APRENDIZADO
para meu pai
Caiu no mar tem que nadar
murmurava meu pai marinheiro
tirando um bagre do anzol
um cigarro do bolso traseiro
Eu, sabedor de nada,
azeitava o eixo do sol
sonhando um dia conquistar
o meu lugar à sombra
E o mar era tão grande!
E a minha imaginação, tamanha,
quebrava além da arrebentação
no redemoinho de uma música estranha
Anda moleque, recolhe a rede
carrega o peixe pra tua mãe cozinhar
Era o pai me fisgando com o olhar
E eu seguia suas pegadas
pelos caminhos de areia
ouvindo as ondas a murmurar
como o canto de uma sereia:
Caiu no mar tem que nadar…
Caiu no mar tem que nadar…
Escreva sua história
na areia da praia
para que as ondas a levem
através dos sete mares
até tornar-se lenda
na boca de estrelas cadentes.
Conte sua história ao vento
cante-a nos bares
para os rudes marujos
olhos de faróis sujos.
Escreva no asfalto, com sangue,
grite bem alto a sua história
antes que ela seja varrida
na manhã seguinte
pelos garis.
Abra o peito na direção dos canhões
derrube os muros de Berlim
destrua as catedrais de Paris.
Defenda sua palavra
a vida não vale nada
se você não tem uma boa história
pra contar.
Onde tudo começa?,
pergunta a noiva impaciente
ao esquivo poeta:
no branco ou no preto,
em que letra do alfabeto?
O astronauta procura nas estrelas;
a musa, na maré triste.
Eu, que amo as manhãs
sem compreende-las,
creio que tudo começa
onde nada existe.
Meus filhos, meus heróis…
São noites insones, mas não são noites vãs…
E quando vocês forem fortes como uma tora
E os dedos das mãos tocarem os céus,
E seus lábios encontrarem outros lábios
Entenderão de outro modo o que agora
Já sabem mais do que os sábios.
“Como o tempo nos muda”
comenta a velha senhora, velha poetisa,
mirando a foto antiga na orelha da obra.
Estação após estação
ela amou o viço das cores, o sabor das rosas,
a graça dos movimentos, o passar dos rios,
as nuvens douradas tangidas pelo vento.
Ano a ano alimentou-se de lírios e livros
e amores poucos, porém intensos.
O sol já não banha sua face com a juventude da brisa
a mão erra pelas páginas, tocando paisagens mudas
as letras tornaram-se miúdas,
os amores se foram,
os sonhos se incorporaram ao céu azul-negrume.
Somos só perfume.
As estações despertam sem pressa
nascem todas por igual
na muda do tempo que não muda
sob terra e cal.
Sei que te bastam minhas mãos.
Nelas podes ler as linhas do destino
mover as estações do ano,
alinhavar em língua de espanto
a vertigem das manhãs.
Minhas mãos, poderosas mãos,
tão grandes que tocam as nuvens,
tão fortes que calam os lábios
tão ligeiras que podem tudo.
Tão delicadas, e tão rudes.
Minhas mãos, escravas mãos,
de tuas vontades e virtudes.
Sei que em alguma cidade deste planeta em ruínas
uma pequena me ama de verdade.
Posso sentir seu bafo no meu cangote
quando saio pra tomar um trago.