas, será que não podia fazer um favor pra mim? É que eu atrasei o pagamento do cartão e queria saber quanto vou pagar de taxa.
— Tu tá pensando que eu tô brincando? Isso é um assalto!
— Longe de mim pensar que o senhor está de brincadeira! Que é um assalto eu sei perfeitamente; ninguém no mundo cobra os juros que cobram no Brasil. Mas queria saber o número preciso: seis por cento, sete por cento?
— Eu acho que tu não tá entendendo, ô mané. Sou assaltante. Trabalho na base da intimidação e da chantagem, saca?
— Ah, já tava esperando. Você vai querer vender um seguro de vida ou um título de capitalização, né?
— Não…já falei…eu sou… Peraí bacana… hoje eu tô bonzinho e vou quebrar o teu galho.
(um minuto depois)
— Alô? O sujeito aqui tá dizendo que é oito por cento ao mês.
— Puxa, que incrível!
— Incrive por que? Tu achava que era menos?
— Não, achava que era mais ou menos isso mesmo. Tô impressionado é que, pela primeira vez na vida, eu consegui obter uma informação de uma empresa prestadora de serviço pelo telefone em menos de meia hora e sem ouvir ‘Pour Elise’.
— Quer saber? Fui com a tua cara. Acabei de dar umas bordoadas no gerente e ele falou que vai te dar um desconto. Só vai te cobrar quatro por cento, tá ligado?
— Não acredito! E eu não vou ter que comprar nenhum produto do banco?
— Nadica de nada, já ta tudo acertado!
— Muito obrigado, meu senhor. Nunca fui tratado dessa…
(De repente, ouvem-se tiros, gritos)
— Ih, sujou! Puliça!
— Polícia? Que polícia? Alô? Alô?
(sinal de ocupado)
— Droga! Maldito Estado: quando o negócio começa a funcionar, entra o Governo e estraga tudo!

Luis Fernando Verissimo

O Assalto
Quando a empregada entrou no elevador, o garoto entrou atrás. Devia ter uns dezesseis, dezessete anos. Desceram no mesmo andar. A empregada com o coração batendo. O corredor estava escuro e a empregada sentiu que o garoto a seguia. Botou a chave na fechadura da porta de serviço, já em pânico. Com a porta aberta, virou-se de repente e gritou para o garoto:
– Não me bate!
– Senhora?
– Faça o que quiser, mas não me bate!
– Não, senhora, eu…
A dona da casa veio ver o que estava havendo. Viu o garoto na porta e o rosto apavorado da empregada e recuou, até pressionar as costas contra a geladeira.
– Você está armado?
– Eu? Não.
A empregada, que ainda não largara o pacote de compras, aconselhou a patroa, sem tirar os olhos do garoto:
– É melhor não fazer nada, madame. O melhor é não gritar.
– Eu não vou fazer nada, juro! disse a patroa, quase aos prantos. – Você pode entrar. Pode fazer o que quiser. Não precisa usar de violência.
O garoto olhou de uma mulher para outra. Apalermado. Perguntou:
– Aqui é o 712?
– O que você quiser. Entre. Ninguém vai reagir.
O garoto hesitou, depois deu um passo para dentro da cozinha. A empregada e a patroa recuaram ainda mais. A patroa esgueirou-se pela parede até chegar à porta que dava para a saleta de almoço.
Disse:
– Eu não tenho dinheiro. Mas o meu marido deve ter. Ele está em casa. Vou chamá-lo. Ele lhe dará tudo.
O garoto também estava com os olhos arregalados. Perguntou de novo:
– Este é o 712? Me disseram para pegar umas garrafas no 712.
A mulher chamou, ocm voz trêmula:
– Henrique!
O marido apareceu na porta do gabinete. Viu o rosto da mulher, o rosto da empregada e o garoto e entendeu tudo. Chegou a hora, pensou. Sempre me indaguei como me comportaria no caso de um assalto. Chegou a hora de tirar a prova.
– O que você quer? – perguntou, dando-se conta em seguida do rídiculo da pergunta. Mas sua voz estava firme.
– Eu disse que você tinha dinheiro – falou a mulher.
– Faço um trato com você – disse o marido para o garoto – dou tudo de valor que tenho na casa, contanto que você não toque em ninguém.
E se as crianças chegarem de repente? pensou a mulher. Meu Deus, o que esse bandido vai fazer com as minhas crianças? O garoto gaguejou:
– Eu… eu… é aqui que tem umas garrafas para pegar?
– Tenho um pouco de dinheiro. Minha mulher tem jóias. Não temos confres em casa, acredite em mim. Não temos muita coisa. Você quer o carro? Eu dou a chave.
Errei, pensou o marido. Se sair com o carro, ele vai querer ter certeza de que ninguém chamará a policia. Vai levar um de nós com ele. Ou vai nos deixar todos amarrados. Ou coisa pior…
– Vou pegar o cinherio, está bem? disse o marido.
O garoto só piscava.
– Não tenho arma em casa. É isso que você está pensando? Você pode vir comigo.
O garoto olhou para a dona da casa e para a empregada.
– Você está pensando que elas vão aproveitar para fugir, é isso? – continuou o marido. – Elas podem vir junto conosco. Ninguém vai fazer nada. Só não queremos violência. Vamos todos para o gabinete.
A patroa, a empregada e o Henrique entraram no gabinete. Depois de alguns segundos, o garoto foi atrás. Enquanto abria a gaveta chaveada da sua mesa, o marido falava:
– Não é para agradar, mas eu compreendo você. Você é uma vitima do sistema. Deve estar pensando, ” Esse burguês cheio da nota está querendo me conversar”, mas não é isso não. Sempre me senti culpado por viver bem no meio de tanta miséria. Pode perguntar para minha mulher. Eu não vivo dizendo que o crime é um problema social? Vivo dizendo. Tome. É todo o dinheiro que tenho em casa. Não somos ricos. Somos, com alguma boa vontade, da média alta. Você tem razão. Qualquer dia também começamos a assaltar para poder comer. Tem que mudar o sistema. Tome.
O garoto pegou o dinheiro, meio sem jeito.
– Olhe, eu só vim pegar as garrafas…
– Sônia, busque suas jóias. OU melhor, vamos todos buscar as jóias.
O quatros foram para a suíte do casal. O garoto atrás. No caminho, ele sussurrou para a empregada:
– Aqui é o 712?
– Por favor, não! – disse a empregada, encolhendo-se.
Deram todas as jóias para o garoto, que estavam cada vez mais embaraçado. O marido falou:
– Não precisa nos trancar no banheiro. Olhe o que eu vou fazer.
Arrancou o fio do telefone da parede.
– Você pode trancar o apartamento por fora e deixar as chaves lá embaixo. Terá tempo de fugir. Não faremos nada. Só não queremos violência.
– Aqui não é o 712? Me disseram para pegar umas garrafas.
– Nós não temos mais nada, confie em mim. Também somos vitímas do sistema. Estamos do seu lado. Por favor, vá embora.
A empregada espalhou a notícia do assalto por todo o prédio. Madame teve uma crise nervosa que durou dias. O marido comentou que não dava mais para viver nesta cidade. mas achava que tinha se saído bem. Não entrara em pânico. Ganhara um pouco da simpatia do bandido. Protegera o seu lar da violência. E não revelara a existência do cofre com o grosso do dinheiro, inclusive dólares e marcos, atrás do quadro da odalisca.

Luis Fernando Verissimo

O apatifamento de uma nação começa pela degradação do discurso público e pela baixaria como linguagem corriqueira, adotada nos mais altos níveis de uma sociedade embrutecida. ‬
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Luis Fernando Verissimo

⁠A gente não faz aniversários. Os aniversários é que vão fazendo a gente. E depois, pouco a pouco, nos desfazendo.

Luis Fernando Verissimo

⁠O tímido, em suma, é uma pessoa convencida de que é o centro do Universo, e que seu vexame ainda será lembrado quando as estrelas virarem pó.

Luis Fernando Verissimo

Tenho mania de entrar em livraria. Não precisa nem ser para comprar livros.

Luis Fernando Verissimo

Eu costumo descobrir o que penso das coisas no ato de escrever, o que significa que sempre começo pela dúvida.

Luis Fernando Verissimo

Ouvi dizer que a vida depois da morte é tão chata que só parece uma eternidade. Mas me serve.

Luis Fernando Verissimo

A verdade é que a gente não faz filhos. Só faz o layout. Eles mesmos fazem a arte-final.

Luis Fernando Verissimo

Brasil: esse estranho país de corruptos sem corruptores.

Luis Fernando Verissimo

Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo.

Luis Fernando Verissimo

Muitas mulheres consideram os homens perfeitamente dispensáveis no mundo, a não ser naquelas profissões reconhecidamente masculinas, como as de costureiro, cozinheiro, cabeleireiro, decorador de interiores e estivador.

Luis Fernando Verissimo

No Brasil o fundo do poço é apenas uma etapa.

Luis Fernando Verissimo

Nunca usei bombacha, não gosto de chimarrão e nem de me lembrar da última vez que subi num cavalo. Aliás, o cavalo também não gosta.

Luis Fernando Verissimo

Só acredito naquilo que posso tocar. Não acredito, por exemplo, em Luiza Brunet.

Luis Fernando Verissimo

Você é o seu sexo. Todo o seu corpo é um órgão sexual, com exceção talvez das clavículas.

Luis Fernando Verissimo

[Ao ser perguntado por que costuma o número dezessete tantas vezes em suas crônicas]
Dezessete é um número cabalístico e, sendo cabalístico, eu não posso revelar. Brincadeira, não tem nenhum significado. Dezessete é uma palavra bonita.

Luis Fernando Verissimo

A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer “escrever claro” não é certo mas é claro, certo?

Luis Fernando Verissimo

Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data.

Luis Fernando Verissimo

Com esse negócio de clonagem, já estou me sentindo um disco de vinil.

Luis Fernando Verissimo

É “de esquerda” ser a favor do aborto e contra a pena de morte, enquanto direitistas defendem o direito do feto à vida, porque é sagrada, e o direito do Estado de matá-lo se ele der errado.

Luis Fernando Verissimo

Pensei vagamente em estudar arquitetura, como todo o mundo. Acabaria como todos que eu conheço que estudaram arquitetura, fazendo outra coisa. Poupei-me daquela outra coisa, mesmo que não tenha me formado em nada e acabado fazendo esta estranha outra coisa, que é dar palpites sobre todas as coisas.

Luis Fernando Verissimo

Quando o casamento parecia a caminho de se tornar obsoleto, substituído pela coabitação sem nenhum significado maior, chegam os gays para acabar com essa pouca-vergonha.

Luis Fernando Verissimo

Escrevi uma vez que era um cético que só acreditava no que pudesse tocar: não acreditava na Luiza Brunet, por exemplo. Cruzei com a Luiza Brunet num dos camarotes deste Carnaval. Ela me cobrou a frase, e disse que eu podia tocá-la para me convencer da sua existência. Toquei-a. Não me convenci. Não pode existir mulher tão bonita e tão simpática ao mesmo tempo. Vou precisar de mais provas.

Luis Fernando Verissimo

Minha mulher e eu temos o segredo para fazer um casamento durar:
Duas vezes por semana, vamos a um ótimo restaurante, com uma comida gostosa, uma boa bebida e um bom companheirismo. Ela vai às terças-feiras e eu, às quintas.
Nós também dormimos em camas separadas: a dela é em Fortaleza e a minha, em SP.
Eu levo minha mulher a todos os lugares, mas ela sempre acha o caminho de volta.
Perguntei a ela onde ela gostaria de ir no nosso aniversário de casamento, “em algum lugar que eu não tenha ido há muito tempo!” ela disse. Então, sugeri a cozinha.
Nós sempre andamos de mãos dadas…
Se eu soltar, ela vai às compras!
Ela tem um liquidificador, uma torradeira e uma máquina de fazer pão, tudo elétrico.
Então, ela disse: “nós temos muitos aparelhos, mas não temos lugar pra sentar”.
Daí, comprei pra ela uma cadeira elétrica.
Lembrem-se: o casamento é a causa número 1 para o divórcio. Estatisticamente, 100% dos divórcios começam com o casamento. Eu me casei com a “senhora certa”.
Só não sabia que o primeiro nome dela era “sempre”.
Já faz 18 meses que não falo com minha esposa. É que não gosto de interrompê-la.
Mas, tenho que admitir: a nossa última briga foi culpa minha.
Ela perguntou: “O que tem na TV?”
E eu disse: “Poeira”.

Luis Fernando Verissimo

Seus amigos de verdade amam você de qualquer jeito.

Luis Fernando Verissimo

Os tristes acham que o vento geme;
Os alegres acham que ele canta.

Luis Fernando Verissimo

Era uma vez… numa terra muito distante… uma princesa linda, independente e cheia de autoestima.
Ela se deparou com uma rã enquanto contemplava a natureza e pensava em como o maravilhoso lago do seu castelo era relaxante e ecológico…
Então, a rã pulou para o seu colo e disse: linda princesa, eu já fui um príncipe muito bonito.
Uma bruxa má lançou-me um encanto e transformei-me nesta rã asquerosa.
Um beijo teu, no entanto, há de me transformar de novo num belo príncipe e poderemos casar e constituir lar feliz no teu lindo castelo.
A tua mãe poderia vir morar conosco e tu poderias preparar o meu jantar, lavar as minhas roupas, criar os nossos filhos e seríamos felizes para sempre…
Naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã sautée, acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a princesa sorria, pensando consigo mesma:
– Eu, hein? Nem morta!

Luis Fernando Verissimo

Roubando corações

Luis Fernando Verissimo

Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.

Luis Fernando Verissimo

A vida é curta; longa é a paixão.

Luis Fernando Verissimo

Tu e Eu
Somos diferentes, tu e eu.
Tens forma e graça
e a sabedoria de só saber crescer
até dar pé.
En não sei onde quero chegar
e só sirvo para uma coisa
– que não sei qual é!
És de outra pipa
e eu de um cripto.
Tu, lipa
Eu, calipto.
Gostas de um som tempestade
roque lenha
muito heavy
Prefiro o barroco italiano
e dos alemães
o mais leve.
És vidrada no Lobão
eu sou mais albônico.
Tu,fão.
Eu,fônico.
És suculenta
e selvagem
como uma fruta do trópico
Eu já sequei
e me resignei
como um socialista utópico.
Tu não tens nada de mim
eu não tenho nada teu.
Tu,piniquim.
Eu,ropeu.
Gostas daquelas festas
que começam mal e terminam pior.
Gosto de graves rituais
em que sou pertinente
e, ao mesmo tempo, o prior.
Tu és um corpo e eu um vulto,
és uma miss, eu um místico.
Tu,multo.
Eu,carístico.
És colorida,
um pouco aérea,
e só pensas em ti.
Sou meio cinzento,
algo rasteiro,
e só penso em Pi.
Somos cada um de um pano
uma sã e o outro insano.
Tu,cano.
Eu,clidiano.
Dizes na cara
o que te vem a cabeça
com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,
escolho uma terceira
e no fim digo o sinônimo.
Tu não temes o engano
enquanto eu cismo.
Tu,tano.
Eu,femismo.

Luis Fernando Verissimo

O homem trocado
O homem acorda da anestesia e olha em volta. Ainda está na sala de
recuperação. Há uma enfermeira do seu lado. Ele pergunta se foi tudo bem.
– Tudo perfeito – diz a enfermeira, sorrindo.
– Eu estava com medo desta operação…
– Por quê? Não havia risco nenhum.
– Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série de enganos…
E conta que os enganos começaram com seu nascimento. Houve uma troca
de bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por um casal de
orientais, que nunca entenderam o fato de terem um filho claro com olhos
redondos. Descoberto o erro, ele fora viver com seus verdadeiros pais. Ou
com sua verdadeira mãe, pois o pai abandonara a mulher depois que esta não
soubera explicar o nascimento de um bebê chinês.
– E o meu nome? Outro engano.
– Seu nome não é Lírio?
– Era para ser Lauro. Se enganaram no cartório e…
Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo castigo pelo que não
fazia. Fizera o vestibular com sucesso, mas não conseguira entrar na
universidade. O computador se enganara, seu nome não apareceu na lista.
– Há anos que a minha conta do telefone vem com cifras incríveis. No mês
passado tive que pagar mais de R$ 3 mil.
– O senhor não faz chamadas interurbanas?
– Eu não tenho telefone!
Conhecera sua mulher por engano. Ela o confundira com outro. Não foram
felizes.
– Por quê?
– Ela me enganava.
Fora preso por engano. Várias vezes. Recebia intimações para pagar dívidas
que não fazia. Até tivera uma breve, louca alegria, quando ouvira o médico
dizer:
– O senhor está desenganado.
Mas também fora um engano do médico. Não era tão grave assim. Uma
simples apendicite.
– Se você diz que a operação foi bem…
A enfermeira parou de sorrir.
– Apendicite? – perguntou, hesitante.
– É. A operação era para tirar o apêndice.
– Não era para trocar de sexo?

Luis Fernando Verissimo

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