AutorJorge de Sousa Braga

Jorge de Sousa Braga

Um nenúfar flutua
na mesma água
que a Lua.

Jorge de Sousa Braga

Podes invocar Safo, Cavafy ou S. João da Cruz
todos os poetas celestiais
que ninguém te virá acudir
Comprometidos definitivamente os teus planos de eternidade

Jorge de Sousa Braga

Ao Espelho
E de repente chegas aos
quarenta e tal anos
e palavras como colesterol
hipertensão astigmatismo
começam a invadir a tua
vida… Olhas para trás e
o que vês? Uma pomba
com uma das asas ferida
condenada ao mais terrí-
vel pedestrianismo

Jorge de Sousa Braga

e distraído, às vezes, confessava
amar a tua pele como quem
quer dizer-te: não morras nunca mais.

Jorge de Sousa Braga

Mãe
Não consigo adormecer
Já experimentei tudo. Até contar carneirinhos
Não consigo adormecer
Nem chorar
(Que maior tragédia poderá acontecer a um homem do que a de já não ser
capaz de chorar?)

Jorge de Sousa Braga

Quando me levantei já as minhas sandálias andavam a passear lá fora na relva
Esta noite até os atacadores dos sapatos floriram

Jorge de Sousa Braga

As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.
E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.
As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».
É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.

Jorge de Sousa Braga

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