A timidez, inesgotável origem de tantas infelicidades na vida prática, é a causa direta, mesmo única, de toda a riqueza interior.
Todos os seres são infelizes; mas quantos o sabem?
Só tem convicções aquele que não aprofundou nada.
No edifício do pensamento não encontrei nenhuma categoria na qual pousar a cabeça. Em contrapartida, que belo travesseiro é o Caos!
O combate que travam em cada indivíduo o fanático e o impostor faz com que não saibamos nunca a quem nos dirigir.
Um homem que se respeite não tem pátria. Uma pátria é um visco.
O momento em que pensamos ter compreendido tudo dá-nos ar de assassinos.
Esperar é desmentir o futuro.
O destino do homem é esgotar a ideia de Deus.
A obsessão pelo suicídio é própria de quem não pode viver, nem morrer, e cuja atenção nunca se afasta dessa dupla impossibilidade.
Deus é um desespero que começa onde todos os outros acabam.
O progresso é a injustiça que cada geração comete relativamente à que a antecedeu.
O limite de cada dor é uma dor maior.
Só vivo porque posso morrer quando quiser: sem a ideia do suicídio já teria me matado há muito tempo.
Por necessidade de recolhimento livrei-me de Deus, desembaracei-me do último chato.
“No edifício do pensamento não encontrei nenhuma categoria na qual pousar a cabeça. Em contrapartida, que belo travesseiro é o Caos”
Que vale mais: realizar-se na ordem literária ou na ordem espiritual, ter talento ou força interior? Parece a segunda fórmula a preferível, pois mais rara e enriquecedora. O talento destina-se ao olvido, em contrapartida a força interior aumenta com os anos, podendo atingir seu apogeu no momento em que a pessoa expira.
Impossível chegar à verdade através de opiniões, pois toda opinião não passa de um ponto de vista louco, sobre a realidade.
A amizade é um pacto, uma convenção. Dois seres se comprometem tacitamente a nunca pôr à luz o que cada um no fundo pensa do outro. Um tipo de aliança fundada em arranjos. Quando um deles assinala em público os defeitos do outro, o pacto está devassado, a aliança rompida. Nenhum amizade dura se uma das partes se nega a jogar o jogo. Em suma, nenhuma amizade atura uma dose exagerada de franqueza.
Enquanto preparavam a cicuta, aprendia Sócrates uma canção na flauta. “Para que te servirás? lhe perguntaram.” “Para sabê-la antes de morrer.” Ouso recordar esta resposta que os manuais banalizaram, pois que ela me parece a única justificação séria da vontade de conhecer, que se dá até mesmo às portas da morte ou em outro momento qualquer.
Somos todos impostores que nos suportamos uns aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a terra fugir sob seus pés: estamos biologicamente obrigados ao falso
Se nossos semelhantes pudessem constatar nossas opiniões sobre eles, o amor, a amizade, o devotamento seriam riscados para sempre dos dicionários; e se tivéssemos a coragem de olhar cara a cara as dúvidas que concebemos timidamente sobre nós mesmos, nenhum de nós proferiria um “eu” sem envergonhar-se.
Feliz é burro porque não tem consciencia da realidade .
Não é nenhuma nação em que vivemos, mas sim uma linguagem.
Não se enganem; nossa língua nativa é a nossa pátria
Aceitaríamos facilmente os desgostos se a razão ou o fígado não sucumbissem a eles.
Nos primeiros anos de minha juventude, só me seduziam as bibliotecas e os bordéis.
Apenas escrever possui algum valor, a escrita nascida das tensões mesmas da vida, das obsessões orgânicas e das intuições surgidas da solidão e da noite.
alguém morre não quando deixa de amar, mas senão de odiar: o ódio conserva.
Me dei conta que, na vida, existem poucos seres que têm entendido.
Você pode encontrar-se com grandes escritores que não entenderam nada,
pessoas de grande talento que não valem nada.
Pelo contrário, você pode encontrar-se com alguém na rua, em um restaurante, que teve uma revelação; que tenha aprofundado, que tenha entrado em contado com o grande problema.
Um porteiro inquieto é mais interessante do que um filósofo satisfeito de si mesmo.
“As últimas folhas caem dançando. Necessita-se de uma grande dose de insensibilidade para fazer frente ao outono.”
“Em qualquer grande cidade onde o azar me leva, surpreende-me que não aconteçam sublevações diárias, massacres, uma carnificina inominável, uma desordem de fim de mundo. Como em um espaço tão reduzido, podem coexistir tantos homens sem destruir-se, sem odiar-se mortalmente?
Pra dizer a verdade, odeiam-se, mas não estão a altura do seu ódio. Esta mediocridade, esta impotência, salva a sociedade, assegura sua duração e sua estabilidade. Mas, o que mais me surpreende, sendo a sociedade o que é, é o esforço de alguns para conceber outra, completamente diferente. De onde vem tanta ingenuidade e tanta loucura? Só agimos sob a fascinação do impossível. Isto significa que uma sociedade incapaz de dar a luz uma utopia e de dedicar-se a ela, está ameaçada de esclerose e de ruína. Mas, recordemos que utopia significa “lugar nenhum”. E onde estariam estas cidades que o mal não toca, onde se bendiz o trabalho e ninguém teme a morte? Nelas nos vemos constrangidos a uma felicidade feita de idílios geométricos, de êxtases regulamentados, de mil maravilhas repugnantes: assim se apresenta necessariamente o espetáculo de um mundo perfeito, de um mundo fabricado.
A utopia é o grotesco em cor de rosa, a necessidade de associar a felicidade, quer dizer, o inverossímil, ao devenir, e de impulsionar uma visão otimista, aérea, até o limite em que se une ao seu ponto de partida: o cinismo que pretendia combater. Em suma, um conto de fadas monstruoso.
Mas, a vida é ruptura, heresia, abolição das normas da matéria. E o homem, em relação à vida, é heresia em segundo grau, vitoria do individual, do capricho, aparição aberrante, animal cismático que a sociedade – soma de monstros adormecidos – pretende conduzir pelo caminho reto.”
Para mim, no fundo, o ato de escrever
é uma espécie de diálogo – diria – com Deus. Eu não sou crente. Eu não sou crente, mas não posso dizer que seja incrédulo. Porém, para mim, o encontro com Deus, se produz, talvez no ato de escrever… Uma solidão que encontra a outra, uma solidão diante de outra solidão; estando Deus mais solitário que qualquer um.
Que lástima que para chegar a Deus tenha que passar pela fé.
Não queria viver em um mundo vazio de todo sentimento religioso. Não penso na fé, mas nessa vibração interior, independente de qualquer crença que nos projeta para Deus e, às vezes, mais acima.
Sem Bach, a teologia careceria de objeto,
a Criação seria fictícia, o nada decisivo.
Se alguém deve tudo a Bach, sem dúvida, é Deus.
Ver as coisas tal como são… torna a vida quase intolerável. Porque eu creio haver visto, em parte, as coisas tal como são, não posso agir. Sempre permaneci à margem dos atos.
Agora, é desejável que os homens vejam as coisas tal como são? Não sei. Penso que as pessoas em geral são incapazes.
Agora, é verdade que somente um monstro pode ver as coisas como elas são, porque o monstro está fora da humanidade.
Não vale a pena se dar ao trabalho de se matar, uma vez que você sempre se mata tarde demais.
Os filhos que não quis ter, se soubessem a felicidade que me devem!
Sou um estrangeiro para a polícia, para Deus, para mim mesmo.
Não sou pessimista, eu amo este mundo horrível.
Odeio a sabedoria desses homens a quem as verdades não afetam, que não sofrem por causa dos seus nervos, da sua carne e do seu sangue. Só amo as verdades vitais, as verdades orgânicas saídas da nossa inquietude.
Prefiro mil vezes uma existência dramática, atormentada pelo seu destino e submetida aos suplícios das chamas mais ardentes, à existência do homem abstrato, atormentado por questões menos abstratas e que só afetam superficialmente. Desprezo a ausência de risco, da loucura e da paixão. Que fecundo, pelo contrário, é um pensamento vivo e apaixonado, irrigado pelo lirismo. Que dramático e interessante resulta um processo mediante o qual os espíritos em primeiro que tudo atormentados por problemas puramente intelectuais e impessoais, espíritos objetivos até ao esquecimento de si, são, uma vez surpreendidos pela enfermidade e o sofrimento, fatalmente obrigados a refletir sobre a sua subjetividade e sobre as experiências que devem afrontar!
No começo, acreditamos avançar para a luz; depois, fatigados por uma marcha sem fim, deixamo-nos afundar: a terra, cada vez menos firme, não nos suporta mais: abre-se. Em vão perseguiríamos um fim ensolarado, as trevas se dilatam ao redor e dentro de nós. Nenhuma luz para iluminar-nos em nossa submersão: o abismo nos chama e nós o escutamos. Acima ainda permanece tudo o que queríamos ser, tudo o que não teve o poder de elevar-nos mais alto. E, outrora apaixonados pelos cumes, depois decepcionados por eles, acabamos por venerar nossa queda, apressamo-nos a cumpri-la, instrumentos de uma execução estranha, fascinados pela ilusão de tocar os confins das trevas, as fronteiras de nosso destino. Uma vez o medo do vazio transformado em volúpia, que sorte evoluir no lado oposto do sol! Infinito às avessas, êxtase ante as rachaduras do ser e aspiração de uma auréola negra, o Vazio é um sonho invertido no qual nos dissipamos.
O fracasso é um paroxismo da lucidez. O mundo se torna transparente para o olho implacável daquele que, estéril e clarividente, já não se apega a nada. Mesmo inculto, o fracassado sabe de tudo, vê através das coisas, desmascara e anula toda a criação.
Acumulas, conquistas, ganhas e lutas para fugir de ti, para vencer tua aflição de que, no fundo, não existe outra coisa senão tu mesmo.
“A crítica é uma contradição: você não tem que ler para compreender os demais, mas para compreender-se a si mesmo.”
(In: “Confissões e Anátemas”)
“Buscar um sentido para qualquer coisa é menos obra de um ingênuo do que de um masoquista.”
(In: “O Funesto Demiurgo”)
Sem a faculdade do esquecimento, nosso passado pesaria de forma tão esmagadora sobre nosso presente que não teríamos a força de encará-lo e revivê-lo um só instante, quem dirá confrontá-lo. A vida não parece suportável senão às naturezas leves, aos esquecidos.
Só os indivíduos rachados possuem abertura para o além.
Não se reza à evidência: o exato não é objeto de culto.
A lucidez em alguns, é um dado primordial, um privilégio, e mesmo um dom. Não têm necessidade de adquiri-la, de procurá-la: são predestinados a ela. Todas as experiências contribuem para torná-los transparentes diante de si mesmos. Se vivem numa crise permanente, a aceitam com naturalidade: ela é imanente à sua existência. Em outros, a lucidez é um resultado tardio, o fruto de um acidente, de uma rachadura interior que ocorre em dado momento. Ao que tudo indica, viver é desmoronar progressivamente.
Se tivéssemos o justo sentido de nossa posição no mundo, se comparar fosse inseparável de viver, a revelação de nossa ínfima presença nos esmagaria.
Dê um objetivo preciso à vida: ela perde instantaneamente seu atrativo.
Uma obsessão vivida até a saciedade anula-se em seus próprios excessos.
Não é fácil destruir um ídolo: requer tanto tempo como o necessário para promovê-lo e adorá-lo.
Ninguém poderia sobreviver à compreensão instantânea da dor universal, pois cada coração só foi moldado para uma certa quantidade de sofrimentos.
Uma alma só se engrandece pela quantidade de insuportável que assume.
Que pecado cometeste para nascer, que crime para existir? Tua dor, como teu destino, não tem motivo.
Se todos os que matamos em pensamento desaparecessem de verdade, a Terra não teria mais habitantes.
Só somos nós mesmos pela soma de nossos fracassos.
Está ainda por nascer quem não se adore a si mesmo.
A autenticidade de uma existência consiste em sua própria ruína.
Cada desejo humilha a soma de nossas verdades e obriga-nos a reconsiderar nossas negações.
A inteligência só floresce nas épocas em que as crenças fenecem, em que seus dogmas e seus preceitos se relaxam, em que suas regras tornam-se mais flexíveis.
O efeito que um livro exerce sobre nós só é real se experimentamos o desejo de imitar sua intriga, de matar se o herói mata, de estar ciumento se está ciumento, de estar doente ou moribundo se ele sofre ou se morre.
O orgulho de um conquistador empalidece comparado à ostentação do devoto que dirige-se ao Criador.
Nenhuma pessoa sensata foi objeto de culto, deixou um nome, marcou com seu sinal um só acontecimento.
A humanidade só adorou os que a fizeram perecer.
Interessamos aos outros pela desgraça que semeamos à nossa volta.
Para que mostrar nossa ruína se podemos fingir a prosperidade?
É porque somos todos impostores que nos suportamos uns aos outros.
Guardemos no mais profundo de nós mesmos uma certeza superior a todas as outras: a vida não tem sentido, não pode tê-lo.
O importante é mandar: a isso aspira a quase totalidade dos homens.
Cada um deveria estar ocupado em sua solidão, mas cada um vigia a dos outros.
Quem, lúcido, se compreenda, se explique, se justifique e domine seus atos, jamais fará um gesto memorável.
A duração e a consistência de uma coletividade coincidem com a duração e a consistência de seus preconceitos.
Nada é indefensável, desde a proposição mais absurda ao crime mais monstruoso.
Assim ocorrerá com o homem: continuará suas proezas, mas seus recursos espirituais se esgotarão, da mesma forma que o vigor de sua inspiração.
Destrua os pecados: a vida murcha bruscamente.
As loucuras da procriação desaparecerão um dia, mais por cansaço do que por santidade.
A saúde: arma decisiva contra a religião.
Sonho com um universo isento de intoxicações celestes, com um universo sem cruz nem fé.
A posição do descrente é tão impenetrável quanto a do crente.
O dia é hostil aos pensamentos, o sol os obscurece; só florescem em plena noite…
O universo começa e acaba com cada indivíduo, seja Shakespeare ou joão-ninguém; pois cada indivíduo vive no absoluto seu mérito ou sua nulidade.
É preciso uma considerável dose de inconsciência para entregar-se sem reservas a qualquer coisa.
Infeliz de quem não tenha segredos sexuais!
Instaura-se uma crença? Mais cedo ou mais tarde a polícia garantirá sua “verdade”.
Todas as autoridades têm sua bastilha: quanto mais poderosa é uma instituição, menos humana.
Os valores não se acumulam: uma geração só produz algo novo pisoteando o que havia de único na geração precedente.
Incapaz de alcançar as claridades da morte, rastejo na sombra dos dias, e ainda existo somente pela vontade de deixar de existir.
A vida é um milagre que a amargura destrói.
O espermatozoide é o bandido em estado puro.
O pessimista deve inventar cada dia novas razões de existir: é uma vítima do “sentido” da vida.
Só nos tornamos cúmplices da vida quando dizemos – de todo coração – uma banalidade.
Só se suicidam os otimistas, os otimistas que não conseguem mais sê-lo. Os outros, não tendo nenhuma razão para viver, por que a teriam para morrer?
Como gostaria de ser uma planta, mesmo que tivesse de velar um excremento!
O conhecimento em pequenas doses encanta; em grandes doses, decepciona. Quanto mais se sabe, menos se quer saber. Pois aquele que não sofreu do conhecimento não terá conhecido nada.
Uma constatação que posso verificar, para meu próprio pesar, a cada instante: somente são felizes aqueles que não pensam – ou, dito de outra forma –, aqueles que pensam apenas o estrito necessário para viver. O verdadeiro pensamento se parece com um demônio que atormenta as fontes da vida, ou antes, com uma doença que afeta as sua próprias raízes. Pensar o tempo todo, colocar-se problemas capitais a cada instante e experimentar uma dúvida permanente quanto ao seu destino; estar cansado de viver, esgotado por seus próprios pensamentos e por sua própria existência para além de todo limite; deixar atrás de si um rastro de sangue e fumaça como um símbolo do drama e da morte do seu ser – isto tudo é ser infeliz a ponto de que o problema do pensar dê ânsias de vômito e a reflexão apareça como uma danação.
O poeta: um espavitado que sabe atormentar-se sem motivo, que se dedica com ardor às perplexidades, que as procura por todos os meios. E depois, a ingênua posteridade se apieda dele…
Só sou eu mesmo acima ou abaixo de mim, na raiva ou no abatimento; em meu nível habitual, ignoro que existo.
Só os espíritos superficiais abordam as ideias com delicadeza.
Esforçar-se para entender o sofrimento do outro não diminui, portanto, a intensidade do nosso próprio. Em tais casos, as comparações não têm qualquer sentido, pois o sofrimento é um estado que se manifesta na solidão interior e que nada de exterior pode aliviar. Poder sofrer sozinho é uma grande vantagem.
Os homens ainda não entenderam que o tempo das admirações superficiais passou, e que um grito de desespero é bem mais revelador do que a mais sutil das argúcias; que uma lágrima tem sempre fontes mais profundas do que um sorriso.
É próprio das pessoas normais considerar a morte como algo que surge do exterior e não como uma fatalidade inerente ao ser. Uma das maiores ilusões consiste em esquecer que a vida é cativa da morte.
Os jovens falam da morte como de um evento exterior; uma vez atingidos em cheio pela doença, eles perderão todas as ilusões de sua juventude.
O homem faz um doloroso esforço para salvar – mesmo na total ausência de certeza – o mundo dos
valores em que vive e ao qual contribuiu; faz uma frustrada tentativa de vencer o Nada da dimensão temporal a fim de alcançar o universal.
Viver só significa nada mais pedir, nada mais esperar da vida. A morte é a única surpresa da solidão. Os grandes solitários nunca se retiraram para se preparar para a vida, mas, ao contrário, para esperar, resignados, seu desfecho.
Nós somos mais felizes hoje porque outros o fizeram para nosso bem? Que bem? Se alguém sacrificou-se verdadeiramente para que eu fosse mais feliz no presente, eu sou, na verdade, mais infeliz do que ele, pois não concordo em fundar minha existência sobre um cemitério.
Aqueles que têm poucos estados de alma e ignoram a experiência dos confins não podem se contradizer, uma vez que suas tendências reduzidas não saberiam opôr-se.
Aqueles que, ao contrário, sentem intensamente o ódio, o desespero, o caos, o nada ou o amor, que cada experiência consome e precipita em direção à morte; aqueles que não podem respirar abaixo dos cumes e que estão sempre sós, ainda mais quando estão cercados de gente – como poderiam seguir uma evolução linear ou cristalizar-se em sistema? Tudo aquilo que é forma, sistema, categoria, plano ou esquema procede de um déficit dos conteúdos, de uma carência de energia interior, de uma esterilidade da vida espiritual.
Se realizássemos uma investigação exaustiva sobre nós mesmos, o nojo nos paralisaria e nos condenaria a uma existência sem proveito.
Só são profundos os sentimentos que se escondem.
As experiências subjetivas mais profundas são também as mais universais, na medida em que elas se ligam ao fundo original da vida.
Nada posso trazer ao mundo, porque a minha caminhada é solitária: a da agonia.
Uma das maiores ilusões consiste em esquecer que a vida é prisioneira da morte.
Somente os verdadeiros sofredores são capazes de uma seriedade autêntica.
Os homens nunca se suicidam por razões exteriores, mas por causa de um desequilíbrio interno, orgânico.
As mulheres desconcertam: quanto mais pensamos nelas, menos as compreendemos.
A eternidade não conduz nem ao triunfo do bem nem ao do mal: ela anula tudo.
Todo o prazer insaciado é uma oportunidade perdida pela vida.
Aqueles que amam com grande paixão nunca poderiam amar várias mulheres ao mesmo tempo: quanto mais força há na paixão, mais o seu objeto se impõe.
O sono faz esquecer o drama da vida, as suas complicações, as suas obsessões; cada despertar é um recomeço e uma nova esperança.
A maior estupidez que o espírito humano alguma vez concebeu foi a ideia da libertação através da supressão do desejo.
A injustiça constitui a essência da vida social.
Se há algo que eu lamento é que o diabo me tenha tentado tão pouco…
Regra geral, os homens trabalharem demasiado impede-os de serem eles mesmos.
Desconfie dos que dão as costas ao amor, à ambição, à sociedade. Se vingarão por haver renunciado a isso.
Todos os homens têm o mesmo defeito: esperar pela vida, porque lhes falta a coragem de viver a cada segundo.
Podemos encontrar uma justificação para tudo, ou também podemos não encontrar nenhuma.
Todo ocidental atormentado faz pensar em um herói de Dostoiévski que tivesse uma conta no banco.
Como lutar contra a infelicidade? Lutando contra nós mesmos: compreendendo que a fonte da infelicidade se encontra em nós.
A beleza não salvará o mundo, mas ela pode aproximar-nos da felicidade.
A verdadeira existência começa onde a moral acaba, porque só a partir daí ela pode tentar tudo e tudo arriscar, mesmo que obstáculos se oponham às conquistas reais.
Todo comentário de uma obra é insuficiente ou inútil, pois tudo o que não é direto é nulo.
É inacreditável que a perspectiva de ter um biógrafo não tenha feito ninguém renunciar a ter uma vida.
Essa espécie de mal-estar quando tentamos imaginar a vida cotidiana dos grandes homens… Por volta das duas da tarde, o que fazia Sócrates?
A morte se espalha tanto, ocupa tanto lugar, que não sei mais onde morrer.
A desonestidade de um pensador se reconhece pela quantidade de ideias precisas que enuncia.
O cético gostaria de sofrer, como o resto dos homens, pelas quimeras que fazem viver. Não consegue: é um mártir do bom-senso.
Suportaria eu um só dia sem esta caridade de minha loucura que, diariamente, me promete o Juízo Final para o dia seguinte?
Alguém emprega continuamente a palavra “vida”? Saiba que é um doente.
Nossas aversões? Desvios da aversão que temos a nós mesmos.
Quando se aprende a beber nas fontes do Vazio, deixa-se de temer o futuro.
Não existe evolução nem entusiasmo que não sejam destruidores, ao menos em seus momentos de intensidade.
Para governar os homens, é preciso praticar os seus vícios e acrescentar algum outro mais.
Quando se cessa de invadir, se aceita ser invadido.
O ceticismo que não contribui para a ruína de nossa saúde é apenas um exercício intelectual.
Deixa-se de ser jovem quando já não se escolhe mais os inimigos, quando a gente se contenta com os que tem à mão.
Todos os nossos rancores provêm do fato de havermos ficado abaixo de nossas possibilidades, sem ter conseguido alcançar a nós mesmos. E isso nunca o perdoaremos aos outros.
Sem Deus tudo é nada; e Deus? Nada supremo.
O desejo de morrer foi minha única preocupação; renunciei a tudo por ele, até à morte.
No pessimista se combinam uma bondade ineficaz e uma maldade insatisfeita.
Por que nos retirar e abandonar a partida quando ainda nos restam tantos seres a decepcionar?
Envelhecendo aprendemos a converter nossos terrores em sarcasmos.
Mais que uma reação de defesa, a timidez é uma técnica, aperfeiçoada sem cessar pela megalomania dos incompreendidos.
Se a História tivesse uma finalidade, como seria lamentável o destino daqueles que, como nós, nada fizeram na vida. Mas no meio do absurdo geral, nos erguemos triunfantes, nulidades ineficazes, canalhas orgulhosos de haver tido razão.
Que inquietude quando não estamos seguros de nossas dúvidas e perguntamos: são verdadeiramente dúvidas?
Por que desfazer-se de Deus para refugiar-se em si mesmo? Por que essa substituição de cadáveres?
O mendigo é um pobre que, ávido de aventuras, abandonou a pobreza para explorar as selvas da piedade.
Não se podem evitar os defeitos dos homens sem fugir ao mesmo tempo de suas virtudes. Assim, nos arruinamos pela sensatez.
Sem a esperança de uma dor ainda maior, eu não poderia suportar esta de agora, mesmo que fosse infinita.
O que me dá a ilusão de jamais ter sido um iludido é que nunca amei nada sem ao mesmo tempo odiá-lo.
Só medimos nossas próprias forças na humilhação.
A santidade me faz tremer: essa ingerência nas desgraças alheias, essa barbárie da caridade, essa piedade sem escrúpulos…
Há dois mil anos que Jesus se vinga de nós por não haver morrido em um sofá.
A possibilidade de renovar-se através da heresia confere ao crente uma nítida superioridade sobre o ateu.
Mais ainda que a religião, o cinismo comete o erro de atribuir demasiada importância ao homem.
Examinei devidamente todos os argumentos favoráveis a Deus: sua inexistência permaneceu para mim intacta.
Um monge e um açougueiro brigam no interior de cada desejo.
Apesar de tudo, continuamos amando; e esse “apesar de tudo” cobre um infinito.
Sem meios de defesa contra a música, estou obrigado a sofrer seu despotismo e, segundo seu capricho, ser deus ou farrapo.
Quando nem sequer a música é capaz de salvar-nos, um punhal brilha em nossos olhos; nada mais nos sustenta, a não ser a fascinação do crime.
Se Noé tivesse possuído o dom de prever o futuro, teria certamente naufragado.
Onde reinam a paz, a higiene e o conforto, as psicoses se multiplicam…
Os tiranos, uma vez saciada a sua ferocidade, tornam-se inofensivos; tudo voltaria ao normal se os escravos, ciumentos, não pretendessem também saciar a sua.
Todas as calamidades – revoluções, guerras, perseguições – provêm de um equívoco inscrito sobre uma bandeira.
Sem a sede do ridículo, o gênero humano teria durado mais de uma geração?
A “experiência homem” fracassou? Já havia fracassado com Adão.
Quem, buscando-se em um espelho em plena obscuridade, não viu refletidos nele os crimes que o esperam?
Quando me lembro que os indivíduos são apenas gotas de saliva que a vida cospe, e que a vida mesma não vale muito mais em comparação com a matéria, dirijo-me ao primeiro bar que encontro com a intenção de nunca mais sair dele.
O segredo de minha adaptação à vida? Mudei de desespero como quem muda de camisa.
Minha avidez de agonias me fez morrer tantas vezes que me parece indecente abusar ainda de um cadáver do qual já não posso extrair nada.
Nos sonhos manifesta-se o louco que há em cada um de nós; após haver governado as nossas noites, adormece no mais profundo de nós mesmos, no seio da Espécie; de vez em quando, no entanto, o ouvimos roncar em nossos pensamentos…
Nos empenhamos em abolir a realidade por medo de sofrer. Coroados nossos esforços, é a própria abolição que se revela fonte de sofrimentos.
Tudo se volta contra nossas ideias, a começar por nosso cérebro.
Há almas que nem o próprio Deus poderia salvar, ainda que se pusesse de joelhos e rezasse por elas.
Um doente me dizia: “Para que sofro minhas dores se não sou poeta para vangloriar-me ou servir-me delas?”
Quando, liquidados os motivos de revolta, já não sabemos contra o que nos insurgir, somos tomados de tal vertigem que daríamos a vida em troca de um preconceito.
Cada um com sua loucura: a minha foi julgar-me normal, perigosamente normal. E como me parecia que os outros estavam loucos, acabei ficando com medo, medo deles e, o que é pior, medo de mim mesmo.
Quanto mais convivemos com os homens, mais nossos pensamentos se obscurecem; e quando, para aclará-los, voltamos à nossa solidão, encontramos nela a sombra que eles projetaram.
Pode-se sufocar tudo no homem, salvo a necessidade de absoluto, que sobreviverá à destruição dos templos, e mesmo ao desaparecimento da religião sobre a Terra.
A democracia, maravilha que não tem nada a oferecer, é, ao mesmo tempo, o paraíso e o túmulo de um povo. A vida só tem sentido graças à democracia, mas a democracia carece de vida.
Quem não conheceu a tentação de ser o primeiro na cidade não compreenderá nada do jogo político, da vontade de submeter os outros para convertê-los em objetos, nem adivinhará os elementos de que se compõe a arte do desprezo.
A ambição é uma droga que transforma quem se entrega a ela em um demente em potencial.
Nascemos para existir, não para conhecer; para ser, não para afirmar-nos. O saber, tendo irritado e estimulado nosso apetite de poder, nos conduzirá inexoravelmente a nossa perda.
Se a inveja te abandona, és apenas um inseto, um nada, uma sombra. E um doente. Enquanto ela te sustenta, remedia as fraquezas do orgulho, vigia teus interesses, vence a apatia, opera vários milagres.
Enquanto um conquistador triunfa, enquanto avança, pode permitir-se qualquer delito; a opinião pública o absolve; mas quando a fortuna o abandona, o menor erro se volta contra ele.
Nada nos torna mais infelizes do que a obrigação de resistir a nosso fundo primitivo, ao apelo de nossas origens.
A multiplicação de nossos semelhantes beira a imundície; o dever de amá-los beira o absurdo.
O conhecimento arruína o amor: à medida que desvendamos nossos próprios segredos, detestamos nossos semelhantes precisamente porque se assemelham a nós.
O próprio discípulo só respira e se emancipa com a morte do mestre.
Implacáveis, os filósofos são “duros”, como os poetas, como todos aqueles que têm algo a dizer.
Quando conhecemos o equilíbrio, não nos apaixonamos por nada, não nos apegamos nem à vida, porque somos a vida; se o equilíbrio se rompe, em vez de identificar-nos com as coisas, só pensamos em subvertê-las ou em modificá-las.
Em si mesma, uma ideologia não é nem boa nem má. Tudo depende do momento em que é adotada.
Que orgulho descobrir que nada nos pertence, que revelação!
A harmonia, universal ou não, não existiu nem existirá jamais.
A timidez, inesgotável origem de tantas infelicidades na vida prática, é a causa direta, mesmo única, de toda a riqueza interior.
Todos os seres são infelizes; mas quantos o sabem?
Só tem convicções aquele que não aprofundou nada.
No edifício do pensamento não encontrei nenhuma categoria na qual pousar a cabeça. Em contrapartida, que belo travesseiro é o Caos!
O combate que travam em cada indivíduo o fanático e o impostor faz com que não saibamos nunca a quem nos dirigir.
Um homem que se respeite não tem pátria. Uma pátria é um visco.
O momento em que pensamos ter compreendido tudo dá-nos ar de assassinos.
Esperar é desmentir o futuro.
O destino do homem é esgotar a ideia de Deus.
A obsessão pelo suicídio é própria de quem não pode viver, nem morrer, e cuja atenção nunca se afasta dessa dupla impossibilidade.
Deus é um desespero que começa onde todos os outros acabam.
O progresso é a injustiça que cada geração comete relativamente à que a antecedeu.
O limite de cada dor é uma dor maior.
Só vivo porque posso morrer quando quiser: sem a ideia do suicídio já teria me matado há muito tempo.
Por necessidade de recolhimento livrei-me de Deus, desembaracei-me do último chato.
“No edifício do pensamento não encontrei nenhuma categoria na qual pousar a cabeça. Em contrapartida, que belo travesseiro é o Caos”
Que vale mais: realizar-se na ordem literária ou na ordem espiritual, ter talento ou força interior? Parece a segunda fórmula a preferível, pois mais rara e enriquecedora. O talento destina-se ao olvido, em contrapartida a força interior aumenta com os anos, podendo atingir seu apogeu no momento em que a pessoa expira.
Impossível chegar à verdade através de opiniões, pois toda opinião não passa de um ponto de vista louco, sobre a realidade.
A amizade é um pacto, uma convenção. Dois seres se comprometem tacitamente a nunca pôr à luz o que cada um no fundo pensa do outro. Um tipo de aliança fundada em arranjos. Quando um deles assinala em público os defeitos do outro, o pacto está devassado, a aliança rompida. Nenhum amizade dura se uma das partes se nega a jogar o jogo. Em suma, nenhuma amizade atura uma dose exagerada de franqueza.
Enquanto preparavam a cicuta, aprendia Sócrates uma canção na flauta. “Para que te servirás? lhe perguntaram.” “Para sabê-la antes de morrer.” Ouso recordar esta resposta que os manuais banalizaram, pois que ela me parece a única justificação séria da vontade de conhecer, que se dá até mesmo às portas da morte ou em outro momento qualquer.
Somos todos impostores que nos suportamos uns aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a terra fugir sob seus pés: estamos biologicamente obrigados ao falso
Se nossos semelhantes pudessem constatar nossas opiniões sobre eles, o amor, a amizade, o devotamento seriam riscados para sempre dos dicionários; e se tivéssemos a coragem de olhar cara a cara as dúvidas que concebemos timidamente sobre nós mesmos, nenhum de nós proferiria um “eu” sem envergonhar-se.
Feliz é burro porque não tem consciencia da realidade .
Não é nenhuma nação em que vivemos, mas sim uma linguagem.
Não se enganem; nossa língua nativa é a nossa pátria
Aceitaríamos facilmente os desgostos se a razão ou o fígado não sucumbissem a eles.