– Alguma coisa se quebrou dentro de mim.
– Deve ser a tristeza.
– Não, é pior. É a separação.
-É que eu ando com medo. Não quero morrer de amor como Afrodite. Além do mais, mãe, você passou a vida inteira maldizendo o amor.
-Tudo tolice, meu flho. Só vale a pena viver essa vida se for por amor. Por nada mais.
A mulher que eu amei foi a mais bela sob o céu. Perfeitas, as curvas do seu corpo, as linhas do seu rosto; perfeito, o seu sorriso, o brilho agudo dos seus olhos de água-marinha… Talvez por isso eu me perdoe. Quem resistiria ao seu amor?
O que eu sei é que somos trágicos. Os deuses escolheram assim. Somos todos uma brincadeira deles, marionetes que envelhecem rápido demais, uma experienciazinha carnal – de modo que não lhes interessa a parcimônia: criam uns num caldo de fúria e outros na doçura total.
O tempo pode ter o mesmo efeito de uma guerra. Avassalador. Miúdo e invisível, ele nos pega de surpresa. De repente, bum. O tempo passou como um rio tormentoso carregando tudo consigo.
Escrever é uma espécie de poder sobrenatural. Como ver os mortos ou fazer levitar os móveis da sala.
A verdade nunca me chega inteira, é mais parecido com as peças de um quebra-cabeça, peças soltas que eu vou juntando.
Sentia raiva da vida, e daquela engrenagem invisível que alguns chamavam destino.
O tempo é paciente, meticuloso e mourejador. O tempo derrubou reis, gerações inteiras de reais, desfez reinados, alianças, fortunas, apagou religiões e riscou povos inteirinhos da face da terra de meu Deus. Por que um simples amor entre duas pessoas, um homem e uma mulher, haviam de ser, assim, imune ao tempo?
Fiquei ali parada, no meio da sala. Eu tinha um amor novo em folha e bem vivo dentro de mim, e doía testemunhar aquilo. Meus pais. Eles já não se queriam ou, ao menos, já não se achavam. Pareciam tatear no escuro de um casamento dolorido, prestes a se desfazer.
Desistir é como parar um livro pelo meio.