AutorClarice Lispector

Clarice Lispector

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.

Clarice Lispector

Brasília… Uma prisão ao ar livre.

Clarice Lispector

Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.

Clarice Lispector

Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho.

Clarice Lispector

Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.

Clarice Lispector

Sendo este um jornal por excelência, e por excelência dos precisa-se e oferece-se, vou pôr um anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la. Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria. É urgente pois a alegria dessa pessoa é fugaz como estrelas cadentes, que até parece que só se as viu depois que tombaram; precisa-se urgente antes da noite cair porque a noite é muito perigosa e nenhuma ajuda é possível e fica tarde demais. Essa pessoa que atenda ao anúncio só tem folga depois que passa o horror do domingo que fere. Não faz mal que venha uma pessoa triste porque a alegria que se dá é tão grande que se tem que a repartir antes que se transforme em drama. Implora-se também que venha, implora-se com a humildade da alegria-sem-motivo. Em troca oferece-se também uma casa com todas as luzes acesas como numa festa de bailarinos. Dá-se o direito de dispor da copa e da cozinha, e da sala de estar. P.S. Não se precisa de prática. E se pede desculpa por estar num anúncio a dilacerar os outros. Mas juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar.

Clarice Lispector

Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever.

Clarice Lispector

Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas.

Clarice Lispector

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.

Clarice Lispector

E umas das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi criadora de minha própria vida.

Clarice Lispector

Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.

Clarice Lispector

Ah, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo não pode durar. Não, ela não está se referindo ao fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar. Encarniça-se então sobre o momento, come-lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja. Então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela doce arde, arde, flameja.

Clarice Lispector

Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome.

Clarice Lispector

Terei toda a aparência de quem falhou, e só eu saberei se foi a falha necessária.

Clarice Lispector

E o que o ser humano mais aspira é tornar-se ser humano.

Clarice Lispector

… estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda.

Clarice Lispector

Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi o apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.

Clarice Lispector

Passei a vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar.

Clarice Lispector

Eu não: quero é uma realidade inventada.

Clarice Lispector

(…) passava o resto do dia representando com obediência o papel de ser.

Clarice Lispector

Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato…
Ou toca, ou não toca.

Clarice Lispector

É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo.

Clarice Lispector

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

Clarice Lispector

O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.

Clarice Lispector

Porque há o direito ao grito.
Então eu grito.

Clarice Lispector

Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo – quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.

Clarice Lispector

Porque é uma infâmia nascer para morrer não se sabe quando nem onde.

Clarice Lispector

Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil.

Clarice Lispector

O que importa afinal, viver ou saber que se está vivendo?

Clarice Lispector

Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.

Clarice Lispector

Como se ela não tivesse suportado sentir o que sentira, desviou subitamente o rosto e olhou uma árvore. Seu coração não bateu no peito, o coração batia oco entre o estômago e os intestinos.

Clarice Lispector

Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro.

Clarice Lispector

Pertencer
Um amigo meu, médico, assegurou-me que desde o berço a criança sente o ambiente, a criança quer: nela o ser humano, no berço mesmo, já começou.
Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém. Nasci de graça.
Se no berço experimentei esta fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freira: ela pertence a Deus.
Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso.
Com o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova de “solidão de não pertencer” começou a me invadir como heras num muro.
Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertenço. Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado em papel enfeitado de presente nas mãos – e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.
Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força – eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.
Quase consigo me visualizar no berço, quase consigo reproduzir em mim a vaga e no entanto premente sensação de precisar pertencer. Por motivos que nem minha mãe nem meu pai podiam controlar, eu nasci e fiquei apenas: nascida.
No entanto fui preparada para ser dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulher de uma doença. Então fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe. E sinto até hoje essa carga de culpa: fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei. Como se contassem comigo nas trincheiras de uma guerra e eu tivesse desertado. Sei que meus pais me perdoaram por eu ter nascido em vão e tê-los traído na grande esperança.
Mas eu, eu não me perdoo. Quereria que simplesmente se tivesse feito um milagre: eu nascer e curar minha mãe. Então, sim: eu teria pertencido a meu pai e a minha mãe. Eu nem podia confiar a alguém essa espécie de solidão de não pertencer porque, como desertor, eu tinha o segredo da fuga que por vergonha não podia ser conhecido.
A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho.

Clarice Lispector

“Eu te odeio”, disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la. “Eu te odeio”, disse muito apressada. Mas não sabia sequer como se fazia. Como cavar na terra até encontrar a água negra, como abrir passagem na terra dura e chegar jamais a si mesma?

Clarice Lispector

E, se você me achar esquisita, respeite também.
Até eu fui obrigada a me respeitar.

Clarice Lispector

Eu não sou tão triste assim, é que hoje eu estou cansada.

Clarice Lispector

Sou um coração batendo no mundo.

Clarice Lispector

Ter nascido me estragou a saúde.

Clarice Lispector

Sinto a falta dele como se me faltasse um dente na frente: excrucitante.

Clarice Lispector

E ela cada vez maior, vacilante, túmida, gigantesca. Se conseguisse chegar mais perto de si mesma, ver-se-ia inda maior. (…) e em cada olho podia-se-lhe mergulhar dentro e nadar sem saber que era um olho.

Clarice Lispector

…sua sensibilidade incomodava sem ser dolorosa, como uma unha quebrada.
e se quisesse podia permitir-se o luxo de se tornar ainda mais sensível,
ainda podia ir mais adiante…

Clarice Lispector

Por seco e calmo ódio, quero isso mesmo, este silêncio feito de calor que a cigarra rude torna sensível. Sensível? Não se sente nada.
Senão esta dura falta de ópio que amenize. Quero que isto que é intolerável continue porque quero a eternidade.

Clarice Lispector

Nada jamais fora tão acordado como seu corpo sem transpiração e seus olhos-diamantes, e de vibração parada.
E o Deus? Não. Nem mesmo a angústia. O peito vazio, sem contração. Não havia grito.

Clarice Lispector

Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem – pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela – apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. Seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez.

Clarice Lispector

Faz de conta que ela não estava chorando por dentro – pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado; ela saíra agora da voracidade de viver.

Clarice Lispector

É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo.

Clarice Lispector

Não se conta tudo porque o tudo é um oco nada.

Clarice Lispector

E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço.

Clarice Lispector

Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.

Clarice Lispector

Fique de vez em quando sozinho, senão você será submergido. Até o amor excessivo dos outros pode submergir uma pessoa.

Clarice Lispector

Com perdão da palavra, sou um mistério para mim.

Clarice Lispector

Teu segredo
Flores envenenadas na jarra. Roxas azuis, encarnadas, atapetam o ar. Que riqueza de hospital. Nunca vi mais belas e mais perigosas. É assim então o teu segredo. Teu segredo é tão parecido contigo que nada me revela além do que já sei. E sei tão pouco como se o teu enigma fosse eu. Assim como tu és o meu.

Clarice Lispector

Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o. amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar.

Clarice Lispector

O amor é tão mais fatal do que eu havia pensado, o amor é tão inerente quanto a própria carência, e nós somos garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente. O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão.

Clarice Lispector

Tenho várias caras. Uma delas é quase bonita, outra é quase feia. Sou um o quê? Um quase tudo.

Clarice Lispector

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos!
Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam mais bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

Clarice Lispector

Olhe, tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras.
Sou irritável e firo facilmente.
Também sou muito calmo e perdoo logo.
Não esqueço nunca.
Mas há poucas coisas de que eu me lembre.

Clarice Lispector

Eu queria escrever luxuoso. Usar palavras que rebrilhassem molhadas e fossem peregrinas. Às vezes solenes em púrpura, às vezes abismais esmeraldas, às vezes leves na mais fina macia seda rendilhada.

Clarice Lispector

Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno voo e cai sem graça no chão.

Clarice Lispector

É tão difícil falar, é tão difícil dizer coisas que não podem ser ditas, é tão silencioso. Como traduzir o profundo silêncio do encontro entre duas almas? É dificílimo contar: nós estávamos nos olhando fixamente, e assim ficamos por uns instantes. Éramos um só ser. Esses momentos são o meu segredo. Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo isso de: estado agudo de felicidade.

Clarice Lispector

É que por enquanto a metamorfose de mim em mim mesma não faz nenhum sentido. É uma metamorfose em que perco tudo o que eu tinha, e o que eu tinha era eu – só tenho o que sou. E agora o que sou? Sou: estar de pé diante de um susto. Sou: o que vi. Não entendo e tenho medo de entender, o material do mundo me assusta, com os seus planetas e baratas.

Clarice Lispector

Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.

Clarice Lispector

Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante.

Clarice Lispector

A palavra é meu domínio sobre o mundo.

Clarice Lispector

Sentou-se para descansar e em breve fazia de conta que ela era uma mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, faz de conta que estava deitada na palma transparente da mão de Deus, (…) faz de conta que vivia e não que estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte, faz de conta que ela não ficava de braços caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que ela era sábia bastante para desfazer os nós de corda de marinheiro que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua pois ela era lunar, faz de conta que ela fechasse os olhos e seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos de gratidão, faz de conta que tudo o que tinha não era faz de conta, faz de conta que se descontraía o peito e uma luz douradíssima e leve a guiava por uma floresta de açudes mudos e de tranquilas mortalidades, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando por dentro (…)

Clarice Lispector

E é inútil procurar encurtar caminho e querer começar já sabendo que a voz diz pouco, já começando por ser despessoal. Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via-crucis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senão através dela e com ela. A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio. A este só se chega quando se experimentou o poder de construir, e, apesar do gosto de poder, prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma escolha. Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano. E só esta, é a glória própria de minha condição. A desistência é uma revelação.

Clarice Lispector

Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.

Clarice Lispector

Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo entendimento. Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.

Clarice Lispector

Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente.

Clarice Lispector

Saudade é como um pouco de fome:
só passa quando se come a presença.

Clarice Lispector

Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.

Clarice Lispector

Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.

Clarice Lispector

Me deram um nome e me alienaram de mim.

Clarice Lispector

Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!

Clarice Lispector

Mergulhe como eu mergulhei.

Clarice Lispector

Eu sou mais forte do que eu.

Clarice Lispector

De qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo.

Clarice Lispector

Não tem pessoas que cosem para fora? Eu coso para dentro.

Clarice Lispector

Escuta: eu te deixo ser, deixa-me ser então.

Clarice Lispector

Talvez a pergunta vazia fosse apenas para que um dia alguém não viesse a dizer que ela nem ao menos havia perguntado. Por falta de quem lhe respondesse ela mesma parecia se ter respondido: é assim porque é assim.

Clarice Lispector

Divertir os outros é um dos modos mais emocionantes de existir.

Clarice Lispector

Sou um monte intransponível no meu próprio caminho. Mas às vezes por uma palavra tua ou por uma palavra lida, de repente tudo se esclarece.

Clarice Lispector

Para além da orelha existe um som, à extremidade do olhar um aspecto, às pontas dos dedos um objeto – é para lá que eu vou.
À ponta do lápis o traço.
Onde expira um pensamento está uma ideia, ao derradeiro hálito de alegria uma outra alegria, à ponta da espada a magia – é para lá que eu vou.
Na ponta dos pés o salto.
Parece a história de alguém que foi e não voltou – é para lá que eu vou.
Ou não vou? Vou, sim. E volto para ver como estão as coisas. Se continuam mágicas. Realidade? eu vos espero. É para lá que eu vou.
Na ponta da palavra está a palavra. Quero usar a palavra “tertúlia” e não sei aonde e quando. À beira da tertúlia está a família. À beira da família estou eu. À beira de eu estou mim. É para mim que vou. E de mim saio para ver. Ver o quê? ver o que existe. Depois de morta é para a realidade que vou. Por enquanto é sonho. Sonho fatídico. Mas depois – depois tudo é real. E a alma livre procura um canto para se acomodar. Mim é um eu que anuncio. Não sei sobre o que estou falando. Estou falando do nada. Eu sou nada. Depois de morta engrandecerei e me espalharei, e alguém dirá com amor meu nome.
É para o meu pobre nome que vou.
E de lá volto para chamar o nome do ser amado e dos filhos. Eles me responderão. Enfim terei uma resposta. Que resposta? a do amor. Amor: eu vos amo tanto. Eu amo o amor. O amor é vermelho. O ciúme é verde. Meus olhos são verdes. Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros. Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.
À extremidade de mim estou eu. Eu, implorante, eu a que necessita, a que pede, a que chora, a que se lamenta. Mas a que canta. A que diz palavras. Palavras ao vento? que importa, os ventos as trazem de novo e eu as possuo.
Eu à beira do vento. O morro dos ventos uivantes me chama. Vou, bruxa que sou. E me transmuto.
Oh, cachorro, cadê tua alma? está à beira de teu corpo? Eu estou à beira de meu corpo. E feneço lentamente.
Que estou eu a dizer? Estou dizendo amor. E à beira do amor estamos nós.

Clarice Lispector

Se deve viver apesar de.

Clarice Lispector

Estou em plena luta (…) Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não termos um ao outro (…) Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. (…)
Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo” e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz (…)
Mas eu escapei disso, Lóri, escapei com a ferocidade com que se escapa da peste, Lóri, e esperarei até você também estar mais pronta.

Clarice Lispector

Alivia a minha alma, faze com que eu sinta que Tua mão está dada à minha, faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que eu sinta que amar é não morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte, faze com que eu sinta uma alegria modesta e diária, faze com que eu não Te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que me lembre de que também não há explicação porque um filho quer o beijo de sua mãe e no entanto ele quer e no entanto o beijo é perfeito, faze com que eu receba o mundo sem receio, pois para esse mundo incompreensível eu fui criada e eu mesma também incompreensível, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-me para eu viva com alegria o pão que eu como, o sono que durmo, faze com que eu tenha caridade por mim mesma, pois senão não poderei sentir que Deus me amou, faze com que eu perca o pudor de desejar que na hora de minha morte haja uma mão humana amada para apertar a minha, amém.

Clarice Lispector

A lucidez perigosa
Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.
Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do quê:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
– já me aconteceu antes.

Clarice Lispector

Divido-me milhares de vezes em quantas vezes quanto os instantes que decorrem, fragmentária que sou e precários os momentos – só me comprometo com a vida que nasça com o tempo e com ele cresça: só no tempo há espaço para mim.

Clarice Lispector

Viver em sociedade é um desafio porque às vezes ficamos presos a determinadas normas que nos obrigam a seguir regras limitadoras do nosso ser ou do nosso não ser…
Quero dizer com isso que nós temos, no mínimo, duas personalidades: a objetiva, que todos ao nosso redor conhece; e a subjetiva… Em alguns momentos, esta se mostra tão misteriosa que se perguntarmos – Quem somos? Não saberemos dizer ao certo!
Agora de uma coisa eu tenho certeza: sempre devemos ser autênticos, as pessoas precisam nos aceitar pelo que somos e não pelo que parecemos ser… Aqui reside o eterno conflito da aparência x essência. E você… O que pensa disso?
Que desafio, hein?
“Nunca sofra por não ser uma coisa ou por sê-la.”
(Perto do Coração Selvagem, p. 55)

Clarice Lispector

Não, é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso, entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus.

Clarice Lispector

À duração de minha existência dou uma significação oculta que me ultrapassa. Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios.

Clarice Lispector

Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado com papel enfeitado de presente nas mãos – e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, então raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.

Clarice Lispector

Estremeço de prazer por entre a novidade de usar palavras que formam intenso matagal. Luto por conquistar mais profundamente a minha liberdade de sensações e pensamentos, sem nenhum sentido utilitário: sou sozinha, eu e minha liberdade.
É tamanha a liberdade que pode escandalizar um primitivo, mas sei que não te escandalizas com a plenitude que consigo e que é sem fronteiras perceptíveis.
Esta minha capacidade de viver o que é redondo e amplo – cerco-me por plantas carnívoras e animais legendários, tudo banhado pela tosca e esquerda luz de um sexo mítico.
Vou adiante de modo intuitivo e sem procurar uma idéia: sou orgânica. E não me indago sobre os meus motivos. Mergulho na quase dor de uma intensa alegria – e para me enfeitar nascem entre os meus cabelos folhas e ramagens.

Clarice Lispector

Não sei qual é a minha culpa, mas peço perdão.
A luz do farol revelou-os tão rapidamente que não se puderam ver.
Peço perdão por não ser uma “estrela” ou o “mar”,
ou por não ser alegre, mas coisa que se dá.
Peço perdão por não saber me dar nem a mim mesma.
Para me dar desse modo eu perderia a minha vida se fosse preciso
mas peço de novo perdão…
não sei perder minha vida.

Clarice Lispector

Ouça (…): (…) respeite mesmo o que é ruim em você – respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você – (…) não copie uma pessoa ideal, copie você mesma – é esse o único meio de viver. (…) Juro por Deus que se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia – será punida e irá para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não será punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo aquilo que sua vida exige. Parece uma moral amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. (…) Gostaria mesmo que você me visse e assistisse a minha vida sem eu saber. (…) Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma.

Clarice Lispector

Sentia que “podia”. Fora feita para “libertar”. “Libertar” era uma palavra imensa, cheia de mistérios e dores.

Clarice Lispector

Quando fazemos tudo para que nos amem… e não conseguimos, resta-nos um último recurso, não fazer mais nada.
Por isto digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado… melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram.
Não façamos esforços inúteis, pois o amor nasce ou não espontaneamente, mas nunca por força de imposição.
Às vezes é inútil esforçar-se demais… nada se consegue; outras vezes, nada damos e o amor se rende a nossos pés.
Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido.
Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer.
Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho… o de nada mais fazer.

Clarice Lispector

O PRIMEIRO BEIJO
Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.
– Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples:
– Sim, já beijei antes uma mulher.
– Quem era ela? perguntou com dor.
Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.
O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir – era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.
E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca.
E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engulia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.
A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.
E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, enquanto sua sede era de anos.
Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.
O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava… o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.
De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.
Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.
E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.
Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida… Olhou a estátua nua.
Ele a havia beijado.
Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido.
Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil.
Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele…
Ele se tornara homem.

Clarice Lispector

A poesia dos poetas que sofreram é doce, terna. E a dos outros, dos que de nada foram privados, é ardente, sofredora e rebelde.

Clarice Lispector

Estou atrás do que fica atrás do pensamento. Inútil querer me classificar: eu simplesmente escapulo não deixando, gênero não me pega mais.
E a vida é curta demais para eu ler todo o grosso dicionário a fim de por acaso descobrir a palavra salvadora.
Entender é sempre limitado.
As coisas não precisam mais fazer sentido. Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é possível fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.
Porque no fundo a gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro.

Clarice Lispector

Mas o vazio tem o valor e a semelhança do pleno. Um meio de obter é não procurar, um meio de ter é o de não pedir e somente acreditar que o silêncio que eu creio em mim é a resposta a meu – a meu mistério.

Clarice Lispector

Minhas desequilibradas palavras são o luxo de meu silêncio.

Clarice Lispector

Juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar.

Clarice Lispector

Vivo no quase, no nunca e no sempre. Quase, quase – e por um triz escapo.

Clarice Lispector

Nunca sei se quero descansar porque estou realmente cansada, ou se quero descansar para desistir.

Clarice Lispector

Saudade (…) é um dos sentimentos mais urgentes que existem.

Clarice Lispector

É que o mundo de fora também tem o seu “dentro”, daí a pergunta, daí os equívocos. O mundo de fora também é íntimo. Quem o trata com cerimônia e não o mistura a si mesmo, não o vive, e é quem realmente o considera “estranho” e “de fora”. A palavra “dicotomia” é uma das mais secas do dicionário.

Clarice Lispector

Eu, que vivo de lado, sou à esquerda de quem entra. E estremece em mim o mundo. (…) Sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro. (…) Sou um coração batendo no mundo.

Clarice Lispector

Aceitar-me plenamente? É uma violentação de minha vida. Cada mudança, cada projeto novo causa espanto: meu coração está espantado. É por isso que toda minha palavra tem um coração onde circula sangue.

Clarice Lispector

Respeite mesmo o que é ruim em você – respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você. (…) Não copie uma pessoa ideal, copie você mesma – é esse o único meio de viver.

Clarice Lispector

Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo aquilo que sua vida exige. Parece uma moral amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma.

Clarice Lispector

Sou uma filha da natureza: quero pegar, sentir, tocar, ser. E tudo isso já faz parte de um todo, de um mistério. Sou uma só. (…) Sou um ser. E deixo que você seja. Isso lhe assusta? Creio que sim. Mas vale a pena. Mesmo que doa. Dói só no começo.

Clarice Lispector

O que obviamente não presta sempre me interessou muito. Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno voo e cai sem graça no chão.

Clarice Lispector

Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece.

Clarice Lispector

Inútil querer me classificar, eu simplesmente escapulo não deixando, gênero não me pega mais.

Clarice Lispector

Só se sente nos ouvidos o próprio coração (…) pois nós não fomos feitos senão para o pequeno silêncio.

Clarice Lispector

E eis que não entendo o ovo. Só entendo o ovo quebrado: quebrado na frigideira. É deste modo indireto que me ofereço à existência do ovo: meu sacrifício é reduzir-me à minha vida pessoal. Fiz de meu prazer e de minha dor o meu destino disfarçado. Como aqueles que no convento varrem o chão e lavam as roupas, servindo sem a glória de função maior, meu trabalho é o de viver os meus prazeres e minhas dores. É necessário que eu tenha a modéstia de viver.

Clarice Lispector

Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor. Para que te servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada. Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto – uivaram os lobos, e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir.

Clarice Lispector

Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.

Clarice Lispector

Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada.

Clarice Lispector

Mas há a vida que é para ser intensamente vivida. Há o amor. Que tem que ser vivido até a última gota. Sem nenhum medo. Não mata.

Clarice Lispector

É quase impossível evitar o excesso de amor que um bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

Clarice Lispector

O que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma.

Clarice Lispector

O presente
Amor será dar de presente ao outro a própria solidão? Pois é a coisa mais última que se pode dar de si.

Clarice Lispector

Perder-se também é caminho.

Clarice Lispector

O que saberás de mim é a sombra da flecha que se fincou no alvo.

Clarice Lispector

Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.

Clarice Lispector

Se uma pessoa perguntar durante meia hora a palavra “eu”, essa pessoa se esquece quem é. Outras podem enlouquecer. É mais seguro não fazer jamais perguntas – porque nunca se atinge o âmago de uma resposta. E porque a resposta traz em si outra pergunta.

Clarice Lispector

Não sei separar os fatos de mim,
e daí a dificuldade de qualquer precisão,
quando penso no passado.

Clarice Lispector

A lucidez perigosa
Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano – já me aconteceu antes. Pois sei que – em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade – essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém.

Clarice Lispector

A gente escreve como quem ama.

Clarice Lispector

Que medo alegre, o de te esperar.

Clarice Lispector

A perfeição
O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível. (…)
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.

Clarice Lispector

Porque na pobreza de corpo e espírito eu toco na santidade, eu que quero sentir o sopro do meu além. Para ser mais do que eu, pois tão pouco sou.

Clarice Lispector

Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda.

Clarice Lispector

Suponho que me entender não é uma questão de inteligência, e sim de sentir…

Clarice Lispector

A feiura é o meu estandarte de guerra. Eu amo o feio com um amor de igual para igual.

Clarice Lispector

Eu, viva e tremeluzente como os instantes, acendo-me e me apago, acendo e apago, acendo e apago. Só que aquilo que capto em mim tem, quando está sendo agora transposto em escrita, o desespero das palavras ocuparem mais instantes que um relance de olhar. Mais que um instante, quero seu fluxo.

Clarice Lispector

Ninguém dentro de si mesma que podia ter os pensamentos mais desligados da realidade, se quisesse. Se eu me visse na terra lá das estrelas ficaria só de mim.

Clarice Lispector

Ninguém saberia de que negras raízes se alimenta a liberdade de um homem.

Clarice Lispector

… e descobri que não tenho um dia a dia. É uma vida a vida. E que a vida é sobrenatural.

Clarice Lispector

O que eu sinto eu não ajo. O que ajo não penso. O que penso não sinto. Do que sei sou ignorante. Do que sinto não ignoro. Não me entendo e ajo como se entendesse.

Clarice Lispector

Por que é que um cão é tão livre? Porque ele é o mistério vivo que não se indaga.

Clarice Lispector

Ver a verdade seria diferente de inventar a verdade?

Clarice Lispector

Oh Deus, que faço desta felicidade ao meu redor que é eterna, eterna, eterna, e que passará daqui a um instante porque o corpo só nos ensina a ser mortal?

Clarice Lispector

Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

Clarice Lispector

Agora é um instante. Já é outro agora. (…)
Agora é um instante. Você sente? Eu sinto. (…)
Nada existe de mais difícil do que entregar-se ao instante.

Clarice Lispector

Há impossibilidade de ser além do que se é – no entanto eu me ultrapasso mesmo sem o delírio, sou mais do que eu quase normalmente –; tenho um corpo e tudo o que eu fizer é continuação de meu começo. (…)
A única verdade é que vivo. Sinceramente, eu vivo. Quem sou? Bem, isso já é demais…

Clarice Lispector

O que é um espelho? É o único material inventado que é natural. Quem olha um espelho, quem consegue vê-lo sem se ver,quem entende que a sua profundidade consiste em ele ser vazio (…) esse alguém percebeu o seu mistério de coisa.

Clarice Lispector

Toda vida é uma missão secreta.

Clarice Lispector

faze com que eu receba o mundo sem receio,
pois para esse mundo incompreensível eu fui criada
e eu mesma também incompreensível

Clarice Lispector

(…) faze com que eu perca o pudor de desejar que
na hora de minha morte haja uma mão humana amada
para apertar a minha (…)

Clarice Lispector

Não se pode andar nu nem de corpo nem de espírito.

Clarice Lispector

Recuso-me a ficar triste. Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade. Eu estou – apesar de tudo oh apesar de tudo – estou sendo alegre neste instante-já que passa se eu não fixá-lo com palavras.

Clarice Lispector

Mas quero ter a liberdade de dizer coisas sem nexo como profunda forma de te atingir. Só o errado me atrai, e amo o pecado, a flor do pecado.

Clarice Lispector

E quero a desarticulação, só assim sou eu no mundo. Só assim me sinto bem.

Clarice Lispector

Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. (…) Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso.

Clarice Lispector

Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse sempre a novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias.

Clarice Lispector

Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.

Clarice Lispector

Acho que sábado é a rosa da semana.

Clarice Lispector

O que me mata é o cotidiano. Eu queria só exceções.

Clarice Lispector

Vocação é diferente de talento. Pode-se ter vocação e não ter talento, isto é, pode-se ser chamado e não saber como ir.

Clarice Lispector

Eu só trabalho com achados e perdidos.

Clarice Lispector

Quando não sei onde guardei um papel importante e a procura revela-se inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase “se eu fosse eu”, que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar. Diria melhor, sentir.
E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser levemente locomovida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas, e mudavam inteiramente de vida. Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua, porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.
Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho, por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo que é meu, e confiaria o futuro ao futuro.
“Se eu fosse eu” parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido. No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor, aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais.

Clarice Lispector

Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.

Clarice Lispector

Aquilo que eu não sei é a minha melhor parte!

Clarice Lispector

Corro perigo
Como toda pessoa que vive
E a única coisa que me espera
É exatamente o inesperado

Clarice Lispector

Sou um mistério para mim.

Clarice Lispector

Com duas pessoas eu já entrei em comunicação tão forte que deixei de existir, sendo. Como explicar? Olhávamo-nos nos olhos e não dizíamos nada, e eu era a outra pessoa e a outra pessoa era eu. É tão difícil falar, é tão difícil dizer coisas que não podem ser ditas, é tão silencioso. Como traduzir o profundo silêncio do encontro entre duas almas? É dificílimo contar: nós estávamos nos olhando fixamente, e assim ficamos por uns instantes. Éramos um só ser. Esses momentos são o meu segredo. Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo isso de: estado agudo de felicidade.

Clarice Lispector

Amor é quando é concedido participar um pouco mais.
Amor é a grande desilusão de tudo mais.
Amor é finalmente a pobreza.
Amor é não ter.
Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor.
E não é prêmio, por isso não envaidece.

Clarice Lispector

Sempre conservei uma aspa à esquerda e outra à direita de mim.

Clarice Lispector

Dá-me a tua mão: Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir – nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.

Clarice Lispector

Certamente hoje é grãos de terra. Olha para cima, para o céu, durante todo o tempo. Às vezes chove, ela fica cheia e redonda nos seus grãos. Depois vai secando com o estio e qualquer vento a dispersa. Ela é eterna agora.

Clarice Lispector

As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito.

Clarice Lispector

Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato… Ou toca, ou não toca.
Liberdade é pouco, o que eu desejo ainda não tem nome.
Sou implícita. E quando vou me explicitar perco a úmida intimidade.
Lembrar-se com saudade é como se despedir de novo.
A única verdade é que vivo. Sinceramente, eu vivo. Quem sou? Bem, isso já é demais.
Queria saber: depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois?
Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço.
Agora é um instante. Você sente? Eu sinto.
Saudade é um dos sentimentos mais urgentes que existem.
Escuta: eu te deixo ser, deixa-me ser então.
Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.

Clarice Lispector

Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada… Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro…

Clarice Lispector

E como nasci? Por um quase. Podia ser outra. Podia ter nascido homem. Felizmente nasci mulher. E vaidosa. Prefiro que saia um bom retrato meu no jornal do que os elogios. Tenho várias caras. Uma é quase bonita, outra é quase feia. Sou um o quê? Um quase tudo.

Clarice Lispector

Nada a retinha, nem o medo. Mas mesmo que agora se aproximasse a morte, mesmo a vileza, a esperança ou de novo a dor. Parara simplesmente. Estavam cortadas as veias que a ligavam às coisas vividas, reunidas num só bloco longínquo, exigindo uma continuação lógica, mas velhas, mortas. Só ela própria sobrevivera, ainda respirando. E à sua frente um novo campo, ainda sem cor a madrugada emergindo. Atravessar suas brumas para enxergá-lo. Não poderia recuar, não sabia por que recuar.

Clarice Lispector

Parece com momentos que tive contigo, quando te amava, além dos quais não pude ir pois fui ao fundo dos momentos.

Clarice Lispector

Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia” e “saudade”.
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez. Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra. Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. As vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser.” Entendem? Valia mais do que me dar o livro: “pelo tempo que eu quisesse” é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar… Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

Clarice Lispector

Sinto-me derrotada pela minha própria corruptibilidade. E vejo que sou intrinsecamente má.

Clarice Lispector

Não me corrija. A pontuação é a respiração da frase, e minha frase respira assim. E, se você me achar esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar.

Clarice Lispector

Abro o jogo!
Só não conto os fatos de minha vida:
sou secreta por natureza.
Há verdades que nem a Deus eu
contei. E nem a mim mesma. Sou
um segredo fechado a sete chaves.
Por favor me poupem.

Clarice Lispector

O que me atormenta é que tudo é “por enquanto”, nada é “sempre”.

Clarice Lispector

Por enquanto estou inventando a tua presença.

Clarice Lispector

Será o mundo com sua impersonalidade soberba versus minha individualidade como pessoa mas seremos um só.

Clarice Lispector

Oh, não se assuste muito! Às vezes a gente mata por amor, mas juro que um dia a gente esquece, juro!

Clarice Lispector

Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma ideia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.
Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. […] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou maduro bastante ainda. Ou nunca serei.

Clarice Lispector

Tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras. Sou irritável e firo facilmente; também sou muito calmo e perdoo logo. Não esqueço nunca. Mas há poucas coisas de que eu me lembre. Sou paciente mas profundamente colérico, como a maioria dos pacientes. As pessoas nunca me irritam mesmo, certamente porque eu as perdoo de antemão. Gosto muito das pessoas por egoísmo: é que elas se parecem no fundo comigo. Nunca esqueço uma ofensa, o que é uma verdade, mas como pode ser verdade, se as ofensas saem de minha cabeça como se nunca nela tivessem entrado? (…) Tenho uma paz profunda, somente porque ela é profunda e não pode ser sequer atingida por mim mesmo. Se fosse alcançável por mim, eu não teria um minuto de paz. Quanto à minha paz superficial, ela é uma alusão à verdadeira paz. Outra coisa que esqueci é que há outra alusão em mim – a do mundo grande e aberto. (…) Apesar de meu ar duro, sou cheio de muito amor e é isso o que certamente me dá uma grandeza.

Clarice Lispector

Eu me expresso melhor pelo silêncio.

Clarice Lispector

Para além da orelha existe um som, à extremidade do olhar um aspecto, às pontas dos dedos um objeto – é para lá que eu vou. À ponta do lápis o traço. Onde expira um pensamento está uma ideia, ao derradeiro hálito de alegria uma outra alegria, à ponta da espada a magia – é para lá que eu vou. Na ponta dos pés o salto. Parece a história de alguém que foi e não voltou – é para lá que eu vou. Ou não vou? Vou, sim. E volto para ver como estão as coisas. Se continuam mágicas. Realidade? eu vos espero. É para lá que eu vou. Na ponta da palavra está a palavra. (…) À beira de eu estou mim. É para mim que eu vou. E de mim saio para ver. Ver o quê? ver o que existe. Depois de morta é para a realidade que vou. Por enquanto é sonho. Sonho fatídico. Mas depois – depois tudo é real. E a alma livre procura um canto para se acomodar. Mim é um eu que anuncio. (…) Amor: eu vos amo tanto. Eu amo o amor. O amor é vermelho. (…) À extremidade de mim estou eu. Eu, implorante, eu a que necessita, a que pede, a que chora, a que se lamenta. Mas a que canta. A que diz palavras. Palavras ao vento? que importa, os ventos as trazem de novo e eu as possuo. Eu à beira do vento. O morro dos ventos uivantes me chama. Vou, bruxa que sou. E me transmuto. (…) Que estou eu a dizer? Estou dizendo amor. E à beira do amor estamos nós.

Clarice Lispector

Faz de conta que tudo que tinha não era de faz de conta.

Clarice Lispector

A única verdade é que vivo. Sinceramente, eu vivo. Quem sou? Bem, isso já é demais.

Clarice Lispector

Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar.

Clarice Lispector

O medo sempre me guiou para o que eu quero; e, porque eu quero, temo. Muitas vezes foi o medo quem me tomou pela mão e me levou. O medo me leva ao perigo. E tudo o que eu amo é arriscado.

Clarice Lispector

Agora vou falar da dolência das flores para sentir mais o que existe. Antes te dou com prazer o néctar, suco doce que muitas flores contém e que os insetos buscam com avidez. Pistilo é órgão feminino da flor que geralmente ocupa o centro e contém o rudimento da semente. Pólen é pó fecundante produzido nos estames e contido nas anteras. Estame é o órgão masculino da flor. É composto por estilete e pela antera na parte inferior contornando o pistilo. Fecundação é a união de dois elementos de geração – masculino e feminino – da qual resulta o fruto fértil. “E plantou Javé Deus um jardim no Éden que fica no Oriente e colocou nele o homem que formara” (Gen. 11-8).
Quero pintar uma rosa.
Rosa é a flor feminina que se dá toda e tanto que para ela só resta a alegria de se ter dado. Seu perfume é mistério doido. Quando profundamente aspirada toca no fundo íntimo do coração e deixa o interior do corpo inteiro perfumado. O modo de ela se abrir em mulher é belíssimo. As pétalas têm gosto bom na boca – é só experimentar. Mas rosa não é it. É ela. As encarnadas são de grande sensualidade. As brancas são a paz do Deus. É muito raro encontrar na casa de flores rosas brancas. As amarelas são de um alarme alegre. As cor-de-rosa são em geral mais carnudas e têm a cor por excelência. As alaranjadas são produto de enxerto e são sexualmente atraentes.
Preste atenção e é um favor: estou convidando você para mudar-se para reino novo.
Já o cravo tem uma agressividade que vem de certa irritação. São ásperas e arrebitadas as pontas de suas pétalas. O perfume do cravo é de algum modo mortal. Os cravos vermelhos berram em violenta beleza. Os brancos lembram o pequeno caixão de criança defunta: o cheiro então se torna pungente e a gente desvia a cabeça para o lado com horror. Como transplantar o cravo para a tela?
O girassol é o grande filho do sol. Tanto que sabe virar sua enorme corola para o lado de quem o criou. Não importa se é pai ou mãe. Não sei. Será o girassol flor feminina ou masculina? Acho que masculina.
A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda. Dizem que se esconde por modéstia. Não é. Esconde-se para poder captar o próprio segredo. Seu quase-não-perfume é glória abafada mas exige da gente que o busque. Não grita nunca o seu perfume. Violeta diz levezas que não se podem dizer.
A sempre-viva é sempre morta. Sua secura tende à eternidade. O nome em grego quer dizer: sol de ouro. A margarida é florzinha alegre. É simples e à tona da pele. Só tem uma camada de pétalas. O centro é uma brincadeira infantil.
A formosa orquídea é exquise e antipática. Não é espontânea. Requer redoma. Mas é mulher esplendorosa e isto não se pode negar. Também não se pode negar que é nobre porque é epífita. Epífitas nascem sobre outras plantas sem contudo tirar delas a nutrição. Estava mentindo quando disse que era antipática. Adoro orquídeas. Já nascem artificiais, já nascem arte.
Tulipa só é tulipa na Holanda. Uma única tulipa simplesmente não é. Precisa de campo aberto para ser.
Flor dos trigais só dá no meio do trigo. Na sua humildade tem a ousadia de aparecer em diversas formas e cores. A flor do trigal é bíblica. Nos presépios da Espanha não se separa dos ramos de trigo. É um pequeno coração batendo.
Mas angélica é perigosa. Tem perfume de capela. Traz êxtase. Lembra a hóstia. Muitos têm vontade de comê-la e encher a boca com o intenso cheiro sagrado.
O jasmim é dos namorados. Dá vontade de pôr reticências agora. Eles andam de mãos dadas, balançando os braços e se dão beijos suaves ao quase som odorante do jasmim.
Estrelícia é masculina por excelência. Tem uma agressividade de amor e de sadio orgulho. Parece ter crista de galo e o seu canto. Só que não espera pela aurora. A violência de tua beleza.
Dama-da-noite tem perfume de lua cheia. É fantasmagórica e um pouco assustadora e é para quem ama o perigo. Só sai de noite com o seu cheiro tonteador. Dama-da-noite é silente. E também da esquina deserta e em trevas e dos jardins de casas de luzes apagadas e janelas fechadas. É perigosíssima: é um assobio no escuro, o que ninguém aguenta. Mas eu aguento porque amo o perigo. Quanto à suculenta flor de cáctus, é grande e cheirosa e de cor brilhante. É a vingança sumarenta que faz a planta desértica. É o esplendor nascendo da esterilidade despótica.
Estou com preguiça de falar da edelvais. É que se encontra à altura de três mil e quatrocentos metros de altitude. É branca e lanosa. Raramente alcançável: é a aspiração.
Gerânio é flor de canteiro de janela. Encontra-se em S. Paulo, no bairro de Grajaú e na Suíça.
Vitória-régia está no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Enorme e até quase dois metros de diâmetro. Aquáticas, é de se morrer delas. Elas são o amazônico: o dinossauro das flores. Espalham grande tranquilidade. A um tempo majestosas e simples. E apesar de viverem no nível das águas elas dão sombras. Isto que estou te escrevendo é em latim: de natura florum. Depois te mostrarei o meu estudo já transformado em desenho linear.
O crisântemo é de alegria profunda. Fala através da cor e do despenteado. É flor que descabeladamente controla a própria selvageria.
Acho que vou ter que pedir licença para morrer. Mas não posso, é tarde demais. Ouvi o “Pássaro de fogo” – e afoguei-me inteira.
Tenho que interromper porque – Eu não disse? eu não disse que um dia ia me acontecer uma coisa? Pois aconteceu agora mesmo.

Clarice Lispector

A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda. Dizem que se esconde por modéstia. Não é. Esconde-se para poder captar o próprio segredo. Seu quase-não-perfume é glória abafada mas exige da gente que o busque. Não grita nunca o seu perfume. Violeta diz levezas que não se pode dizer.

Clarice Lispector

Acho que devemos fazer coisa proibida – senão sufocamos. Mas sem sentimento de culpa e sim como
aviso de que somos livres.

Clarice Lispector

E ela não passava de uma mulher… inconstante e borboleta.

Clarice Lispector

(…) quanto a mim mesma, sempre conservei uma aspa à esquerda e outra à direita de mim.

Clarice Lispector

Às vezes me dá enjoo de gente. Depois passa e fico de novo toda curiosa e atenta. E é só.

Clarice Lispector

Realmente o tom geral devia estar pessimista. O pessimismo passou, mas o bom propósito não: farei o possível para não amar demais as pessoas, sobretudo por causa das pessoas. Às vezes o amor que se dá pesa, quase como responsabilidade na pessoa que o recebe. Eu tenho essa tendência geral para exagerar, e resolvi tentar não exigir dos outros senão o mínimo. É uma forma de paz… Também é bom porque em geral se pode ajudar muito mais as pessoas quando não se está cega pelo amor

Clarice Lispector

Por te falar eu te assustarei e te perderei? mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia

Clarice Lispector

Existe a quem falte o delicado essencial.

Clarice Lispector

A minha única salvação é a alegria.

Clarice Lispector

Sobretudo um dia virá em que todo meu movimento será criação, nascimento, eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há a temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia, a um gesto meu minhas vagas se levantarão poderosas, água pura submergindo a dúvida, a consciência, eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas, não cheias de vontade de humanidade, não o passado corroendo o futuro! o que eu disser soará fatal e inteiro!

Clarice Lispector

Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? Assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise.

Clarice Lispector

A respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.

Clarice Lispector

Laranja na mesa. Bendita a árvore que te pariu.

Clarice Lispector

A nossa vida é truculenta: nasce-se com sangue e com sangue corta-se a união que é o cordão
umbilical. E quantos morrem com sangue. É preciso acreditar no sangue como parte de nossa vida.
A truculência. É amor também.

Clarice Lispector

Quero escrever o borrão vermelho de sangue. (…) Quero escrever noções sem o uso abusivo da palavra.

Clarice Lispector

Restos do Carnaval
Não, não deste último carnaval. Mas não sei por que este me transportou para a minha infância e para as quartas-feiras de cinzas nas ruas mortas onde esvoaçavam despojos de serpentina e confete. Uma ou outra beata com um véu cobrindo a cabeça ia à igreja, atravessando a rua tão extremamente vazia que se segue ao carnaval. Até que viesse o outro ano. E quando a festa já ia se aproximando, como explicar a agitação que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu.
No entanto, na realidade, eu dele pouco participava. Nunca tinha ido a um baile infantil, nunca me haviam fantasiado. Em compensação deixavam-me ficar até umas 11 horas da noite à porta do pé de escada do sobrado onde morávamos, olhando ávida os outros se divertirem. Duas coisas preciosas eu ganhava então e economizava-as com avareza para durarem os três dias: um lança-perfume e um saco de confete. Ah, está se tornando difícil escrever. Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, mesmo me agregando tão pouco à alegria, eu era de tal modo sedenta que um quase nada já me tornava uma menina feliz.
E as máscaras? Eu tinha medo, mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara. À porta do meu pé de escada, se um mascarado falava comigo, eu de súbito entrava no contato indispensável com o meu mundo interior, que não era feito só de duendes e príncipes encantados, mas de pessoas com o seu mistério. Até meu susto com os mascarados, pois, era essencial para mim.
Não me fantasiavam: no meio das preocupações com minha mãe doente, ninguém em casa tinha cabeça para carnaval de criança. Mas eu pedia a uma de minhas irmãs para enrolar aqueles meus cabelos lisos que me causavam tanto desgosto e tinha então a vaidade de possuir cabelos frisados pelo menos durante três dias por ano. Nesses três dias, ainda, minha irmã acedia ao meu sonho intenso de ser uma moça – eu mal podia esperar pela saída de uma infância vulnerável – e pintava minha boca de batom bem forte, passando também ruge nas minhas faces. Então eu me sentia bonita e feminina, eu escapava da meninice.
Mas houve um carnaval diferente dos outros. Tão milagroso que eu não conseguia acreditar que tanto me fosse dado, eu, que já aprendera a pedir pouco. É que a mãe de uma amiga minha resolvera fantasiar a filha e o nome da fantasia era no figurino Rosa. Para isso comprara folhas e folhas de papel crepom cor-de-rosa, com os quais, suponho, pretendia imitar as pétalas de uma flor. Boquiaberta, eu assistia pouco a pouco à fantasia tomando forma e se criando. Embora de pétalas o papel crepom nem de longe lembrasse, eu pensava seriamente que era uma das fantasias mais belas que jamais vira.
Foi quando aconteceu, por simples acaso, o inesperado: sobrou papel crepom, e muito. E a mãe de minha amiga – talvez atendendo a meu mudo apelo, ao meu mudo desespero de inveja, ou talvez por pura bondade, já que sobrara papel – resolveu fazer para mim também uma fantasia de rosa com o que restara de material. Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma.
Até os preparativos já me deixavam tonta de felicidade. Nunca me sentira tão ocupada: minuciosamente, minha amiga e eu calculávamos tudo, embaixo da fantasia usaríamos combinação, pois se chovesse e a fantasia se derretesse pelo menos estaríamos de algum modo vestidas – àidéia de uma chuva que de repente nos deixasse, nos nossos pudores femininos de oito anos, de combinação na rua, morríamos previamente de vergonha – mas ah! Deus nos ajudaria! não choveria! Quando ao fato de minha fantasia só existir por causa das sobras de outra, engoli com alguma dor meu orgulho que sempre fora feroz, e aceitei humilde o que o destino me dava de esmola.
Mas por que exatamente aquele carnaval, o único de fantasia, teve que ser tão melancólico? De manhã cedo no domingo eu já estava de cabelos enrolados para que até de tarde o frisado pegasse bem. Mas os minutos não passavam, de tanta ansiedade. Enfim, enfim! Chegaram três horas da tarde: com cuidado para não rasgar o papel, eu me vesti de rosa.
Muitas coisas que me aconteceram tão piores que estas, eu já perdoei. No entanto essa não posso sequer entender agora: o jogo de dados de um destino é irracional? É impiedoso. Quando eu estava vestida de papel crepom todo armado, ainda com os cabelos enrolados e ainda sem batom e ruge – minha mãe de súbito piorou muito de saúde, um alvoroço repentino se criou em casa e mandaram-me comprar depressa um remédio na farmácia. Fui correndo vestida de rosa – mas o rosto ainda nu não tinha a máscara de moça que cobriria minha tão exposta vida infantil – fui correndo, correndo, perplexa, atônita, entre serpentinas, confetes e gritos de carnaval. A alegria dos outros me espantava.
Quando horas depois a atmosfera em casa acalmou-se, minha irmã me penteou e pintou-me. Mas alguma coisa tinha morrido em mim. E, como nas histórias que eu havia lido, sobre fadas que encantavam e desencantavam pessoas, eu fora desencantada; não era mais uma rosa, era de novo uma simples menina. Desci até a rua e ali de pé eu não era uma flor, era um palhaço pensativo de lábios encarnados. Na minha fome de sentir êxtase, às vezes começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me do estado grave de minha mãe e de novo eu morria.
Só horas depois é que veio a salvação. E se depressa agarrei-me a ela é porque tanto precisava me salvar. Um menino de uns 12 anos, o que para mim significava um rapaz, esse menino muito bonito parou diante de mim e, numa mistura de carinho, grossura, brincadeira e sensualidade, cobriu meus cabelos já lisos de confete: por um instante ficamos nos defrontando, sorrindo, sem falar. E eu então, mulherzinha de 8 anos, considerei pelo resto da noite que enfim alguém me havia reconhecido: eu era, sim, uma rosa.

Clarice Lispector

A vida não é de se brincar porque em pleno dia se morre.

Clarice Lispector

O que obviamente não presta sempre me interessou muito.

Clarice Lispector

Você de repente não estranha de ser você?

Clarice Lispector

As crianças chatas
Não posso. Não posso pensar na cena que visualizei e que é real. O filho que está de noite com dor de fome e diz para a mãe: estou com fome, mamãe. Ela responde com doçura: dorme. Ele diz: mas estou com fome. Ela insiste: durma. Ele diz: não posso, estou com fome. Ela repete exasperada: durma. Ele insiste. Ela grita com dor: durma, seu chato! Os dois ficam em silêncio no escuro, imóveis. Será que ele está dormindo? – pensa ela toda acordada. E ele está amedrontado demais para se queixar. Na noite negra os dois estão despertos. Até que, de dor e cansaço, ambos cochilam, no ninho da resignação. E eu não aguento a resignação. Ah, como devoro com fome e prazer a revolta.

Clarice Lispector

Ainda sem resposta
Não sei mais escrever, perdi o jeito. Mas já vi muita coisa no mundo. Uma delas, e não das menos dolorosas, é ter visto bocas se abrirem para dizer ou talvez apenas balbuciar, e simplesmente não conseguirem. Então eu quereria às vezes dizer o que elas não puderam falar. Não sei mais escrever, porém o fato literário tornou-se aos poucos tão desimportante para mim que não saber escrever talvez seja exatamente o que me salvará da literatura.
O que é que se tornou importante para mim? No entanto, o que quer que seja, é através da literatura que poderá talvez se manifestar.

Clarice Lispector

Mistérios de um sono
Estou dormindo. E embora pareça contradição, suavemente de repente o prazer de estar dormindo me acorda num sobressalto também suave. Estou acordada e ainda sinto o gosto daquela zona rural onde subsolarmente eu espalhava de minhas raízes os tentáculos de um sonho.

Clarice Lispector

A virgem em todas as mulheres
Toda mulher, ao saber que está grávida, leva a mão à garganta: ela sabe que dará à luz um ser que seguirá forçosamente o caminho de Cristo, caindo na sua via muitas vezes sob o peso da cruz. Não há como escapar.

Clarice Lispector

Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus.

Clarice Lispector

– Ela é tão livre que um dia será presa.
– Presa por quê?
– Por excesso de liberdade.
– Mas essa liberdade é inocente?
– É. Até mesmo ingênua.
– Então por que a prisão?
– Porque a liberdade ofende.

Clarice Lispector

E, antes de aprender a ser livre, eu aguentava – só para não ser livre.

Clarice Lispector

Como se eu procurasse não aproveitar a vida imediata, mas sim a mais profunda, o que me dá dois modos de ser: em vida, observo muito, sou ativa nas observações, tenho o senso do ridículo, do bom humor, da ironia, e tomo um partido. Escrevendo, tenho observações por assim dizer passivas, tão interiores que se escrevem ao mesmo tempo em que são sentidas, quase sem o que se chama de processo. É por isso que no escrever eu não escolho, não posso me multiplicar em mil, me sinto fatal a despeito de mim.

Clarice Lispector

No fundo ela não passara de uma caixinha de música meio desafinada.

Clarice Lispector

Amizade é matéria de salvação.

Clarice Lispector

Simplesmente eu sou eu. e você é você. É vasto, vai durar. (…) Olha para mim e me ama. Não: tu olhas para ti e te amas. É o que está certo.

Clarice Lispector

O SEGREDO
Há uma palavra que pertence a um reino que me deixa muda de horror. Não espantes o nosso mundo, não empurres com a palavra incauta o nosso barco para sempre ao mar. Temo que depois da palavra tocada fiquemos puros demais. Que faríamos de nossa vida pura? Deixa o céu à esperança apenas, com os dedos trêmulos cerro os teus lábios, não a digas. Há tanto tempo eu de medo a escondo que esqueci que a desconheço, e dela fiz meu segredo mortal.

Clarice Lispector

Estou à procura de um livro para ler. É um livro todo especial. Eu o imagino como a um rosto sem traços. Não lhe sei o nome nem o autor. Quem sabe, às vezes penso que estou à procura de um livro que eu mesma escreveria. Não sei. Mas faço tantas fantasias a respeito desse livro desconhecido e já tão profundamente amado. Uma das fantasias é assim: eu o estaria lendo e de súbito, a uma frase lida, com lágrimas nos olhos diria em êxtase de dor e de enfim libertação: “Mas é que eu não sabia que se pode tudo, meu Deus!”

Clarice Lispector

Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz. Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim.

Clarice Lispector

Porque, às vezes, acordar tem lá suas muitas desvantagens.

Clarice Lispector

Sou um dos fracos? fraca que foi tomada por ritmo incessante e doido? se eu fosse sólida e forte nem ao menos teria ouvido o ritmo? Não encontro resposta: sou. É isto apenas o que me vem da vida. Mas sou o quê? a resposta é apenas: sou o quê. embora às vezes grite: não quero mais ser eu!! mas eu me grudo a mim e inextricavelmente forma-se uma tessitura de vida.

Clarice Lispector

Eu sou nostálgica demais, pareço ter perdido alguma coisa não se sabe onde e quando.

Clarice Lispector

Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta com o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la – como gostava de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a galope.
Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E este desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar para sempre uma herança de língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega. Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queda não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.

Clarice Lispector

Para que escrevo? E eu sei? Sei não. Sim, é verdade, às vezes também penso que eu não sou eu, pareço pertencer a uma galáxia longínqua de tão estranho que sou de mim. Sou eu? Espanto-me com o meu encontro.

Clarice Lispector

Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio. Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o espírito. Quantas mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento. Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é identificável por uma extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo – é por esconderem outras palavras. E qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Só não sei porque não ouso dizê-la?
Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade. Os que inventaram o Velho Testamento sabiam que existia uma fruta proibida.
As palavras é que me impedem de dizer a verdade. Simplesmente não há palavras. O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo. Acho que o som da música é imprescindível para o ser humano e que o uso da palavra falada e escrita são como a música, duas coisas das mais altas que nos elevam do reino dos macacos, do reino animal, e mineral e vegetal também. Sim, mas é a sorte às vezes. Sempre quis atingir através da palavra alguma coisa que fosse ao mesmo tempo sem moeda e que fosse e transmitisse tranquilidade ou simplesmente a verdade mais profunda existente no ser humano e nas coisas. Cada vez mais eu escrevo com menos palavras. Meu livro melhor acontecerá quando eu de todo não escrever. Eu tenho uma falta de assunto essencial.
Todo homem tem sina obscura de pensamento que pode ser o de um crepúsculo e pode ser uma aurora. Simplesmente as palavras do homem.

Clarice Lispector

Agora preciso de tua mão,
não para que eu não tenha medo,
mas para que tu não tenhas medo.
Sei que acreditar em tudo isso será,
no começo, a tua grande solidão.
Mas chegará o instante em que me darás a mão,
não mais por solidão, mas como eu agora:
por amor.

Clarice Lispector

E quando acaricio a cabeça de meu cão – sei que ele não exige que eu faça sentido ou me explique.

Clarice Lispector

As árvores estavam carregadas, o mundo era tão rico que apodrecia.

Clarice Lispector

Já que ela não era uma pessoa triste, procurou continuar como se nada tivesse perdido. (Ela não sentiu desespero etc. etc.) Também que é que ela podia fazer? Pois ela era crônica. (…) Tristeza era luxo.

Clarice Lispector

Ah, está se tornando difícil escrever. Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, mesmo me agregando tão pouco à alegria, eu era de tal modo sedenta que um quase nada já me tornava uma menina feliz.

Clarice Lispector

Quem muito agrada, desagrada.

Clarice Lispector

Farei o possível para não amar demais as pessoas, sobretudo por causa das pessoas. Às vezes o amor que se dá pesa, quase como uma responsabilidade na pessoa que o recebe. Eu tenho essa tendência geral para exagerar, e resolvi tentar não exigir dos outros senão o mínimo. É uma forma de paz…

Clarice Lispector

De repente as coisas não precisam mais fazer sentido. Satisfaço-me em ser. Tu és? Tenho certeza que sim. O não sentido das coisas me faz ter um sorriso de complacência. De certo tudo deve estar sendo o que é.

Clarice Lispector

Sou feliz na hora errada. Infeliz quando todos dançam. Me disseram que os aleijados se rejubilam assim como me disseram que os cegos se alegram. É que os infelizes se compensam.

Clarice Lispector

Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras – quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.

Clarice Lispector

“Escrever” existe por si mesmo? Não. É apenas o reflexo de uma coisa que pergunta. Eu trabalho com o inesperado. Escrevo como escrevo sem saber como e por quê – é por fatalidade de voz. O meu timbre sou eu. Escrever é uma indagação. É assim: ?

Clarice Lispector

Todo o mundo que aprendeu a ler e escrever tem uma certa vontade de escrever. É legítimo: todo o ser tem algo a dizer. Mas é preciso mais do que a vontade para escrever. Ângela diz, como milhares de pessoas dizem (e com razão): “minha vida é um verdadeiro romance, se eu escrevesse contando ninguém acreditaria”. E é verdade. A vida de cada pessoa é passível de um aprofundamento doloroso e a vida de cada pessoa é “inacreditável”. O que devem fazer essas pessoas? O que Ângela faz: escrever sem nenhum compromisso. Às vezes escrever uma só linha basta para salvar o próprio coração.

Clarice Lispector

Tenho vontade de escrever e não consigo (…) O que escrevo está sem entrelinha? Se assim for, estou perdida.
Há um livro em cada um de nós.

Clarice Lispector

Cada novo livro é uma viagem. Só que é uma viagem de olhos vendados em mares nunca dantes revelados – a mordaça nos olhos, o terror da escuridão é total. Quando sinto uma inspiração, morro de medo porque sei que de novo vou viajar e sozinho num mundo que me repele.

Clarice Lispector

Eu tenho que ser minha amiga, senão não aguento a solidão. Quando estou sozinha procuro não pensar porque tenho medo de de repente pensar uma coisa nova demais para mim mesma. Falar alto sozinha e para “o quê” é dirigir-se ao mundo, é criar uma voz potente que consegue – consegue o quê?

Clarice Lispector

Eu também não sei não pensar. Acontece sem esforço. Só é difícil quando procuro obter essa escuridão silenciosa. Quando estou distraído, caio na sombra e no oco e no doce macio nada-de-mim.

Clarice Lispector

Viver é o meu código e o meu enigma. E quando eu morrer serei para os outros um código e um enigma.
Despenhadeiros.
Eu não sabia que o perigo é o que torna preciosa a vida.
A morte é o perigo constante da vida.

Clarice Lispector

Ser feliz é uma responsabilidade muito grande. Pouca gente tem coragem. Tenho coragem mas com um pouco de medo. Pessoa feliz é quem aceitou a morte. Quando estou feliz demais, sinto uma angústia amordaçante: assusto-me. Sou tão medrosa. Tenho medo de estar viva porque quem tem vida um dia morre. E o mundo me violenta.

Clarice Lispector

Perder-se é um achar-se perigoso.

Clarice Lispector

Que é que eu faço, é de noite e eu estou viva. Estar viva está me matando aos poucos, e eu estou toda alerta no escuro.

Clarice Lispector

Suponhamos que eu seja uma criatura forte, o que não é verdade. Suponhamos que ao tomar uma resolução eu a mantenha, o que não é verdade. Suponhamos que eu escreva um dia alguma coisa que desnude um pouco a alma humana, o que não é verdade. Suponhamos que eu tenha sempre o rosto sério que vislumbro de repente no espelho ao lavar as mãos, o que não é verdade. Suponhamos que as pessoas que eu amo sejam felizes, o que não é verdade. Suponhamos que eu tenha menos defeitos graves do que tenho, o que não é verdade. Suponhamos que baste uma flor bonita para me deixar iluminada, o que não é verdade. Suponhamos que eu esteja sorrindo logo hoje que não é dia de eu sorrir, o que não é verdade. Suponhamos que entre os meus defeitos haja muitas qualidades, o que não é verdade. Suponhamos que eu nunca minta, o que não é verdade. Suponhamos que um dia eu possa ser outra pessoa e mude de modo de ser, o que não é verdade.

Clarice Lispector

Todos os dias, quando acordo, vou correndo tirar a poeira da palavra amor…

Clarice Lispector

Só a necessidade que eu tenho me justifica.
Que seria de mim se eu não precisasse?
Que seria de meu corpo se não houvesse
o aviso da fome? Que seria de mim se não
houvesse o futuro? Que seria de mim se eu
não precisasse de Deus?

Clarice Lispector

A possíveis leitores
Este livro é como um livro qualquer. Mas eu ficaria contente se fosse lido apenas por pessoas de alma já formada. Aquelas que sabem que a aproximação, do que quer que seja, se faz gradualmente e penosamente – atravessando inclusive o oposto daquilo que se vai aproximar. Aquelas pessoas que, só elas, entenderão bem devagar que este livro nada tira de ninguém. A mim, por exemplo, o personagem G.H. foi dando pouco a pouco uma alegria difícil; mas chama-se alegria.

Clarice Lispector

Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não a saber como viver, vivi uma outra?

Clarice Lispector

Nesta minha nova covardia – a covardia é o que de mais novo já me aconteceu, é a minha maior aventura, essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la.

Clarice Lispector

Estou tão assustada que só poderei aceitar que me perdi se imaginar que alguém me está dando a mão

Clarice Lispector

Enquanto escrever e falar vou ter que fingir que alguém está segurando a minha mão.

Clarice Lispector

A verdade não me faz sentido! É por isso que eu a temia e a temo. Desamparada, eu te entrego tudo – para que faças disso uma coisa alegre. Por te falar eu te assustarei e te perderei? mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia.

Clarice Lispector

A verdade não faz sentido, a grandeza do mundo me encolhe.

Clarice Lispector

Eu antes vivia de um mundo humanizado, mas o puramente vivo derrubou a moralidade que eu tinha? É que um mundo todo vivo tem a força de um Inferno.

Clarice Lispector

Eu me trato como as pessoas me tratam, sou aquilo que de mim os outros veem.

Clarice Lispector

E é só o que posso dizer a meu respeito? Ser “sincera”? Relativamente sou. Não minto para formar verdades falsas. Mas usei demais as verdades como pretexto. A verdade como pretexto para mentir? Eu poderia relatar a mim mesma o que me lisonjeasse, e também fazer o relato da sordidez. Mas tenho que tomar cuidado de não confundir defeitos com verdades.

Clarice Lispector

O leve prazer geral – que parece ter sido o teom em que vivo ou vivia – talvez viesse de que o mundo não era eu nem meu:eu podia usufruí-lo.Assim como também aos homens eu não os havia feito meus,e podia então admirá-los e sinceramente amá-los,como se ama sem egoismos,como se ama uma idéia.Não sendo meus,eu nunca os torturava.

Clarice Lispector

Fotografia é o retrato de um côncavo, de uma falta, de uma ausência?

Clarice Lispector

Dá-me a tua mão desconhecida, que a vida está me doendo, e não sei como falar – a realidade é delicada demais, só a realidade é delicada, minha irrealidade e minha imaginação são mais pesadas.

Clarice Lispector

A garantia única é que eu nasci. Tu és uma forma de ser eu, e eu uma forma de te ser: eis os limites de minha possibilidade.

Clarice Lispector

Se em um instante se nasce, e se morre em um instante, um instante é bastante para a vida inteira.

Clarice Lispector

Ali estava eu, a menina esperta demais, e eis que tudo o que em mim não prestava servia a Deus e aos homens. Tudo o que em mim não prestava era o meu tesouro.

Clarice Lispector

Eu uso essa palavra porque nunca tive medo de palavras. Tem gente que se assusta com o nome das coisas.

Clarice Lispector

Como é chato lidar com fatos, o cotidiano me aniquila, estou com preguiça de escrever esta história que é um desabafo apenas. Vejo que escrevo aquém e além de mim. Não me responsabilizo pelo que agora escrevo.

Clarice Lispector

Estou me interessando terrivelmente por fatos: fatos são pedras duras. Não há como fugir. Fatos são palavras ditas pelo mundo.

Clarice Lispector

Quando eu era pequeno pensava que de um momento para outro eu cairia para fora do mundo.

Clarice Lispector

Eu preciso de algumas horas de solidão por dia senão “me muero”.

Clarice Lispector

Não passava de um coração solitário pulsando com dificuldade no espaço.

Clarice Lispector

Ninguém pode entrar no coração de ninguém.

Clarice Lispector

(…) se conectava com o retrato de Greta Garbo quando moça. Para minha surpresa, pois eu não imaginava Macabéa capaz de sentir o que diz um rosto como esse. Greta Garbo, pensava ela sem se explicar, essa mulher deve ser a mulher mais importante do mundo. Mas o que ela queria mesmo ser não era a altiva Greta Garbo cuja trágica sensualidade estava em pedestal solitário. O que ela queria, como eu já disse, era parecer com Marylin.

Clarice Lispector

cada vez mais ela não se sabia explicar. Transformara-se em simplicidade orgânica. E arrumara um jeito de achar nas coisas simples e honestas a graça de um pecado. Gostava de sentir o tempo passar. Embora não tivesse relógio, ou por isso mesmo, gozava o grande tempo. Era supersônica de vida. Ninguém percebia que ela ultrapassava com sua existência a barreira do som. Para as pessoas outras ela não existia. A sua única vantagem sobre os outros era saber engolir pílulas sem água, assim a seco.

Clarice Lispector

Será que o meu ofício doloroso é o de adivinhar na carne a verdade que ninguém quer enxergar?

Clarice Lispector

Não sei como se faz outra cara. Mas é só na cara que sou triste porque por dentro eu só até alegre. É tão bom viver, não é?

Clarice Lispector

É que só sei ser impossível, não sei mais nada. Que é que eu faço para conseguir ser possível?

Clarice Lispector

As boas maneiras são a melhor herança.

Clarice Lispector

Que os mortos me ajudem a suportar o quase insuportável, já que de nada me valem os vivos.

Clarice Lispector

Às vezes só a mentira salva. Então, no dia seguinte, quando as quatro Marias cansadas foram trabalhar, ela teve pela primeira vez na vida uma coisa a mais preciosa: a solidão. Tinha um quarto só para ela. Mal acreditava que usufruía o espaço. E nem uma palavra era ouvida. Então dançou num ato de absoluta coragem, pois a tia não a entenderia. Dançava e rodopiava porque ao estar sozinha se tornava: l-i-v-r-e! Usufruía de tudo, da arduamente conseguida solidão, do rádio de pilha tocando o mais alto possível, da vastidão do quarto sem as Marias. Arrumou, como pedido de favor, um pouco de café solúvel com a dona dos quartos, e, ainda como favor, pediu-lhe água fervendo, tomou tudo se lambendo e diante do espelho para nada perder de si mesma. Encontrar-se consigo própria era um bem que ela até então não conhecia. Acho que nunca fui tão contente na vida, pensou. Não devia nada a ninguém e ninguém lhe devia nada. Até deu-se ao luxo de ter tédio — um tédio até muito distinto.

Clarice Lispector

Bem, e daí? Daí, nada. Quanto a mim, autor de uma vida, me dou mal com a repetição: a rotina me afasta de minhas possíveis novidades.

Clarice Lispector

De nada sei. Que se há de fazer com a verdade de que todo mundo é um pouco triste e um pouco só.

Clarice Lispector

Existia. Só isto. E eu? De mim só se sabe que respiro.

Clarice Lispector

Fico com medo de me afastar da Ordem e cair no abismo povoado de gritos: o Inferno da liberdade. Mas continuarei.

Clarice Lispector

Às vezes também penso que eu não sou eu, pareço pertencer a uma galáxia longínqua de tão estranho que sou de mim. Sou eu? Espanto-me com o meu encontro.

Clarice Lispector

O pior momento de sua vida era nesse dia ao fim da tarde: caía em meditação inquieta, o vazio do seco domingo. Suspirava. Tinha saudade de quando era pequena – farofa seca – e pensava que fora feliz.

Clarice Lispector

E achava bom ficar triste. Não desesperada (…). Claro que era neurótica, não há sequer necessidade de dizer.

Clarice Lispector

Era muito impressionável e acreditava em tudo o que existia e no que não existia também. Mas não sabia enfeitar a realidade. Para ela a realidade era demais para ser acreditada. Aliás a palavra “realidade” não lhe dizia nada. Nem a mim, por Deus.

Clarice Lispector

Vagamente pensava de muito longe e sem palavras o seguinte: já que sou, o jeito é ser.

Clarice Lispector

Saudade do que poderia ter sido e não foi.

Clarice Lispector

Vida incomoda bastante, alma que não cabe bem no corpo.

Clarice Lispector

Sei que ele não exige que eu faça sentido ou me explique.

Clarice Lispector

É. Eu me acostumo mas não amanso. Por Deus! eu me dou melhor com os bichos do que com gente.

Clarice Lispector

Bem sei que é assustador sair de si mesmo, mas tudo o que é novo assusta.

Clarice Lispector

Prefiro a verdade que há no prenúncio.

Clarice Lispector

Enquanto isso as nuvens são brancas e o céu é todo azul.

Clarice Lispector

Por falta de quem lhe respondesse ela mesma parecia se ter respondido: é assim porque é assim.

Clarice Lispector

Se fosse criatura que se exprimisse diria: o mundo é fora de mim, eu sou fora de mim.

Clarice Lispector

Ela somente vive, inspirando e expirando, inspirando e expirando.

Clarice Lispector

Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui.

Clarice Lispector

Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias.

Clarice Lispector

Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens.

Clarice Lispector

O fato é que tenho nas minhas mãos um destino e no entanto não me sinto com o poder de livremente inventar: sigo uma oculta linha fatal.

Clarice Lispector

Quero aceitar minha liberdade sem pensar o que muitos acham: que existir é coisa de doido, caso de loucura. Porque parece. Existir não é lógico.

Clarice Lispector

Alegro com brio. Tentarei tirar ouro do carvão.

Clarice Lispector

Sei que cada dia é um dia roubado da morte.

Clarice Lispector

O que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.

Clarice Lispector

Sou tão misteriosa que não me entendo.

Clarice Lispector

Recuso-me a ficar triste. Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade. Eu estou – apesar de tudo oh apesar de tudo – estou sendo alegre neste instante-já que passa se eu não fixá-lo com palavras. Estou sendo alegre neste mesmo instante porque me recuso a ser vencida: então eu amo. Como resposta.

Clarice Lispector

Eu medito sem palavras e sobre o nada.

Clarice Lispector

A minha vida a mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior, e não há uma palavra que a signifique.

Clarice Lispector

Nós ainda somos moços, podemos perder algum tempo sem perder a vida inteira. Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos
disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós
mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo” e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.

Clarice Lispector

A solução
Chamava-se Almira e engordara demais. Alice era a sua maior amiga. Pelo menos era o que dizia a todos com aflição, querendo compensar com a própria veemência a falta de amizade que a outra lhe dedicava.
Alice era pensativa e sorria sem ouvi-la, continuando a bater à máquina.
À medida que a amizade de Alice não existia, a amizade de Almira mais crescia. Alice era de rosto oval e aveludado. O nariz de Almira brilhava sempre. Havia no rosto de Almira uma avidez que nunca lhe ocorrera disfarçar: a mesma que tinha por comida, seu contato mais direto com o mundo.
Por que Alice tolerava Almira, ninguém entendia. Ambas eram datilógrafas e colegas, o que não explicava. Ambas lanchavam juntas, o que não explicava. Saíam do escritório à mesma hora e esperavam condução na mesma fila. Almira sempre pajeando Alice. Esta, distante e sonhadora, deixando-se adorar. Alice era pequena e delicada. Almira tinha o rosto muito largo, amarelado e brilhante: com ela o batom não durava nos lábios, ela era das que comem o batom sem querer.
Gostei tanto do programa da Rádio Ministério da Educação, dizia Almira procurando de algum modo agradar. Mas Alice recebia tudo como se lhe fosse devido, inclusive a ópera do Ministério da Educação.
Só a natureza de Almira era delicada. Com todo aquele corpanzil, podia perder uma noite de sono por ter dito uma palavra menos bem dita. E um pedaço de chocolate podia de repente ficar-lhe amargo na boca ao pensamento de que fora injusta. O que nunca lhe faltava era chocolate na bolsa, e sustos pelo que pudesse ter feito. Não por bondade. Eram talvez nervos frouxos num corpo frouxo.
Na manhã do dia em que aconteceu, Almira saiu para o trabalho correndo, ainda mastigando um pedaço de pão. Quando chegou ao escritório, olhou para a mesa de Alice e não a viu. Uma hora depois esta aparecia de olhos vermelhos. Não quis explicar nem respondeu às perguntas nervosas de Almira. Almira quase chorava sobre a máquina.
Afinal, na hora do almoço, implorou a Alice que aceitasse almoçarem juntas, ela pagaria.
Foi exatamente durante o almoço que se deu o fato.
Almira continuava a querer saber por que Alice viera atrasada e de olhos vermelhos. Abatida, Alice mal respondia. Almira comia com avidez e insistia com os olhos cheios de lágrimas.
– Sua gorda! disse Alice de repente, branca de raiva. Você não pode me deixarem paz?!
Almira engasgou-se com a comida, quis falar, começou a gaguejar. Dos lábios macios de Alice haviam saído palavras que não conseguiam descer com a comida pela garganta de Almira G. de Almeida.
– Você é uma chata e uma intrometida, rebentou de novo Alice. Quer saber o que houve, não é? Pois vou lhe contar, sua chata: é que Zequinha foi embora para Porto Alegre e não vai mais voltar! agora está contente, sua gorda?
Na verdade Almira parecia ter engordado mais nos últimos momentos, e com comida ainda parada na boca.
Foi então que Almira começou a despertar. E, como se fosse uma magra, pegou o garfo e enfiou-o no pescoço de Alice. O restaurante, ao que se disse no jornal, levantou-se como uma só pessoa. Mas a gorda, mesmo depois de feito o gesto, continuou sentada olhando para o chão, sem ao menos olhar o sangue da outra.
Alice foi ao Pronto-Socorro, de onde saiu com curativos e os olhos ainda arregalados de espanto. Almira foi presa em flagrante.
Algumas pessoas observadoras disseram que naquela amizade bem que havia dente de coelho. Outras, amigas da família, contaram que a avó de Almira, dona Altamiranda, fora mulher muito esquisita. Ninguém se lembrou de que os elefantes, de acordo com os estudiosos do assunto, são criaturas extremamente sensíveis, mesmo nas grossas patas.
Na prisão Almira comportou-se com docilidade e alegria, talvez melancólica, mas alegria mesmo. Fazia graças para as companheiras. Finalmente tinha companheiras. Ficou encarregada da roupa suja, e dava-se muito bem com as guardiãs, que vez por outra lhe arranjavam uma barra de chocolate. Exatamente como para um elefante no circo.

Clarice Lispector

O mundo me parece uma coisa vasta demais e sem síntese possível.

Clarice Lispector

Pensar é um ato.
Sentir é um fato.

Clarice Lispector

Se tenho que ser um objeto, que seja um objeto que grita.

Clarice Lispector

Não é à toa que entendo os que buscam caminho. Como busquei arduamente o meu! E como hoje busco com sofreguidão e aspereza o meu melhor modo de ser, o meu atalho, já que não ouso mais falar em caminho. Eu que tinha querido. O Caminho, com letra maiúscula, hoje me agarro ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde eu seja finalmente eu, isso que não encontrei. Mas sei de uma coisa: meu caminho não sou eu, é outro, é os outros. Quando eu puder sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada.

Clarice Lispector

Aliás – descubro eu agora – eu também não faço a menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria.

Clarice Lispector

Onde aprender a odiar para não morrer de amor?

Clarice Lispector

Abandone-se, tente tudo suavemente, não se esforce por conseguir – esqueça completamente o que aconteceu e tudo voltará com naturalidade

Clarice Lispector

O pecado me atrai, o que é proibido me fascina.

Clarice Lispector

Pois que dedico esta coisa aí ao antigo Schumann e a sua doce Clara que são hoje ossos, ai de nós. Dedico-me à cor rubra muito escarlate como o meu sangue de homem em plena idade e portanto dedico-me a meu sangue. Dedico-me sobretudo aos gnomos, anões, sílfides e ninfas que me habitam a vida. Dedico-me à saudade de minha antiga pobreza, quando tudo era mais sóbrio e digno e eu nunca havia comido lagosta. Dedico-me à tempestade de Beethoven. À vibração das cores neutras de Bach. A Chopin que me amolece os ossos. A Stravinsky que me espantou e com quem voei em fogo. À “Morte e transfiguração”, em que Richard Strauss me revela um destino? Sobretudo, dedico-me às vésperas de hoje e a hoje, ao transparente véu de Debussy, a Marlos Nobre, a Prokofiev, a Carl Orf, a Schönberg, aos dodecafônicos, aos gritos rascantes dos eletrônicos – a todos esses que em mim atingiram zonas assustadoramente inesperadas, todos esses profetas do presente e que a mim me vaticinaram a mim mesmo a ponto de eu neste instante explodir em: eu. Esse eu que é vós pois não aguento ser apenas mim, preciso dos outros para me manter de pé, tão tonto que sou, eu enviesado, enfim que é que se há de fazer senão meditar para cair naquele vazio pleno que só se atinge com a meditação. Meditar não precisa de ter resultados: a meditação pode ter como fim apenas ela mesma. Eu medito sem palavras e sobre o nada. O que me atrapalha a vida é escrever.
E – e não esquecer que a estrutura do átomo não é vista mas sabe-se dela. Sei de muita coisa que não vi. E vós também. Não se pode dar uma prova da existência do que é mais verdadeiro, o jeito é acreditar. Acreditar chorando.
Esta história acontece em estado de emergência e de calamidade pública. Trata-se de um livro inacabado porque lhe falta a resposta. Resposta esta que espero que alguém no mundo me dê. Vós? É umas história em tecnicolor para ter algum luxo, por Deus, que eu também preciso. Amém para nós todos.

Clarice Lispector

Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra – a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se escreveu.

Clarice Lispector

Já que sou, o jeito é ser.

Clarice Lispector

Fico às vezes reduzida ao essencial, quer dizer, só meu coração bate.

Clarice Lispector

E eis que sinto que em breve nos separaremos. Minha verdade espantada é que eu sempre estive só de ti e não sabia. Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama. Quanto a mim, assumo a minha solidão. Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor. E a dor, silêncio. Guardo o seu nome em segredo. Preciso de segredos para viver.

Clarice Lispector

Haveria um grande silêncio em mim, mesmo que eu falasse…

Clarice Lispector

Quem não é um acaso na vida?

Clarice Lispector

A realidade é delicada demais, só a realidade é delicada, minha irrealidade e minha imaginação são mais pesadas.

Clarice Lispector

A Moralidade
“Seria simplório pensar que o problema moral em relação aos outros consiste em agir como se deveria agir, e o problema moral consigo mesmo é conseguir sentir o que se deveria sentir? Sou moral à medida que faço o que devo, e sinto como deveria?”(Clarice Liapector)

Clarice Lispector

Eu vivo à espera de inspiração com uma avidez que não dá descanso. (…) Cheguei mesmo à conclusão de que escrever é a coisa que mais desejo no mundo, mesmo mais que amor.

Clarice Lispector

Sou cada pedaço infernal de mim.

Clarice Lispector

Jardins e jardins entremeados de acordes musicais. Iridescência ensanguentada. Vejo meu rosto através da chuva. Rebuliço estrídulo do vento agudo que varre a casa como se esta estivesse oca de móveis e de pessoas. Está chovendo. Sinto a boa chuvarada de verão. Tenho uma cabana também – às vezes não ficarei no palácio, mergulharei na cabana. Sentindo o cheiro do mato. E fruindo da solidão.

Clarice Lispector

Oh chega de decepções, estou tão machucada, me doem a nuca, a boca, os tornozelos, fui chicoteada nos rins.

Clarice Lispector

Estou com saudade de mim. Ando pouco recolhida, atendo demais ao telefone, escrevo depressa,
vivo depressa. Onde está eu? Preciso fazer um retiro espiritual e encontrar-me enfim – enfim, mas que medo de mim mesma.

Clarice Lispector

Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade. Os que inventaram o Velho Testamento sabiam que existia uma fruta proibida. As palavras é que me impedem de dizer a verdade.”

Clarice Lispector

Toda vez que eu faço uma coisa com intenção não sai nada, sou portanto um distraído quase proposital. Eu finjo que não quero, termino por acreditar que não quero e só então a coisa vem.

Clarice Lispector

Quanto ao resto, ladies e gentlemen, eu me calo. Só não conto qual é o segredo da vida porque ainda não aprendi. Mas um dia eu serei o segredo da vida. Cada um de nós é o segredo da vida e um é o outro e outro é um.

Clarice Lispector

É difícil, estando acordado, sonhar livremente nos meus remotos mistérios.

Clarice Lispector

Pelas plantas dos pés subia um estremecimento de medo, o sussurro de que a terra poderia aprofundar-se. E de dentro erguiam-se certas borboletas batendo asas por todo o corpo.

Clarice Lispector

E eis que de repente eles param e mudos, graves, espantados se olham nos olhos: é que eles sabiam que um dia iriam amar.

Clarice Lispector

Eu antes era uma mulher que sabia distinguir as coisas quando as via. Mas agora cometi o erro grave de pensar.

Clarice Lispector

Apesar de sagaz, não compreendo realmente o que está me acontecendo.

Clarice Lispector

Procuro o sopro da palavra que dá vida aos sussurros.

Clarice Lispector

Fica apenas a certeza de que se dormiu e se sonhou.

Clarice Lispector

Entre as marteladas eu ouço o silêncio.

Clarice Lispector

Cuide-se como se você fosse de ouro, ponha-se você mesmo de vez em quando numa redoma e poupe-se.

Clarice Lispector

Acho que sábado é a rosa da semana; sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, e alguém despeja um balde de água no terraço: sábado ao vento é a rosa da semana. Sábado de manhã é quintal, uma abelha esvoaça, e o vento: uma picada de abelha, o rosto inchado, sangue e mel, aguilhão em mim perdido: outras abelhas farejarão e no outro sábado de manhã vou ver se o quintal vai estar cheio de abelhas. Nos quintais da infância no sábado é que as formigas subiam em fila pela pedra. Foi num sábado que vi um homem sentado na sombra da calçada comendo de uma cuia carne-seca e pirão: era sábado de tarde e nós já tínhamos tomado banho. Às duas da tarde a campainha inaugurava ao vento a matinê de cinema: e ao vento sábado era a rosa de nossa insípida semana. Se chovia, só eu sabia que era sábado: uma rosa molhada, não? No Rio de Janeiro, quando se pensa que a semana exausta vai morrer, ela com grande esforço metálico se abre em rosa: na Avenida Atlântica o carro freia de súbito com estridência e, de súbito, antes do vento espantado poder recomeçar, sinto que é sábado de tarde. Tem sido sábado mas já não é o mesmo. Então eu não digo nada, aparentemente submissa: mas na verdade já peguei as minhas coisas e fui para domingo de manhã. Domingo de manhã também é a rosa da semana. Embora sábado seja muito mais. Nunca vou saber por quê.

Clarice Lispector

Mas chegará o instante em que me darás a mão,
não mais por solidão, mas como eu agora:
por amor.

Clarice Lispector

O amor é vermelho. O ciúme é verde. Meus olhos são verdes. Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros. Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.

Clarice Lispector

Passei a minha vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar. Ao tentar corrigir um erro, eu cometia outro. Sou uma culpada inocente.

Clarice Lispector

Sua sensibilidade incomodava sem ser dolorosa, como uma unha quebradiça.

Clarice Lispector

Eu disse a uma amiga:
– A vida sempre superexigiu de mim.
Ela disse:
– Mas lembre-se de que você também superexige da vida.
Sim.

Clarice Lispector

Ando de um lado para outro, dentro de mim. (…)
Estou bastante acostumada a estar só, mesmo junto dos outros.

Clarice Lispector

E só estou triste hoje porque estou cansada. No geral sou alegre.

Clarice Lispector

Ouve-me, ouve o meu silêncio.

Clarice Lispector

Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza.

Clarice Lispector

A loucura é vizinha da mais cruel sensatez. Engulo a loucura porque ela me alucina calmamente.

Clarice Lispector

Então comecei uma listinha de sentimentos dos quais não sei o nome. Se recebo um presente dado com carinho por pessoa de quem não gosto – como se chama o que sinto? A saudade que se tem de pessoa de quem a gente não gosta mais, essa mágoa e esse rancor – como se chama? Estar ocupada – e de repente parar por ter sido tomada por uma súbita desocupação desanuviadora e beata, como se uma luz de milagre tivesse entrado na sala: como se chama o que se sentiu?

Clarice Lispector

Outro sinal de se estar em caminho certo é o de não ficar aflita por não entender; a atitude deve ser: não se perde por esperar, não se perde por não entender.

Clarice Lispector

Minha consciência é inconsciente de si mesma, por isso eu me obedeço cegamente.

Clarice Lispector

Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso o que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertencesse. Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado com papel enfeitado de presente nas mãos – e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, então raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.

Clarice Lispector

[…]ele se arriscou à penosa acrobacia de voar desajeitado. Boquiaberto, olhou em torno porque certos gestos se tornam aterrorizantes na solidão, com um valor final neles mesmos. Quando um homem cái sozinho num campo não sabe a quem dar sua queda.
(A maçã no escuro – Clarice Lispector)

Clarice Lispector

Dar a mão a alguém sempre foi o que esperei da alegria.

Clarice Lispector

Eu me dou melhor comigo mesma quando estou infeliz: há um encontro. Quando me sinto feliz, parece-me que sou outra. Embora outra da mesma. Outra estranhamente alegre, esfuziante, levemente infeliz é mais tranquilo. Tenho tanta vontade de ser corriqueira e um pouco vulgar e dizer: a esperança é a última que morre.

Clarice Lispector

Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade.

Clarice Lispector

Depois que aprendi a pensar por mim mesma, nunca mais pensei igual aos outros.

Clarice Lispector

Eu sou uma atriz para mim. Eu finjo que sou uma determinada pessoa mas na realidade não sou nada.

Clarice Lispector

Nunca sofra por não ser uma coisa ou por sê-la.

Clarice Lispector

Queria saber: depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois?

Clarice Lispector

Mas lembrar-se com saudade é como se despedir de novo.

Clarice Lispector

Sou as minhas atitudes, os meus sentimentos, as minhas ideias…
O que realmente faz valer a pena estar vivo, não há filmadora ou máquina fotográfica que registre…
Surpresas, gargalhadas, lágrimas, enfim, o que eu sinto, quem eu sou, você só vai perceber quando olhar nos meus olhos, ou melhor, além deles…

Clarice Lispector

Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso – nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. (…) Há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. (…) Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi? Assim fiquei eu (…) Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus aguihões – cortei em mim a força que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também minha força. (…) Ouça meu conselho, ouça meu pedido (…) respeite mesmo o que é ruim em você – respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você (…) não copie uma pessoa ideal, copie você mesma – é esse o único meio de viver. Juro por Deus que se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia – será punida e irá para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não será punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo aquilo que sua vida exige. Parece uma moral amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse a minha vida sem eu saber. (…) Ver o que pode suceder quando se pactuou com a comodidade de alma.

Clarice Lispector

Uma rapacidade toda controlada me tomara, e por ser controlada ela era toda potência. Até então eu nunca fora dona de meus poderes – poderes que eu não entendia nem queria entender, mas a vida em mim os havia retido para que um dia enfim desabrochasse essa matéria desconhecida e feliz e inconsciente que era finalmente: eu! eu, o que quer que seja.

Clarice Lispector

Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso…

Clarice Lispector

Deus vinde a mim e não tenho alegria e minha vida é escura como a noite sem estrelas e Deus por que não existes dentro de mim? por que me fizeste separada de ti?

Clarice Lispector

E tudo era muito para um coração de repente enfraquecido que só suportava o menos, só podia querer o pouco aos poucos.

Clarice Lispector

Quero antes afiançar que essa moça não se conhece senão através de ir vivendo à toa. Se tivesse a tolice de se perguntar “quem sou eu?” cairia estatelada e em cheio no chão. É que “quem sou eu?” provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.

Clarice Lispector

Tenho que ter paciência para não me perder dentro de mim: vivo me perdendo de vista. Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco sem saída.

Clarice Lispector

Eu sou mansa mas minha função de viver é feroz.

Clarice Lispector

Me entristeceu um pouco você não gostar do título, O lustre. Exatamente pelo que você não gostou, pela pobreza dele, é que eu gosto. Nunca consegui mesmo convencer você de que eu sou pobre […]; infelizmente, quanto mais pobre, com mais enfeites me enfeito. No dia em que eu conseguir uma forma tão pobre quanto eu o sou por dentro, em vez de carta, parece que já lhe disse, você recebe uma caixinha cheia de pó de Clarice.

Clarice Lispector

Desde já calculo que aquilo que de mais duro minha vaidade terá de enfrentar será o julgamento de mim mesma: terei toda a aparência de quem falhou, e só eu saberei se foi a falha necessária.

Clarice Lispector

Para cada um de nós e – em algum momento perdido na vida – anuncia-se uma missão a cumprir? Recuso-me porém a qualquer missão. Não cumpro nada: apenas vivo.

Clarice Lispector

Pensar é um ato. Sentir é um fato.

Clarice Lispector

Estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não a saber como viver, vivi uma outra? A isso quereria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior. A isso prefiro chamar desorganização pois não quero me confirmar no que vivi -na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e sei que não tenho capacidade para outro.

Clarice Lispector

Escrevo neste instante com algum prévio pudor por vos estar invadindo com tal narrativa tão exterior e explícita. De onde no entanto até sangue arfante de tão vivo de vida poderá quem sabe escorrer e logo se coagular em cubos de geleia trêmula. Será essa história um dia o meu coágulo? Que sei eu. Se há veracidade nela – e é claro que a história é verdadeira embora inventada – que cada um a reconheça em si mesmo porque todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro – existe a quem falte o delicado essencial.

Clarice Lispector

A vida é curta demais para eu ler todo o grosso dicionário a fim de por acaso descobrir a palavra salvadora.

Clarice Lispector

Ah, meu amor, não tenhas medo da carência: ela é o nosso destino maior. O amor é tão mais fatal do que eu havia pensado, o amor é tão inerente quanto a própria carência, e nós somos garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente. O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão.

Clarice Lispector

Mas não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia.

Clarice Lispector

Eu que detesto domingo por ser oco.

Clarice Lispector

Estou cansada. Meu cansaço vem muito porque sou uma pessoa extremamente ocupada: tomo conta do mundo.

Clarice Lispector

Você há de me perguntar por que tomo conta do mundo. É que nasci incumbida.

Clarice Lispector

Penso que agora terei que pedir licença para morrer um pouco. Com licença – sim? Não demoro. Obrigada.

Clarice Lispector

Quando penso no que já vivi me parece que fui deixando meus corpos pelos caminhos.

Clarice Lispector

[O propósito do teatro é] fazer o gesto recuperar o seu sentido, a palavra o seu tom insubstituível, permitir que o silêncio, como na boa música, seja também ouvido, e que o cenário não se limite ao decorativo e nem mesmo à moldura apenas – mas que todos esses elementos, aproximados de sua pureza teatral específica, formem a estrutura indivisível de um drama.

Clarice Lispector

Eu queria escrever um livro. Mas onde estão as palavras? esgotaram-se os significados. Como surdos e mudos comunicamo-nos com as mãos. Eu queria que me dessem licença para eu escrever ao som harpejado e agreste a sucata da palavra. E prescindir de ser discursivo. Assim: poluição.
Escrevo ou não escrevo?

Clarice Lispector

Eu escrevo para nada e para ninguém. Se alguém me ler será por conta própria e auto-risco. Eu não faço literatura: eu apenas vivo ao correr do tempo. O resultado fatal de eu viver é o ato de escrever. Há tantos anos me perdi de vista que hesito em procurar me encontrar. Estou com medo de começar. Existir me dá às vezes tal taquicardia. Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim.

Clarice Lispector

(…) e vou definitivamente ao encontro de um mundo que está dentro de mim, eu que escrevo para me livrar da carga difícil de uma pessoa ser ela mesma.
Em cada palavra pulsa um coração. Escrever é tal procura de íntima veracidade de vida. Vida que me perturba e deixa o meu próprio coração trêmulo sofrendo a incalculável, dor que parece ser necessária ao meu amadurecimento – amadurecimento? Até agora vivi sem ele!
É. Mas parece que chegou o instante de aceitar em cheio a misteriosa vida dos que um dia vão morrer. Tenho que começar por aceitar-me e não sentir o horror punitivo de cada vez que eu caio, pois quando eu caio a raça humana em mim também cai. Aceitar-me plenamente? é uma violentação de minha vida. Cada mudança, cada projeto novo causa espanto: meu coração está espantado. É por isso que toda a minha palavra tem um coração onde circula sangue.
Tudo o que aqui escrevo é forjado no meu silêncio e na penumbra. Vejo pouco, ouço quase nada. Mergulho enfim em mim até o nascedouro do espírito que me habita. Minha nascente é obscura. Estou escrevendo porque não sei o que fazer de mim. Quer dizer: não sei o que fazer com meu espírito. O corpo informa muito. Mas eu desconheço as leis do espírito: ele vagueia. Meu pensamento, com a enunciação das palavras mentalmente brotando, sem depois eu falar ou escrever – esse meu pensamento de palavras é precedido por uma instantânea visão, sem palavras, do pensamento – palavra que se seguirá, quase imediatamente – diferença espacial de menos de um milímetro.

Clarice Lispector

Eu quero a verdade que só me é dada através do seu oposto, de sua inverdade. E não aguento o cotidiano. Deve ser por isso que escrevo. Minha vida é um único dia. E é assim que o passado me é presente e futuro. Tudo numa só vertigem. E a doçura é tanta que faz insuportável cócega na alma. Viver é mágico e inteiramente inexplicável. Eu compreendo melhor a morte. Ser cotidiano é um vício. O que é que eu sou? sou um pensamento. Tenho em mim o sopro? tenho? mas quem é esse que tem? quem é que fala por mim? tenho um corpo e um espírito? eu sou um eu? “É exatamente isto, você é um eu”, responde-me o mundo terrivelmente. E fico horrorizado. Deus não deve ser pensado jamais senão Ele foge ou eu fujo. Deus deve ser ignorado e sentido. Então Ele age. Pergunto-me: por que Deus pede tanto que seja amado por nós? resposta possível: porque assim nós amamos a nós mesmos e em nos amando, nós nos perdoamos. E como precisamos de perdão. Porque a própria vida já vem mesclada ao erro.

Clarice Lispector

O resultado disso tudo é que vou ter que criar um personagem – mais ou menos como fazem os novelistas, e através da criação dele para conhecer. Porque eu sozinho não consigo: a solidão, a mesma que existe em cada um, me faz inventar. E haverá outro modo de salvar-se? senão o de criar as próprias realidades? Tenho força para isso como todo o mundo – é ou não é verdade que nós terminamos por criar uma frágil e doida realidade que é a civilização? essa civilização apenas guiada pelo sonho. Cada invenção minha soa-me como uma prece leiga – tal é a intensidade de sentir, escrevo para aprender.

Clarice Lispector

Este ao que suponho será um livro feito aparentemente por
destroços de livro. Mas na verdade trata-se de retratar rápidos vislumbres
meus e rápidos vislumbres de meu personagem Ângela. Eu poderia pegar
cada vislumbre e dissertar durante páginas sobre ele. Mas acontece que no
vislumbre é às vezes que está a essência da coisa. Cada anotação tanto no
meu diário como no diário que eu fiz Ângela escrever, levo um pequeno
susto. Cada anotação é escrita no presente. O instante já é feito de
fragmentos. Não quero dar um falso futuro a cada vislumbre de um
instante. Tudo se passa exatamente na hora em que está sendo escrito ou
lido. Este trecho aqui foi na verdade escrito em relação à sua forma básica
depois de ter relido o livro porque no decorrer dele eu não tinha bem clara
a noção do caminho a tomar. No entanto, sem dar maiores razões lógicas,
eu me aferrava exatamente em manter o aspecto fragmentário tanto em
Ângela quanto em mim.
Minha vida é feita de fragmentos e assim acontece com Ângela. A
minha própria vida tem enredo verdadeiro. Seria a história da casca de
uma árvore e não da árvore. Um amontoado de fatos em que só a
sensação é que explicaria. Vejo que, sem querer, o que escrevo e Ângela
escreve são trechos por assim dizer soltos, embora dentro de um contexto
de…
É assim que desta vez me ocorre o livro. E, como eu respeito o que
vem de mim para mim, assim mesmo é que eu escrevo.
in UM SOPRO DE VIDA

Clarice Lispector

Antes o sofrimento legítimo que o prazer forçado.

Clarice Lispector

O dia corre lá fora e há abismos de silêncio em mim.

Clarice Lispector

O tempo passa depressa demais e a vida é tão curta. Então – para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa – eu cultivo um certo tédio. Degusto assim cada detestável minuto. E cultivo também o vazio silêncio da eternidade da espécie. Quero viver muitos minutos num só minuto.

Clarice Lispector

Não sei o que fazer da aterradora liberdade que pode me destruir. Mas enquanto eu estava presa, estava contente? ou havia, e havia, aquela coisa sonsa e inquieta em minha feliz rotina de prisioneira?

Clarice Lispector

E talvez só o pensamento me salvasse, tenho medo da paixão.

Clarice Lispector

Faço o possível para escrever por acaso. Eu quero que a frase aconteça. Não sei expressar-me por palavras. O que sinto não é traduzível. Eu me expresso melhor pelo silêncio. Expressar-me por meio de palavras é um desafio. Mas não correspondo à altura do desafio. Saem pobres palavras.

Clarice Lispector

Tenho um pouco de medo: medo ainda de me entregar pois o próximo instante é o desconhecido.

Clarice Lispector

Tulipa só é tulipa na Holanda. Uma única tulipa simplesmente não é. Precisa de campo aberto para ser.

Clarice Lispector

Estou dentro dos grandes sonhos da noite: pois o agora-já é de noite. E canto a passagem do tempo: sou ainda a rainha dos medas e dos persas e sou também a minha lenta evolução que se lança como uma ponte levadiça num futuro cujas névoas leitosas já respiro hoje. Minha aura é mistério de vida. Eu me ultrapasso abdicando de mim e então sou o mundo: sigo a voz do mundo, eu mesma de súbito com voz única.

Clarice Lispector

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um
pouco seca e se vê por que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de
antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas
falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez que era a alegria da
sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça,
mas, as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca
ficando um pouco mais seca de admiração.

Clarice Lispector

Será preciso coragem para fazer o que vou fazer: dizer. E me arriscar à enorme surpresa que sentirei com a pobreza da coisa dita. Mal a direi, e terei que acrescentar: não é isso, não é isso! Mas é preciso também não ter medo do ridículo, eu sempre preferi o menos ao mais por medo também do ridículo: é que há também o dilaceramento do pudor. Adio a hora de me falar. Por medo? E porque não tenho uma palavra a dizer.

Clarice Lispector

Não gosto do que acabo de escrever – mas sou obrigada a aceitar o trecho todo porque ele me aconteceu. E respeito muito o que eu me aconteço. Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço.

Clarice Lispector

– A noite de hoje está me parecendo um sonho.
– Mas não é. E que a realidade é inacreditável.

Clarice Lispector

Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surpreendido consigo próprio. Por uma fração de segundo a gente se vê como a um objeto a ser olhado. A isto se chama talvez de narcisismo, mas eu chamaria de: alegria de ser. Alegria de encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo.

Clarice Lispector

Para vermos o azul, olhamos para o céu. A Terra é azul para quem a olha do céu. Azul será uma cor em si, ou uma questão de distância? Ou uma questão de grande nostalgia? O inalcançável é sempre azul.

Clarice Lispector

Faze com que eu sinta que amar é não morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte.

Clarice Lispector

Sou fraca diante da beleza do que existe e do que vai existir.

Clarice Lispector

E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam.

Clarice Lispector

Nada do que eu já fiz me agrada. E o que eu fiz com amor estraçalhou-se. Nem amar eu sabia, nem amar eu sabia.

Clarice Lispector

Se você sabe conviver com pessoas intempestivas, emotivas, vulneráveis, amáveis, que explodem na emoção: acolha-me.

Clarice Lispector

Detesto coisas mais ou menos, não sei amar mais ou menos, não me entrego de forma mais ou menos.

Clarice Lispector

Que eu não esqueça que a subida mais escarpada,
e mais à mercê dos ventos, é sorrir de alegria.

Clarice Lispector

O ar tinha gosto de sábado. E de súbito os dois eram raros, a raridade no ar. Eles se sentiam raros, não fazendo parte das mil pessoas que andavam pelas ruas. Os dois às vezes eram coniventes, tinham uma vida secreta porque ninguém os compreenderia. E mesmo porque os raros são perseguidos pelo povo que não tolera a insultante ofensa dos que se diferenciavam.

Clarice Lispector

Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas – mas eu também?! Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos. Sim.

Clarice Lispector

Abro o jogo! Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza.
Há verdades que nem a Deus eu contei. E nem a mim mesma. Sou um segredo fechado a sete chaves. Por favor me poupem.

Clarice Lispector

Tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras. Sou irritável e firo facilmente.

Clarice Lispector

“Ela seria fluida durante toda a vida. Porém o que dominara seus contornos e os atraíra a um centro, o que a iluminara contra o mundo e lhe dera íntimo poder fora o segredo. Nunca saberia pensar nele em termos claros temendo invadir e dissolver a sua imagem. No entanto ele formara no seu interior um núcleo longínquo e vivo e jamais perdera a magia – sustentava-a na sua vaguidão insolúvel como a única realidade que para ela sempre deveria ser a perdida.”
Clarice Lispector, in O Lustre

Clarice Lispector

Não tenha medo de meu silêncio… Sou um louco mas guiado dentro de mim por uma espécie de grande sábio…

Clarice Lispector

Mas arrisco, vivo arriscando.

Clarice Lispector

Eu sou o antes, eu sou o quase, eu sou o nunca. E tudo isso ganhei ao deixar de te amar.

Clarice Lispector

Eternidade: pois tudo o que é nunca começou.

Clarice Lispector

Escrevo-te porque não me entendo.

Clarice Lispector

Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço.

Clarice Lispector

Para onde vou? e a resposta é: vou.

Clarice Lispector

É o mínimo que posso fazer de minha vida: aceitar consideravelmente o sacrifício da noite.

Clarice Lispector

O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.

Clarice Lispector

Quando o amor é grande demais torna-se inútil: já não é mais aplicável, e nem a pessoa amada tem a capacidade de receber tanto. Fico perplexa como uma criança ao notar que mesmo no amor tem-se que ter bom senso e medida. Ah, a vida dos sentimentos é extremamente burguesa.

Clarice Lispector

Estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não a saber como viver, vivi uma outra? A isso quereria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior. A isso prefiro chamar desorganização pois não quero me confirmar no que vivi – na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e sei que não tenho capacidade para outro.
Se eu me confirmar e me considerar verdadeira, estarei perdida porque não saberei onde engastar meu novo modo de ser – se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele.
Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.

Clarice Lispector

Estou desorganizada porque perdi o que não precisava? Nesta minha nova covardia – a covardia é o que de mais novo já me aconteceu, é a minha maior aventura, essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la –, na minha nova covardia, que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro, não sei se terei coragem de simplesmente ir.
É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo. Até agora achar-me era já ter uma ideia de pessoa e nela me engastar: nessa pessoa organizada eu me encarnava, e nem mesmo sentia o grande esforço de construção que era viver. A ideia que eu fazia de pessoa vinha de minha terceira perna, daquela que me plantava no chão. Mas e agora? estarei mais livre?
Não. Sei que ainda não estou sentindo livremente, que de novo penso porque tenho por objetivo achar – e que por segurança chamarei de achar o momento em que encontrar um meio de saída. Por que não tenho coragem de apenas achar um meio de entrada? Oh, sei que entrei, sim. Mas assustei-me porque não sei para onde dá essa entrada. E nunca antes eu me havia deixado levar, a menos que soubesse para o quê.
Ontem, no entanto, perdi durante horas e horas a minha montagem humana. Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.
Como é que se explica que o meu maior medo seja exatamente em relação: a ser? e no entanto não há outro caminho. Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo? como é que se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra como se antes eu tivesse sabido o que era! Por que é que ver é uma tal desorganização?
E uma desilusão. Mas desilusão de quê? se, sem ao menos sentir, eu mal devia estar tolerando minha organização apenas construída? Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido. O que eu era antes não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.

Clarice Lispector

Perder- se significa ir achando e nem saber o que fazer do que se for achando. As duas pernas que andam, sem mais a terceira que prende. E eu quero ser presa. Não sei
o que fazer da aterradora liberdade que pode me destruir. Mas enquanto eu estava presa, estava contente? Ou havia, e havia, aquela coisa sonsa e inquieta em minha feliz rotina de prisioneira? Ou havia, e havia, aquela coisa latejando, a que eu estava tão habituada que pensava que latejar era ser uma pessoa. É?
Também , também.
Fico tão assustada quando percebo que durante horas perdi minha formação humana. Não sei se terei uma outra para substituir a perdida.

Clarice Lispector

É difícil compreender e amar o que é espontâneo e franciscano. Entender o difícil não é vantagem, mas amar o que é fácil de se amar é uma grande subida na escala humana. Quantas mentiras sou obrigada a dar. Mas comigo mesma é que eu queria não ser obrigada a mentir. Senão, o que me resta?

Clarice Lispector

Mas não havia nela miséria humana. É que tinha em si mesma uma certa flor fresca. Pois, por estranho que pareça, ela acreditava. Era apenas fina matéria orgânica. Existia. Só isto. E eu? De mim só se sabe que respiro.

Clarice Lispector

Desculpem eu ser eu. Quero ficar só! grita a alma do tímido que só se liberta na solidão. Contraditoriamente quer o quente aconchego das pessoas.

Clarice Lispector

Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida.

Clarice Lispector

Eu estava agora tão maior que já não me via mais. Tão grande como uma paisagem ao longe. Eu era ao longe. Mas perceptível nas minhas mais últimas montanhas e nos meus mais remotos rios: a atualidade simultânea não me assustava mais, e na mais última extremidade de mim eu podia enfim sorrir sem nem ao menos sorrir. Enfim eu me estendia para além de minha sensibilidade.
O mundo independia de mim – esta era a confiança a que eu tinha chegado: o mundo independia de mim, e não estou entendendo o que estou dizendo, nunca! nunca mais compreenderei o que eu disser. Pois como poderia eu dizer sem que a palavra mentisse por mim? como poderei dizer senão timidamente assim: a vida se me é. A vida se me é, e eu não entendo o que digo. E então adoro.

Clarice Lispector

Talvez eu agora soubesse que eu mesma jamais estaria à altura da vida, mas que minha vida estava à altura da vida. Eu não alcançaria jamais a minha raiz, mas minha raiz existia.

Clarice Lispector

Enfim, enfim quebrara-se realmente o meu invólucro, e sem limite eu era. Por não ser, eu era. Até o fim daquilo que eu não era, eu era. O que não sou eu, eu sou. Tudo estará em mim, se eu não for; pois “eu” é apenas um dos espasmos instantâneos do mundo. Minha vida não tem sentido apenas humano, é muito maior – é tão maior que, em relação ao humano, não tem sentido.

Clarice Lispector

Viver me deixa tão impressionada, viver me tira o sono.

Clarice Lispector

O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem. Só quando falha a construção, é que obtenho o que ela não conseguiu.

Clarice Lispector

Quando se realiza o viver, pergunta-se: mas era só isto? E a resposta é: não é só isto, é exatamente isto.

Clarice Lispector

Ser é ser além do humano. Ser homem não dá certo, ser homem tem sido um constrangimento. O desconhecido nos aguarda, mas sinto que esse desconhecido é uma totalização e será a verdadeira humanização pela qual ansiamos. Estou falando da morte? não, da vida. Não é um estado de felicidade, é um estado de contato.
Ah, não penses que tudo isso me nauseia, acho inclusive tão chato que me torna impaciente. É que se parece com o paraíso, onde nem sequer posso imaginar o que eu faria, pois só posso me imaginar pensando e sentindo, dois atributos de se ser, e não consigo me imaginar apenas sendo, e prescindindo do resto. Apenas ser – isso me daria uma falta enorme do que fazer.

Clarice Lispector

O que estou sentindo agora é uma alegria. Através da barata viva estou entendendo que também eu sou o que é vivo. Ser vivo é um estágio muito alto, é alguma coisa que só agora alcancei. É um tal alto equilíbrio instável que sei que não vou poder ficar sabendo desse equilíbrio por muito tempo – a graça da paixão é curta.

Clarice Lispector

Agora preciso de tua mão, não para que eu não tenha medo, mas para que tu não tenhas medo. Sei que acreditar em tudo isso será, no começo, a tua grande solidão. Mas chegará o instante em que me darás a mão, não mais por solidão, mas como eu agora: por amor. Como eu, não terás medo de agregar-te à extrema doçura enérgica do Deus. Solidão é ter apenas o destino humano.
E solidão é não precisar. Não precisar deixa um homem muito só, todo só. Ah, precisar não isola a pessoa, a coisa precisa da coisa: basta ver o pinto andando para ver que seu destino será aquilo que a carência fizer dele, seu destino é juntar-se como gotas de mercúrio a outras gotas de mercúrio, mesmo que, como cada gota de mercúrio, ele tenha em si próprio uma existência toda completa e redonda.
Ah, meu amor, não tenhas medo da carência: ela é o nosso destino maior. O amor é tão mais fatal do que eu havia pensado, o amor é tão inerente quanto a própria carência, e nós somos garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente. O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão.

Clarice Lispector

A fé – é saber que se pode ir e comer o milagre. A fome, esta é que é em si mesma a fé – e ter necessidade é a minha garantia de que sempre me será dado. A necessidade é o meu guia.

Clarice Lispector

Não quero a meia-luz, não quero a cara benfeita, não quero o expressivo. Quero o inexpressivo. Quero o inumano dentro da pessoa; não, não é perigoso, pois de qualquer modo a pessoa é humana, não é preciso lutar por isso: querer ser humano me soa bonito demais.

Clarice Lispector

Ultrapassar a dor é a pior crueldade. E eu tenho medo disso, eu que sou extremamente moral. Mas agora sei que tenho de ter uma coragem muito maior: a de ter uma outra moral, tão isenta que eu mesma não a entenda e que me assuste.

Clarice Lispector

O grande vazio em mim será o meu lugar de existir; minha pobreza extrema será uma grande vontade. Tenho que me violentar até não ter nada, e precisar de tudo; quando eu precisar, então eu terei, porque sei que é de justiça dar mais a quem pede mais, minha exigência é o meu tamanho, meu vazio é a minha medida.

Clarice Lispector

Na exigência de vida tudo é lícito, mesmo o artificial, e o artificial é às vezes o grande sacrifício que se faz para se ter o essencial.

Clarice Lispector

Para termos, falta-nos apenas precisar. Precisar é sempre o momento supremo. Assim como a mais arriscada alegria entre um homem e uma mulher vem quando a grandeza de precisar é tanta que se sente em agonia e espanto: sem ti eu não poderia viver. A revelação do amor é uma revelação de carência – bem-aventurados os pobres de espírito porque deles é o dilacerante reino da vida.
Se abandono a esperança, estou celebrando a minha carência, e esta é a maior gravidade do viver.
in A Paixão Segundo GH. pág 152/153

Clarice Lispector

E nós sabemos Deus. E o que precisamos Dele, extraímos. (Não sei o que chamo de Deus, mas assim pode ser chamado). Se só sabemos muito pouco de Deus, é porque precisamos pouco: só temos Dele o que fatalmente nos basta, só temos de Deus o que cabe em nós. (A nostalgia não é do Deus que nos falta, é a nostalgia de nós mesmos que não somos bastante; sentimos falta de nossa grandeza impossível – minha atualidade inalcançável é o meu paraíso perdido).
in A Paixão Segundo GH. pág 150

Clarice Lispector

Quanto mais precisarmos, mais Deus existe. Quanto mais pudermos, mais Deus teremos.
Ele deixa. (Ele não nasceu para nós, nem nós nascemos para Ele, nós e Ele somos ao mesmo tempo.) Ele está ininterruptamente ocupado em ser, assim como todas as coisas estão sendo, mas Ele não impede que a gente se junte a Ele e, com Ele, fique ocupado em ser, numa intertroca tão fluida e constante – como a de viver. Ele, por exemplo, Ele nos usa totalmente porque não há nada em cada um de nós de que Ele, cuja necessidade é absolutamente infinita, não precise. Ele nos usa e não impede que a gente faça uso Dele. O minério que está na terra não é responsável por não ser usado. (…)
(Na vida e na morte tudo é lícito, viver é sempre questão de vida-e-morte.)

Clarice Lispector

Ah, então era por isso que eu sempre havia tido uma espécie de amor pelo tédio. E um contínuo ódio dele. Porque o tédio é insosso e se parece com a coisa mesmo. E eu não fora grande bastante: só os grandes amam a monotonia. (…)
Mas o tédio – o tédio fora a única forma como eu pudera sentir o atonal. E eu só não soubera que gostava do tédio porque sofria dele. Mas em matéria de viver, o sofrimento não é medida de vida: o sofrimento é subproduto fatal e, por mais agudo, é negligenciável.

Clarice Lispector

Eu fora obrigada a entrar no deserto para saber com horror que o deserto é vivo, para saber que uma barata é a vida. Havia recuado até saber que em mim a vida mais profunda é antes do humano – e para isso eu tivera a coragem diabólica de largar os sentimentos. Eu tivera que não dar valor humano à vida para poder entender a largueza, muito mais que humana, do Deus. Havia eu pedido a coisa mais perigosa e proibida? arriscando a minha alma, teria eu ousadamente exigido ver Deus?
E agora eu estava como diante Dele e não entendia – estava inutilmente de pé diante Dele, e era de novo diante do nada. A mim, como a todo o mundo, me fora dado tudo, mas eu quisera mais: quisera saber desse tudo. E vendera a minha alma para saber. Mas agora eu entendia que não a vendera ao demônio, mas muito mais perigosamente: a Deus. Que me deixara ver. Pois Ele sabia que eu não saberia ver o que visse: a explicação de um enigma é a repetição do enigma. O que És? e a resposta é: És. O que existes? e a resposta é: o que existes. Eu tinha a capacidade da pergunta, mas não a de ouvir a resposta.
(in A Paixão Segundo GH. pág 134)

Clarice Lispector

Mas era como uma pessoa que, tendo nascido cega e não tendo ninguém a seu lado que tivesse tido visão, essa pessoa não pudesse sequer formular uma pergunta sobre a visão: ela não saberia que existia ver. Mas, como na verdade existia a visão, mesmo que essa pessoa em si mesma não a soubesse e nem tivesse ouvido falar, essa pessoa estaria parada, inquieta, atenta, sem saber perguntar sobre o que não sabia que existe – ela sentiria falta do que deveria ser seu.

Clarice Lispector

O mistério do destino humano é que somos fatais, mas temos a liberdade de cumprir ou não o nosso fatal: de nós depende realizarmos o nosso destino fatal.
(in A Paixão Segundo GH. pág 124.)

Clarice Lispector

Mas de mim depende eu vir livremente a ser o que fatalmente sou. Sou dona de minha fatalidade e, se eu decidir não cumpri-la, ficarei fora de minha natureza especificamente viva. Mas se eu cumprir meu núcleo neutro e vivo, então, dentro de minha espécie, estarei sendo especificamente humana.

Clarice Lispector

Toda a parte mais inatingível de minha alma e que não me pertence – é aquela que toca na minha fronteira com o que já não é eu, e à qual me dou. Toda a minha ânsia tem sido esta proximidade inultrapassável e excessivamente próxima. Sou mais aquilo que em mim não é. E eis que a mão que eu segurava me abandonou. Não, não. Eu é que larguei a mão porque agora tenho que ir sozinha.
Se eu conseguir voltar do reino da vida tornarei a pegar a tua mão, e a beijarei grata porque ela me esperou, e esperou que meu caminho passasse, e que eu voltasse magra, faminta e humilde: com fome apenas do pouco, com fome apenas do menos.

Clarice Lispector

A barata e eu somos infernalmente livres porque a nossa matéria viva é
maior que nós, somos infernalmente livres porque minha própria vida é tão pouco
cabível dentro de meu corpo que não consigo usá-la. Minha vida é mais
usada pela terra do que por mim, sou tão maior do que aquilo que eu
chamava de “eu” que, somente tendo a vida do mundo, eu me teria.
(in A Paixão Segundo GH. pág 122/3)

Clarice Lispector

É que, quando amávamos, eu não sabia que o amor estava acontecendo muito mais exatamente quando não havia o que chamávamos de amor. O neutro do amor, era isso o que nós vivíamos e desprezávamos.

Clarice Lispector

Esquenta-me com a tua adivinhação de mim, compreende-me porque eu não estou me compreendendo. Estou somente amando a barata. E é um amor infernal.

Clarice Lispector

Estou tentando te dizer de como cheguei ao neutro e ao inexpressivo de mim. Não sei se estou entendendo o que falo, estou sentindo – e receio muito o sentir, pois sentir é apenas um dos estilos de ser.

Clarice Lispector

A respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.

Clarice Lispector

Sei, é ruim segurar minha mão. É ruim ficar sem ar nessa mina desabada para onde eu te trouxe sem piedade por ti, mas por piedade por mim. Mas juro que te tirarei ainda vivo daqui – nem que eu minta, nem que eu minta o que meus olhos viram. Eu te salvarei deste terror onde, por enquanto, eu te preciso. Que piedade agora por ti, a quem me agarrei. Deste-me inocentemente a mão, e porque eu a segurava é que tive coragem de me afundar. Mas não procures entender-me, faze-me apenas companhia. Sei que tua mão me largaria, se soubesse.
Como te compensar? Pelo menos também usa-me, usa-me pelo menos como túnel escuro – e quando atravessares minha escuridão te encontrarás do outro lado contigo. Não te encontrarás comigo talvez, não sei se atravessarei, mas contigo.

Clarice Lispector

Escuta, diante da barata viva, a pior descoberta foi a de que o mundo não é
humano, e de que não somos humanos.
Não, não te assustes! certamente o que me havia salvo até aquele
momento da vida sentimentizada de que eu vivia, é que o inumano é o melhor
nosso, é a coisa, a parte coisa da gente. Só por isso é que, como pessoa falsa, eu
não havia até então soçobrado sob a construção sentimentária e utilitária: meus
sentimentos humanos eram utilitários, mas eu não tinha soçobrado porque a parte
coisa, matéria do Deus, era forte demais e esperava para me reivindicar.
pág 69 GH

Clarice Lispector

Vê, meu amor, vê como por medo já estou organizando, vê como ainda não consigo mexer nesses elementos primários do laboratório sem logo querer organizar a esperança. É que por enquanto a metamorfose de mim em mim mesma não faz nenhum sentido. É uma metamorfose em que perco tudo o que eu tinha, e o que eu tinha era eu – só tenho o que sou. E agora o que sou? Sou: estar de pé diante de um susto. Sou: o que vi. Não entendo e tenho medo de entender, o material do mundo me assusta, com os seus planetas e baratas. Eu, que antes vivera de palavras de caridade ou orgulho ou de qualquer coisa. Mas que abismo entre a palavra e o que ela tentava, que abismo entre a palavra amor e o amor que não tem sequer sentido humano – porque – porque amor é a matéria viva. Amor é a matéria viva?

Clarice Lispector

Numa experiência pela qual peço perdão a mim mesma, eu estava saindo do meu mundo e entrando no mundo.

Clarice Lispector

Mas se eu gritasse uma só vez que fosse, talvez nunca mais pudesse parar. Se eu gritasse ninguém poderia fazer mais nada por mim; enquanto, se eu nunca revelar a minha carência, ninguém se assustará comigo e me ajudarão sem saber; mas só enquanto eu não assustar ninguém por ter saído dos regulamentos. Mas se souberem, assustam-se, nós que guardamos o grito em segredo inviolável. Se eu der o grito de alarme de estar viva, em mudez e dureza me arrastarão pois arrastam os que saem para fora do mundo possível, o ser excepcional é arrastado, o ser gritante.

Clarice Lispector

A vida, meu amor, é uma grande sedução onde tudo o que existe se seduz. Aquele quarto que estava deserto e por isso primariamente vivo. Eu chegara ao nada, e o nada era vivo e úmido.

Clarice Lispector

Mas como me reviver? Se não tenho uma palavra natural a dizer. Terei que
fazer a palavra como se fosse criar o que me aconteceu?
Vou criar o que me aconteceu. Só porque viver não é relatável. Viver não é
vivível. Terei que criar sobre a vida. E sem mentir. Criar sim, mentir não. Criar não
é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade. Entender é uma
criação, meu único modo. Precisarei com esforço traduzir sinais de telégrafo –
traduzir o desconhecido para uma língua que desconheço, e sem sequer entender
para que valem os sinais. Falarei nessa linguagem sonâmbula que se eu estivesse
acordada não seria linguagem.
Até criar a verdade do que me aconteceu. Ah, será mais um grafismo que
uma escrita, pois tento mais uma reprodução do que uma expressão. Cada vez
preciso menos me exprimir. Também isto perdi? Não, mesmo quando eu fazia
esculturas eu já tentava apenas reproduzir, e apenas com as mãos.
in A paixão segundo GH pág 21

Clarice Lispector

Não tenho uma palavra a dizer. Por que não me calo, então? Mas se eu
não forçar a palavra a mudez me engolfará para sempre em ondas. A palavra e a
forma serão a tábua onde boiarei sobre vagalhões de mudez.
E se estou adiando começar é também porque não tenho guia. O relato de
outros viajantes poucos fatos me oferecem a respeito da viagem: todas as
informações são terrivelmente incompletas.
Sinto que uma primeira liberdade está pouco a pouco me tomando… Pois
nunca até hoje temi tão pouco a falta de bom-gosto: escrevi “vagalhões de
mudez”, o que antes eu não diria porque sempre respeitei a beleza e a sua
moderação intrínseca. Disse “vagalhões de mudez”, meu coração se inclina
humilde, e eu aceito. Terei enfim perdido todo um sistema de bom Mas será este o
meu ganho único? Quanto eu devia ter vivido presa para sentir-me agora mais
livre somente por não recear mais a falta de estética… Ainda não pressinto o que
mais terei ganho. Aos poucos, quem sabe, irei percebendo. Por enquanto o
primeiro prazer tímido que estou tendo é o de constatar que perdi o medo do feio.
E essa perda é de uma tal bondade. É uma doçura.
A paixão segundo gh pág 20/21

Clarice Lispector

Ou estarei apenas adiando o começar a falar? por que não digo nada e apenas ganho tempo? Por medo. É preciso coragem para me aventurar numa tentativa de concretização do que sinto. É como se eu tivesse uma moeda e não soubesse em que país ela vale. Será preciso coragem para fazer o que vou fazer: dizer. E me arriscar à enorme surpresa que sentirei com a pobreza da coisa dita. Mal a direi, e terei que acrescentar: não é isso, não é isso! Mas é preciso também não ter medo do ridículo, eu sempre preferi o menos ao mais por medo também do ridículo: é que há também o dilaceramento do pudor. Adio a hora de me falar. Por medo? E porque não tenho uma palavra a dizer.

Clarice Lispector

Mas é que a verdade nunca me fez sentido. A verdade não me faz sentido! É por isso que eu a temia e a temo. Desamparada, eu te entrego tudo – para que faças disso uma coisa alegre. Por te falar eu te assustarei e te perderei? mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia. A verdade não faz sentido, a grandeza do mundo me encolhe. Aquilo que provavelmente pedi e finalmente tive, veio no entanto me deixar carente como uma criança que anda sozinha pela terra. Tão carente que só o amor de todo o universo por mim poderia me consolar e me cumular, só um tal amor que a própria célula-ovo das coisas vibrasse com o que estou chamando de um amor. Daquilo a que na verdade apenas chamo mas sem saber-lhe o nome.

Clarice Lispector

Para falar a verdade, nunca estive tão bem. Por quê? Não quero saber por quê.

Clarice Lispector

Meus dias são um só clímax: vivo à beira.

Clarice Lispector

E Macabéa, com medo de que o silêncio já significasse uma ruptura, disse ao recém-namorado:
– Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?

Clarice Lispector

O destino de uma mulher é ser mulher.

Clarice Lispector

E não esquecer que a estrutura do átomo não é vista mas sabe-se dela. Sei de muita coisa que não vi.

Clarice Lispector

Eu, que simbolicamente
morro várias vezes só para
experimentar a ressurreição.

Clarice Lispector

E solidão é não precisar. Não precisar deixa um homem muito só, todo só.

Clarice Lispector

Sonhe com aquilo que você quiser

Clarice Lispector

E sabe de algum modo obscuro que seus cabelos escorridos são de um náufrago. Porque sabe – sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano.

Clarice Lispector

Pensando bem: quem não é um acaso na vida?

Clarice Lispector

Todo caso de loucura é que alguma coisa voltou. Os possessos, eles não são possuídos pelo que vem, mas pelo que volta.

Clarice Lispector

O tédio é de uma felicidade primária demais! E é por isso que me é intolerável o paraíso.

Clarice Lispector

Sou cheio de muito amor e é isso o que certamente me dá uma grandeza.

Clarice Lispector

No fundo sou sozinha. Há verdades que nem a Deus eu contei. E nem a mim mesma. Sou um segredo fechado a sete chaves. Por favor me poupem. Estou tão só. Eu e meus rituais. O telefone não toca. Dói. Mas é Deus que me poupa.

Clarice Lispector

Como um gato de dorso arrepiado, arrepio-me diante de mim.

Clarice Lispector

…Antes de me organizar, tenho que me desorganizar internamente. Para experimentar o primeiro e passageiro estado primário de liberdade. Da liberdade de errar, cair e levantar-me…

Clarice Lispector

Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios.
Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa.
Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.

Clarice Lispector

E assim como a primavera, eu me deixei cortar para vir mais forte…

Clarice Lispector

Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas.

Clarice Lispector

Estou muito próxima, de um modo geral. É bom e não é bom. É que sinto falta de um silêncio. Eu era silenciosa. E agora me comunico, mesmo sem falar. Mas falta uma coisa. Eu vou tê-la. É uma espécie de liberdade, sem pedir licença a ninguém.

Clarice Lispector

Sou uma pergunta.

Clarice Lispector

E foi tão corpo que foi puro espírito.
(Perto do coração selvagem)
A loucura é vizinha da mais cruel sensatez. Engulo a loucura porque ela me alucina calmamente.
(A descoberta do mundo)
Bem atrás do pensamento tenho um fundo musical.
(Água viva)
Escuta: Eu te deixo ser, deixa-me ser então.
(Água viva)
Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece.
(A descoberta do mundo)
Fiquei até com vontade de chorar mas felizmente não chorei porque quando choro fico tão consolada.
(Todas as cartas)
Por enquanto estou inventando a tua presença.
(A paixão segundo G. H.)
Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor. Para que te servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada. Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto – uivaram os lobos, e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir.
(Felicidade clandestina)
Como se visse alguém beber água e descobrisse que tinha sede, sede profunda e velha. Talvez fosse apenas falta de vida: estava vivendo menos do que podia e imaginava que sua sede pedisse inundações.
(Perto do coração selvagem)

Clarice Lispector

Escrevo como se estivesse dormindo e sonhando: as frases desconexas como no sonho. É difícil, estando acordado, sonhar livremente nos meus remotos mistérios.

Clarice Lispector

Mais que um instante, quero seu fluxo.

Clarice Lispector

Vou tomar um banho antes de sair e perfumar-me com um perfume que é segredo meu. Só digo uma coisa dele: é agreste e um pouco áspero, com doçura escondida.

Clarice Lispector

Para não se traírem eles ignoravam que hoje era ontem e haveria amanhã.

Clarice Lispector

Coragem e covardia são um jogo que se joga a cada instante.

Clarice Lispector

Ah, meu amor, não tenhas medo da carência: ela é o nosso destino maior. O amor é tão mais fatal do que eu havia pensado, o amor é tão inerente quanto a própria carência, e nós somos garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente. O amor já está, está sempre.

Clarice Lispector

Mas nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que respeitar a nossa fraqueza. Então, são lágrimas suaves, de uma tristeza legítima a qual temos direito. Elas correm devagar e quando passam pelos lábios sente-se aquele gosto salgado, límpido, produto de nossa dor mais profunda.

Clarice Lispector

O pré-amor, que é tão mais feliz que amor.

Clarice Lispector

Desconfortável. Não me sinto bem. Não sei o que é que há. Mas alguma coisa está errada e dá mal-estar. No entanto estou sendo franca e meu jogo é limpo. Abro o jogo. Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza.

Clarice Lispector

Devo dizer que ela era doida por soldado? Pois era. Quando via um, pensava com estremecimento de prazer: será que ele vai me matar?

Clarice Lispector

Há registros íntimos (Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei…) e observações de pertinência social (Nascera inteiramente raquítica, herança do sertão, (…). Essa moça não sabia que ela era assim como um cachorro não sabe que é cachorro, (…) nem se dava conta de que vivia numa sociedade técnica onde ela era um parafuso dispensável).”
“O sofrimento é sempre um encontro consigo mesmo: sofrer amadurece”) com indicações nuas e cruas (Depois que ele desapareceu, eu, para não sofrer, me divertia amando mulher. O carinho de mulher é muito bom mesmo, eu até aconselho porque você é delicada demais para suportar a brutalidade dos homens e se você conseguir uma mulher vai ver como é gostoso, entre mulheres o carinho é mais fino)

Clarice Lispector

SILÊNCIO
É tão vasto o silêncio da noite na montanha. É tão despovoado. Tenta-se em vão trabalhar para não ouvi-lo, pensar depressa para disfarçá-lo. Ou inventar um programa, frágil ponto que mal nos liga ao subitamente improvável dia de amanhã. Como ultrapassar essa paz que nos espreita. Silêncio tão grande que o desespero tem pudor. Montanhas tão altas que o desespero tem pudor. Os ouvidos se afiam, a cabeça se inclina, o corpo todo escuta: nenhum rumor. Nenhum galo. Como estar ao alcance dessa profunda meditação do silêncio. Desse silêncio sem lembrança de palavras. Se és morte, como te alcançar.
É um silêncio que não dorme: é insone: imóvel mas insone; e sem fantasmas. É terrível – sem nenhum fantasma. Inútil querer povoá-lo com a possibilidade de uma porta que se abra rangendo, de uma cortina que se abra e diga alguma coisa. Ele é vazio e sem promessa. Se ao menos houvesse o vento. Vento é ira, ira é a vida. Ou neve. Que é muda mas deixa rastro – tudo embranquece, as crianças riem, os passos rangem e marcam. Há uma continuidade que é a vida. Mas este silêncio não deixa provas. Não se pode falar do silêncio como se fala da neve. Não se pode dizer a ninguém como se diria da neve: sentiu o silêncio desta noite? Quem ouviu não diz.
A noite desce com suas pequenas alegrias de quem acende lâmpadas com o cansaço que tanto justifica o dia. As crianças de Berna adormecem, fecham-se as últimas portas. As ruas brilham nas pedras do chão e brilham já vazias. E afinal apagam-se as luzes as mais distantes.
Mas este primeiro silêncio ainda não é o silêncio. Que se espere, pois as folhas das árvores ainda se ajeitarão melhor, algum passo tardio talvez se ouça com esperança pelas escadas.
Mas há um momento em que do corpo descansado se ergue o espírito atento, e da terra a lua alta. Então ele, o silêncio, aparece.
O coração bate ao reconhecê-lo.
Pode-se depressa pensar no dia que passou. Ou nos amigos que passaram e para sempre se perderam. Mas é inútil esquivar-se: há o silêncio. Mesmo o sofrimento pior, o da amizade perdida, é apenas fuga. Pois se no começo o silêncio parece aguardar uma resposta – como ardemos por ser chamados a responder – cedo se descobre que de ti ele nada exige, talvez apenas o teu silêncio. Quantas horas se perdem na escuridão supondo que o silêncio te julga – como esperamos em vão por ser julgados pelo Deus. Surgem as justificações, trágicas justificações forjadas, humildes desculpas até a indignidade. Tão suave é para o ser humano enfim mostrar sua indignidade e ser perdoado com a justificativa de que se é um ser humano humilhado de nascença.
Até que se descobre – nem a sua indignidade ele quer. Ele é o silêncio.
Pode-se tentar enganá-lo também. Deixa-se como por acaso o livro de cabeceira cair no chão. Mas, horror – o livro cai dentro do silêncio e se perde na muda e parada voragem deste. E se um pássaro enlouquecido cantasse? Esperança inútil. O canto apenas atravessaria como uma leve flauta o silêncio.
Então, se há coragem, não se luta mais. Entra-se nele, vai-se com ele, nós os únicos fantasmas de uma noite em Berna. Que se entre. Que não se espere o resto da escuridão diante dele, só ele próprio. Será como se estivéssemos num navio tão descomunalmente enorme que ignorássemos estar num navio. E este singrasse tão largamente que ignorássemos estar indo. Mais do que isso um homem não pode. Viver na orla da morte e das estrelas é vibração mais tensa do que as veias podem suportar. Não há sequer um filho de astro e de mulher como intermediário piedoso. O coração tem que se apresentar diante do nada sozinho e sozinho bater alto nas trevas. Só se sente nos ouvidos o próprio coração. Quando este se apresenta todo nu, nem é comunicação, é submissão. Pois nós não fomos feitos senão para o pequeno silêncio.
Se não há coragem, que não se entre. Que se espere o resto da escuridão diante do silêncio, só os pés molhados pela espuma de algo que se espraia de dentro de nós. Que se espere. Um insolúvel pelo outro. Um ao lado do outro, duas coisas que não se veem na escuridão. Que se espere. Não o fim do silêncio mas o auxílio bendito de um terceiro elemento, a luz da aurora.
Depois nunca mais se esquece. Inútil até fugir para outra cidade. Pois quando menos se espera pode-se reconhecê-lo – de repente. Ao atravessar a rua no meio das buzinas dos carros. Entre uma gargalhada fantasmagórica e outra. Depois de uma palavra dita. Às vezes no próprio coração da palavra. Os ouvidos se assombram, o olhar se esgazeia – ei-lo. E dessa vez ele é fantasma.

Clarice Lispector

E a doçura é tanta que faz insuportável cócega na alma. Viver é mágico e inteiramente inexplicável.

Clarice Lispector

Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma ideia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.
Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. Há um perigo: se reflito demais, deixo de agir. E muitas vezes prova-se depois que eu deveria ter agido. Estou num impasse. Quero melhorar e não sei como. Sob o impacto de um impulso, já fiz bem a algumas pessoas. E, às vezes, ter sido impulsiva me machuca muito. E mais: nem sempre meus impulsos são de boa origem. Vêm, por exemplo, da cólera. Essa cólera às vezes deveria ser desprezada; outras, como me disse uma amiga a meu respeito, são cólera sagrada. Às vezes minha bondade é fraqueza, às vezes ela é benéfica a alguém ou a mim mesma. Às vezes restringir o impulso me anula e me deprime; às vezes restringi-lo dá-me uma sensação de força interna.
Que farei então? Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.

Clarice Lispector

” A criação não é uma compreensão, é um novo mistério.”

Clarice Lispector

O mundo já caiu, só me resta dançar sobre os destroços.

Clarice Lispector

Ela se afasta fazendo uma trancinha nos cabelos escorridos. Nunca nunca nunca sim sim, canta baixinho.
Aprendeu a trançar um dia desses.
In: Coração Selvagem.

Clarice Lispector

Porque a melhor frase, sempre ainda a mais jovem, era: a bondade me dá ânsias de vomitar. A bondade era morna e leve, cheirava a carne crua guardada há muito tempo. Sem apodrecer inteiramente apesar de tudo. Refrescavam-na de quando em quando, botavam um pouco de tempero, o suficiente para conservá-la um pedaço de carne morna e quieta.

Clarice Lispector

Tudo o que mais valia exatamente ela não podia contar. Só falava tolices com as pessoas. Quando dizia a Rute, por exemplo, alguns segredos, ficava depois com raiva de Rute. O melhor era mesmo calar.

Clarice Lispector

(…) onde a maldade era fria e intensa como um banho de gelo. Como se visse alguém beber água e descobrisse que tinha sede, sede profunda e velha. Talvez fosse apenas falta de vida: estava vivendo menos do que podia e imaginava que sua sede pedisse inundações. Talvez apenas alguns goles…

Clarice Lispector

Não acusar-me. Buscar a base do egoísmo: tudo o que não sou não pode me interessar, há impossibilidade de ser além do que se é – no entanto eu me ultrapasso mesmo sem o delírio, sou mais do que eu quase normalmente –; tenho um corpo e tudo o que eu fizer é continuação de meu começo; se a civilização dos Maias não me interessa é porque nada tenho dentro de mim que se possa unir aos seus baixos-relevos; aceito tudo o que vem de mim porque não tenho conhecimento das causas e é possível que esteja pisando no vital sem saber; é essa a minha maior humildade, adivinhava ela.

Clarice Lispector

O pior é que ela poderia riscar tudo o que pensara. Seus
pensamentos eram, depois de erguidos, estátuas no jardim e
ela passava pelo jardim olhando e seguindo o seu caminho.
Estava alegre nesse dia, bonita também. Um pouco de febre
também. Por que esse romantismo: um pouco de febre? Mas
a verdade é que tenho mesmo: olhos brilhantes, essa força e essa fraqueza, batidas desordenadas do coração. Quando a
brisa leve, a brisa de verão, batia no seu corpo, todo ele estremecia de frio e calor. E então ela pensava muito rapidamente, sem poder parar de inventar. É porque estou muito nova ainda e sempre que me tocam ou não me tocam, sinto — refletia.

Clarice Lispector

Nada escapa à perfeição das coisas, é essa a história de tudo. Mas isso não explica por que eu me emociono quando Otávio tosse e põe a mão no peito, assim. Ou senão quando fuma, e a cinza cai no seu bigode, sem que ele note. Ah, piedade é o que sinto então. Piedade é a minha
forma de amor. De ódio e de comunicação. É o que me
sustenta contra o mundo, assim como alguém vive pelo desejo, outro pelo medo. Piedade das coisas que acontecem sem que eu saiba.
In: Coração Selvagem.

Clarice Lispector

Mas estou cansada, apesar de minha alegria de hoje, alegria que não se sabe de onde vem, como a da manhãzinha de verão. Estou cansada, agora agudamente! Vamos chorar juntos, baixinho. Por ter sofrido e continuar tão docemente. A dor cansada numa lágrima simplificada. Mas agora já é desejo de poesia, isso eu confesso, Deus. Durmamos de mãos dadas. O mundo rola e em alguma parte há coisas que não conheço. Durmamos sobre Deus e o mistério, nave quieta e frágil flutuando sobre o mar, eis o sono.

Clarice Lispector

Por que ela estava tão ardente e leve, como o ar que vem do fogão que se destampa?
In: Coração Selvagem

Clarice Lispector

Se eu me visse na terra lá das estrelas ficaria só de mim.
In: Coração Selvagem

Clarice Lispector

Era fina, enviesada – sabe como, não é? –, cheia de poder. Tão rápida e áspera nas conclusões, tão independente e amarga que da primeira vez em que falamos chamei-a de bruta! Imagine… Ela riu, depois ficou séria. Naquele tempo eu me punha a imaginar o que ela faria de noite. Porque parecia impossível que ela dormisse.

Clarice Lispector

O que eu te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa.

Clarice Lispector

“Porque estar vivo, verdadeiramente vivo, é horrível”

Clarice Lispector

Medo da Eternidade
Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.
Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.
Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:
– Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira.
– Como não acaba? – Parei um instante na rua, perplexa.
– Não acaba nunca, e pronto.
Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta.
Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.
– E agora que é que eu faço? – Perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver.
– Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.
Perder a eternidade? Nunca.
O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.
– Acabou-se o docinho. E agora?
– Agora mastigue para sempre.
Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito.
Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.
Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.
– Olha só o que me aconteceu! – Disse eu em fingidos espanto e tristeza. – Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!
– Já lhe disse – repetiu minha irmã – que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.
Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra na boca por acaso.
Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

Clarice Lispector

Entendi então que, de qualquer modo, viver é uma grande bondade para com os outros. Basta viver, e por si mesmo isto resulta na grande bondade. Quem vive totalmente está vivendo para os outros, quem vive a própria largueza está fazendo uma dádiva, mesmo que sua vida se passe dentro da incomunicabilidade de uma cela. Viver é dádiva tão grande que milhares de pessoas se beneficiam com cada vida vivida. (A Paixão Segundo G.H)

Clarice Lispector

Quando estou sozinha procuro não pensar porque tenho medo de de repente pensar uma coisa nova demais para mim mesma.

Clarice Lispector

De repente as coisas não precisam mais fazer sentido.

Clarice Lispector

O não sentido das coisas me faz ter um sorriso de complacência. De certo tudo deve estar sendo o que é.

Clarice Lispector

E tudo isso já faz parte de um todo, de um mistério. Sou uma só. (…) Sou um ser. E deixo que você seja. Isso lhe assusta? Creio que sim. Mas vale a pena. Mesmo que doa. Dói só no começo.

Clarice Lispector

Ela preferia mil vezes que estivesse chovendo porque seria muito mais fácil dormir sem medo do escuro.

Clarice Lispector

Ela passaria a noite a rezar, a olhar para o céu escuro, a velar por alguém.

Clarice Lispector

Chorou livremente, como se esta fosse a solução.

Clarice Lispector

Que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano – já me aconteceu antes.

Clarice Lispector

Dá-me a tua mão:Vou agora te contar como entrei no inexpressivo,que sempre foi a minha busca cega e secreta.

Clarice Lispector

Aquela relutância em ceder, mas aquela vontade do grande abraço.

Clarice Lispector

É que ela sentia falta de encontrar-se consigo mesma e sofrer um pouco é um encontro.

Clarice Lispector

E o mundo a me exigir decisões para as quais não estou preparada. Decisões não só a respeito de provocar o nascimento de fatos mas também decisões sobre a melhor forma de ser.

Clarice Lispector

Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, espararei quanto tempo for preciso.

Clarice Lispector

Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer?

Clarice Lispector

Faltava-lhe o jeito de se ajeitar. Só vagamente tomava conhecimento da espécie de ausência que tinha de si em si mesma.

Clarice Lispector

Os fatos são sonoros mas entre os fatos há um sussurro. É o sussurro que me impressiona.

Clarice Lispector

A gargalhada er aterrorizadora porque acontecia no passado e só a imaginação maléfica a trazia para o presente, saudade do que poderia ter sido e não foi.

Clarice Lispector

Minha alegria também vem de minha mais profunda tristeza e que tristeza era uma alegria falhada.

Clarice Lispector

…”Agora preciso de tua mão, não para que eu não tenha medo, mas para que tu não tenhas medo. Sei que acreditar em tudo isso será, no começo, a tua grande solidão. Mas chegará o instante em que me darás a mão, não mais por solidão, mas como eu agora: por amor. Como eu, não terás medo de agregar-te à extrema doçura enérgica do Deus. Solidão é ter apenas o destino humano.
E solidão é não precisar. Não precisar deixa um homem muito só, todo só. Ah, precisar não isola a pessoa, a coisa precisa da coisa: basta ver o pinto andando para ver que seu destino será aquilo que a carência fizer dele, seu destino é juntar-se como gotas de mercúrio a outras gotas de mercúrio, mesmo que, como cada gota de mercúrio, ele tenha em si próprio uma existência toda completa e redonda.
Ah, meu amor, não tenhas medo da carência: ela é o nosso destino maior. O amor é tão mais fatal do que eu havia pensado, o amor é tão inerente quanto a própria carência, e nós somos garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente. O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão.”

Clarice Lispector

Vou continuar, é exatamente da minha natureza nunca me sentir ridícula, eu me aventuro sempre, entro em todos os palcos.

Clarice Lispector

Eu antes tinha querido ser os outros para conhecer o que não era eu. Entendi então que eu já tinha sido os outros e isso era fácil. Minha experiência maior seria ser o âmago dos outros: e o âmago dos outros era eu.

Clarice Lispector

A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio. A este só se chega quando se experimentou o poder de construir, e, apesar do gosto de poder, prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma escolha. Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano. E só esta, é a glória própria de minha condição. A desistência é uma revelação.

Clarice Lispector

Fazia de conta que ela era uma mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, (…) faz de conta que ela não ficava de braços caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, (…) faz de conta que tudo o que tinha não era faz de conta (…)

Clarice Lispector

Quero escrever o borrão vermelho de sangue com as gotas e coágulos pingando de dentro para dentro. Quero escrever amarelo-ouro com raios de translucidez. Que não me entendam pouco-se-me-dá. Nada tenho a perder. Jogo tudo na violência que sempre me povoou, o grito áspero e agudo e prolongado, o grito que eu, por falso respeito humano, não dei. Mas aqui vai o meu berro me rasgando as profundas entranhas de onde brota o estertor ambicionado. Quero abarcar o mundo com o terremoto causado pelo grito.
O clímax de minha vida será a morte.
Quero escrever noções sem o uso abusivo da palavra. Só me resta ficar nua: nada tenho mais a perder.

Clarice Lispector

Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece. (…)
E morre-se sem ao menos uma explicação. E o pior – vive-se, sem ao menos uma explicação. (…)
E ter a obrigação de ser o que se chama de apresentável me irrita. Por que não posso andar em trapos (…)?

Clarice Lispector

Não há dúvida: pensar me irrita, pois antes de começar a tentar pensar eu sabia muito bem o que eu sabia.

Clarice Lispector

Ser livre era seguir-se afinal.

Clarice Lispector

Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?

Clarice Lispector

O que é que se consegue quando se fica feliz?

Clarice Lispector

A visão consiste em surpreender o símbolo das coisas nas próprias coisas.

Clarice Lispector

Ele, a quem eu nada podia dar senão minha sinceridade, ele passou a ser uma acusação de minha pobreza.

Clarice Lispector

Ser um ser permissível a si mesmo é a glória de existir.

Clarice Lispector

Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando…

Clarice Lispector

A vida é igual em toda a parte e o que é necessário é a gente ser a gente.

Clarice Lispector

Nós ainda somos moços, podemos perder algum tempo sem perder a vida inteira.

Clarice Lispector

Oh Deus, e eu que faço concorrência a mim mesma. Me detesto. Felizmente os outros gostam de mim, é uma tranquilidade.

Clarice Lispector

Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.

Clarice Lispector

Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir
De entrar em contato… Ou toca, ou não toca.
E, se me achar esquisita, respeite também.
Até eu fui obrigada a me respeitar
Repito por pura alegria de viver:
a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!
Que minha solidão me sirva de companhia
Que eu tenha a coragem de me enfrentar
Que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.
Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome

Clarice Lispector

E eis que de repente agora mesmo vi que não sou pura.

Clarice Lispector

Sempre procuro reter, como as rédeas de um cavalo, minha tendência ao excessivo.

Clarice Lispector

“E “eu te amo” era uma farpa que não se podia tirar com uma pinça. Farpa incrustada na parte mais grossa da sola do pé.
Ah, e a falta de sede. Calor com sede seria suportável. Mas ah, a falta de sede.
Não havia senão faltas e ausências. E nem ao menos a vontade. Só farpas sem pontas salientes por onde serem pinçadas e extirpadas. “

Clarice Lispector

E eu impávida finjo que não tenho dono. Pontas de cigarro apagadas eu recebo. Um dia vou pegar fogo. De noite fico sozinha no escuro, vazia, pousada num canto do chão. Meu silêncio fede. Ai de mim, que sou o receptáculo da morte das coisas.

Clarice Lispector

Meus amigos são semi-irmãos; meus amores são sempre eternos e meus dramas, mexicanos…

Clarice Lispector

Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia.

Clarice Lispector

Quando eu ficar sozinha, estarei seguindo o destino de todas as mulheres.

Clarice Lispector

Eu não lembrara em dizer que sem o medo já havia o mundo.

Clarice Lispector

Eu sou uma pergunta de certo. Uma pergunta que não deseja ser respondida. Que também não se contenta com as respostas porque acha tudo um tanto quanto relativo. Meus braços são por demais pequenos para o mundo que eu quero abraçar. E meu coração é por demais tortuoso para não causar espanto. Quero tudo! Agora!

Clarice Lispector

Eu sou um ser totalmente passional. Sou movida pela emoção, pela paixão… tenho meus desatinos… Detesto coisas mais ou menos… Não sei conviver com pessoas mais ou menos… Não sei amar mais ou menos… Não me entrego de forma mais ou menos… Se você procura alguém coerente, sensata, politicamente correta, racional, cheia de moralismo… ESQUEÇA-ME!

Clarice Lispector

Não entendo, apenas sinto. Tenho medo de um dia entender e deixar de sentir.

Clarice Lispector

Onde está a imaginação? Ando sobre trilhos invisíveis. Prisão, liberdade. São essas as palavras que me ocorrem. No entanto não são as verdadeiras, únicas e insubstituíveis, sinto-o. Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome.

Clarice Lispector

Porque eu sozinho não consigo: a solidão, a mesma que existe em cada um, me faz inventar.

Clarice Lispector

Escrevo para me livrar da carga difícil de uma pessoa ser ela mesma.

Clarice Lispector

Ângela é doida. Mas tem uma lógica matemática na sua aparente doidice. E se diverte muito, a escandalosa. Aguça-se demais e depois não sabe o que fazer de si. Que se dane. Entre o “sim” e o “não” só há um caminho: escolher. Ângela escolheu “sim”. Ela é tão livre que um dia será presa. “Presa por quê?” “Por excesso de liberdade”. “Mas essa liberdade é inocente?” “É”. “Até mesmo ingênua”. “Então por que a prisão”? “Porque a liberdade ofende”.

Clarice Lispector

Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece.

Clarice Lispector

Amor (…) é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor verdadeiro, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões.

Clarice Lispector

Quem ama a solidão não ama a liberdade.

Clarice Lispector

Viver em sociedade é um desafio porque às vezes ficamos presos a determinadas normas que nos obrigam a seguir regras limitadoras do nosso ser ou do nosso não ser… Quero dizer com isso que nós temos, no mínimo, duas personalidades: a objetiva, que todos ao nosso redor conhece; e a subjetiva… Em alguns momentos, esta se mostra tão misteriosa que se perguntarmos – Quem somos? Não saberemos dizer ao certo. Sempre devemos ser autênticos, as pessoas precisam nos aceitar pelo que somos e não pelo que parecemos ser… Aqui reside o eterno conflito da aparência x essência.

Clarice Lispector

E ninguém é eu. Ninguém é você. Esta é a solidão.

Clarice Lispector

Melhor assim. Não quero mais depender de ninguém. Quero é o “Danúbio Azul”. E não “Valsa Triste” de Sibellius, se é que é assim que se escreve o seu nome.

Clarice Lispector

E sou rancorosa. Um dia um casal me convidou para almoçar no domingo. E no sábado de tarde, assim, à última hora, me avisaram que o almoço não podia ser porque tinham que almoçar com um homem estrangeiro muito importante. Por que não me convidaram também? por que me deixaram sozinha no domingo? Então me vinguei. Não sou boazinha. Não os procurei mais. E não aceitarei mais convite deles. Pão pão, queijo queijo.

Clarice Lispector

Não telefono para mais ninguém. Quem quiser que me procure. E vou me fazer de rogada. Agora acabou-se a brincadeira.

Clarice Lispector

E coca-cola. Como disse Cláudio Brito, tenho mania de coca-cola e de café. Meu cachorro está coçando a orelha e com tanto gosto que chega a gemer. Sou mãe dele. E preciso de dinheiro. Mas que o “Danúbio Azul” é lindo, é mesmo.

Clarice Lispector

O perigo de meditar é o de sem querer começar a pensar, e pensar já não é meditar, pensar guia para um objetivo.

Clarice Lispector

Não se compreende música: ouve-se. Ouve-me então com teu corpo inteiro.

Clarice Lispector

Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o espírito. Quantas mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento. Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos.

Clarice Lispector

O pior de mentir é que cria falsa verdade. (Não, não é tão óbvio como parece, não é truísmo; sei que estou dizendo uma coisa e que apenas não sei dizê-la do modo certo, aliás o que me irrita é que tudo tem de ser “do modo certo”, imposição muito limitadora.) O que é mesmo que eu estava tentando pensar? Talvez isso: se a mentira fosse apenas a negação da verdade, então este seria um dos modos (negativos) de dizer a verdade. Mas a mentira pior é a mentira “criadora”. (Não há dúvida: pensar me irrita, pois antes de começar a tentar pensar eu sabia muito bem o que eu sabia.)

Clarice Lispector

Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões.

Clarice Lispector

Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios.
Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa.
Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo” e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia. Mas eu escapei disso,

Clarice Lispector

Já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas.
(Para não esquecer)
O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas.
(Água viva)

Clarice Lispector

Fico com medo. Mas o coração bate. O amor inexplicável faz o coração bater mais depressa. A garantia única é que eu nasci. Tu és uma forma de ser eu, e eu uma forma de te ser: eis os limites de minha possibilidade.

Clarice Lispector

Fui até onde pude, mas como é que não compreendi que aquilo que não alcanço em mim… já são os outros?

Clarice Lispector

Do que sei sou ignorante.
Do que sinto não ignoro.
Não me entendo e ajo como se me entendesse

Clarice Lispector

O telefone não toca. Dói. Mas é Deus que me poupa.

Clarice Lispector

Mas estou já cansada de minhas hesitações, que já me trouxeram bastante aborrecimento. Tenho sempre que me lembrar que tudo que consegui na vida foi à custa de ousadias, embora pequenas. Quando a gente cai nessa atmosfera de indecisão, se sente perdida.

Clarice Lispector

Naturalmente eu sou irritável, naturalmente meu humor não é brilhante, mas de um modo geral sou alegre.

Clarice Lispector

Cada pessoa é um mundo, cada pessoa tem sua própria chave e a dos outros nada resolve; só se olha para o mundo alheio por distração, por interesse, por qualquer outro sentimento que sobrenada e que não é o vital; o ‘mal de muitos’ é consolo, mas não é solução.

Clarice Lispector

Eu sou uma chama acesa! E rebrilho e rebrilho toda essa escuridão.

Clarice Lispector

As almas fracas como você são facilmente levadas a qualquer loucura com um olhar apenas por almas fortes como a minha.

Clarice Lispector

Embora às vezes grite: não quero mais ser eu! Mas eu me grudo a mim e, inextricavelmente, forma-se uma tessitura de vida.

Clarice Lispector

Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim.

Clarice Lispector

Eu e minha liberdade que não sei usar.

Clarice Lispector

Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.

Clarice Lispector

Eu ponhei cada coisa em seu lugar. É isso mesmo: ponhei. Porque “pus” parece de ferida feia e marrom na perna de mendigo e a gente se sente tão culpada por causa da ferida com pus do mendigo e o mendigo somos nós,
os degredados.

Clarice Lispector

Há muito aceitei o destino espaventado que é o meu. Obrigada. Muito obrigada, meu senhor. Vou embora: vou ao que é meu. Meu coração está gélido que nem barulhinho de gelo em copo de uísque

Clarice Lispector

Tenho em mim, objeto que sou, um toque de santidade enigmática. Sinto-a em certos momentos vazios e faço milagres em mim mesma: o milagre do transitorial mudar de repente, a um leve toque em mim, a mudar de repente de sentimento e pensamentos, e o milagre de ver tudo claríssimo e oco: vejo a luminosidade sem tema, sem história, sem fatos. Faço grande esforço para não ter o pior dos sentimentos: o de que nada vale nada. E até o prazer é desimportante.

Clarice Lispector

Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença.

Clarice Lispector

Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.
Clarice Lispector in Aprendendo a Viver

Clarice Lispector

Cada pessoa é um mundo, cada pessoa tem sua própria chave e a dos outros nada resolve; só se olha para o mundo alheio por distração, por interesse, por qualquer outro sentimento que sobrenada e que não é o vital; o ‘mal de muitos’ é consolo, mas não é solução.

Clarice Lispector

E todos os dias ficarei tão alegre que incomodarei os outros, o que pouco me importa, já que eu tantas vezes sou incomodada pela alegria superficial e digestiva dos outros.

Clarice Lispector

“Como, pois, inaugura agora em mim o pensamento? E talvez só o pensamento me salvasse, tenho medo da paixão.”

Clarice Lispector

(…) às vezes me parece que estou perdendo tempo, às vezes me parece que pelo contrário, não há modo mais perfeito, embora inquieto, de usar o tempo: o de te esperar.

Clarice Lispector

Minhas ideias são inventadas. Eu não me responsabilizo por elas.

Clarice Lispector

Ao tentar corrigir um erro, eu cometia outro. Sou uma culpada inocente.

Clarice Lispector

Minha coragem foi a de um sonâmbulo que simplesmente vai.

Clarice Lispector

Escrevo muito simples e muito nu. Por isso fere.

Clarice Lispector

Mas há o hábito e o hábito anestesia.

Clarice Lispector

Também era bom que não viesse tantas vezes quantas queria: porque ela poderia se habituar à felicidade.

Clarice Lispector

Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada.

Clarice Lispector

E eis que depois de uma tarde de “quem sou eu” e de acordar à uma hora da madrugada ainda em desespero – eis que às três horas da madrugada acordei e me encontrei. Fui ao encontro de mim. Calma, alegre, plenitude sem fulminação. Simplesmente eu sou eu. e você é você. É vasto, vai durar.
O que te escrevo é um “isto”. Não vai parar: continua.
Olha para mim e me ama. Não: tu olhas para ti e te amas. É o que está certo.

Clarice Lispector

Faz de conta que a vida dela não era um faz de conta.

Clarice Lispector

Quem não é perdido não conhece a liberdade e não ama.

Clarice Lispector

Abro bem os olhos, e não adianta: apenas vejo. Mas o segredo, este não vejo nem sinto. A eletrola está quebrada e não viver com música é trair a condição humana que é cercada de música. Aliás, música é uma abstrada do pensamento.

Clarice Lispector

A verdade é sempre um contato interior e inexplicável.

Clarice Lispector

É que “quem sou eu?” provoca necessidade. É como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.

Clarice Lispector

É assim porque é assim. Existe no mundo outra resposta? Se alguém sabe de uma melhor, que se apresente e diga, estou há anos esperando.

Clarice Lispector

Fiz do meu prazer e da minha dor o meu destino disfarçado. E ter apenas a própria vida é […] um sacrifício. Como aqueles que, no convento, varrem o chão e lavam a roupa, servindo sem a glória de função maior, meu trabalho é o de viver os meus prazeres e as minhas dores. É necessário que eu tenha a modéstia de viver…”

Clarice Lispector

Eu te amo geometricamente e ponto zero no horizonte formando triângulo contigo. O resultado é um perfume de rosas maceradas.

Clarice Lispector

“Tem toda a iluminação feérica — e ao mesmo tempo que se habitua lenta e muda e majestosa e delicadíssima e fatal — em ser mulher — é modesta demais para sê-lo, é fugaz demais para ser definida.
Ela me contou que na rua dirigiu-se a um guarda — e explicou que assim fez porque ele devia saber das coisas e ainda por cima estava armado, o que infunde respeito a ela. Falou assim para o guarda:
o senhor pode me informar, por obséquio, quando começa a primavera?”

Clarice Lispector

Vivo sem explicação possível. Eu que não tenho sinônimo.

Clarice Lispector

Então sonhei um sonho tão bom: sonhei assim: na vida nós somos artistas de uma peça de teatro absurdo escrita por um Deus absurdo. Nós somos todos os participantes desse teatro: na verdade nunca morremos quando acontece a morte. Só morremos como artistas. Isso seria a eternidade?

Clarice Lispector

Quando eu digo te amo, estou me amando em você.

Clarice Lispector

É egoísta e cobiçosa. Não larga as pessoas em parte por amor, em parte por não saber romper.

Clarice Lispector

Se era inteligente, não sabia. Ser ou não inteligente dependia da instabilidade dos outros.

Clarice Lispector

A menina era um ser feito para amar até que se tornou moça e havia os homens.

Clarice Lispector

E apesar da hostilidade entre ambos se tornar gradativamente mais intensa, como mãos que estão perto e não se dão, eles não podiam se impedir de se procurar.

Clarice Lispector

Ele precisava dela com fome para não esquecer que eram feitos da mesma carne.

Clarice Lispector

Angústia pode ser não ter esperança na esperança. Ou conformar-se sem se resignar. Ou não se confessar nem a si próprio. Ou não ser o que realmente se é, e nunca se é. Angústia pode ser o desamparo de estar vivo. Pode ser também não ter coragem de ter angústia – e a fuga é outra angústia. Mas angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai.
Esse mesmo rapaz perguntou-me: você não acha que há um vazio sinistro em tudo? Há sim. Enquanto se espera que o coração entenda.

Clarice Lispector

O que é que há? Pois estou ouvindo acordes de piano alegre – será isto o símbolo de que a vida da moça iria ter um futuro esplendoroso? Estou contente com essa possibilidade e farei tudo para que esta se torne real. (A hora da estrela)

Clarice Lispector

Ela forçou dentro de mim sua existência. (A hora da estrela)

Clarice Lispector

Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer.

Clarice Lispector

Como fazer se não te enterneces com meus defeitos,
enquanto amei os teus.

Clarice Lispector

Observo em mim mesma as mudanças de estação: eu claramente mudo com elas.

Clarice Lispector

Comecei a mentir por precaução, e ninguém me avisou do perigo de ser tão precavida; porque depois nunca mais a mentira descolou de mim. E tanto menti que comecei a mentir até a minha própria mentira. E isso – já atordoada eu sentia – isso era dizer a verdade. Até que decaí tanto que a mentira eu a dizia crua, simples, curta: eu dizia a verdade bruta.

Clarice Lispector

Olhar-se ao espelho e dizer-se deslumbrada: Como sou misteriosa. Sou tão delicada e forte. E a curva dos lábios manteve a inocência.
Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surpreendido consigo próprio. Por uma fração de segundo a gente se vê como a um objeto a ser olhado. A isto se chama talvez de narcisismo, mas eu chamaria de: alegria de ser. Alegria de encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo.

Clarice Lispector

Para compreender a minha não-inteligência, o meu sentimento, fui obrigada a me tornar inteligente.

Clarice Lispector

Só agora eu percebia que antes vivera dentro de um cubo.

Clarice Lispector

O que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente sente e usa a palavra que o exprima.
É pouco, é muito pouco.

Clarice Lispector

Suponho que este tipo de sensibilidade, uma que não só se comove como por assim dizer pensa sem ser com a cabeça, suponho que seja um dom.

Clarice Lispector

Não fossem os caminhos da emoção a que leva o pensamento, pensar já teria sido catalogado como um dos modos de se divertir.

Clarice Lispector

Entregar-se a pensar é uma grande emoção, e só se tem coragem de pensar na frente de outrem quando a confiança é grande a ponto de não haver constrangimento em usar, se necessário, a palavra outrem.

Clarice Lispector

Outro sinal de se estar em caminho certo é o de não ficar aflita por não entender; a atitude deve ser: não se perde por esperar, não se perde por não entender.
Então comecei uma listinha de sentimentos dos quais não sei o nome. Se recebo um presente dado com carinho por pessoa de quem não gosto – como se chama o que sinto? A saudade que se tem de pessoa de quem a gente não gosta mais, essa mágoa e esse rancor – como se chama? Estar ocupada – e de repente parar por ter sido tomada por uma súbita desocupação desanuviadora e beata, como se uma luz de milagre tivesse entrado na sala: como se chama o que se sentiu?

Clarice Lispector

Nada mais tenho com a validez das coisas. Estou liberta ou perdida.
A vida é mortal.

Clarice Lispector

O que uma pessoa diz a outra? Fora ‘como vai?’ Se desse a loucura da franqueza, que diriam as pessoas às outras?

Clarice Lispector

A pior cegueira é a dos que não sabem que estão cegos.

Clarice Lispector

O futuro é meu enquanto eu viver.

Clarice Lispector

Só porque é difícil compreender e amar o que é espontâneo e franciscano. Entender o difícil não é vantagem, mas amar o que é fácil é uma grande subida na escala humana.

Clarice Lispector

A verdade é o resíduo final de todas as coisas e no meu inconsciente está a verdade que é a mesma do mundo.

Clarice Lispector

Tenho medo de revelar de quanto eu preciso e de como sou pobre.

Clarice Lispector

Escrevendo, pelo menos eu pertencia um pouco a mim mesma.

Clarice Lispector

Perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova da “solidão de não pertencer” começou a me invadir como heras num muro.

Clarice Lispector

Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força – eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.

Clarice Lispector

E então eu soube: pertencer é viver.

Clarice Lispector

E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado com papel enfeitado de presente nas mãos – e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, então raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.

Clarice Lispector

Eu às vezes tenho a sensação de que estou procurando às cegas uma coisa; eu quero continuar, eu me sinto obrigada a continuar. Sinto até uma certa coragem de fazê-lo. O meu temor é de que seja tudo muito novo para mim, que eu talvez possa encontrar o que não quero. Essa coragem eu teria, mas o preço é muito alto, o preço é muito caro, e eu estou cansada. Sempre paguei e de repente não quero mais. Sinto que tenho que ir para um lado ou para outro. Ou para uma desistência: levar uma vida mais humilde de espírito, ou então não sei em que ramo a desistência, não sei em que lugar encontrar a tarefa, a doçura, a coisa. Estou viciada em viver nessa extrema intensidade.

Clarice Lispector

Humildade como técnica é o seguinte: só se aproximando com humildade da coisa é que ela não escapa totalmente. Descobri este tipo de humildade, o que não deixa de ser uma forma engraçada de orgulho. Orgulho não é pecado, pelo menos não tão grave: orgulho é coisa infantil em que se cai como se cai em gulodice. Só que orgulho tem a enorme desvantagem de ser um erro grave, e, com todo o atraso que o erro dá à vida, faz perder muito tempo.

Clarice Lispector

Posso de repente entender e não sentir.

Clarice Lispector

Parece que às vezes sou espontânea demais e isso me torna engraçada.

Clarice Lispector

Que importa o sentido? O sentido sou eu.

Clarice Lispector

Mas sei de uma coisa: meu caminho não sou eu, é outro, é os outros. Quando eu puder sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada.

Clarice Lispector

Alguns, bem sei, já até me disseram, me acham perigosa, Mas também sou inocente. (…) Sei, e talvez só eu e alguns saibam, que se tenho perigo tenho também uma pureza. E ela só é perigosa para quem tem perigo dentro de si. (…) Às vezes a raiz do que é ruim é uma pureza que não pôde ser.

Clarice Lispector

O mundo não sabe que é criativo.

Clarice Lispector

E nela se aloja um ‘eu’. Um corpo separado os outros, e aisso se chama de ‘eu’? É estranho ter um corpo onde se alojar, um corpo onde sangue molhado corre sem parar, onde a boca sabe cantar, e os olhos tantas vezes devem ter chorado. Ela é um ‘eu’.

Clarice Lispector

Simplesmente descobir de súbito que pensar não é natural.

Clarice Lispector

Tudo o que não sei é que constitui a minha verdade.

Clarice Lispector

Então isso era a felicidade. De início se sentiu vazia. Depois seus olhos ficaram úmidos: era felicidade, mas como sou mortal, como o amor pelo mundo me transcende. O amor pela vida mortal a assassinava docemente, aos poucos. E o que é que eu faço? Que faço da felicidade? Que faço dessa paz estranha e aguda, que já está começando a me doer como uma angústia, como um grande silêncio de espaços? A quem dou minha felicidade, que já está começando a me rasgar um pouco e me assusta.

Clarice Lispector

A impaciência enorme não é em relação à coisa propriamente dita, mas à paciência monstruosa que se tem. Como se dissesse: ‘não suporto um minuto mais ser tão paciente’, ‘essa paciência de relojoeiro me enerva’ etc.: é uma impaciente paciência.

Clarice Lispector

É bom. Sobretudo porque a mulher sabe que está sendo bom para ele: é depois de grandes jornadas e de grandes lutas que ele enfim compreende que precisa se ajoelhar diante da mulher. E, depois, é bom porque a cabeça do homem fica perto dos joelhos da mulher e perto de suas mãos, no seu colo, que é sua parte mais quente. E ela pode fazer o seu melhor gesto: nas mãos, que ficam a um tempo fremenets e firmes, pegar aquela cabeça cansada que é fruto entre seu e dela.

Clarice Lispector

A vida é mais longa do que a fazemos. Cada instante conta.

Clarice Lispector

A satisfação que o nosso trabalho nos proporciona é sinal de que soubemos escolhê-lo.

Clarice Lispector

Ficar sem fazer nada é a nudez final.

Clarice Lispector

Eu peço a Deus tudo o que eu quero e preciso. É o que me cabe. Ser ou não ser atendida – isso não me cabe a mim, isto já é matéria-mágica que se me dá ou se retrai. Obstinada, eu rezo. Eu não tenho o poder. Tenho a prece.

Clarice Lispector

Estou habituada a não considerar perigoso pensar. Penso e não me impressiono.

Clarice Lispector

Um domingo de tarde sozinha em casa dobrei-me em dois para a frente – como em dores de parto – e vi que a menina em mim estava morrendo. Nunca esquecerei esse domingo. Para cicatrizar levou dias. E eis-me aqui. Dura, silenciosa e heroica. Sem menina dentro de mim.

Clarice Lispector

Mas de algum modo as pessoas são eternas.

Clarice Lispector

O segredo destas flores fechadas é que exatamente no primeiro dia da primavera elas se abrem e se dão ao mundo.

Clarice Lispector

Sinto que viver é inevitável.

Clarice Lispector

Precisava ser apenas – terra. E quanto a esta, todos a têm sob os pés. Era tão estranho sentir-se viver sobre uma coisa viva.

Clarice Lispector

Meu espírito é tecido pela terra mais fina.

Clarice Lispector

Eu me perfumo para intensificar o que sou. Por isso não posso usar perfumes que me contrariem. Perfumar-se é uma sabedoria instintiva. (…) É bom perfumar-se em segredo.

Clarice Lispector

É assim então o teu segredo. Teu segredo é tão parecido contigo que nada me revela além do que já sei. E sei tão pouco como se o teu enigma fosse eu. Assim como tu és o meu.

Clarice Lispector

É determinismo, sim. Mas seguindo o próprio determinismo é que se é livre. Prisão seria seguir um destino que não fosse o próprio. Há uma grande liberdade em se ter um destino. Este é o nosso livre-arbítrio.

Clarice Lispector

A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida – e se parece com o início de uma perdição irrecuperável.

Clarice Lispector

Por te falar eu te assustarei e te perderei? mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia.

Clarice Lispector

Quando de noite ele me chamar para a atração do inferno, irei. Desço como um gato pelos telhados. Ninguém sabe, ninguém vê. Só os cães ladram pressentindo o sobrenatural.

Clarice Lispector

Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu.

Clarice Lispector

Eu te amo, disse ela então com ódio para o homem cujo grande crime impunível era o de não querê-la.

Clarice Lispector

Está fazendo um dia lindo de outono. A praia estava cheia de um vento bom, de uma liberdade. E eu estava só. E naqueles momentos não precisava de ninguém. Preciso aprender a não precisar de ninguém. É difícil, porque preciso repartir com alguém o que sinto. O mar estava calmo. Eu também. Mas à espreita, em suspeita. Como se essa calma não pudesse durar. Algo está sempre por acontecer. O imprevisto me fascina.

Clarice Lispector

Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão.

Clarice Lispector

E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa.

Clarice Lispector

“Não há pessoas que costuram para fora? Eu costuro para dentro.”

Clarice Lispector

Quero escrever noções sem o uso abusivo da palavra. Só me resta ficar nua: nada tenho mais a perder.

Clarice Lispector

Borboleta é uma pétala que voa.

Clarice Lispector

Será essa história um dia o meu coágulo? Que sei eu. Se há veracidade nela – e é claro que a história é verdadeira embora inventada – que cada um a reconheça em si mesmo porque todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro – existe a quem falte o delicado essencial.

Clarice Lispector

Um pouco de aventura liberta a alma cativa do algoz cotidiano.

Clarice Lispector

Preciso ser livre – não aguento a escravidão do amor grande, o amor não me prende tanto.

Clarice Lispector

“Vez por outra ia para a Zona
Sul e ficava olhando as vitrines faiscantes de jóias e
roupas acetinadas – só para se mortificar um pouco.
É que ela sentia falta de encontrar-se consigo mesma e
sofrer um pouco é um encontro.”

Clarice Lispector

Tania, por favor, ensine a Marcia aquela frase assim: o ………. não vale nada.
In: Minhas Queridas.

Clarice Lispector

Agora me lembrei de uma coisa engraçada. Um amigo nosso em Argel achou a moça do restaurante muito bonitinha e perguntou-lhe se queria ir ao cinema com ele. Ela respondeu um pouco ofendida e muito digna: Pas moi, je suis vierge!
Não é tão engraçado? Ele disse que teve vontade de responder: C’est pas ma faute…

Clarice Lispector

Dá uma vontade de não ser, exatamente quando se é com toda a força.

Clarice Lispector

Adoro ouvir coisas que dão a medida de minha ignorância.

Clarice Lispector

O pequeno êxtase da palavra fluir junto do pensamento e do sentimento: nessa hora como é bom ser uma pessoa! (…) Eu me encontro nos outros. Tudo o que dá certo é normal. O estranho é a luta que se é obrigado a travar para obter o que simplesmente seria o normal.

Clarice Lispector

A esperança é este instante

Clarice Lispector

O futuro mais brilhante é baseado num passado intensamente vivido

Clarice Lispector

Achei graça na história de seu contínuo dar meu nome à filha… Que tola “heroína” eu sou! Enfim, o que vale é que é um nome normal.
In: Minhas Queridas.

Clarice Lispector

Só não me agradaram as notícias de que vocês duas não aproveitaram bem as férias. Detesto pessoas que se parecem comigo…
In: Minhas Queridas

Clarice Lispector

O mundo todo é ligeiramente chato, parece.
O que importa na vida é estar junto de quem se gosta.

Clarice Lispector

Sei que eu mesma não presto. Mas eu te digo: eu nasci para não me submeter; e se houver essa palavra, para submeter os outros. Não sei porque nasceu em mim desde sempre a ideia profunda de que sem ser a única nada é possível. Talvez minha forma de amor seja nunca amar senão as pessoas de quem eu nada queira esperar e ser amada.

Clarice Lispector

Amar nunca impediu que por dentro eu chorasse lágrimas de sangue. Nem impediu separações mortais. […] O mundo falhou para mim, eu falhei para o mundo. Portanto não quero mais amar. O que me resta? Viver automaticamente até que a morte natural chegue. Mas sei que não posso viver automaticamente: preciso de amparo e é do amparo do amor.

Clarice Lispector

Levo uma vida diária vazia e agitada. Passo o tempo todo pensando – não raciocinando, não meditando mas pensando, pensando sem parar. E aprendendo, não sei o quê, mas aprendendo. E com a alma mais sossegada (não estou totalmente certa). Sempre quis “jogar alto”, mas parece que estou aprendendo que o jogo alto está numa vida diária pequena, em que uma pessoa se arrisca muito mais profundamente, com ameaças maiores. Com tudo isso, parece que estou perdendo um sentimento de grandeza que não veio nunca de livros nem de influência de pessoas, uma coisa muito minha e que desde pequena deu a tudo, aos meus olhos, uma verdade que não vejo mais com tanta frequência. Disso tudo, restam nervos muito sensíveis e uma predisposição séria para ficar calada. Mas aceito tanto agora. Nem sempre pacificamente, mas a atitude é de aceitar.

Clarice Lispector

Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente.

Clarice Lispector

Pego mais um ovo na cozinha, quebro-lhe a casca e forma. E a partir deste instante exato nunca existiu um ovo. É absolutamente indispensável que eu seja uma ocupada e uma distraída. Sou indispensavelmente um dos que renegam. Faço parte da maçonaria dos que viram uma vez o ovo e o renegam como forma de protegê-lo. Somos os que se abstêm de destruir, e nisso se consomem. Nós, agentes disfarçados e distribuídos pelas funções menos reveladoras, nós às vezes nos reconhecemos. A um certo modo de olhar, há um jeito de dar a mão, nós nos reconhecemos e a isto chamamos de amor. E então, não é necessário o disfarce: embora não se fale, também não se mente, embora não se diga a verdade, também não é necessário dissimular. Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece, amor não é prêmio, é uma condição concedida exclusivamente para aqueles que, sem ele, corromperiam o ovo com a dor pessoal. Isso não faz do amor uma exceção honrosa; ele é exatamente concedido aos maus agentes, àqueles que atrapalhariam tudo se não lhes fosse permitido adivinhar vagamente.

Clarice Lispector

Gastar a vida é usá-la ou não usá-la?

Clarice Lispector

A esperança também não tem número. Perder uma coisa é inefável: nunca sei onde as coloquei.
Ser é de um provisório impalpável.
Juro que preciso de soluções. Não posso ficar assim completamente no ar.

Clarice Lispector

Lutei toda a minha vida contra a tendência ao devaneio, sempre sem jamais deixar que ele me levasse até as últimas águas. Mas o esforço de nadar contra a doce corrente tira parte de minha força vital. E, se lutando contra o devaneio, ganho no domínio da ação, perco interiormente uma coisa muito suave de se ser e que nada substitui. Mas um dia ainda hei de ir, sem me importar para onde o ir me levará.

Clarice Lispector

A mensagem é clara: não sacrifique o dia de hoje pelo de amanhã. Se você se sente infeliz agora, tome alguma providência agora, pois só na sequência dos agoras é que você existe.
Há momentos na vida em que o arrependimento é profundo como uma dor profunda.
Agora está sendo neste próprio instante.
Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!

Clarice Lispector

Agora eu conheço esse grande susto de estar viva, tendo como único amparo exatamente o desamparo de estar viva. De estar viva – senti – terei que fazer o meu motivo e tema. Com delicada curiosidade, atenta à fome e à própria atenção, passei então a comer delicadamente viva os pedaços de pão.

Clarice Lispector

Estou um pouco desnorteada como se um coração me tivesse sido tirado, e em lugar dele estivesse agora a súbita ausência, uma ausência quase palpável do que era antes um órgão banhado da escuridão diurna da dor. Não estou sentindo nada. Mas é o contrário de um torpor. É um modo mais leve e mais silencioso de existir.
Mas estou também inquieta. Eu estava organizada para me consolar da angústia e da dor. Mas como é que me consolo dessa simples e tranquila alegria? É que não estou habituada a não precisar de consolo.

Clarice Lispector

Que simplicidade. Nunca pensei que o mundo e eu chegássemos a esse ponto de trigo.

Clarice Lispector

Não sou uma coisa que agradece ter se transformado em outra. Sou uma mulher, sou uma pessoa, sou uma atenção, sou um corpo olhando pela janela. Assim como a chuva não é grata por não ser uma pedra. Ela é uma chuva. Talvez seja isso que se poderia chamar de estar vivo. Não mais que isto, mas isto: vivo. E apenas vivo é uma alegria mansa.

Clarice Lispector

A verdade do mundo é impalpável.
Inútil querer: só vem quando quer e espontaneamente.
Habituar-se à felicidade seria um perigo. Ficaríamos mais egoístas, porque as pessoas felizes o são, menos sensíveis à dor humana, não sentiríamos a necessidade de procurar ajudar os que precisam – tudo por termos a graça e a compensação e o resumo da vida.

Clarice Lispector

Pedem-me pouco, pedem-me quase nada. O terrível é que eu tenho muito para dar e tenho que engolir esse muito e ainda por cima dizer como delicadeza: obrigada por receberem de mim um pouquinho de mim.

Clarice Lispector

“Quando vejo num caminhão uma placa dizendo:
“Inflamável” – me encho de glória.”
(♥)In: Um sopro de vida (Pulsações), pág. 83

Clarice Lispector

No fundo de tudo há a Aleluia.

Clarice Lispector

Este instante é.
Você que me lê é.

Clarice Lispector

Mas enquanto eu tiver a mim não estarei só.

Clarice Lispector

A trama do romance: a corajosa luta pela inserção na vida que não é a de herói, de santo ou de homem, que é a vida anônima, de ser nada e ninguém, coisa neutra, mas núcleo e vida, configurado na espécie animal arcaica, onde todos se unem em plasma de “proteína pura”, que, apesar de tantos séculos e de tantos pesos e castigos, ainda resiste, atual.

Clarice Lispector

Se eu me confirmar e me considerar verdadeira, estarei perdida porque não saberei onde engastar meu novo modo de ser – se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele.

Clarice Lispector

Como é que se explica que o seu maior medo seja exatamente em relação: a ser? e no entanto não há outro caminho. Como se explica que o seu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo? como se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra – como se antes eu tivesse sabido o que era! Por que é que ver é uma tal desorganização?

Clarice Lispector

O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.

Clarice Lispector

‘ Perder-se significa ir achando e nem saber o que fazer do que se for achando. ‘

Clarice Lispector

” Fico tão assustada quando percebo que durante horas perdi minha formação humana. Não sei se terei uma outra para substituir a perdida. “

Clarice Lispector

‘ E sem dar uma forma, nada me existe. ‘

Clarice Lispector

‘ Mas é que também não sei que forma dar ao que me aconteceu. E sem dar uma forma, nada me existe. E – e se a realidade é mesmo que nada existiu?! quem sabe nada aconteceu? Só posso compreender o que acontece mas só acontece o que eu compreendo – que sei do resto? o resto nada existiu. Quem sabe nada existiu! Quem sabe me aconteceu apenas uma lenta e grande dissolução? E que minha luta contra essa desintegração está sendo esta: a de tentar agora dar-lhe uam forma? Uma visão contorna o caos, uma forma dá construção à substância amorfa – a visão de uma carne em pedaços e distribuí-los pelos dias e pelas fomes – então ela não será mais a perdição e a loucura: será de novo a vida humanizada. ‘

Clarice Lispector

* Em mim qualquer começo de pensamento esbarra logo com a testa. *

Clarice Lispector

¬ Cedo fui obrigada a reconhecer, sem lamentar, os esbarros de minha pouca inteligênciam, e eu desdizia caminho. Sabia que estava fadada a pensar pouco, raciocinar me restringia dentro de minha pele. Como pois inaugurar agora em mim o pensamento? e talvez só o pensamento me salvasse, tenho medo da paixão. ¬

Clarice Lispector

‘ Já que tenho de salvar o dia de amanhã, já que tenho que ter uma forma porque não sinto força de ficar desorganizada, já que fatalmente precisarei enquadrar a monstruosa carne infinita e cortá-la em pedaços assimiláveis pelo tamanho de minha boca e pelo tamanho da visão de meus olhos, já que fatalmente sucumbirei à necessidade de forma que vem de meu pavor de ficar indelimitada – então que pelo menos eu tenha a coragem de deixar que essa forma se forme sozinha como uma crosta que por si mesma amadurece, a nebulosa de fogo que se esfria na terra. E que eu tenha a grande coragem de resistir à tentação de inventar uma forma. ‘

Clarice Lispector

” …a mesma mansa loucura que até ontem era o meu modo sadio de caber num sistema. Terei que ter a coragem de usar um coração desprotegido e de ir falando para o nada e para o ninguém? assim como uma criança pensa para o nada. E correr o risco de ser esmagada pelo acaso. “

Clarice Lispector

Não compreendo o que vi. E nem mesmo sei se vi, já que meus olhos terminaram não se diferenciando da coisa vista. Só por inesperado tremor de linhas, só por uma anomalia na continuidade ininterrrupta de minha civilização, é que por um àtimo experimentei a vivificadora morte. A fina morte que me fez manusear o proibido tecido da vida. È proibido dizer o nome da vida. E eu quase disse. Quase não me pude desembaraçar de seu tecido, o que seria a destruição dentro de mim de minha época.

Clarice Lispector

Todo momento de achar é um perder-se a si próprio.

Clarice Lispector

Viver é somente a altura a que posso chegar – meu único nível é viver.

Clarice Lispector

“Pela primeira vez eu sinto que me esquecimento está enfim ao nível do mundo. “

Clarice Lispector

” e nem ao menos quero que me seja explicado aquilo que para ser explicado teria que sair de si mesmo. Não quero que me seja explicado o que de novo precisaria da validação humana para ser interpretado. “

Clarice Lispector

Vida e morte foram minhas, e eu fui monstruosa. Minha coragem foi a de um sonâmbulo que simplesmente vai. Durante as horas de perdição tive a coragem de não compor nem organizar. E sobretudo a de não prever. Até então eu não tivera a coragem de me deixar guiar pelo que não conheço e em direção ao que não conheço: minhas previsões condicionavam de antemão o que eu veria. Não eram as antevisões da visão: já tinham o tamanho de meus cuidados. Minhas previsões me fechavam o mundo.

Clarice Lispector

Até que por horas desisti. E, por Deus tive o que eu não gostaria. Não foi ao longo de um vale fluvial que andei – eu sempre pensara que encontrar seria fértil e úmido como vales fluviais. Não contava que fosse esse grande desencontro.

Clarice Lispector

Para que eu continue humana meu sacrifício será o de esquecer? Agora saberei reconhecer na face comum de algumas pessoas que – que elas esqueceram. E nem sabem mais que esqueceram o que esqueceram.

Clarice Lispector

Eu vi. Sei que vi porque não dei ao que vi o meu sentido. Sei que vi – porque não entendo. Sei que vi – porque para nada serve o que vi. Escuta, vou ter que falar porque não sei o que fazer de ter vivido. Pior ainda: não quero o que vi. O que vi arrebenta a minha vida diária. Desculpa eu te dar isto, eu bem queria ter visto coisa melhor. Toma o que vi, livra-me de minha inútil visão, e de meu pecado inútil.

Clarice Lispector

Muitas vezes antes de adormecer – nessa pequena luta por não perder a consciência e entrar no mundo maior – muitas vezes, antes de ter a coragem de ir para a grandeza do sono, finjo que alguém está me dando a mão e então vou, vou para a enorme ausência de forma que é o sono. E quando mesmo assim não tenho coragem, então eu sonho.

Clarice Lispector

Não estou à altura de imaginar uma pessoa inteira porque não sou uma pessoa inteira.

Clarice Lispector

“O horror será a minha responsibilidade até que se complete a metamorfose e que o horror se transforme em claridade.”

Clarice Lispector

Não a claridade que nasce de um desejo de beleza e moralismo, como antes mesmo sem saber eu me propunha;mas a claridade natural do que existe, e é essa claridade natural o que me aterroriza. Embora eu sabia que o horror – o horror sou diante das coisas.

Clarice Lispector

Por enquanto estou inventando a tua presença, como um dia também não saberei me arriscar a morrer sozinha, morrer é do maior risco, não saberei passar para a morte e pôr o primeiro pé na primeira ausência de mim – também nessa hora última e tão primeira inventarei a tua presença desconhecida e contigo começarei a morrer até poder aprender sozinha a não existir, e então eu te libertarei. Por enquanto eu te prendo, e tua vida desconhecida e quente está sendo a minha única íntima organização, eu que sem a tua mão me sentiria agora solta no tamanho enorme que descobri. No tamanho da verdade? Mas é que a verdade nunca me fez sentido. A verdade não me faz sentido! É por isso que eu a temia e a temo. Desamparada, eu te entrego tudo – para que faças disso uma coisa alegre. Por te falar eu te assustarei e te perderei? mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia.

Clarice Lispector

“Mas é que a verdade nunca me fez sentido. A verdade não me faz sentido! È por isso que eu a temia e a temo.”

Clarice Lispector

Lembrei-me de ti, quando beijara teu rosto de homem, devagar, devagar beijara, e quando chegara o momento de beijar teus olhos – lembrei-me de que então eu havia sentido o sal na minha boca, e qual o sal de lágrimas nos teus olhos era o meu amor por ti. Mas, o que mais me havia ligado em susto de amor, fora, no fundo do fundo do sal, tua substância insossa e inocente e infantil: ao meu beijo tua vida mais profundamente insípida me era dada, e beijar teu rosto era insosso e ocupado trabalho paciente de amor, era mulher tecendo um homem, assim como me havias tecido, neutro artesanato de vida.

Clarice Lispector

Eu venho de uma longa saudade. Eu, a quem elogiam e adoram. Mas ninguém quer nada comigo. Meu fôlego de sete gatos amedronta os que poderiam vir. Com exceção de uns poucos, todos têm medo de mim como se eu mordesse.

Clarice Lispector

A gradual escuridão me amedronta um pouco, bicho que sou e que toma cautela. Escuridão? medo e espanto. O dia morrendo em noite é um grande mistério da Natureza.
Em mim ela brota de meu âmago qual semente que rompe a terra.

Clarice Lispector

Quem não sabe o que é jamais chegará a saber. Há coisas que não se aprendem.

Clarice Lispector

Minha tendência a indagar e a significar já é em si uma angústia.

Clarice Lispector

Viver é coisa muito séria. É sem brincadeira nenhuma.
Nestes momentos de “agora mesmo” estou vivendo tão leve que mal pouso na página, e ninguém me pega porque dou um jeito de escorregar. Tive que aprender.

Clarice Lispector

É preciso não ter medo de criar.

Clarice Lispector

O que se chama de essência está em alguma parte do ser.
Ah, o que desconheço me ultrapassa. A verdade ultrapassa-me com tanta paciência e doçura.
Ao ultrapassar-se, sai-se de si e se cai no “outro”. O outro é sempre muito importante.

Clarice Lispector

O verão está instalado no meu coração.

Clarice Lispector

Recuso-me a ser um fato consumado. Por enquanto sobrenado na preguiça.

Clarice Lispector

O óbvio é muito importante: garante certa veracidade.

Clarice Lispector

O pouco que sei não dá para compreender a vida, então a explicação está no que desconheço e que tenho a esperança de poder vir a conhecer um pouco mais.

Clarice Lispector

Nosso inconsciente é infinito.

Clarice Lispector

Sei o que é o absoluto porque existo e sou relativa. Minha ignorância é realmente a minha esperança: não sei adjetivar. (…) Olhando para o céu, fico tonta de mim mesma.

Clarice Lispector

Por pura sede de vida melhor estamos sempre à espera do extraordinário que talvez nos salve de uma vida contida.

Clarice Lispector

Deus, o que nos prometei em troca de morrer? Pois o céu e o inferno nós já os conhecemos – cada um de nós em segredo quase de sonho já viveu um pouco do próprio apocalipse. E a própria morte.

Clarice Lispector

Mas eu quero visitas, dizia, elas me distraem da dor terrível.

Clarice Lispector

Parece-me que eu vagamente sentia que, enquanto sofresse fisicamente de um modo tão insuportável, isso seria a prova de estar vivendo ao máximo.

Clarice Lispector

Então quando se está morta se conserva a consciência?
Em menos de dois segundos pode-se viver uma vida e uma morte e uma vida de novo.
A viver desse modo, prefiro à morte.
Sou uma feroz entre os ferozes seres humanos.

Clarice Lispector

Esse primeiro calor ainda fresco trazia: tudo. Apenas isso, e indiviso: tudo.
E tudo era muito para um coração de repente enfraquecido que só suportava o menos, só podia querer o pouco aos poucos.

Clarice Lispector

E dizer que nunca, nunca dei isto que estou sentindo a ninguem e a nada. Dei a mim mesma?

Clarice Lispector

Quero tudo pois nada é bom demais para a minha morte que é a minha vida tão eterna que hoje mesmo ela já existe e já é.

Clarice Lispector

– Desabrocho em coragem, embora na vida diária continue tímida. Aliás sou tímida em determinados momentos, pois fora destes tenho apenas o recato que também faz parte de mim. Sou uma ousada-encabulada: depois da grande ousadia é que me encabulo.
– Você conhece os seus maiores defeitos?
– Os maiores não conto porque eu mesma me ofendo. Mas posso falar naqueles que mais prejudicam a minha vida. Por exemplo, a grande fome de tudo, de onde decorre uma impaciência insuportável que também me prejudica.

Clarice Lispector

Coragem e covardia são um jogo que se joga a cada instante. Assusta a visão talvez irremediável e que talvez seja a da liberdade.

Clarice Lispector

Olhando a extrema beleza dos pássaros amarelos calculo o que seria se eu perdesse totalmente o medo. O conforto da prisão burguesa tantas vezes me bate no rosto. E, antes de aprender a ser livre, tudo eu aguentava – só para não ser livre.

Clarice Lispector

Tenho me convivido muito ultimamente e descobri com surpresa que sou suportável às vezes até agradável de ser. Bem. Nem sempre.

Clarice Lispector

Minha autocrítica a certas coisas que escrevo, por exemplo, não importa no caso se boas ou más: mas falta a elas chegar àquele ponto em que a dor se mistura à profunda alegria e a alegria chega a ser dolorosa – pois esse ponto é o aguilhão da vida.

Clarice Lispector

Eu também queria escrever, e seriam duas ou três linhas, sobre quando uma dor física passa. De como o corpo agradecido, ainda arfando, vê a que ponto a alma é também o corpo.

Clarice Lispector

Aliás, verdadeiramente, escrever não é quase sempre pintar com palavras?

Clarice Lispector

Meu receio era de que, por impaciência com a lentidão que tenho em me compreender, eu estivesse apressando antes da hora um sentido. (…)
Cada vez mais acho tudo uma questão de paciência, de amor criando paciência, de paciência criando amor. (…)
Esta paciência eu tive: a de suportar, sem nem ao menos o consolo de uma promessa de realização, o grande incômodo da desordem.
Mas também é verdade que a ordem constrange.

Clarice Lispector

O tempo corre, o tempo é curto: preciso me apressar, mas ao mesmo tempo viver como se esta minha vida fosse eterna.

Clarice Lispector

Mas o pior é o súbito cansaço de tudo. Parece uma fartura, parece que já se teve tudo e que não se quer mais nada.

Clarice Lispector

A raiva é a minha revolta mais profunda de ser gente? Ser gente me cansa. (…)
Há dias que vivo da raiva de viver.

Clarice Lispector

Como é bom o instante de precisar que antecede o instante de se ter.

Clarice Lispector

Morri de muitas mortes e mantê-las-ei em segredo até que a morte do meu corpo venha, e alguém, adivinhando, diga: esta, esta viveu.

Clarice Lispector

E do silêncio tem vindo o que é mais precioso que tudo: o próprio silêncio.

Clarice Lispector

Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil.

Clarice Lispector

E eu não aguento a resignação. Ah, como devoro com fome e prazer a revolta.

Clarice Lispector

Se tudo isso existe, então sou eu. mas por que esse mal-estar? É porque não estou vivendo do único medo que se existe para cada um de se viver e nem sei qual é. Desconfortável. Não me sinto bem. Não sei o que é que há. Mas alguma coisa está errada e dá mal-estar. No entanto estou sendo franca e meu jogo é limpo. Abro o jogo. Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza. O que há então? Só sei que não quero a impostura. Recuso-me. Eu me aprofundei mas não acredito em mim porque meu pensamento é inventado.

Clarice Lispector

Os calados só dizem o que precisam.

Clarice Lispector

(…) nada te posso garantir – eu sou a única prova de mim (…)

Clarice Lispector

Frases que lhe saíam fáceis e incolores mas que em mim se cravavam, rápidas e agudas, para sempre.

Clarice Lispector

O que me interessava sobretudo é sentir, acumular desejos, encher-me de mim mesmo. A realização abre-me, deixa-me vazio e saciado.

Clarice Lispector

Somos livres, e este é o inferno.

Clarice Lispector

É um filme de pessoas automáticas que sabe aguda e gravemente que são automáticas e que não há escapatória.

Clarice Lispector

Levantei-me. O tiro de misericórdia. Porque estou cansada de me defender. Sou inocente. Até ingênua porque me entrego sem garantias.

Clarice Lispector

Por enquanto há diálogo contigo. Depois será monólogo. Depois o silêncio. Sei que haverá uma ordem.

Clarice Lispector

Há horas em que não se quer ter sentimentos.

Clarice Lispector

E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração.

Clarice Lispector

Quanto a mim também me distancio de mim.

Clarice Lispector

E tenho, vos asseguro, tudo o mais que faz de mim uma mulher às vezes viva, às vezes objeto.

Clarice Lispector

Refugio-me nas rosas, nas palavras. Pobre consolação. Estou inflacionada. Não valho nada.

Clarice Lispector

Redondo sem início e sem fim, eu sou o ponto antes do zero e do ponto final. Do zero ao infinito vou caminhando sem parar.

Clarice Lispector

Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco-sem-saída.

Clarice Lispector

Sou uma árvore que arde com duro prazer. Só uma doçura me possui: a conivência com o mundo.

Clarice Lispector

Mas não sou completa, não. Completa lembra realizada. Realizada é acabada.

Clarice Lispector

O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão.

Clarice Lispector

Temos construido catedrais e ficado do lado de fora pois as catedrais que construimos tememos que sejam armadilhas.

Clarice Lispector

Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe.

Clarice Lispector

Esperar que algo amadureça é uma experiência sem par: como na criação artística em que se conta com o vagaroso trabalho do inconsciente.

Clarice Lispector

Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim.

Clarice Lispector

Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse.

Clarice Lispector

Meu Deus, como o amor impede a morte!

Clarice Lispector

O horrível dever é ir até o fim. E sem contar com ninguém. Viver a própria realidade. Descobrir a verdade. (…) Pois não posso mais carregar as dores do mundo.

Clarice Lispector

Um homem me disse que no Talmude falam de coisas que a gente não pode contar a muitos, há outras a poucos, e outras a ninguém. Acrescento: não quero contar nem a mim mesma certas coisas. Sinto que sei de umas verdades. Mas não sei se as entenderia mentalmente. E preciso amadurecer um pouco mais para me achegar a essas verdades.

Clarice Lispector

Preciso aprender a não precisar de ninguém. É difícil, porque preciso repartir com alguém o que sinto.

Clarice Lispector

Algo está sempre por acontecer. O imprevisto me fascina.

Clarice Lispector

Quero que me deem isto: não a explicação, mas a compreensão.

Clarice Lispector

O ponto de partida deve ser: “Não sei.” O que é uma entrega total.

Clarice Lispector

É preciso antes saber, depois esquecer. Só então se começa a respirar livremente.

Clarice Lispector

Cheguei a pensar que a bondade é tipicamente o que se quer receber dos outros – e no entanto às vezes só a bondade que doamos a nós mesmos nos livra da culpa e nos perdoa. E é também inútil querer receber a aceitação dos outros, enquanto nós mesmos não nos doarmos a auto-aceitação do que somos.
[…]
E há certas dores que só a nossa própia dor, se for aprofundada, paradoxalmente chega a amenizar.

Clarice Lispector

No amor felizmente a riqueza está na doação mútua. O que não significa que não haja luta: é preciso se doar o direito de receber amor. Mas lutar é bom.

Clarice Lispector

Inclusive mais amor inclui uma lerteza maior para achar bonito o que nem mesmo bonito é.

Clarice Lispector

Porque se sendo gente eu consigo ir, por que haveria de perder essa capacidade ao me tornar mais gente?

Clarice Lispector

Minha alma humana é a única forma possível de eu não me chocar desastrosamente com a minha organização física, tão máquina perfeita está é. Minha alma humana é, aliás, também o único modo de aceitar sem desatino a alma geral do mundo. A engrenagem não pode nem por um sgundo falhar.

Clarice Lispector

Eu trocaria uma eternidade de depois da morte pela eternidade equanto estou viva.

Clarice Lispector

A dor parece uma ofensa à nossa integridade física.

Clarice Lispector

Estou cansada de tanta gente me achar simpática. Quero os que me acham antipática porque com esses eu tenho afinidade: tenho profunda antipatia por mim.
O que farei de mim? Quase nada. […] Há um limite de se ser. Já cheguei a esse limite.

Clarice Lispector

Há um grande silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras. E do silêncio tem vindo o que é mais precioso que tudo: o próprio silêncio.

Clarice Lispector

O que nos salva da solidão é a solidão de cada um dos outros.

Clarice Lispector

E a escuridão se torna tão maior. Estou caindo numa tristeza sem dor. Não é mau. Faz parte. Amanhã provavelmente terei alguma alegria, também sem grandes êxtases, só alegria, e isto também não é mau. É, mas não estou gostando muito deste pacto com a mediocridade de viver.

Clarice Lispector

Não entendo de sonhos. Mas este me parece um profundo desejo de mudança de vida. Não precisa ser feliz sequer. Basta ano novo. E é tão difícil mudar. Às vezes escorre sangue.

Clarice Lispector

E morre-se, sem ao menos uma explicação. E o pior – vive-se, sem ao menos uma explicação.

Clarice Lispector

Sim, meu Deus. Que se possa dizer sim.

Clarice Lispector

É a ira de Deus. E se essa escuridão se transformar em chuva, que volte o dilúvio, mas sem a arca, nós que não soubemos fazer um mundo onde viver e não sabemos na nossa paralisia como viver.

Clarice Lispector

O que chamo de morte me atrai tanto que só posso chamar de valoroso o modo como, por solidariedade com os outros, eu ainda me agarro ao que chamo de vida. Seria profundamente amoral não esperar, como os outros esperam, pela hora, seria esperteza demais a minha de avançar no tempo, e imperdoável ser mais sabida do que os outros. Por isso, apesar da intensa curiosidade, espero.

Clarice Lispector

O tempo tenta sequestrar meu sorriso, mas resisto como uma criança com medo da mãe ao ralar o joelho. Engulo o choro, para não doer mais.

Clarice Lispector

Me definir é muito difícil. Às vezes pareço comum, às vezes singular. Sou bem assim: metamorfose ambulante. Adolescente em crise. Crises. De tudo o que você imaginar. O que mais valorizo no mundo?amigos. O melhor sentimento? Felicidade. O melhor verbo? Amar. Conheço uma parte de uma frase, não sei o autor, mas ela define bem quem sou: viver é tentar ser feliz. É o que faço: vivo. E sim, me considero uma pessoa feliz, apesar de tudo. Depois de uma queda? Levanto e sigo em frente. Já desisti de contar os mil e um foras que dou. Vivo em busca de muita coisa, mas já possuo a principal delas: a alegria. Uma companhia? Livros. Algo que te alegra? De novo os preciosíssimos amigos.
Bom, termino as ridicularidades desta minha descrição breguíssima com uma pergunta minha, e uma resposta fantástica, que se encaixa perfeitamente no meu caso.
Quem sou eu?
“Eu sou uma pergunta”.

Clarice Lispector

Desamparada, eu te entrego tudo – para que faças disso uma coisa alegre. Por te falar eu te assustarei e te perderei? mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia.

Clarice Lispector

A verdade não faz sentido, a grandeza do mundo me encolhe. Aquilo que provavelmente pedi e finalmente tive, veio no entanto me deixar carente como uma criança que anda sozinha pela terra. Tão carente que só o amor de todo o universo por mim poderia me consolar e me cumular, só um tal amor que a própria célula-ovo das coisas vibrasse com o que estou chamando de um amor. Daquilo a que na verdade apenas chamo mas sem saber-lhe o nome.

Clarice Lispector

É preciso coragem para me aventurar numa tentativa de concretização do que sinto. É como se eu tivesse uma moeda e não soubesse em que país ela vale.

Clarice Lispector

“Eu sempre preferi o menos ao mais por medo também do ridículo: é que há também o dilaceramento do pudor.”

Clarice Lispector

Quanto eu devia ter vivido presa para sentir-me agora mais livre somente por não recear mais a falta de estética…

Clarice Lispector

“Quero saber o que mais, ao perder, eu ganhei. Por enquanto não sei: só ao me reviver é que vou viver.”

Clarice Lispector

Viver não é relatável. Viver não é vivível. Terei que criar sobre a vida. E sem mentir. Criar sim, mentir não. Criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade. Entender é uma criação, meu único modo.

Clarice Lispector

Até criar a verdade do que me aconteceu. Ah, será mais um grafismo que uma escrita, pois tento mais uma reprodução do que uma expressão.

Clarice Lispector

“Nunca soube ver sem logo precisar mais do que ver.”

Clarice Lispector

“Eu me pergunto: se eu olhar a escuridão com uma lente, verei mais que a escuridão? a lente não devassa a escuridão, apenas a revela ainda mais. E se eu olhar a claridade com uma lente, com um choque verei apenas a claridade maior.”

Clarice Lispector

“Adiar o momento em que terei que começar a dizer, sabendo que nada mais me resta a dizer. Estou adiando o meu silêncio.”

Clarice Lispector

Vi, sim. Vi, e me assustei com a verdade bruta de um mundo cujo maior horror é que ele é tão vivo que, para admitir que estou tão viva quanto ele – e minha pior descoberta é que estou tão viva exterior a um ponto de crime contra a minha vida pessoal.

Clarice Lispector

Para a minha profunda moralidade anterior, eu ter descoberto que estou tão cruamente viva quanto essa cruz luz que ontem aprendi, para aquela minha moralidade, a glória dura de estar viva é o horrror.

Clarice Lispector

É que um mundo todo vivo tem a força de um Inferno.

Clarice Lispector

Nunhum gesto meu era indicativo de que eu, com os lábios secos pela sede, ia existir.

Clarice Lispector

Mas é que nunca fui capaz de perceber as coisas se encaminhando; todas as vezes que elas chegavam a uma ápice, me parecia com surpresa um rompimento, explosão dos instantes, com data, e não a continuação de uma ininterrupção.

Clarice Lispector

Vou perder o resto do medo do mau gosto, vou começar meu exercício de coragem, viver não é coragem, saber que se vive é a coragem.

Clarice Lispector

O olhar psicológico me impacientava e me impacienta, é um instrumento, é um instrumento que só transpassa.

Clarice Lispector

Quem sabe eu tive de algum modo pressa de viver logo tudo o que eu tivesse a viver para que me sobrasse tempo de… de viver sem fatos? de viver. Cumpri cedo os deveres de meus sentidos, tive cedo e rapidamente dores e alegrias – para ficar depressa livre do meu destino humano menor? e ficar livre para buscar a minha tragédia.

Clarice Lispector

A tragédia – que é a aventura maior – nunca se realizara em mim. Só o meu destino pessoal era o que eu conhecia. E o que eu queria.

Clarice Lispector

Quando eu ficava sozinha não havia uma queda, havia apenas um grau a menos daquilo que eu era com os outros, e isso sempre foi a minha naturalidade e a minha saúde.

Clarice Lispector

E a minha espécie de beleza…

Clarice Lispector

E é só o que posso dizer a meu respeito? Ser “sincera”? Relativamente sou. Não minto para formar verdades falsas. Mas usei demais as verdades como pretexto. A verdade como pretexto para mentir? Eu poderia relatar a mim mesma o que me lisonjeasse, e também fazer o relato da sordidez.

Clarice Lispector

…Eu que me perdoei tudo o que foi grave e maior em mim…

Clarice Lispector

“Não é que eu queira estar pura da vaidade, mas preciso ter o campo ausente de mim para poder andar.”

Clarice Lispector

“Estou precisando de olhar sem que a cor de meus olhos importe, preciso ficar isenta de mim para ver.”

Clarice Lispector

“O que os outros recebem de mim reflete-se então de volta para mim, e forma a atmosfera do que se chama: eu.”

Clarice Lispector

A outra – aincógnita e anônima -, essa outra minha existência que era apenas profunda, era o que provavelmente me dava a segurança de quem tem sempre na cozinha uma chaleira em fogo baixo: para o que desse e viesse, eu teria a qualquer momento água fervendo.

Clarice Lispector

Minha pergunta, se havia, não era: “que sou”, mas “entre quais eu sou”.

Clarice Lispector

“Há um mau-gosto na desordem de viver. E mesmo eu nem saberia, se tivesse desejado, transformar esse passo latente em passo real.”

Clarice Lispector

E eu era a imagem do que eu não era, e essa imagem do não-ser me acumulava toda: um dos modos mais fortes é ser nagativamente.
Como eu não sabia o que era, então “não ser” era a minha maior aproximação da verdade: pelo menos eu tinha o lado avesso: ou pelo menos tinha o “não”, tinha o meu oposto. O meu bem eu não sabia qual era, então vivia com algum pré-favor o que era o meu “mal”.
E vivendo meu “mal”, eu vivia o lado avesso daquilo que nem sequer eu conseguiria querer ou tentar.

Clarice Lispector

“…o que parece falta de sentido – é o sentido. Todo momento de “falta de sentido” é exatamente a assustadora certeza de que ali há o sentido, e que não somente eu alcanço, como não quero porque não tenho garantias.”

Clarice Lispector

“Em mim, tudo o que eu superpusera ao inextricável de mim, mais que atenção à vida, era o próprio processo de vida em mim.”

Clarice Lispector

Os regulamentos e as leis, era preciso não esquecê-los, é preciso não esquecer que sem os regulamentos e as leis não haverá ordem, era preciso não esquecê-los e defendê-los para me defender.

Clarice Lispector

Meu medo não era o de quem estivesse indo para a loucura, e sim para uma verdade.

Clarice Lispector

É que, mão que me sustenta, é que eu, numa experiência que não quero nunca mais, numa experiência pela qual peço perdão a mim mesma, eu estava saindo do meu mundo e entrando no mundo.

Clarice Lispector

Se soubesses da solidão desses meus primeiros passos. Não se parecia coma solidão de uma pessoa. Era como se eu já tivesse morrido e desse sozinha os primeiros passos em outra vida. E era como se a essa solidão chamassem de glória, e também eu sabia que era uma glória, e tremia toda nessa glória divina primária que, não só eu não compreendia, como profundamente não a queria.

Clarice Lispector

Não ter forças para lutar era o meu único perdão.

Clarice Lispector

Aquilo estava pela primeira vez fora de mim e ao meu inteiro alcance, incompreensível mas ao meu alcance.

Clarice Lispector

O que me aliviava como a uma sede, aliviava-me como se durante toda a vida eu tivesse esperado por uma água tão necessária para o corpo eriçado como é a cocaína para quem a implora. Enfim, o corpo, embebido de silêncio, se apaziguava. O alívio vinha de eu caber ao desenho mudo da caverna.

Clarice Lispector

A vida é tão contínua que nós a dividimos em etapas, e a uma delas chamamos de morte. Eu sempre estivera em vida, pouco importa que não eu propriamente dita, não isso a que convencionei chamar de eu. Sempre estive em vida.

Clarice Lispector

” Eu, corpo neutro de barata, eu com uma vida que finalmente não me escapa pois enfim a vejo fora de mim – eu sou a barata, sou minha perna, sou meus cabelos, sou o trecho de luz mais branca no reboco da parede – sou cada pedaço infernal de mim – a vida em mim é tão insistente que se me partirem, como a uma lagartixa, os pedaços continuarão estremecendo e se mexendo. Sou o silêncio gravado numa parede, e a borboleta mais antiga esvoaça e me defronta: a mesma de sempre. De nascer até morrer é o que eu me chamo de humana, e nunca propriamente morrerei. “

Clarice Lispector

Mas esta não é a eternidade, é a danação.

Clarice Lispector

O mundo se me olha. Tudo olha para tudo, tudo vive o outro; neste deserto as coisas sabem as coisas. As coisas sabem tanto as coisas que a isto… a isto chamarei de perdão, se eu quiser me salvar no plano humano. É o perdão em si. Perdão é um atributo da matéria viva.

Clarice Lispector

Só tenho o que sou…

Clarice Lispector

Eu, que antes vivera de palavras de caridade ou orgulho ou de qualquer coisa. Mas que abismo entre a palavra e o que ela tentava, que abismo entre a palavra amor e o amor que não tem sequer sentido humano – porque – porque amor é a matéria viva.

Clarice Lispector

” A pior descoberta foi a de que o mundo não é humano, e de que não somos humanos. “

Clarice Lispector

O grande castigo neutro da vida geral é que ela de repente pode solapar uma vida; se não lhe for dada a força dela mesma, então ela rebenta como um dique rebenta – e vem pura, sem mistura nenhuma: puramente neutra.

Clarice Lispector

Mas por que eu? Mas por que não eu. Se não tivesse sido eu, eu não saberia, e tendo sido eu, eu soube – apenas isto. O que é que me havia chamado: a loucura ou a realidade?

Clarice Lispector

Quero exigentemente que acreditem em mim. Quero que
acreditem em mim até quando minto.

Clarice Lispector

E eu impávida finjo que não tenho dono. Pontas de cigarro apagadas eu recebo. Um dia vou pegar fogo.

Clarice Lispector

Será que Deus sabe que existe?
Acho que Deus não sabe que existe. Tenho quase a certeza de que não. E daí vem a sua veemente força.

Clarice Lispector

O pior é que sou vice-versa e em ziguezague. Sou inconcludente. Mas é preciso me amar como involuntariamente sou. Apenas me responsabilizo pelo que há de voluntário em mim e que é muito pouco.

Clarice Lispector

Água-marinha? meu primeiro namoradinho tinha olhos azuis de água-marinha. Mas eu não chegava perto dele: tinha medo. Porque água quieta é água funda e me dava calafrios.

Clarice Lispector

Por que quero fazer de mim um herói? Eu na verdade sou anti-heroica. O que me atormenta é que tudo é “por enquanto”, nada é “sempre”.

Clarice Lispector

“É engraçado que pensando bem não há um verdadeiro lugar para se viver. Tudo é terra dos outros, onde os outros estão contentes.”

Clarice Lispector

O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo.

Clarice Lispector

Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado.

Clarice Lispector

Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece.

Clarice Lispector

Sentou-se para descansar e em breve fazia de conta que ela era uma mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, faz de conta que estava deitada na palma transparente da mão de Deus, não Lóri mas o seu nome secreto que ela por enquanto ainda não podia usufruir, faz de conta que vivia e não que estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte, faz de conta que ela não ficava de braços caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que ela era sábia bastante para desfazer os nós de corda de marinheiro que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua pois ela era lunar, faz de conta que ela fechasse os olhos e seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos de gratidão, faz de conta que tudo o que tinha não era faz de conta, faz de conta que se descontraía o peito e uma luz douradíssima e leve a guiava por uma floresta de açudes mudos e de tranquilas mortalidades, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando por dentro – pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado; ela saíra agora da voracidade de viver. Lembrou-se de escrever a Ulisses contando o que se passara, mas nada se passara dizível em palavras escritas ou faladas, era bom aquele sistema que Ulisses inventara: o que não soubesse ou não pudesse dizer, escreveria e lhe daria o papel mudamente – mas dessa vez não havia sequer o que contar.

Clarice Lispector

O fato é que tenho nas minhas mãos um destino e, no entanto, não me sinto com o poder de livremente inventar: sigo uma oculta linha fatal. Sou obrigado a procurar uma verdade que me ultrapassa.

Clarice Lispector

E porque minha alma é tão ilimitada que já não é eu, e porque ela está tão além de mim – é que sempre sou remota a mim mesma, sou-me inalcançável como me é inalcançável um astro.

Clarice Lispector

“Cada pessoa é um mundo, cada pessoa tem sua própria chave e a dos outros nada resolve; só se olha para o mundo alheio por distração, por interesse, por qualquer outro sentimento que sobrenada e que não é o vital; o ‘mal de muitos’ é consolo, mas não é solução”

Clarice Lispector

Agora que já vivi o meu caso, posso rememorá-lo com mais serenidade. Não tentarei fazer-me perdoar. Tentarei não acusar. Aconteceu simplesmente.

Clarice Lispector

Às vezes, melancolia sem causa escurecia-me o rosto, uma saudade morna e incompreensível de épocas nunca vividas me habitava.

Clarice Lispector

Hoje compreendo-o. Tudo lhe perdoo, tudo perdoo aos que não sabem se prender, aos que se fazem perguntas. Aos que procuram motivos para viver, como se a vida por si mesma não se justificasse.

Clarice Lispector

Quanto ao futuro, temia-o demasiado porque conhecia bem seus próprios limites. E porque, apesar de conhecê-los, não se resignara a abandonar aquela ambição enorme, indefinida, que, depois já inumana, dirigia-se para além das coisas da terra. Falhando na realização do que se lhe apresentava aos olhos, voltara-se para o que ninguém, adivinhava-o, poderia realizar.

Clarice Lispector

Sei agora qualquer coisa sobre os que procuram sentir para se saberem vivos. Caminhei também nessa viagem perigosa, tão pobre para nossa terrível ansiedade. E quase sempre decepcionante. Aprendi a fazer minha alma vibrar e sei que, enquanto isso, no mais profundo do próprio ser, pode-se permanecer vigilante e frio, apenas observando o espetáculo que a si mesmo se proporcionou. E quantas vezes quase com tédio…

Clarice Lispector

Pouco sei sobre o amor. Apenas lembro-me que o temia e o procurava.

Clarice Lispector

É que as coisas simplesmente não eram do seu lado. Pensou uma bobagem: até sua pequena cara era de lado. Em esquina. Nem pensava se era bonita ou feia. Ela era óbvia.

Clarice Lispector

Estou atrás do que fica atrás do pensamento

Clarice Lispector

Engoli com alguma dor meu orgulho que sempre fora feroz, e aceitei humilde o que o destino me dava de esmola.

Clarice Lispector

“Muitas coisas que me aconteceram tão piores que estas, eu já perdoei. No entanto essa não posso sequer entender agora: o jogo de dados de um destino é irracional? É impiedoso”.

Clarice Lispector

Mas alguma coisa tinha morrido em mim. E, como nas histórias que eu havia lido sobre fadas que encantavam e desencantavam pessoas, eu fora desencantada; não era mais uma rosa, era de novo uma simples menina. Desci até a rua e ali de pé eu não era uma flor, era um palhaço pensativo de lábios encarnados. Na minha fome de sentir êxtase, às vezes começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me do estado grave de minha mãe e de novo eu morria.
Só horas depois é que veio a salvação. E se depressa agarrei-me a ela é porque tanto precisava me salvar.

Clarice Lispector

Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo – quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.

Clarice Lispector

Que eu tenha coragem de me enfrentar

Clarice Lispector

Gemeu baixinho cansada e depois pensou: o que vai acontecer agora agora agora? E sempre no pingo de tempo que vinha nada acontecia se ela continuava a esperar o que ia acontecer, compreende?

Clarice Lispector

Tudo o que mais valia exatamente ela não podia contar. Só falava tolices com as pessoas.

Clarice Lispector

O melhor mesmo era calar. Outra coisa: se tinha alguma dor e se enquanto doía ela olhava os ponteiros do relógio, via então que os minutos contados no relógio iam passando e a dor continuava doendo. Ou senão, mesmo quando não lhe doía nada, se ficava defronte do relógio espiando, o que ela não estava sentindo também era maior que os minutos contados no relógio. Agora, quando acontecia uma alegria ou uma raiva, corria para o relógio e observava os segundos em vão.

Clarice Lispector

Como se visse alguém beber água e descobrisse que tinha sede, sede profunda e velha. Talvez fosse apenas falta de vida: estava vivendo menos do que podia e imaginava que sua sede pedisse inundações. Talvez apenas alguns goles… Ah, eis uma lição, eis uma lição, diria a tia: nunca ir adiante, nunca roubar antes de saber se o que você quer roubar existe em alguma parte honestamente reservado para você. Ou não? Roubar torna tudo mais valioso. O gosto do mal – mastigar vermelho, engolir fogo adocicado.

Clarice Lispector

O pior é que ela poderia riscar tudo o que pensara. Seus pensamentos eram, depois de erguidos, estátuas no jardim e ela passava pelo jardim olhando e seguindo o seu caminho.

Clarice Lispector

É porque estou muito nova ainda e sempre que me tocam ou não me tocam, sinto – refletia.

Clarice Lispector

Mente-se e cai-se na verdade. Mesmo na liberdade, quando escolhia alegres novas veredas, reconhecia-as depois. Ser livre era seguir-se afinal, e eis de novo o caminho traçado. Ela só veria o que já possuia dentro de si. Perdido pois o goto de imaginar.

Clarice Lispector

É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Ou pelo menos o que me faz agir não é o que eu sinto mas o que eu digo. Sinto quem sou e a impressão está alojada na parte alta do cérebro, nos lábios – na língua principalmente –, na superfície dos braços e também correndo dentro, bem dentro do meu corpo, mas onde, onde mesmo, eu não sei dizer. O gosto é cinzento, um pouco avermelhado, nos pedaços velhos um pouco azulado, e move-se como gelatina, vagarosamente. Às vezes torna-se agudo e me fere, chocando-se comigo. Muito bem, agora pensar em céu azul, por exemplo. Mas sobretudo donde vem essa certeza de estar vivendo?

Clarice Lispector

Era um pouco de febre, sim. Se existisse pecado, ela pecara. Toda a sua vida fora um erro, ela era fútil. Onde estava a mulher da voz? Onde estavam as mulheres apenas fêmeas? E a continuação do que ela iniciara quando criança? Era um pouco de febre.

Clarice Lispector

Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir é tão bom.

Clarice Lispector

E também: como ligar-se a um homem senão permitindo que ele a aprisione? como impedir que ele desenvolva sobre seu corpo e sua alma suas quatro paredes? E havia um meio de ter as coisas se que as coisas a possuíssem?

Clarice Lispector

Não estava abatida de chorar. (…) E sua tristeza era um cansaço grande, pesado, sem raiva.

Clarice Lispector

Definir a eternidade como uma quantidade maior que o tempo e maior mesmo do que o tempo que a mente humana pode suportar em ideia também não permitiria, ainda assim, alcançar sua duração. Sua qualidade era exatamente não ter quantidade, não ser mensurável e divisível porque tudo o que se podia medir e dividir tinha um princípio e um fim.

Clarice Lispector

Mesmo sofrer era bom porque enquanto o mais baixo sofrimento se desenrolava também se existia.

Clarice Lispector

A vida humana é mais complexa: resume-se na busca do prazer, no seu temor, e sobretudo na insatisfação dos intervalos. […] Toda ânsia é busca de prazer. Todo remorso, piedade, bondade, é o seu temor. Todo o desespero e as buscas de outros caminhos são a insatisfação.

Clarice Lispector

Ele olhou-a severo:
– Que você não saiba qual o maior homem da atualidade apesar de conhecer muitos deles, está bem. Mas que você não saiba o que você mesma sente, é que me desagrada.
Olhou-o aflita:
– Olhe, a coisa de que eu mais gosto no mundo…eu sinto aqui dentro, assim se abrindo…Quase, quase posso dizer o que é mas não posso…
– Tente explicar, disse ele de sombrancelhas franzidas.
– É como uma coisa que vai ser…É como…
– É como?… – inclinou-se ele, exigindo sério.
– É como uma vontade de respirar muito, mas também o medo…Não sei…Não sei, quase dói. É tudo…É tudo.
– Tudo?… – estranhou o professor.
Ela assentiu com a cabeça, emocionada, misteriosa, intensa: tudo…

Clarice Lispector

Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.

Clarice Lispector

Não me posso resumir porque não se pode somar uma cadeira e duas maçãs. Eu sou uma cadeira e duas maçãs. E não me somo.

Clarice Lispector

Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha.

Clarice Lispector

Tenho que ter paciência para não me perder dentro de mim. Vivo me perdendo de vista.

Clarice Lispector

Vou adiante de modo intuitivo e sem procurar uma idéia: sou orgânica. E não me indago sobre os meus motivos. Mergulho na quase dor de uma intensa alegria – e para me enfeitar nascem entre os meus cabelos folhas e ramagens.

Clarice Lispector

Só que dessa não se morre. Mas tudo, menos a angústia, não? Quando o mal vem, o peito se torna estreito, e aquele reconhecível cheiro de poeira molhada naquela coisa que antes se chamava alma e agora não é chamada nada. E a falta de esperança na esperança. E conformar-se sem se resignar. Não se confessar a si próprio porque nem se tem mais o quê. Ou se tem e não se pode porque as palavras não viriam. Não ser o que realmente se é, e não se sabe o que realmente se é, só se sabe que não se está sendo. E então vem o desamparo de se estar vivo. Estou falando da angústia mesmo, do mal. Porque alguma angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai.

Clarice Lispector

Quem eu sou, você só vai perceber quando olhar nos meus olhos, ou melhor, além deles.

Clarice Lispector

Estou atrás do que fica atrás do pensamento. Inútil querer me classificar: eu simplesmente escapulo.

Clarice Lispector

A verdade é que ser anjo estava começando a me pesar.

Clarice Lispector

E uma desilusão. Mas desilusão de quê? se, sem ao menos sentir, eu mal devia estar tolerando minha organização apenas construída? Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido. O que eu era antes não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.

Clarice Lispector

Não, não devia pedir mais vida. Por enquanto era perigoso. Ajoelhou-se trêmula junto da cama pois era assim que se rezava e disse baixo, severo, triste, gaguejando sua prece com um pouco de pudor: alivia a minha alma, faze com que eu sinta que Tua mão está dada à minha, faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que eu sinta que amar não é morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte, faze com que eu sinta uma alegria modesta e diária, faze com que eu não Te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que eu me lembre de que também não há explicação porque um filho quer o beijo de sua mãe e no entanto ele quer e no entanto o beijo é perfeito, faze com que eu receba o mundo sem receio, pois para esse mundo incompreensível eu fui criada e eu mesma também incompreensível, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-me para que eu viva com alegria o pão que eu como, o sono que durmo, faze com que eu tenha caridade por mim mesma pois senão não poderei sentir que Deus me amou, faze com que eu perca o pudor de desejar que na hora de minha morte haja uma mão humana amada para apertar a minha, amém.
Não era à toa que ela entendia os que buscavam caminho. Como buscava arduamente o seu! E como hoje buscava com sofreguidão e aspereza o seu melhor modo de ser, o seu atalho, já que não ousava mais falar em caminho. Agarrava-se ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde ela fosse finalmente ela, isso só em certo momento indeterminado da prece ela sentira. Mas também sabia de uma coisa: quando estivesse mais pronta, passaria de si para os outros, o seu caminho era os outros. Quando pudesse sentir plenamente o outro estaria salvo e pensaria: eis o meu porto de chegada. Mas antes precisaria tocar em si própria, antes precisava tocar o mundo.

Clarice Lispector

Tudo o que não sou não pode me interessar, há impossibilidade de ser além do que se é.

Clarice Lispector

“Estou cada vez mais viva, soube vagamente. Começou a correr. Estava subitamente mais livre, com mais raiva de tudo, sentiu triunfante. No entanto não era raiva, mas amor. Amor tão forte que só esgotava sua paixão na força do ódio.”

Clarice Lispector

Nesse momento minha inspiração dói em todo o meu corpo. Mais um instante e ela precisará ser mais do que uma inspiração. E em vez dessa felicidade asfixiante, como um excesso de ar, sentirei nítida a impotência de ter mais do que uma inspiração, de ultrapassá-la, de possuir a própria coisa – e ser realmente uma estrela. Aonde leva a loucura, a loucura.

Clarice Lispector

Quando me surpreendo ao fundo do espelho assusto-me. Mal posso acreditar que tenho limites, que sou recortada e definida. Sinto-me espalhada no ar, pensando dentro das criaturas, vivendo nas coisas além de mim mesma. Quando me surpreendo ao espelho não me assusto porque me ache feia ou bonita. É que me descubro de outra qualidade. Depois de não me ver há muito quase esqueço que sou humana, esqueço meu passado e sou com a mesma libertação de fim e de consciência quanto uma coisa apenas viva. Também me surpreendo, os olhos abertos para o espelho pálido, de que haja tanta coisa em mim além do conhecido, tanta coisa sempre silenciosa.

Clarice Lispector

É a vida? Mesmo assim ela me escaparia. Outro modo de captá-la seria viver. Mas o sonho é mais completo que a realidade, esta me afoga na inconsciência. O que importa afinal: viver ou saber que se está vivendo?

Clarice Lispector

(…) assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável.
Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar. Estou desorganizada porque perdi o que não precisava? (…)
Não sei o que fazer da aterradora liberdade que pode me destruir. (…) havia, aquela coisa latejando, a que eu estava tão habituada que pensava que latejar era ser uma pessoa.

Clarice Lispector

O que deve fazer alguém que não sabe o que fazer de si? Utilizar-se como corpo e alma em proveito do corpo e da alma? Ou transformar sua força em força alheia? Ou esperar que de si mesma nasça, como uma consequência, a solução? Nada posso dizer ainda dentro da forma. Tudo o que possuo está muito fundo dentro de mim.

Clarice Lispector

Em vez de me obter com a fuga, vejo-me desamparada, solitária, jogada num cubículo sem dimensões, onde a luz e a sombra são fantasmas quietos. No meu interior encontro o silêncio procurado. Mas dele fico tão perdida de qualquer lembrança de algum ser humano e de mim mesma, que transformo essa impressão em certeza de solidão física.

Clarice Lispector

Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome. – Sou pois um brinquedo a quem dão corda e que terminada esta não encontrará vida própria, mais profunda. Procurar tranquilamente admitir que talvez só a encontre se for buscá-la nas fontes pequenas. Ou senão morrerei de sede. Talvez não tenha sido feita para as águas puras e largas, mas para as pequenas e de fácil acesso. E talvez meu desejo de outra fonte, essa ânsia que me dá ao rosto um ar de quem caça para se alimentar, talvez essa ânsia seja uma ideia – e nada mais.

Clarice Lispector

“Ainda não se cansara de existir e bastava-se tanto que às vezes, de grande felicidade, sentia a tristeza cobrí-la como a sombra de um manto, deixando-a fresca e silenciosam como um entardecer. Ela nada esperava. Ela era em si, o próprio fim.”

Clarice Lispector

Ninguém sabia que ela estava sendo infeliz a ponto de precisar buscar a vida. (…) Ela só sabia viver.

Clarice Lispector

Se não buscasse um deus exterior terminaria por endeusar-se, por explorar sua própria dor, amando seu passado, buscando refúgio e calor em seus próprios pensamentos, então já nascidos com uma vontade de obra de arte e depois servindo de alimento velho nos períodos estéreis. Havia o perigo de se estabelecer no sofrimento e organizar-se dentro dele, o que seria um vício também e um calmante.”

Clarice Lispector

Sim, descobriu divertida… Por que não? Por que não tentar amar? Por que não tentar viver?

Clarice Lispector

Mais vale em certas circunstâncias esquecer de si e deixar surpreender.

Clarice Lispector

Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas.

Clarice Lispector

Ela, volta e meia, era uma mulher.

Clarice Lispector

Aviso: não confundir bobos com burros…

Clarice Lispector

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos.

Clarice Lispector

Caotica, intensa, inteiramente fora da realidade da vida… (em entrevista)

Clarice Lispector

Fico com medo. Mas o coração bate…

Clarice Lispector

Que alívio! Felicidade, meu bem, é alívio…

Clarice Lispector

Uma história é feita de muitas histórias. E nem todas posso contar.

Clarice Lispector

Farei o possível para não amar demais as pessoas, sobretudo por causa das pessoas…

Clarice Lispector

Estava quieta, grande, despenteada, limpa. Fora feliz inutilmente…

Clarice Lispector

Começo então a pensar que entre os loucos há os que não são loucos…

Clarice Lispector

A experiência vale a pena..

Clarice Lispector

Às vezes, eu fico pensando: se um dia alguém faria por mim, o que eu faria pelos outros.

Clarice Lispector

Exagerada toda a vida: minhas paixões são ardentes; minhas dores de cotovelo, de querer morrer; louca do tipo desvairada; briguenta de tô de mal pra sempre; durmo treze horas seguidas; meus amigos são semi-irmãos; meus amores são sempre eternos e meus dramas, mexicanos.

Clarice Lispector

Das vantagens de ser bobo
O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar no mundo.
O bobo é capaz de ficar sentado, quase sem se mexer por duas horas. Se perguntando por que não faz alguma coisa, responde: “Estou fazendo. Estou pensando.”
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia.
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem.
Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas.
O bobo ganha liberdade e sabedoria para viver.
O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro.
Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranquilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado.
O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo nem nota que venceu.
Aviso: não confundir bobos com burros.
Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: “Até tu, Brutus?”
Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!
Os bobos, com suas palhaçadas, devem estar todos no céu.
Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos.
Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos.
Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham vida.
Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.
Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!
Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas.
É quase impossível evitar excesso de amor que um bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

Clarice Lispector

Dessa vez era um amor mais realista e não romântico; era um amor de quem já sofreu por amor.

Clarice Lispector

A outra mão dele, a livre, está ao alcance dela. Ela sabe, e não a toma. Quer a mão dele, sabe que quer, e não a toma. Tem exatamente o que precisa: pode ter.

Clarice Lispector

As pessoas que se comprazem no sofrimento, que gostam de sentir-se infelizes e fazer os outros infelizes, jamais poderão orgulhar-se de sua beleza. O mau humor, o sentimento de frustração, a amargura marcam a fisionomia, apagam o brilho dos olhos, cavam sulcos na face mais jovem, enfeiam qualquer rosto. Essa é a razão por que a mulher, que cultiva a beleza, deve esforçar-se para ser feliz. Felicidade é estado de alma, é atmosfera interior, não depende de fatos ou circunstâncias externas.

Clarice Lispector

“Foi, pois, assim que o explorador descobriu, toda em pé e a seus pés, a coisa humana menor que existe. Seu coração bateu porque esmeralda nenhuma é tão rara. Nem os ensinamentos dos sábios da Índia são tão raros. Nem o homem mais rico do mundo já pôs olhos sobre tanta estranha graça. Ali estava uma mulher que a gulodice do mais fino sonho jamais pudera imaginar. Foi então que o explorador disse, timidamente e com uma delicadeza de sentimentos de que
sua esposa jamais o julgaria:
— Você é Pequena Flor.”

Clarice Lispector

“o que tem me perturbado intimamente é que as coisas do mundo chegaram para mim a um certo ponto em que eu tenho que saber como encará-las, quero dizer, a situação da guerra, a situação das pessoas, essas tragédias. Sempre encarei com revolta. Mas ao mesmo tempo sinto necessidade de fazer alguma coisa, sinto que não tenho meios. Você diria que eu tenho, através do meu trabalho. Eu tenho pensado muito nisso e não vejo caminho, quer dizer, um caminho verdadeiro.”

Clarice Lispector

Sabia que era inútil resolver sobre o próprio destino.

Clarice Lispector

Era uma falsa revolta, uma tentativa de libertação que vinha sobretudo com muito medo de vitória.

Clarice Lispector

Resignou-se pois. A resignação era doce e fresca. Nascera para ela.

Clarice Lispector

Só depois de viver mais ou melhor, conseguirei a desvalorização do humano, dizia-lhe Joana às vezes. Humano – eu. Humano – os homens individualmente separados. Esquecê-los porque com eles minhas relações apenas podem ser sentimentais. Se eu os procuro, exijo ou dou-lhes o equivalente das velhas palavras que sempre ouvimos, “fraternidade”, “justiça”. Se elas tivessem um valor real, seu valor não estaria em ser cume, mas base de triângulo. Seriam a condição e não o fato em si. Porém terminam ocupando todo o espaço mental e sentimental exatamente porque são impossíveis de se realizar, são contra a natureza. São fatais, apesar de tudo, no estado de promiscuidade em que se vive. Nesse estado transforma-se o ódio em amor, que nunca passa na verdade de procura de amor, jamais obtido senão em teoria, como no cristianismo.”

Clarice Lispector

No entanto como seria bom construir alguma coisa pura, liberta do falso amor sublimizado, liberta do medo de não amar…Medo de não amar, pior que o medo de não ser amado…

Clarice Lispector

“Sobretudo no momento em que a tocara, compreendera: o que se seguisse entre eles seria irremediável. Porque quando a abraçara. sentira-a viver subitamente em seus braços como água correndo. E vendo-a tão viva, entendera esmagado e secretamente contente que se ela o quisesse ele nada poderia fazer…No momento em que finalmente a beijara sentira-se ele próprio de repente livre, perdoado além do que ele sabia de si mesmo, perdoado no que estava sob tudo o que ele era…
Daí em diante não havia escolha. Sabendo disso ajudava-se a amá-la. Não era difícil.”

Clarice Lispector

Eu só escrevo quando eu quero, eu sou uma amadora e faço questão de continuar a ser amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever, ou então em relação ao outro. Agora, eu faço questão de não ser profissional, para manter minha liberdade.

Clarice Lispector

Quando começa a ficar muito bom eu ou desconfio ou dou um passo para trás.

Clarice Lispector

Eu sou feita de tão pouca coisa e meu equilíbrio é tão frágil que eu preciso de um excesso de segurança para me sentir mais ou menos segura.

Clarice Lispector

Há muita coisa a dizer que não sei como dizer. Faltam as palavras. Mas recuso-me a inventar novas: as que existem já devem dizer o que se consegue dizer e o que é proibido. E o que é proibido eu adivinho. Se houver força. Atrás do pensamento não há palavras: é-se. Minha pintura não tem palavras: fica atrás do pensamento. Nesse terreno do é-se sou puro êxtase cristalino. É-se. Sou-me. Tu te és.

Clarice Lispector

Respeite a você mais do que aos outros, respeite suas exigências, respeite mesmo o que é ruim em você – respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você – pelo amor de Deus, não queira fazer de você uma pessoa perfeita – não copie uma pessoa ideal, copie você mesma – é esse o único meio de viver.

Clarice Lispector

O maior desafio de uma mãe é ficar cada vez menor.

Clarice Lispector

Preciso aprender a não precisar de ninguém.

Clarice Lispector

Vida não tem adjetivo. É uma mistura em cadinho estranho mas que me dá em última análise, em respirar. E às vezes arfar. E às vezes mal poder respirar. É. Mas às vezes há também o profundo hausto de ar que até atinge o fino frio do espírito, preso ao corpo por enquanto.

Clarice Lispector

Vocês não sabem nada de mim. Nunca te disse e nunca te direi quem sou. Eu sou vós mesmos.

Clarice Lispector

Deus não deve ser pensado jamais senão Ele foge ou eu fujo. Deus deve ser ignorado e sentido. Então Ele age. Pergunto-me: por que Deus pede tanto que seja amado por nós? resposta possível: porque assim nós amamos a nós mesmos e em nos amando, nós nos perdoamos. E como precisamos de perdão. Porque a própria vida já vem mesclada ao erro.

Clarice Lispector

Eu quero a verdade que só me é dada através do seu oposto, de sua inverdade. E não aguento o cotidiano. Deve ser por isso que escrevo.

Clarice Lispector

Estou escrevendo porque não sei o que fazer de mim.

Clarice Lispector

Meu problema é o medo de ficar louco. Tenho que me controlar. Existem leis que regem a comunicação. A impessoalidade é uma condição. A separatividade e a ignorância são o pecado num sentido geral. E a loucura é a tentação de ser totalmente o poder.

Clarice Lispector

Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim.

Clarice Lispector

Eu escrevo para nada e para ninguém. Se alguém me ler será por conta própria e autorrisco. Eu não faço literatura: eu apenas vivo ao correr do tempo. O resultado fatal de eu viver é o ato de escrever.

Clarice Lispector

Escrevo muito simples e muito nu. Por isso fere. Sou uma paisagem cinzenta e azul. Elevo-me na fonte seca e na luz fria.

Clarice Lispector

Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras – quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.

Clarice Lispector

Será horrível demais querer se aproximar dentro de si mesmo do límpido eu? Sim, e é quando o eu passa a não existir mais, a não reivindicar nada, passa a fazer parte da árvore da vida — é por isso que luto por alcançar. Esquecer-se de si mesmo e no entanto viver tão intensamente.

Clarice Lispector

Eu queria escrever um livro. Mas onde estão as palavras? esgotaram-se os significados.

Clarice Lispector

O tempo não existe. O que chamamos de tempo é o movimento de evolução das coisas, mas o tempo em si não existe. Ou existe imutável e nele nos transladamos.

Clarice Lispector

Eu sempre fui e imediatamente não era mais.

Clarice Lispector

Redondo sem início e sem fim, eu sou o ponto antes do zero e do ponto final.

Clarice Lispector

De repente as coisas não precisam mais fazer sentido. Satisfaço-me em ser. Tu és? Tenho certeza que sim.

Clarice Lispector

Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida. Viver é uma espécie de loucura que a morte faz.

Clarice Lispector

PRECISÃO
O que me tranqüiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.
Meu Deus me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar.

Clarice Lispector

O medo me leva ao perigo. E tudo que eu amo é arriscado.

Clarice Lispector

Eu ainda não sei controlar meu ódio mas já sei que meu ódio é um amor irrealizado, meu ódio, é uma vida ainda nunca vivida. Pois vivi tudo – menos a vida. E é isso o que não perdoo em mim, e como não suporto não me perdoar, então não perdoo aos outros. A este ponto cheguei: como não consegui a vida, quero matá-la. A minha cólera – que é ela senão reivindicação? – a minha cólera, eu sei, eu tenho que saber neste minuto raro de escolha, a minha cólera é o reverso de meu amor; se eu quiser escolher finalmente me entregar sem orgulho à doçura do mundo, então chamarei minha ira de amor.

Clarice Lispector

Como traduzir o profundo silêncio do encontro entre duas almas? É dificílimo contar: nós estávamos nos olhando fixamente, e assim ficamos por uns instantes. (…) Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo isso de: estado agudo de felicidade.

Clarice Lispector

Eles pareciam saber que quando o amor era grande demais e quando um não podia viver sem o outro, esse amor não era mais aplicável: nem a pessoa amada tinha a capacidade de receber tanto. Lóri estava perplexa ao notar que mesmo no amor tinha-se que ter bom senso e senso de medida. Por um instante, como se tivessem combinado, ele beijou sua mão, humanizando-se. Pois havia o perigo de, por assim dizer, morrer de amor.

Clarice Lispector

Era cruel o que fazia consigo própria: aproveitar que estava em carne viva para se conhecer melhor, já que a ferida estava aberta.

Clarice Lispector

Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em ralação a outras coisas importantes. Continuo aliás atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.

Clarice Lispector

Sou uma só. (…) Sou um ser. E deixo que você seja. Isso lhe assusta? Creio que sim. Mas vale a pena. Mesmo que doa. Dói só no começo

Clarice Lispector

“Experimentamos ficar calados – mas tornávamos inquietos logo depois de nos separarmos”
(Felicidade Clandestina)

Clarice Lispector

Tudo acaba, mas o que te escrevo continua. (…) O melhor está nas entrelinhas.

Clarice Lispector

Um aperto de mão comovido foi o nosso adeus no aeroporto. Sabíamos que não nos veríamos mais, senão por acaso. Mais que isso: que não queríamos nos rever. E sabíamos também que éramos amigos. Amigos sinceros.

Clarice Lispector

Com uma amiga chegamos a um tal ponto de simplicidade ou liberdade que às vezes eu telefono e ela responde: não estou com vontade de falar. Então eu digo até logo e vou fazer outra coisa.

Clarice Lispector

“Só trabalho com achados e perdidos.”

Clarice Lispector

”Porque eu me imaginava mais forte.”

Clarice Lispector

E o amor, em vez de dar, exige.

Clarice Lispector

A eternidade é o estado das coisas neste momento.

Clarice Lispector

O que estraga a felicidade é o medo.

Clarice Lispector

Me detesto. Felizmente os outros gostam de mim, é uma tranquilidade.

Clarice Lispector

Com exceção de uns poucos, todos têm medo de mim como se eu mordesse.

Clarice Lispector

Se me abandonar, ainda vivo um pouco, o tempo que um passarinho fica no ar sem bater asas, depois caio, caio e morro.

Clarice Lispector

Gosto de coisas complicadas.

Clarice Lispector

Não tenho nenhuma saudade de mim – o que já fui não mais me interessa!

Clarice Lispector

Eu vou ter tanta saudade de mim quando morrer.

Clarice Lispector

Sou uma pessoa insegura, indecisa, sem rumo na vida, sem leme para me guiar: na verdade não sei o que fazer comigo.

Clarice Lispector

Me abrace, que no abraço mais do que em palavras, as pessoas se gostam.

Clarice Lispector

Mas eu sou uma chata que parece viver com medo de dizer as coisas claramente.

Clarice Lispector

Sou muito mais lunar que solar.

Clarice Lispector

Vou experimentar tudo o que possa, não quero me ausentar do mundo.

Clarice Lispector

Há alguma coisa aqui que me dá medo. Quando eu descobrir o que me assusta, saberei também o que amo aqui.

Clarice Lispector

Quem sabe, até, eu era só aprendiz de anjo.

Clarice Lispector

Aliás o que me irrita é que tudo tem de ser “do modo certo”, imposição muito limitadora…

Clarice Lispector

(…) cabelos negros e um vestido azul, de frente à penteadeira, bonita apenas pelo fato de ser mulher…

Clarice Lispector

Gosto de intensidades.

Clarice Lispector

Se reflito demais, deixo de agir.

Clarice Lispector

Me mato? Não. Vivo como bruta resposta. Estou aí para quem me quiser.

Clarice Lispector

Depois de certo tempo cada um é responsável pela cara que tem.

Clarice Lispector

Ser feliz é uma responsabilidade muito grande. Pouca gente tem coragem.

Clarice Lispector

“Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor. Para que te servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada. Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto – uivaram os lobos e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir.

Clarice Lispector

Vou dormir porque não estou suportando este meu mundo de hoje, cheio de coisas inúteis.

Clarice Lispector

E naquele momento evitava precisamente a solidão, que seria uma bebida forte demais.

Clarice Lispector

É preciso saber sentir, mas também como deixar de sentir.

Clarice Lispector

E todos os dias ficarei tão alegre que incomodarei os outros.

Clarice Lispector

Queria que você, sem uma palavra, apenas viesse.

Clarice Lispector

Eu cheia de saudade de você, mas aguentando firme.

Clarice Lispector

Hoje estou a mesma chata de sempre

Clarice Lispector

Estou cansada de pessoas e sozinha me aborreço. Eu mesma não sei o que quero.

Clarice Lispector

Tenho duas caras. Uma quase feia, outra quase bonita. O que eu sou? Um quase tudo.

Clarice Lispector

E eis que em breve nos separaremos
E a verdade espantada é que eu sempre estive só de ti e não sabia
Eu agora sei, eu sou só
Eu e minha liberdade que não sei usar
Mas, eu assumo a minha solidão
Sou só, e tenho que viver uma certa glória íntima e silenciosa
Guardo teu nome em segredo
Preciso de segredos para viver
E eis que depois de uma tarde de quem sou eu
E de acordar a uma hora da madrugada em desespero
Eis que as três horas da madrugada, acordei e me encontrei
Fui ao encontro de mim, calma, alegre, plenitude sem fulminação
Simplesmente eu sou eu, e você é você
É lindo, é vasto, vai durar
Eu não sei muito bem o que vou fazer em seguida
Mas, por enquanto, olha pra mim e me ama
Não, tu olhas pra ti e te amas
É o que está certo
Eu sou antes, eu sou quase, eu sou nunca
E tudo isso ganhei ao deixar de te amar
Escuta! Eu te deixo ser… Deixa-me ser!

Clarice Lispector

Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço.
Abro o jogo! Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza.
Há verdades que nem a Deus eu contei. E nem a mim mesma. Sou um segredo fechado a sete chaves.
Por favor me poupem.

Clarice Lispector

Quero captar o meu é. E canto aleluia para o ar assim como faz o pássaro. E meu canto é de ninguém. Mas não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia.

Clarice Lispector

Escrever é tantas vezes lembrar-se do que nunca existiu.

Clarice Lispector

Atitude é uma pequena coisa que faz uma grande diferença.

Clarice Lispector

Eu quero simplesmente isto: o impossível.

Clarice Lispector

Eu tenho que ser minha amiga, senão não aguento a solidão.

Clarice Lispector

Tenho meus limites. O primeiro deles é meu amor-próprio.

Clarice Lispector

Se você procura alguém coerente, sensata, politicamente correta, racional, cheia de moralismo… Esqueça-me! Se você sabe conviver… com pessoas intempestivas, emotivas, vulneráveis, amáveis, que explodem na emoção: acolha-me.

Clarice Lispector

Você pensa que tudo é eterno, mas não é.

Clarice Lispector

Estou bastante acostumada a estar só, mesmo junto dos outros.

Clarice Lispector

Minhas paixões são ardentes;
Minhas dores de cotovelo, de querer morrer;
Louca do tipo desvairada;
Briguenta de tô de mal pra sempre;
Durmo treze horas seguidas;
Meus amigos são Semi-irmãos;
Meus amores são sempre eternos, e meus dramas,
Mexicanos!

Clarice Lispector

Estou com saudade de mim. Ando pouco recolhida, atendo demais ao telefone, escrevo depressa, vivo depressa. Onde está eu?

Clarice Lispector

E doidamente me apodero dos desvãos de mim, meus desvarios me sufocam de tanta beleza. Eu sou antes, eu sou quase, eu sou nunca.

Clarice Lispector

Minha maior mentira todos os dias: meu sorriso.

Clarice Lispector

O esquecimento das coisas é minha válvula de escape. Esqueço muito por necessidade.

Clarice Lispector

Sorria sempre. Seus lábios não precisam traduzir o que acontece no seu coração.

Clarice Lispector

E foi tão corpo que foi puro espírito.

Clarice Lispector

Uns dias, cheia de tédio, enervada e triste. Outros, lânguida como uma gata, embriagando-se com os menores acontecimentos. Uma folha caindo, um grito de criança, e pensava: mais um momento e não suportarei tanta felicidade.
(A bela e a fera – trecho da crônica Gertrudes pede um conselho)
E depois ando meio bonita, sem o menor pudor: vem do bem-estar.
(A descoberta do mundo – trecho da crônica Facilidade repentina)

Clarice Lispector

Eu peço a Deus tudo o que eu quero e preciso. É o que me cabe. (…) Eu não tenho o poder. Tenho a prece.

Clarice Lispector

Quem, como eu, estava chamando o medo de amor? E querer, de amor? E precisar, de amor?

Clarice Lispector

Ai que te amo e amo tanto que te morro.

Clarice Lispector

Eu só pensava: eu não valho tanto. Daí a pouco já estava pensando: e eu que não sabia que valia tanto.

Clarice Lispector

Estava rindo, quente, quente…

Clarice Lispector

Aos olhos nus, não passava de um chuva repentina, mas aqui dentro soava como uma tempestade.

Clarice Lispector

Pois há um tempo de rosas, outro de melões, e não comereis morangos senão na época de morangos.

Clarice Lispector

Mas você – eu não posso nem quero explicar – eu agradeço.

Clarice Lispector

“Quem tem piedade de nós? Somos uns abandonados? Uns entregues ao desespero? Não, tem que haver um consolo possível. Juro: tem que haver.”

Clarice Lispector

O que sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar.

Clarice Lispector

É horrivelmente insípido, meu amor.

Clarice Lispector

Como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.

Clarice Lispector

Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias. Mas preparado estou para sair discretamente pela saída da porta dos fundos. Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui.

Clarice Lispector

Não quero a beleza, quero a identidade.

Clarice Lispector

Não pedi coisas demais para não confundir Deus que à meia-noite de Ano-Novo está tão ocupado.

Clarice Lispector

Era malcriada demais, revoltada demais, embora depois caísse em si e pedisse desculpas.

Clarice Lispector

Nos piores momentos, lembre-se: quem é capaz de sofrer intensamente também pode ser capaz de intensa alegria.

Clarice Lispector

Minha bondade tem limites: não posso proteger quem me ofende.

Clarice Lispector

Mesmo para os descrentes há a pergunta duvidosa: e depois da morte? Mesmo para os descrentes há o instante de desespero: que Deus me ajude. Neste mesmo instante estou pedindo que Deus me ajude. Estou precisando. Precisando mais do que a força humana. E estou precisando de minha própria força. Sou forte mas também destrutiva. Autodestrutiva. E quem é autodestrutivo também destrói os outros. Estou ferindo muita gente. E Deus tem que vir a mim, já que eu não tenho ido a Ele. Venha, Deus, venha. Mesmo que eu não mereça, venha. Ou talvez os que menos merecem precisem mais. Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha. Venha antes que seja tarde demais.

Clarice Lispector

Volto-me então para o meu rico nada interior. E grito: eu sinto, eu sofro, eu me alegro, eu me comovo. Só o meu enigma me interessa.

Clarice Lispector

Estou escrevendo porque não sei o que fazer de mim. Quer dizer: não sei o que fazer com meu espírito. O corpo informa muito.

Clarice Lispector

Procuro me manter isolada contra a agonia de viver dos outros.

Clarice Lispector

Mas se eu não prestava, eu fora tudo o que aquele homem tivera naquele momento. Pelo menos uma vez ele teria que amar, e sem ser a ninguém..

Clarice Lispector

E o que não posso e não quero exprimir fica sendo o mais secreto dos meus segredos.

Clarice Lispector

Não é confortável o que te escrevo. Não faço confidências. Antes me metalizo. E não te sou e me sou confortável.

Clarice Lispector

Haverá um ano em que haverá um mês, em que haverá uma semana em que haverá um dia em que haverá um hora em que haverá um minuto em que haverá um segundo e dentro do segundo haverá o não tempo sagrado da morte transfigurada.

Clarice Lispector

Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.

Clarice Lispector

Sem um pensamento: apenas corpo se movimentando calmo, rosto pleno de uma suave esperança que ninguém dá e ninguém tira.

Clarice Lispector

Minha grande altivez: prefiro ser achada na rua. Do que neste fictício palácio onde não me acharão porque – porque mando dizer que não estou, “ela acabou de sair”.

Clarice Lispector

Apenas isso: chove e estou vendo a chuva. Que simplicidade. Nunca pensei que o mundo e eu chegássemos a esse ponto de trigo. A chuva cai não porque está precisando de mim, e eu olho a chuva não porque preciso dela. Mas nós estamos tão juntas como a água da chuva está ligada à chuva. E eu não estou agradecendo nada. Não tivesse eu, logo depois de nascer, tomado involuntária e forçadamente o caminho que tomei – e teria sido sempre o que realmente estou sendo: uma camponesa que está num campo onde chove.

Clarice Lispector

É absolutamente indispensável que eu seja uma ocupada e uma distraída.

Clarice Lispector

O que me importa são instantâneos fotográficos das sensações – pensadas, e não a pose imóvel dos que esperam que eu diga: olhe o passarinho! Pois não sou fotógrafo de rua.

Clarice Lispector

De mim só se sabe que respiro.

Clarice Lispector

De repente chorava. Já era amor.

Clarice Lispector

Escrevo-te toda inteira e sinto um sabor em ser e o sabor-a-ti é abstrato como o instante. é também com o corpo todo que pinto os meus quadros e na tela fixo o incorpóreo, eu corpo a corpo comigo mesma. Não se compreende música: ouve-se. Ouve-me então com teu corpo inteiro. Quando vieres a me ler
perguntarás por que não me restrinjo à pintura e às minhas exposições, já que escrevo tosco e sem ordem. É que agora sinto necessidade de palavras – e é novo para mim o que escrevo porque minha verdadeira palavra foi até agora intocada. A palavra é a minha quarta dimensão.

Clarice Lispector

Hoje acabei a tela que te falei: linhas redondas que se interpenetram em traçes finos e negros, e tu, que tens o hábito de querer saber por que – e porque não me interessa, a causa é matéria do passado – perguntarás por que os traços negros e finos? é por causa do mesmo segredo que me faz escrever agora como se fosse a ti, escrevo redondo, enovelado e tépido, mas às vezes frígido como os instantes frescos, água do riacho que treme sempre por si mesma. (Água Viva)

Clarice Lispector

Mas estou tentando escrever-te com o corpo todo, enviando uma seta que se finca no ponto tenro e nevrálgico da palavra. (Água Viva)

Clarice Lispector

Não quero perguntar por que, pode-se perguntar sempre por que e sempre continuar sem resposta: será que consigo me entregar ao expectante silêncio que se segue a uma pergunta sem resposta? Embora adivinhe que em algum lugar ou em algum tempo existe a grande resposta para mim. (Água Viva)

Clarice Lispector

O que eu te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa. Capta essa coisa que me escapa e no entanto vivo dela e estou à tona de brilhante escuridão.

Clarice Lispector

O outro lado de mim me chama. Os passos que eu ouço são meus

Clarice Lispector

Vou me acrescentando em folhas.

Clarice Lispector

Quero a vibração do alegre. Quero a isenção de Mozart. Mas quero também a inconsequência. Liberdade? é meu último refúgio, forcei-me à liberdade e aguento-a não como um dom mas com heroísmo: sou heroicamente livre.

Clarice Lispector

Não gosto é quando pingam limão nas
minhas profundezas e fazem com que
eu me contorça toda.

Clarice Lispector

E num tempo perdido fui uma camélia branca na lapela de um negro.

Clarice Lispector

Você não sabe que revelação foi para mim ter um cão, ver e sentir a matéria de que é feito um cão. É a
coisa mais doce que eu já vi, o cão é de uma paciência para com a natureza impotente dele e para com a natureza incompreensível dos outros… E com os pequenos meios que ele tem, com uma burrice cheia de doçura, ele arranja modo de compreender a gente de um modo direto. Sobretudo Dilermando era uma coisa minha que eu não tinha que repartir com ninguém.

Clarice Lispector

Todos os hábitos são suspeitos.

Clarice Lispector

“Entre o sim e o não só há um caminho: escolher.”

Clarice Lispector

Ah, que vontade de alegria.

Clarice Lispector

Quero pegar, sentir, tocar, ser. E tudo isso já faz parte de um todo, de um mistério. Sou uma só. (…) Sou um ser. E deixo que você seja. Isso lhe assusta? Creio que sim. Mas vale a pena.

Clarice Lispector

É que eu estava só. Sem precisar de ninguém. É difícil porque preciso repartir contigo o que sinto.

Clarice Lispector

E sobretudo há nessa existência primeira uma falta de erro, e um tom de emoção de quem poderia mentir mas não mente. Basta? Basta sim.

Clarice Lispector

Tenho coragem? Por enquanto estou tendo: porque venho do sofrido longe, venho do inferno de amor mas agora estou livre de ti.

Clarice Lispector

Tornava-se toda dramática e viver doía.

Clarice Lispector

Não suporto tentações, pois caio em todas elas.

Clarice Lispector

Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz.

Clarice Lispector

Tenho pensamentos que não posso traduzir em palavras.

Clarice Lispector

Engulo a loucura porque ela me alucina calmamente.

Clarice Lispector

Quando eu penso, estrago tudo. É por isso que evito pensar: só vou mesmo é indo.

Clarice Lispector

Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.

Clarice Lispector

Ela sentia falta de encontrar-se consigo mesma e sofrer um pouco é um encontro.

Clarice Lispector

Ando de um lado para outro, dentro de mim.

Clarice Lispector

O que eu fiz, apenas, foi ir me obedecendo…

Clarice Lispector

Amar não acaba. É como se o mundo estivesse à minha espera. E eu vou ao encontro do que me espera.

Clarice Lispector

Eu sonho acordada, mesmo como uma mocinha de quinze anos. É o que se chama de sonho estéril. Imagino conversas, imagino situações e cenas – pareço nunca ter tido nenhuma experiência.

Clarice Lispector

Então não apanhei no chão o que reluzia. Era ouro, meu Deus. Era ouro, talvez.

Clarice Lispector

“Um dia, quando eu tiver mais vontade e se você ainda quiser, eu lhe falarei de como me mexo dentro de Deus.”

Clarice Lispector

Em vida, observo muito, sou ativa nas observações, tenho o senso do ridículo, do bom humor, da ironia, e tomo um partido.

Clarice Lispector

“Eu escrevo para fazer existir e para existir-me. Desde criança procuro o sopro da palavra que dá vida aos sussurros.”

Clarice Lispector

No mais fino e doído de seu sentimento ela pensava: vou ser feliz.

Clarice Lispector

Estranhei tudo. E, por me estranhar, vi-me por um instante como sou. Gostei ou não? Simplesmente aceitei.

Clarice Lispector

Mas ela já o amava tanto que não sabia mais como se livrar dele, estava em desespero de amor.

Clarice Lispector

E “amor” ela não chamava de amor, chamava de não-sei-o-quê.

Clarice Lispector

Eu sou sozinha no mundo e não acredito em ninguém; todos mentem, às vezes até na hora do amor, eu não acho que um ser fale com o outro, a verdade só me vem quando estou sozinha.

Clarice Lispector

Amo e adoro tudo o que é simples, tanto que as vezes pareço exigente.

Clarice Lispector

“Eu te odeio”, disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la. “Eu te odeio”, disse muito apressada. Mas não sabia sequer como se fazia.

Clarice Lispector

A mensagem é clara: não sacrifique o dia de hoje pelo de amanhã. Se você se sente infeliz agora, tome alguma providência agora, pois só na sequência dos agoras é que você existe.

Clarice Lispector

Já escondi um amor.

Clarice Lispector

Bom, agora eu morri. Mas vamos ver se eu renasço de novo. Por enquanto eu estou morta. Estou falando do meu túmulo.

Clarice Lispector

Decifra-me, mas não me conclua, eu posso te surpreender.

Clarice Lispector

Mas não sou completa, não.
Completa lembra realizada.
Realizada é acabada.
Acabada é o que não se renova a cada instante da vida e do mundo.
Eu vivo me completando… mas falta um bocado.

Clarice Lispector

Tenho pensamentos que não podem ser traduzidos em palavras.

Clarice Lispector

Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade.

Clarice Lispector

Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma.

Clarice Lispector

Carnaval era meu, meu. No entanto, na realidade, eu dele pouco participava.

Clarice Lispector

Tentou num último esforço inventar alguma coisa, um pensamento, que a distraísse. Inútil. Ela só sabia viver.

Clarice Lispector

O que deve fazer alguém que não sabe o que fazer de si?

Clarice Lispector

Não estou à altura de ficar no paraíso porque o paraíso não tem gosto humano!

Clarice Lispector

Só os grandes amam a monotonia.

Clarice Lispector

E amanhã eu vou ter de novo um hoje. Há algo de dor e pungência em viver o hoje.

Clarice Lispector

À extremidade de mim estou eu. Eu, implorante, eu a que necessita, a que pede, a que chora, a que se lamenta. Mas a que canta

Clarice Lispector

Andar na escuridão completa à procura de nós mesmos é o que fazemos.

Clarice Lispector

Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por que dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma.

Clarice Lispector

Eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas (…) o que eu disser soará fatal e inteiro!

Clarice Lispector

Criar sim, mentir não. Criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade.

Clarice Lispector

Hoje é dia de muita estrela no céu, pelo menos assim promete esta tarde triste que uma palavra humana salvaria.

Clarice Lispector

E, livre, nem ela mesma sabia o que pensava.

Clarice Lispector

Difícil aspirar as pessoas como o aspirador de pó

Clarice Lispector

Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma ideia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade. Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. Há um perigo: se reflito demais, deixo de agir. E muitas vezes prova-se depois que eu deveria ter agido. Estou num impasse.

Clarice Lispector

É. Eu me acostumo mas não amanso…”

Clarice Lispector

Encontrar-se consigo própria era um bem que ela até então não conhecia. Acho que nunca fui tão contente na vida, pensou. Não devia nada a ninguém e ninguém lhe devia nada. Até deu-se ao luxo de ter tédio – um tédio até muito distinto.

Clarice Lispector

Que eu tenha a coragem de me enfrentar. Que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.

Clarice Lispector

“Sou dramática, intensa, transitória e tenho uma alegria em mim que quase me deixa exausta.”

Clarice Lispector

Farei o possível para não amar demais as pessoas, sobretudo, por causa das pessoas. Às vezes o amor que se dá pesa, quase como uma responsabilidade na pessoa que o recebe. Eu tenho essa tendência geral para exagerar, e resolvi tentar não exigir dos outros senão o mínimo. É uma forma de paz… Também é bom porque em geral se pode ajudar muito mais as pessoas quando não se está cega de amor.

Clarice Lispector

Além do mais a “psicologia” nunca me interessou. O olhar psicológico me impacientava e me impacienta, é um instrumento que só transpassa. Acho que desde a adolescência eu havia saído do estágio do psicológico.
A G.H. vivera muito, quero dizer, vivera muitos fatos. Quem sabe eu tive de algum modo pressa de viver logo tudo o que eu tivesse a viver para que me sobrasse tempo de… de viver sem fatos? de viver. Cumpri cedo os deveres de meus sentidos, tive cedo e rapidamente dores e alegrias – para ficar depressa livre do meu destino humano menor? e ficar livre para buscar a minha tragédia.
Minha tragédia estava em alguma parte. Onde estava o meu destino maior? um que não fosse apenas o enredo de minha vida.

Clarice Lispector

Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. […] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou maduro bastante ainda. Ou nunca serei.

Clarice Lispector

Eu tenho medo do ótimo e do superlativo. Quando começa a ficar muito bom eu ou desconfio ou dou um passo para trás.

Clarice Lispector

O que é preciso é não ir demais contra a onda. A gente faz como quando toma banho de mar: procura subir e descer com a onda. Isso é uma forma de lutar: esperar, ter paciência, perdoar, amar os outros. E cada dia aperfeiçoar o dia. Tudo isso está parecendo idiota… Mas até que não é.

Clarice Lispector

Eu sou um poema inacabado…

Clarice Lispector

Equilibro-me como posso entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus.

Clarice Lispector

Ou sou tudo ou sou nada.

Clarice Lispector

Gostaria mesmo que você me visse e assistisse a minha vida sem eu saber. (…) Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma.

Clarice Lispector

Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre.

Clarice Lispector

Minha liberdade então se intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade.

Clarice Lispector

E a revolta de súbito me tomou: então não podia eu me entregar desprevenida ao amor?

Clarice Lispector

É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é.

Clarice Lispector

É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa.

Clarice Lispector

Porque o formalismo não tem ferido a minha simplicidade, e sim o meu orgulho, pois é pelo orgulho de ter nascido que me sinto tão íntima do mundo, mas este mundo que eu ainda extraí de mim de um grito mudo.

Clarice Lispector

Talvez eu tenha que chamar de “mundo” esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho da minha natureza?

Clarice Lispector

Sempre fui uma tímida muito ousada.

Clarice Lispector

Só às vezes piso com os dois pés na terra do presente, em geral um pé resvala para o passado, outro pé resvala para o futuro E fico sem nada

Clarice Lispector

A crueza do mundo era tranquila. O assassinato era profundo. E a morte não era o que pensávamos.

Clarice Lispector

É preciso que se saiba. Que a vida é curta. A vida é curta.

Clarice Lispector

Amor é achar bonito uma bota, amor é gostar da cor rara de um homem que não é negro, amor é rir de amor a um anel que brilha.

Clarice Lispector

Quando me traíram ou me assassinaram, quando alguém foi embora para sempre, ou perdi o que de melhor me restava, ou quando soube que vou morrer – eu não como. Não sou ainda esta potência, esta construção, esta ruína. Empurro o prato, rejeito a carne e seu sangue.

Clarice Lispector

Ela era muito satisfatona: tinha tudo o que seu pouco anseio lhe dava. E havia nela um desafio que se resumia em “ninguém manda em mim”.

Clarice Lispector

Não façamos esforços inúteis, pois o amor nasce ou não espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes é inútil esforçar-se demais… nada se consegue; outras vezes, nada damos e o amor se rende a nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido.

Clarice Lispector

E não caminharei “de pensamento a pensamento”, mas de atitude a atitude.

Clarice Lispector

“Estava permanentemente ocupada em querer e não querer ser o que eu era, não me decidia por qual de mim, toda é que nao podia ser; ter nascido era cheio de erros a corrigir. Só tinha tempo de crescer. O que eu fazia para todos os lados, com uma falta de graça que mais parecia o resultado de um erro de cálculo. Na minha pressa eu crescia sem saber pra onde.”

Clarice Lispector

Se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria mas ficaria muito mais contente.
(Uma galinha – Laços de familia)

Clarice Lispector

Aquela relutância em ceder, mas aquela vontade do grande abraço. Ela se abraçava a si mesma com vontade do doce nada.

Clarice Lispector

Era muito impressionável e acreditava em tudo o que existia e no que não existia também. Mas não sabia enfeitar a realidade. Para ela a realidade era demais para ser acreditada. Aliás a palavra “realidade” não lhe dizia nada. Nem a mim, por Deus. Vagamente pensava de muito longe e sem palavras o seguinte: já que sou, o jeito é ser.

Clarice Lispector

Eu não sou uma sonhadora. Só devaneio para alcançar a realidade.

Clarice Lispector

Por te falar eu te assustarei e te perderei? mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia.
(A paixão segundo G. H.)
Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. (…) Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso.
(Água viva)
Respeite mesmo o que é ruim em você – respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você. (…) Não copie uma pessoa ideal, copie você mesma – é esse o único meio de viver.
(Correspondências)
E o que o ser humano mais aspira é tornar-se ser humano.
(Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres)
O que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma.
(Correspondências)
“Eu te odeio”, disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la. “Eu te odeio”, disse muito apressada. Mas não sabia sequer como se fazia. Como cavar na terra até encontrar a água negra, como abrir passagem na terra dura e chegar jamais a si mesma?
(Laços de família)
Sou um monte intransponível no meu próprio caminho. Mas às vezes por uma palavra tua ou por uma palavra lida, de repente tudo se esclarece.
(Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres)
Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz. Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim.
(Um sopro de vida)
Às vezes me dá enjoo de gente. Depois passa e fico de novo toda curiosa e atenta. E é só.
(A via crucis do corpo)
O que me atormenta é que tudo é “por enquanto”, nada é “sempre”.
(Clarice Lispector: esboço para um possível retrato, de Olga Borelli)
Corro perigo
Como toda pessoa que vive
E a única coisa que me espera
É exatamente o inesperado.
(Água viva)

Clarice Lispector

Tenho uma paz profunda, somente porque ela é profunda e não pode ser sequer atingida por mim mesmo; se fosse alcançável por mim, eu não teria um minuto de paz.

Clarice Lispector

O óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar.

Clarice Lispector

Eu sei de muito pouco. Mas tenho a meu favor tudo o que não sei e – por ser um campo virgem – está livre de preconceitos. Tudo o que não sei é a minha parte maior e melhor: é minha largueza. É com ela que eu compreenderia tudo. Tudo o que eu não sei é que constitui a minha verdade.

Clarice Lispector

Quem eu sou?
“Eu sou uma pergunta!”

Clarice Lispector

“Não se pode dar uma prova de existência do que é mais verdadeiro, o jeito é acreditar.
Acreditar chorando.”

Clarice Lispector

Estrelas são os olhos de Deus vigiando para que corra tudo bem. Para sempre. E, como se sabe, sempre não acaba nunca.

Clarice Lispector

Eu venho de uma longa saudade. Eu, a quem elogiam e adoram. Mas ninguém quer nada comigo. Meu fôlego de sete gatos amedronta os que poderiam vir. Com exceção de uns poucos, todos têm medo de mim como se eu mordesse. Nem eu nem Ulisses mordemos. Somos mansos e alegres, e às vezes latimos de raiva ou de espanto. Eu escondo de mim o meu fracasso. Desisto. E tristemente coleciono frases de amor. Em português é “eu te amo”. Em francês – “je t’aime”. Em inglês – “I love you”. Em italiano – “io t’amo”. Em espanhol – “yo te quiero”. Em alemão – “Ich liebe dich”, está certo? Logo eu, a mal-amada. A grande decepcionada, a que cada noite experimenta a doçura da morte.

Clarice Lispector

Incompetente para a vida. Faltava-lhe o jeito de se ajeitar. Só vagamente tomava conhecimento da espécie de ausência que tinha de si em si mesma. Se fosse criatura que se exprimisse diria: o mundo é fora de mim, eu sou fora de mim.

Clarice Lispector

– O que é que se consegue quando se fica feliz?, sua voz era uma seta clara e fina.
A professora olhou para Joana. – Repita a pergunta…?
Silêncio. A professora sorriu arrumando os livros.
– Pergunte de novo, Joana, eu é que não ouvi.
– Queria saber: depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois? – repetiu a
menina com obstinação.
A mulher encarava-a surpresa.
– Que ideia! Acho que não sei o que você quer dizer, que ideia! Faça a mesma
pergunta com outras palavras…
– Ser feliz é para se conseguir o quê?

Clarice Lispector

O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas.

Clarice Lispector

Trabalhar é a minha verdadeira moralidade

Clarice Lispector

Ia me fazer muito bem abrir afinal meu coração e mostrar afinal a alguém que fechasse os olhos e não ouvisse, que horror pode se guardar numa pessoa. A solidão de que sempre precisei é ao mesmo tempo inteiramente insuportável.

Clarice Lispector

Meu anjo da guarda acaba de me dizer que eu tenho que fazer tudo por mim mesma – e foi embora.

Clarice Lispector

Tem certas coisas que é melhor que a gente nunca tenha a oportunidade de dizer, certas coisas que ficam fatais depois que se disse, e antes pelo menos era a vida de um modo geral.

Clarice Lispector

Desejo que você não esmoreça, porque é tão bom estar de “bom jeito”. Acho que devia abandonar minha trajédia em um ato…

Clarice Lispector

Disso tudo, restam nervos muito sensíveis e uma predisposição séria para ficar calada. Mas aceito tanto agora. Nem sempre pacificamente, mas a atitude é de aceitar.

Clarice Lispector

Um desses frios que se tem quando se vê sem ilusões a realidade.

Clarice Lispector

Vou tentar explicar, mas explicar não justifica.

Clarice Lispector

De algum modo cada um de nós oferecia sua vida a uma impossibilidade. Mas era verdade também que a impossibilidade terminava por ficar mais perto de nossos dedos que nós mesmos, pois a realidade pertence a Deus.” Martim pensou depois que temos um corpo e uma alma e um querer e os nossos filhos – e no entanto o que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.

Clarice Lispector

Como tudo vale à pena! A menor tentaiva vale à pena.

Clarice Lispector

Tudo às vezes é questão de mão recusada ou dada, tudo às vezes por causa de um passo a mais ou a menos.

Clarice Lispector

Sofrimento não é caminho, sofrimento como caminho só se pode falar no passado, dizendo sofrimento foi caminho, só se torna caminho se levou a alguma coisa.

Clarice Lispector

O mal é que a minha esperança ou é inexistente ou forte demais – esperança forte demais é “infantil”.

Clarice Lispector

Eu bem que me controlo, mas sou tão sensível.

Clarice Lispector

Através de meus graves erros — que um dia eu talvez os possa mencionar sem me vangloriar deles — é que cheguei a poder amar. Até esta glorificação: eu amo o Nada. A consciência de minha permanente queda me leva ao amor do Nada. E desta queda é que começo a fazer minha vida. Com pedras ruins levanto o horror, e com horror eu amo. Não sei o que fazer de mim, já nascida, senão isto: Tu, Deus, que eu amo como quem cai no nada.

Clarice Lispector

Porque no impossível é que está a realidade.

Clarice Lispector

Eu sou do tipo dos sem tipos.

Clarice Lispector

Minha história é de uma escuridão tranquila, de raiz adormecida na sua força, de odor que não tem perfume.

Clarice Lispector

Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor.

Clarice Lispector

Toda mulher leva um sorriso no rosto e mil segredos no coração.

Clarice Lispector

Às vezes no amor ilícito está toda a pureza do corpo e alma, não abençoado por um padre, mas abençoado pelo próprio amor.

Clarice Lispector

As vezes a vida volta.

Clarice Lispector

Se o sol e a lua sabem a hora de sair de nossas vistas, por que algumas pessoas “agradáveis” não seguem o ciclo da natureza?

Clarice Lispector

Quando você diz “Eu te amo”, está fazendo uma promessa com o coração de alguém. Tente honrá-lo.

Clarice Lispector

Entre o sim e o não só um caminho: escolher

Clarice Lispector

Impossível?
A maioria das coisas “impossíveis” são impossíveis apenas porque não foram tentadas. Quanta coisa você não faz apenas por timidez ou por medo…
Você já experimentou pintar paredes? Pois, acredite ou não, não é necessário tirar “curso” (só um pouco de “confiança-em-si-mesma” ajudaria, pois confiança é o que lhe falta).
A tinta, você compra. O pincel, também. A parede, você tem. Por incrível que pareça, você é dona dos instrumentos necessários. O que falta mais? Um pouco de ousadia e vontade de se divertir. (E de economizar).

Clarice Lispector

Não, não quero mais gostar de ninguém porque dói. Não suporto mais nenhuma morte de ninguém que me é caro.
Meu mundo é feito de pessoas que são as minhas – e eu não posso perdê-las sem me perder.

Clarice Lispector

Sua coragem é a de, não se conhecendo, no entanto prosseguir. É fatal não se conhecer, e não se conhecer exige coragem. […] O caminho lento aumenta sua coragem secreta.

Clarice Lispector

As coisas estavam de algum modo tão boas que podiam se tornar muito ruins porque o que amadurece plenamente pode apodrecer.

Clarice Lispector

Desculpa, nada é pouco quando o mundo é meu!

Clarice Lispector

É preciso saber sentir, mas também saber como deixar de sentir, porque se a experiência é sublime pode tornar-se igualmente perigosa. Aprenda a encantar e a desencantar. Observe, estou lhe ensinando qualquer coisa de precioso: a mágica oposta ao “abre-te, Sésamo”. Para que um sentimento perca o perfume e deixe de intoxicar-nos, nada há de melhor que expô-lo ao sol.

Clarice Lispector

Os sensíveis são simultaneamente mais infelizes e felizes que outros.

Clarice Lispector

Não se preocupe comigo. Eu sou muito feliz.

Clarice Lispector

Cada um tem o anjo que merece.

Clarice Lispector

Cada mudança, cada projeto novo causa espanto: Meu coração está espantado.

Clarice Lispector

Sofrimento é privilégio dos que sentem.

Clarice Lispector

Eu sou assim, quero tudo e quero agora! Uns chamam de mimada, mas eu prefiro decidida.

Clarice Lispector

Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece (…). E morre-se, sem ao menos uma explicação. E o pior – vive-se, sem ao menos uma explicação (…). E ter a obrigação de ser o que se chama de apresentável me irrita. Por que não posso andar em trapos (…)?

Clarice Lispector

Mas um dia ainda hei de ir, sem me importar para onde o ir me levará.

Clarice Lispector

Esperar menos não significa desistir. Antes se surpreender, do que se decepcionar.

Clarice Lispector

Porque, quanto a mim, sinto de vez em quando que sou o personagem de alguém. É incômodo ser dois: eu para mim e eu para os outros.

Clarice Lispector

E, mesmo, quem já não desejou possuir um ser humano só para si?

Clarice Lispector

Ocupei-me o tempo todo para disfarçar a saudade.

Clarice Lispector

A cruz deles é esquecer-se de sua própria dor. É nesse esquecer-se que acontece então o fato mais essencialmente humano, aquele que faz de um homem a humanidade: a dor pessoal adquire uma vastidão em que os outros todos cabem e onde se abrigam e são compreendidos; pelo que há de amor na renúncia da dor pessoal, os quase mortos se levantam.

Clarice Lispector

(…) não sei, às vezes me parece que estou perdendo tempo (…)

Clarice Lispector

O que importa na vida é estar junto de quem se gosta

Clarice Lispector

De nascer até morrer,
É o que eu me chamo de humana,
E nunca propriamente morrerei,
Mas esta não é a eternnidade,
É a danação.
Como é luxuoso este silêncio,
É acumulalado de séculos,
é um silênciop de barata que olha

Clarice Lispector

Pois o que realmente eu soube
E que chegará o momento não só de ter entendido
Que eu não deveria mais transceder
Mas chegara o instante de realmente não transdecer mais
E de ter já o que anteriormente eu pensava
Que devia ser para amanhã

Clarice Lispector

A desistência é uma revelação. Desisto, e terei sido a pessoa humana – é só no pior de minha condição que esta é assumida como o meu destino.

Clarice Lispector

Enquanto escrever e falar vou ter que fingir que alguém está segurando a minha mão.
Oh, pelo menos no começo, só no começo. Logo que puder dispensá-la, irei sozinha. Por enquanto preciso segurar esta tua mão – mesmo que não consiga inventar teu rosto e teus olhos e tua boca.

Clarice Lispector

Quem vive totalmente
Está vivendo para os outros
Quem vive a própria largueza
Está fazendo uma dádiva
Mesmo que sua vida se passe
Dentro da incomunicabilidade de uma cela

Clarice Lispector

Quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro – existe a quem falte o delicado essencial.

Clarice Lispector

Abro o jogo. Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza.

Clarice Lispector

Por favor me poupe. Estou tão só. Eu e meus rituais. O telefone não toca. Dói. Mas é Deus que me poupa.

Clarice Lispector

Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar.

Clarice Lispector

Libertar era uma palavra imensa, cheia de mistérios e dores.

Clarice Lispector

Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda.

Clarice Lispector

Um domingo de tarde sozinha em casa dobrei-me em dois para a frente – como em dores de parto – e vi que a menina em mim estava morrendo.

Clarice Lispector

Dura, silenciosa e heróica. Sem menina dentro de mim.

Clarice Lispector

Peço também que não leia tudo o que escrevo porque muitas vezes sou áspera e não quero que você receba minha aspereza.

Clarice Lispector

Vou-lhes contar um segredo: a vida é mortal.

Clarice Lispector

Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo.

Clarice Lispector

Viver ultrapassa qualquer entendimento.

Clarice Lispector

Ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.

Clarice Lispector

” Eu já começara a adivinhar que ele me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra. “

Clarice Lispector

A gente tem o direito de deixar o barco correr! As coisas se arranjam, não é preciso empurrar com tanta força.

Clarice Lispector

Sou vulnerável às menores bobagens, às mínimas palavras ditas, a olhares até, e sobretudo, a imaginações.

Clarice Lispector

Mas nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que respirar nossas fraquezas.

Clarice Lispector

Mas a nostalgia do presente. O aprendizado da paciência, o juramento da espera. Do qual talvez não soubesse jamais se livrar.”

Clarice Lispector

Antes do aparecimento do espelho a pessoa não conhecia o próprio rosto senão refletido nas águas de um lago. Depois de um certo tempo cada um é responsável pela cara que tem. Vou olhar agora a minha. É um rosto nu. E quando penso que inexiste um igual ao meu no mundo, fico de susto alegre. Nem nunca haverá. Nunca é o impossível. Gosto de nunca. Também gosto de sempre. Que há entre nunca e sempre que os liga tão indiretamente e intimamente?

Clarice Lispector

E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero.

Clarice Lispector

Desculpa, mas não entendo. Eu quero tudo e mais ainda. Amor tem que encher o coração, a casa, a alma. Pouco ou metades nunca me completaram.

Clarice Lispector

Tudo tem que ser bem de leve para
eu não me assustar e não assustar os
que amo.
Pedem-me pouco, pedem-me quase nada.
O terrível é que eu tenho muito para dar
e tenho que engolir esse muito e ainda
por cima dizer com delicadeza: obrigada
por receberem de mim um pouquinho de mim.

Clarice Lispector

Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo – quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação. Como é que se explica que o meu maior medo seja exatamente em relação: a ser? e no entanto não há outro caminho. Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo?

Clarice Lispector

É preciso coragem. Uma coragem danada. Muita coragem é o que eu preciso. Sinto-me tão desamparada, preciso tanto de proteção…porque parece que sou portadora de uma coisa muito pesada.

Clarice Lispector

Segunda-feira é um dia mais difícil porque é sempre a tentativa do começo de vida nova. Façamos cada domingo de noite um réveillon modesto, pois se meia-noite de domingo não é começo de Ano Novo, é começo de semana nova, o que significa fazer planos e fabricar sonhos.

Clarice Lispector

Ah! que vontade de alegria.

Clarice Lispector

Eu vivo me completando… mas falta um bocado.

Clarice Lispector

Eu sei gargalhar com os olhos, e sorrir com o corpo todo.

Clarice Lispector

Sou tímida e ousada ao mesmo tempo.

Clarice Lispector

“— pois olhe – declarou de repente uma velha fechando o jornal com decisão – pois olhe, eu só lhe digo uma coisa: Deus sabe o que faz.”

Clarice Lispector

Tudo me atinge – vejo demais, ouço demais, tudo exige demais de mim.

Clarice Lispector

Todas as manhãs ela deixa os sonhos na cama, acorda e põe sua roupa de viver. Todas as manhãs ela caminha vagarosamente para pegar o ônibus que a levará para lugar nenhum, para ver ninguém. E todas as manhãs ela imagina como serão as tardes, já sabendo a resposta, finge ser feliz assim todas as manhãs. E todas as manhãs ela espera pela noite, ela espera assim arduamente para voltar para seu quarto, e ser triste. É quando ela sente que está assim completa. Completamente triste, mas completa. E quando ela tira a roupa e põe todo o seu corpo em baixo das cobertas quentes e sente que começa a sonhar, é quando ela sorri. Assim pra ninguém. Mas pra ela mesma. E viver vale a pena.

Clarice Lispector

Quero que todos sejam felizes e me deixem em paz.

Clarice Lispector

Jamais perca a sensibilidade, mesmo que às vezes ela arranhe a alma.

Clarice Lispector

Fantástico: o mundo por um instante é exatamente o que o meu coração pede.

Clarice Lispector

Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?
Quero antes afiançar que essa moça não se conhece senão através de ir vivendo à toa.

Clarice Lispector

Ela nascera com maus antecedentes e agora parecia
uma filha de um não-sei-o-quê com ar de se desculpar
por ocupar espaço.

Clarice Lispector

“Ainda bem que eu posso sonhar com o amanhã.”

Clarice Lispector

Sonhar é bom, é como voar suspensa por balões.

Clarice Lispector

Todas as manhãs ela deixa os sonhos na cama, acorda e põe sua roupa de viver.

Clarice Lispector

Que o Deus me ajude a conseguir o impossível, só o impossível me importa.

Clarice Lispector

A prova de que estou recuperando a saúde mental, é que estou cada minuto mais permissiva: eu me permito mais liberdade e mais experiências. E aceito o acaso. Anseio pelo que ainda não experimentei. Maior espaço psíquico. Estou felizmente mais doida.

Clarice Lispector

Sei que as coisas são complicadas. Mas ao mesmo tempo simples. Elas se complicam à medida que se tem medo da simplicidade – porque essa simplicidade deseja o fato em si, a verdade.

Clarice Lispector

Mas, quanto a mim, tenho a lhes dizer que as estrelas são mais do que curumins. Estrelas são os olhos de Deus vigiando para que corra tudo bem. Para sempre. E, como se sabe, sempre não acaba nunca.

Clarice Lispector

Claro que se o dinheiro falta, se a saúde vacila, se o amor arma alguma cilada, seu desejo de rir será pouco. Mas combata a depressão. Cultive o bom humor, como quem cultiva um bom hábito. Esforce-se para ser alegre. Afaste os sentimentos mesquinhos que provocam o despeito, a inveja, o sentimento de fracasso, que são origem de infelicidade. Adote uma filosofia otimista, eduque-se para ser feliz.(…) Seja feliz, se quer ser bonita!

Clarice Lispector

Cansei de me sentir sozinha. Cansei de tanta mentira. Cansei dos dias iguais, da rotina. Cansei de mim e de me deixar sempre em última opção. Cansei de procurar meus amigos. Cansei de mentir pra mim, pra ver se dói menos. Cansei de me preocupar com quem não se preocupa comigo. Cansei de sofrer e de acordar indisposta, cansei de sentir o coração bater mais forte, com uma sensação de arrependimento, de erro. Cansei de tudo.

Clarice Lispector

Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão.

Clarice Lispector

Ser intelectual é usar sobretudo a inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto.

Clarice Lispector

O que aprendi, já esqueci, mas tenho a certeza de que de algum modo ficou em mim.

Clarice Lispector

Eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim.

Clarice Lispector

Eis que de repente vejo que não sei nada.”
( Água Viva )

Clarice Lispector

Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim.

Clarice Lispector

“É incômodo ser dois: eu para mim e eu para os outros.”

Clarice Lispector

Chego a chorar manso de tristeza. Depois levanto e de novo recomeço.

Clarice Lispector

Não esquecer que a estrutura do átomo não é vista mas sabe-se dela. Sei de muita coisa que não vi. E vós também. Não se pode dar uma prova da existência do que é mais verdadeiro, o jeito é acreditar. Acreditar chorando.

Clarice Lispector

Tudo deve estar sendo o que é…

Clarice Lispector

Há muita coisa a dizer que não sei como dizer. Faltam as palavras. Mas recuso-me a inventar novas: as que existem já devem dizer o que se consegue dizer e o que é proibido.

Clarice Lispector

” Mas nem sempre é necessário tornar-se forte.
Temos que respeiar nossas fraquezas.
Então, são lágrimas suaves, de uma tristeza
legítima à qual temos direito.
Elas correm devagar e quando passam pelos
lábios sente-se aquele gosto pouco salgado,
produto de nossa DOR mais profunda.

Clarice Lispector

Tão secreta é a verdadeira vida, que nem a mim, que morro dela, me pode ser confiada a senha, morro sem saber de quê. E o segredo é tal que, somente se a missão
chegar a se cumprir é que, por um relance, percebo que nasci incumbida
– toda vida é uma missão secreta.”

Clarice Lispector

Escrevo porque encontro nisso um prazer que não sei traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando…

Clarice Lispector

De maneira alguma, pense que aqui escrevo o meu mais íntimo segredo. Na verdade, há segredos que não conto nem a mim mesma.

Clarice Lispector

Mesmo quando não estou pensando em você, sinto um pensamento constante a seu respeito, como a música que acompanha os filmes.

Clarice Lispector

A caça pode ferir mortalmente o caçador.

Clarice Lispector

Mas e quando penso que já não vale mais a pena , que vc já não me possui , vem você me mostra que és mais meu do que nunca . .

Clarice Lispector

Oh Deus, como estou sendo feliz.
O que estraga a felicidade é o medo.

Clarice Lispector

Cada pessoa é um mundo, cada pessoa tem sua própria chave e a dos outros nada resolve.

Clarice Lispector

“Eu sou uma chama acessa !E rebrilho e rebrilho toda essa escuridão.”

Clarice Lispector

É sempre assim que acontece – quando a gente se revela, os outros começam a nos desconhecer

Clarice Lispector

O que sinto não é traduzível. Eu me expresso melhor pelo silêncio.

Clarice Lispector

E quando notou que aceitava em pleno o amor, sua alegria foi tão grande que o coração lhe batia por todo o corpo, parecia-lhe que mil corações batiam-lhe nas profundezas de sua pessoa.

Clarice Lispector

Você reclama contra o meu desalento. Tem razão, F., sou um pouco desalentada, preciso demais dos outros para me animar. Meu desalento é igual ao que sentem milhares de pessoas. Basta, porém, receber um telefonema ou lidar com alguém que gosto e minha esperança renasce, e fico forte de novo. Você na certa deve ter me conhecido num momento em que eu estava cheia de esperança. Sabe como eu sei? Porque você diz que sou linda. Ora, não sou linda. Mas quando estou cheia de esperança , então de minha pessoa se irradia algo que talvez se possa chamar de beleza (…) a hora de rir há de chegar, F..

Clarice Lispector

Você reclama contra o meu desalento. Tem razão, F., sou um pouco desalentada, preciso demais dos outros para me animar. Meu desalento é igual ao que sentem milhares de pessoas. Basta, porém, receber um telefonema ou lidar com alguém que gosto e minha esperança renasce, e fico forte de novo. Você na certa deve ter me conhecido num momento em que eu estava cheia de esperança. Sabe como eu sei? Porque você diz que sou linda. Ora, não sou linda. Mas quando estou cheia de esperança , então de minha pessoa se irradia algo que talvez se possa chamar de beleza (…) a hora de rir há de chegar, F.

Clarice Lispector

Eu me sinto culpado quando não vos obedeço. Sou feliz na hora errada. Infeliz quando todos dançam.

Clarice Lispector

Quero viver muitos minutos num só minuto.

Clarice Lispector

Saber desistir. Abandonar ou não abandonar – esta é muitas vezes a questão para um jogador. A arte de abandonar não é ensinada a ninguém. E está longe de ser rara a situação angustiosa em que devo decidir se há algum sentido em prosseguir jogando.

Clarice Lispector

Tenho visto pessoas demais, falado demais, dito mentiras, tenho sido muito gentil.

Clarice Lispector

Intelectual? Não.
Outra coisa que não parece ser entendida pelos outros é quando me chamam de intelectual e eu digo que não sou. De novo, não se trata de modéstia e sim de uma realidade que nem de longe me fere. Ser intelectual é usar sobretudo a inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto. Ser intelectual é também ter cultura, e eu sou tão má leitora que, agora já sem pudor, digo que não tenho mesmo cultura. Nem sequer li as obras importantes da humanidade. (…)
Literata também não sou porque não tornei o fato de escrever livros “uma profissão”, nem uma “carreira”. Escrevi-os só quando espontaneamente me vieram, e só quando eu realmente quis. Sou uma amadora?
O que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.

Clarice Lispector

Viver e escrever
“Quando comecei a escrever, que desejava eu atingir? Queria escrever alguma coisa que fosse tranqüila e sem modas, alguma coisa como a lembrança de um alto monumento que parece mais alto porque é lembrança. Mas queria, de passagem, ter realmente tocado no monumento. Sinceramente não sei o que simbolizava para mim a palavra monumento. E terminei escrevendo coisas inteiramente diferentes.”
“Não sei mais escrever, perdi o jeito. Mas já vi muita coisa no mundo. Uma delas, e não das menos dolorosas, é ter visto bocas se abrirem para dizer ou talvez apenas balbuciar, e simplesmente não conseguirem. Então eu quereria às vezes dizer o que elas não puderam falar. Não sei mais escrever, porém o fato literário tornou-se aos poucos tão desimportante para mim que não saber escrever talvez seja exatamente o que me salvará da literatura.
O que é que se tornou importante para mim? No entanto, o que quer que seja, é através da literatura que poderá talvez se manifestar.”
“Até hoje eu por assim dizer não sabia que se pode não escrever. Gradualmente, gradualmente até que de repente a descoberta tímida: quem sabe, também eu já poderia não escrever. Como é infinitamente mais ambicioso. É quase inalcançável”.

Clarice Lispector

Um dia de cada vez, que é pra não perder as boas surpresas da vida.

Clarice Lispector

“Deus, o que nos prometeis em troca de morrer? Pois o céu e o inferno nós já os conhecemos – cada um de nós quase em segredo de sonho já viveu um pouco do próprio apocalipse. E a própria morte.
Fora das vezes em que quase morri para sempre, (…) quantas vezes num silêncio humano minha alma agonizando esperava por uma morte que não vinha. E como escárnio, por ser o contrário em que minha alma sangrava, era quando o corpo mais florescia. Como se meu corpo precisasse dar ao mundo uma prova contrária de minha morte interna para esta ser mais secreta ainda. Morri de muitas mortes e mantê-las-ei em segredo até que a morte do corpo venha, e alguém, adivinhando, diga: esta, esta viveu.”

Clarice Lispector

Tinha vontade de fazer um embrulho de mim, com papel de seda, lacinho de fita, e mandá-lo pra você. Aceita?

Clarice Lispector

Quero que tudo seja intenso, exagerado e louco. Porque só assim fico satisfeita!

Clarice Lispector

Para que um sentimento perca o perfume e deixe de intoxicar-nos, nada há de melhor que expô-lo ao sol.

Clarice Lispector

Ela estava triste. Não era uma tristeza difícil. Era mais como uma tristeza de saudade. Ela estava só. Com a eternidade à sua frente e atrás dela.

Clarice Lispector

Ele disse: não chore que chorar enfraquece. Eu disse: mas às vezes é como a chuva de que se precisa quando tem estiagem demais e tudo fica muito seco.

Clarice Lispector

O que você é, ninguém pode ser.

Clarice Lispector

Quando a gente se revela, os outros começam a nos desconhecer.

Clarice Lispector

É pecado não ter esperança.

Clarice Lispector

Vivemos exclusivamente no presente, pois sempre e eternamente é o dia de hoje, e o dia de amanhã será um hoje, a eternidade é o estado das coisas nesse momento.

Clarice Lispector

O vazio tem o valor e a semelhança do pleno. Um meio de obter é não procurar, um meio de ter é o de não pedir e somente acreditar que o silêncio que eu creio em mim é resposta a meu – a meu mistério.
Se tivesse a tolice de se perguntar “quem sou eu?” cairia estatelada e em cheio no chão. É que “quem sou eu?” provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.
Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite. Embora não aguente bem ouvir um assovio no escuro, e passos.
Quero aceitar minha liberdade sem pensar o que muitos acham: que existir é coisa de doido, caso de loucura. Porque parece. Existir não é lógico.
É melhor eu não falar em felicidade ou infelicidade – provoca aquela saudade desmaiada e lilás, aquele perfume de violeta, as águas geladas da maré mansa em espumas pela areia. Eu não quero provocar porque dói.
(Mas quem sou eu para censurar os culpados? O pior é que preciso perdoá-los. É necessário chegar a tal nada que indiferentemente se ame ou não se ame o criminoso que nos mata. Mas não estou seguro de mim mesmo: preciso perguntar, embora não saiba a quem, se devo mesmo amar aquele que me trucida e perguntar quem de vós me trucida. E minha vida, mais forte do que eu, responde que quer porque quer vingança e responde que devo lutar como quem se afoga, mesmo que eu morra depois. Se assim é, que assim seja.)
Irei até onde o ar termina, irei até onde a grande ventania se solta uivando, irei até onde o vácuo faz uma curva, irei aonde meu fôlego me levar.

Clarice Lispector

Estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser.

Clarice Lispector

Quem é capaz de sofrer intensamente também pode ser capaz de intensa alegria.

Clarice Lispector

O divino para mim é o real.

Clarice Lispector

Perdi alguma coisa que me era essencial, que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar, mas que fazia de mim um tripé estável.

Clarice Lispector

Eu estava agora tão maior que não me via mais. Tão grande como uma paisagem ao longe (…) Como poderei dizer senão timidamente assim: a vida se me é. A vida se me é, e eu não entendo o que diga. Então adoro.

Clarice Lispector

Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão. O que estou sentindo agora é uma alegria. (…) Ser vivo é um estágio muito alto, é alguma coisa que só agora alcancei. É um tal alto equilíbrio instável que sei que não vou poder ficar sabendo desse equilíbrio por muito tempo – a graça da paixão é curta.

Clarice Lispector

E falo bem baixo para que os ouvidos sejam obrigados a ficar atentos e a me ouvir.

Clarice Lispector

Eu me permito mais liberdade e mais experiências.
E aceito o acaso.
Anseio pelo que ainda não experimentei.
Maior espaço psíquico.
Estou felizmente mais doida.

Clarice Lispector

Sou ajudada pela saudade mansa e dolorida de quem eu amei. E sou ajudada pela minha própria respiração.

Clarice Lispector

Não é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso, entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus. É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo.

Clarice Lispector

– Você tem paz, Clarice?
– Nem pai nem mãe.
– Eu disse “paz”.
– Que estranho, pensei que tivesse dito “pais”. Estava pensando em minha mãe alguns segundos antes. Pensei – mamãe – e então não ouvi mais nada. Paz? Quem é que tem?

Clarice Lispector

Solidão? O que acontece é que a gente procura os outros para se livrar de si mesma. A intolerável companhia que eu me faço. Preciso dos outros para não chegar àquele ponto altamente intolerável do encontro comigo. Eu sou exatamente: zero. E tanto se me dá.
Conselho: fique de vez em quando sozinho, senão você será submergido. Até o amor excessivo dos outros pode submergir uma pessoa.

Clarice Lispector

Eu escrevo pra nada e pra ninguém. Se alguém me lê é por conta própria e auto-risco.

Clarice Lispector

Na hora do acontecimento não aproveito nada. E depois vem uma ilógica saudade.

Clarice Lispector

Às duas horas da madrugada, enfim, nasceu ela, a ideia.

Clarice Lispector

E, mesmo, quem já não desejou possuir um ser humano só para si? O que, é verdade, nem sempre seria cômodo, há horas em que não se quer ter sentimentos.

Clarice Lispector

Eu me preparava para limpar coisas sujas, mas lidar com aquela ausência me desnorteava.

Clarice Lispector

Eu sou um bocado sensível demais.

Clarice Lispector

Sua vida é difícil, mas é sua.

Clarice Lispector

E acima de todas as pessoas do mundo está você, que eu não comparo com ninguém.

Clarice Lispector

E eu? Quem sou eu? Como me classificaram? Deram-me um número? Sinto-me numerificada e toda apertada. Mal caibo dentro de mim. Eu sou um euzinho muito mixa. Mas com certa classe…

Clarice Lispector

É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei o bem, mas não posso dizer.

Clarice Lispector

Eu presto atenção só por prestar atenção: no fundo eu não quero saber.

Clarice Lispector

Refugiei-me na doideira porque a razão não me bastava.

Clarice Lispector

Como pode uma pessoa ser fiel ao lado animal de sua natureza, sem enlouquecer!

Clarice Lispector

Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema.
No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido.

Clarice Lispector

Ora, não sou linda. Mas quando estou cheia de esperança, então de minha pessoa se irradia algo que talvez se possa chamar de beleza.

Clarice Lispector

Nunca houve – em todo o passado do mundo – alguém que fosse como ela. E depois, em três trilhões de trilhões de anos – não haveria uma moça exatamente como ela.

Clarice Lispector

Ir para o sono se parece tanto com o modo como agora tenho de ir para a minha liberdade. Entregar-me ao que não entendo será pôr-me à beira do nada.

Clarice Lispector

Tão carente que só o amor de todo o universo por mim poderia me consolar e me cumular.

Clarice Lispector

Mas agora, por desprezo pela palavra, talvez enfim eu possa começar a falar.

Clarice Lispector

Vi, sim. Vi, e me assustei com a verdade bruta de um mundo cujo maior horror é que ele é tão vivo que, para admitir que estou tão viva quanto ele – e minha pior descoberta é que estou tão viva quanto ele – terei que alçar minha consciência de vida exterior a um ponto de crime contra a minha vida pessoal.

Clarice Lispector

Como eu não sabia o que era, então “não ser” era a minha maior aproximação da verdade: pelo menos eu tinha o lado avesso: eu pelo menos tinha o “não”, tinha o meu oposto. O meu bem eu não sabia qual era, então vivia com algum pré-fervor o que era o meu mal.

Clarice Lispector

Só agora sei que eu já tinha tudo, embora do modo contrário: eu me dedicava a cada detalhe do não. Detalhadamente não sendo, eu me provava que – que eu era.

Clarice Lispector

Há um livro em cada um de nós.

Clarice Lispector

Mas vale a pena. Mesmo que doa.

Clarice Lispector

Amor é uma dor, um tédio sem remédio.

Clarice Lispector

Não é só o céu.
Também chovo vez ou outra.

Clarice Lispector

O que te escrevo não tem começo: é uma continuação. Das palavras deste canto que é meu e teu, evola-se um halo que transcende as frases, você sente? Minha experiência vem de que eu já consegui pintar o halo das coisas. O halo é mais importante que as coisas e as palavras. O halo é vertiginoso. Finco a palavra no vazio descampado: é uma palavra como fino bloco monolítico que projeta sombra. E é trombeta que anuncia.´

Clarice Lispector

Meu trabalho é o de viver os meus prazeres e as minhas dores. É necessário que eu tenha a modéstia de viver.

Clarice Lispector

Nada é mais igual do que dessa vez vai ser diferente.

Clarice Lispector

O maior obstáculo para eu ir adiante: eu mesma. Tenho sido a maior dificuldade no meu caminho. É com enorme esforço que consigo me sobrepor a mim mesma.

Clarice Lispector

Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não palavra – a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é ler distraidamente.

Clarice Lispector

Saber desistir. Abandonar ou não abandonar – esta é muitas vezes a questão para um jogador. A arte de abandonar não é ensinada a ninguém. E está longe de ser rara a situação angustiosa em que devo decidir se há algum sentido em prosseguir jogando. Serei capaz de abandonar nobremente? ou sou daqueles que prosseguem teimosamente esperando que aconteça alguma coisa?

Clarice Lispector

Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei!

Clarice Lispector

Tenho medo de esperar e nada acontecer.

Clarice Lispector

Não me mostre o que esperam de mim, porque vou seguir o meu coração.

Clarice Lispector

Minha vida é um grande desastre. É um desencontro cruel, é uma casa vazia. Mas tem um cachorro dentro latindo. E eu – só me resta latir para Deus. Vou voltar para mim mesma. É lá que eu encontro uma menina morta sem pecúlio.

Clarice Lispector

Nunca a vida foi tão atual como hoje: por um triz é o futuro. Tempo pra mim significa a desagregação da matéria. O apodrecimento do que é orgânico como se o tempo tivesse como um verme dentro de um fruto e fosse roubando a este fruto toda a sua polpa. O tempo não existe. O que chamamos de tempo é o movimento de evolução das coisas, mas o tempo em si não existe. Ou existe imutável e nele nos transladamos.

Clarice Lispector

O dia corre lá fora à toa e há abismos de silêncio em mim. A sombra de minha alma é o corpo… Sou feliz na hora errada. Infeliz quando todos dançam.

Clarice Lispector

Faça a descoberta de si mesma – e aos poucos você descobrirá que é mais seguro e compensador valorizar-se

Clarice Lispector

Eu sempre espero uma coisa nova de mim, eu sou um frisson de espera – algo está sempre vindo de mim ou fora de mim.

Clarice Lispector

Eu te amo tanto como se sempre estivesse te dizendo adeus.

Clarice Lispector

Se eu errar que seja por muito, por amar demais, por me entregar demais, por ter tentado ser feliz demais.

Clarice Lispector

Vou te dizer o que eu nunca te disse antes, talvez seja isso o que está faltando: ter dito. Se eu não disse, não foi por avareza de dizer, nem por minha mudez de barata que tem mais olhos que boca. Se eu não disse é porque não sabia que sabia — mas agora sei. Vou-te dizer que eu te amo. Sei que te disse isso antes, e que também era verdade quando te disse, mas é que só agora estou realmente dizendo.

Clarice Lispector

Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato.

Clarice Lispector

Viver é extremamente tolerável, viver ocupa e distrai, viver faz rir.

Clarice Lispector

Tenho o péssimo hábito de fugir de algumas coisas que amo.

Clarice Lispector

Qualquer um pode amar uma rosa, mas é preciso um grande coração para incluir os espinhos.

Clarice Lispector

Nós dois sabemos que estamos à soleira de uma porta aberta a uma vida nova. É a porta, Lóri. E sabemos que só a morte de um de nós há de nos separar. Não, Lóri, não vai ser uma vida fácil. Mas é uma vida nova.

Clarice Lispector

Ignore, supere, esqueça. Mas jamais pense em desistir de você por causa de alguém.

Clarice Lispector

Sou um ser totalmente passional.
Sou movida pela emoção, pela paixão… tenho meus desatinos…
Detesto coisas mais ou menos.
Não sei conviver com pessoas mais ou menos.
Não sei amar mais ou menos.
Não me entrego de forma mais ou menos.
Se você procura alguém coerente, sensata, politicamente correta, racional, cheia de moralismo… ESQUEÇA-ME!
Se você sabe conviver com pessoas intempestivas, emotivas, vulneráveis, amáveis, que explodem na emoção… ACOLHA-ME!
Se você se assusta com esse meu jeito de ser, AFASTE-SE!
Se você quiser me conhecer melhor, APROXIME-SE!
Se você não gosta de mim, IGNORE-ME!
E quando eu partir… não chore.

Clarice Lispector

Até onde posso, vou deixando o melhor de mim.
Se alguém não viu, foi porque não me sentiu com o coração.

Clarice Lispector

Nossa amizade era tão insolúvel como a soma de dois números: inútil querer desenvolver para mais de um momento a certeza de que dois são cinco.

Clarice Lispector

Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente. Talvez eu não possa olhar o rato enquanto não olhar sem lividez esta minha alma que é apenas contida. Talvez eu tenha que chamar de “mundo” esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que “Deus” é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escadalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. […]

Clarice Lispector

Tenho que ter paciência para não me perder dentro de mim: vivo me perdendo de vista. Preciso de paciência para não me perder dentro de mim: vivo me perdendo de vista. Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco sem saída. Sou um homem que escolheu o silêncio grande. Criar um ser que me contraponha é dentro do silêncio.

Clarice Lispector

Eu queria que no meu modo de te fixar para mim mesmo nada tivesse recortes e definições: tudo se entremoveria num moto circular.

Clarice Lispector

Eu nasci amalgamada com a solidão deste exato instante e que se prolonga tanto, e tão funda é, que já não é minha solidão mas a Solidão de Deus. Alcancei afinal o momento em que nada existe. Nem o carinho de mim para mim: a solidão é esta, a do deserto. O vento como companhia. Ah mas que frio escuro está fazendo. Cubro-me com a melancolia suave, e balanço-me daqui para lá, daqui para lá, daqui para lá. Assim. É! É assim mesmo.

Clarice Lispector

Que esforço eu faço para ser eu mesma. Luto contra uma maré em nau onde só cabem meus dois pés em frágil equilíbrio ameaçado.

Clarice Lispector

Eu acho que quando não escrevo, estou morta

Clarice Lispector

Passo o tempo todo pensando – não raciocinando, não meditando mas pensando, pensando sem parar. E aprendendo, não sei o quê, mas aprendendo.

Clarice Lispector

Se foi um erro, amanhã vira aprendizado.

Clarice Lispector

Há uma hora em que se deve esquecer a própria compreensão humana e tomar um partido, mesmo errado, pela vítima, e um partido, mesmo errado, contra o inimigo. E tornar-se primário a ponto de dividir as pessoas em boas e más. A hora da sobrevivência é aquela em que a crueldade de quem é vítima é permitida, a crueldade e a revolta.

Clarice Lispector

Agora de uma coisa eu tenho certeza: sempre devemos ser autênticos, as pessoas precisam nos aceitar pelo que somos e não pelo que parecemos ser… Aqui reside o eterno conflito da aparência x essência. E você… O que pensa disso?

Clarice Lispector

A maioria das coisas “impossíveis” são impossíveis apenas porque não foram tentadas.

Clarice Lispector

Nós estávamos nos olhando fixamente, e assim ficamos por uns instantes. Éramos um só ser. Esses momentos são o meu segredo.

Clarice Lispector

Poucos suportam perder todas as outras coisas. Há aqueles que se voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: o amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive, amor é a desilusão do que se pensava que era amor.

Clarice Lispector

Só Deus perdoaria o que eu era, porque só Ele sabia do que me fizera e para o quê. Eu me deixava, pois, ser matéria d’Ele. Ser matéria de Deus é minha única bondade.

Clarice Lispector

VALOR
Não é valer mais para os outros. É valer mais dentro de si mesmo.

Clarice Lispector

(…) vou pôr um anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la. Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria.

Clarice Lispector

Erguia-se para uma nova manhã, docemente viva. E sua felicidade era pura como o reflexo do sol na água.

Clarice Lispector

Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri.

Clarice Lispector

Vou fazer um pedido para vocês: todas as vezes que vocês se sentirem solitarios, isto é, sozinhos, procurem uma pessoa para conversar. Escolham uma pessoa grande que seja muito boa para crianças e que entenda que as vezes um menino ou uma menina estao sofrendo.

Clarice Lispector

Eu quero o pensar-sentir hoje e, não, tê-lo apenas tido ontem ou ir tê-lo amanhã. Tenho certa pressa em sentir tudo.

Clarice Lispector

É necessário certo grau de cegueira para poder enxergar determinadas coisas.

Clarice Lispector

Para ela a realidade era demais para ser acreditada.

Clarice Lispector

Pelo menos o futuro tinha a vantagem de não ser o presente, sempre há um melhor para o ruim…

Clarice Lispector

Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais.

Clarice Lispector

Sempre para adiante sem jamais sair de si mesmo.

Clarice Lispector

Se ela fosse mais inteligente poderia apagar o passado com palavras novas.

Clarice Lispector

(…) sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada.

Clarice Lispector

Às vezes escrever uma só linha basta para salvar o próprio coração.

Clarice Lispector

Nada que é certo me encanta

Clarice Lispector

Algumas oportunidades não voltam só porque você se arrependeu.

Clarice Lispector

Acho que devemos fazer coisa proibida – senão sufocamos. Mas sem sentimento de culpa e sim como
aviso de que somos livres.
Tenho que ter paciência para não me perder dentro de mim: vivo me perdendo de vista. Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco sem saída.

Clarice Lispector

Amadureci vendo as pessoas que amo me trocando.

Clarice Lispector

Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranquilo.

Clarice Lispector

Seguir em frente é simples, é o que nós deixamos para trás que é difícil.

Clarice Lispector

A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia.

Clarice Lispector

Senti que podia.

Clarice Lispector

Estou a um quase passo de admitir que a vida que levo é um pretexto para ofuscar a vida que não gostaria de ter. Vida como desculpa por existir. E o incrível é que eu não dou o passo. Fico tão imóvel que estar parada é o meu maior movimento. O mais violento. E não consigo sair exatamente daquele lugar onde todas as sensações ocorrem, justamente por estar tão grudada em mim é onde mais dói: na pele.

Clarice Lispector

Ela sabia o que era o desejo – embora não soubesse que sabia. Era assim: ficava faminta mas não de comida, era um gosto meio doloroso que subia do baixo-ventre e arrepiava o bico dos seios e os braços vazios sem abraço. Tornava-se toda dramática e viver doía.

Clarice Lispector

Silêncio.
Se um dia Deus vier à Terra, haverá um silêncio grande.
O silêncio é tal que nem o pensamento pensa.

Clarice Lispector

Nasci dura, heróica, solitária e em pé. E encontrei meu contraponto na paisagem sem pitoresco e sem beleza. A feiura é o meu estandarte de guerra. Eu amo o feio com um amor de igual para igual. E desafio a morte. Eu – eu sou a minha própria morte. E ninguém vai mais longe. O que há de bárbaro em mim procura o bárbaro e cruel fora de mim. Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira. Sou uma árvore que arde com duro prazer. Só uma doçura me possui: a conivência com o mundo. Eu amo a minha cruz, a que doloridamente carrego. É o mínimo que posso fazer de minha vida: aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.

Clarice Lispector

“Seu desespero vinha de que não sabia sequer por onde e pelo que começar. Só sabia que já começara uma coisa nova e nunca mais poderia voltar à sua dimensão antiga. E sabia também que devia começar modestamente, para não se desencorajar. E sabia que devia abandonar para sempre a estrada principal. E entrar pelo seu verdadeiro caminho que eram os atalhos estreitos.”

Clarice Lispector

Sempre me restará amar. Escrever é alguma coisa extremamente forte mas que pode me trair e me abandonar: posso um dia sentir que já escrevi o que é meu lote neste mundo e que eu devo aprender também a parar. Em escrever eu não tenho nenhuma garantia.
Ao passo que amar eu posso até a hora de morrer. Amar não acaba. É como se o mundo estivesse à minha espera. E eu vou ao encontro do que me espera.

Clarice Lispector

Sou mais aquilo que em mim não é

Clarice Lispector

Há tantos anos me perdi de vista que hesito em procurar para me encontrar. Estou com medo de começar. Existir me dá às vezes tal taquicardia. Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso.
Me deram um nome e me alienaram de mim.

Clarice Lispector

As vezes eu penso demais, e não tomo atitude

Clarice Lispector

Às vezes, quando duas pessoas estão juntas, apesar de falarem, o que elas comunicam silenciosamente uma à outra é o sentimento de solidão.

Clarice Lispector

“Ninguém é maduro quando se trata de amor.”

Clarice Lispector

Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha. Venha antes que seja tarde demais.

Clarice Lispector

“É por isso que na graça eu me mantive sentada, quieta, silenciosa.
É como numa anunciação. Não sendo porém precedida por anjos.
Mas é como se o anjo da vida viesse me anunciar o mundo.”
(Agua viva)

Clarice Lispector

Muitas coisas que me aconteceram tão piores que estas, eu já perdoei. No entanto essa não posso sequer entender agora: o jogo de dados de um destino é irracional? É impiedoso.

Clarice Lispector

O que é um espelho? É o único material inventado que é natural. Quem olha um espelho, quem consegue vê-lo sem se ver, quem entende que a sua profundidade consiste em ele ser vazio, quem caminha para dentro de seu espaço transparente sem deixar nele o vestígio da própria imagem – esse alguém então percebeu o seu mistério de coisa.

Clarice Lispector

Eu não sei colocar pontos finais, eu não sei acabar com algo, eu não sei excluir alguém da minha vida.

Clarice Lispector

Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.

Clarice Lispector

A inspiração é como um misterioso cheiro de âmbar.

Clarice Lispector

Uma pergunta de quando eu era pequena e que só agora me respondo: as pedras são feitas ou nascem? Resposta: as pedras são.

Clarice Lispector

Há um tipo de choro bom e há outro ruim. O ruim é aquele em que as lágrimas correm sem parar e, no entanto, não dão alívio. Só esgotam e exaurem. Uma amiga perguntou-me, então, se não seria esse choro como o de uma criança com a angústia da fome. Era. Quando se está perto desse tipo de choro, é melhor procurar conter-se: não vai adiantar. É melhor tentar fazer-se de forte, e enfrentar. É difícil, mas ainda menos do que ir-se tornando exangue a ponto de empalidecer. Mas nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que respeitar a nossa fraqueza. Então, são lágrimas suaves, de uma tristeza legítima à qual temos direito. Elas correm devagar e quando passam pelos lábios sente-se aquele gosto salgado, límpido, produto de nossa dor mais profunda. Homem chorar comove. Ele, o lutador, reconheceu sua luta às vezes inútil. Respeito muito o homem que chora. Eu já vi homem chorar.

Clarice Lispector

Há um tipo de choro bom e há outro ruim. O ruim é aquele em que as lágrimas correm sem parar e, no entanto, não dão alívio. Só esgotam e exaurem.
Homem chorar comove. Ele, o lutador, reconheceu sua luta às vezes inútil. Respeito muito o homem que chora. Eu já vi homem chorar.

Clarice Lispector

Cuidado com suas preocupações, dizem que dá ferida no estômago.

Clarice Lispector

Olhou em torno de si a manhã perfeita, respirando profundamente e sentindo, quase com orgulho, o coração bater cadenciado e cheio de vida.

Clarice Lispector

Está faltando o sonho no que eu escrevo. Como viver é secreto! Meu segredo é a vida. Eu não conto a ninguém que estou viva.

Clarice Lispector

Sim, eu tenho milhares de defeitos, alguns medos, vários problemas. Mas e daí?

Clarice Lispector

É, eu me acostumo, mas não amanso, por Deus! Eu me dou melhor com os bichos do que com gente (…) e quando acaricio a cabeça do meu cão seu que ele não exige que eu faça sentido ou me explique.

Clarice Lispector

EU NÃO ENTENDO! Por medo da loucura, renunciei à verdade. Minhas ideias são inventadas. Eu não me responsabilizo por elas. O mais engraçado é que nunca aprendi a viver. Eu não sei nada. Só sei ir vivendo. Como o meu cachorro. Eu tenho medo do ótimo e do superlativo. Quando começa a ficar muito bom eu ou desconfio ou dou um passo para trás.

Clarice Lispector

Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles já eram.

Clarice Lispector

É que tudo o que eu tenho não se pode dar. Nem tomar. Eu mesma posso morrer de sede diante de mim. A solidão está misturada à minha essência…

Clarice Lispector

TEXTO DE CLARICE LISPECOTR ” A Vantagem de ser Bobo”

Clarice Lispector

Que estou fazendo ao te escrever? estou tentando fotografar o perfume.

Clarice Lispector

Sinto saudade.

Clarice Lispector

Gosto de fazer as pessoas felizes, mesmo quando eu estou triste.

Clarice Lispector

Estes sonhos, de tanta interioridade, eram vazios porque lhes faltava o núcleo essencial de uma prévia experiência – de êxtase, digamos.

Clarice Lispector

Não só inalcançável por ele mas por ela própria e pelo mundo. Ela vivia de um estreitamento no peito: a vida. (…)
Ela se guardava. Por que e para quê? Para o que estava ela se poupando? Era um certo medo da própria capacidade, pequena ou grande, talvez por não conhecer os próprios limites. (…)
O que ela era, era apenas uma pequena parte de si mesma.
Sua alma incomensurável. Pois ela era o Mundo. E no entanto vivia o pouco.

Clarice Lispector

Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. (…) Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.

Clarice Lispector

Nem tudo o que escrevo resulta numa realização, resulta mais numa tentativa. O que também é um prazer. Pois nem em tudo eu quero pegar. Às vezes quero apenas tocar. Depois o que toco às vezes floresce e os outros podem pegar com as duas mãos.

Clarice Lispector

“É preciso coragem. Uma coragem danada. Muita coragem é o que eu preciso. Sinto-me tão desamparada, preciso tanto de proteção… porque parece que sou portadora de uma coisa muito pesada. Sei lá porque escrevo! Que fatalidade é esta?”

Clarice Lispector

O prazer é abrir as mãos e deixar escorrer sem avareza o vazio-pleno que se estava encarniçadamente prendendo. E de súbito o sobressalto: ah, abri as mãos e o coração, e não estou perdendo nada! E o susto: acorde, pois há o perigo do coração estar livre!
Até que se percebe que nesse espraiar-se está o prazer muito perigoso de ser. Mas vem uma segurança estranha: sempre ter-se-á o que gastar. Não ter pois avareza com esse vazio-pleno: gastá-lo.

Clarice Lispector

Com duas pessoas eu já entrei em comunicação tão forte que deixei de existir, sendo. Como explicar? Olhávamo-nos nos olhos e não dizíamos nada, e eu era a outra pessoa e a outra pessoa era eu. É tão difícil falar, é tão difícil dizer coisas que não podem ser ditas, é tão silencioso. Como traduzir o profundo silêncio do encontro entre duas almas? E dificílimo contar: nós estávamos nos olhando fixamente, e assim ficamos por uns instantes. Éramos um só ser. Esses momentos são o meu segredo. Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo isso de: estado agudo de felicidade. Estou terrivelmente lúcida e parece que estou atingindo um plano mais alto de humanidade. Foram os momentos mais altos que jamais tive.

Clarice Lispector

Leia o texto depois leia de baixo pra cima

Clarice Lispector

A mais premente necessidade de um ser humano era tornar-se um humano

Clarice Lispector

Parecia-lhe que havia cometido um crime e que comera um
anjo e, porque acreditava, eles existiam.

Clarice Lispector

E, se você me achar esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar.

Clarice Lispector

Mas sentimentos são água de um instante. Em breve – como a mesma água já é outra quando o sol a deixa muito leve, e já outra quando se enerva tentando morder uma pedra, e outra ainda no pé que mergulha.

Clarice Lispector

Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar.

Clarice Lispector

E só estou triste hoje porque estou cansada.

Clarice Lispector

Sorrisos e abraços espontâneos me emocionam. Palavras até me conquistam temporariamente. Mas atitudes me ganham para sempre.”
Sorrisos e abraços espontâneos me emocionam. Palavras até me conquistam temporariamente. Mas atitudes me ganham para sempre.”

Clarice Lispector

Que o nosso dia seja repleto daquilo que nos faça bem.

Clarice Lispector

Depois que descobri em mim mesma como se pensa, nunca mais pude acreditar no pensamento dos outros.

Clarice Lispector

Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daquelas que rolam pedras durante séculos e não daqueles para os quais os seixos já vem prontos, polidos e brancos.

Clarice Lispector

“Alguns relacionamentos são como Tom & Jerry: Eles se provocam, se batem, se irritam, se odeiam, mas não podem viver sem o outro.”

Clarice Lispector

”Não sei lidar com pontos finais, estou sempre procrastinando o fim, colocando vírgulas e me escondendo por de trás das reticências.”

Clarice Lispector

”Lembranças que nos trazem sorrisos e lágrimas ao mesmo tempo.”

Clarice Lispector

”Há momentos que apenas um sorriso é melhor do que um amontoado de palavras insignificantes.”

Clarice Lispector

A grande jogada da vida é saber deixar certas coisas de lado e seguir em frente.

Clarice Lispector

Vive em paz com Deus, seja como for que O imagines; entre os teus trabalhos e aspirações, mantém-te em paz com a tua alma, apesar da ruidosa confusão da vida.

Clarice Lispector

”Talvez esse seja o meu maior erro: viver adiando, colocando reticências onde deveria ser ponto final.”

Clarice Lispector

Escrevo porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando…

Clarice Lispector

Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Quando digo “águas abundantes” estou falando da força de corpo nas águas do mundo. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso. Lê a energia que está no meu silêncio. Ah tenho medo do Deus e do seu silêncio.

Clarice Lispector

Eu sou o meu próprio espelho. E vivo de achados e perdidos. É o que me salva. Estou metida numa guerra invisível entre perigos. Quem vence? Eu sempre perco.

Clarice Lispector

Sempre temos nossas recaídas. Afinal, até o céu chora.

Clarice Lispector

Uma mulher inteligente visa um único homem. Veste-se, anda, e fala para agradar exclusivamente a ele.

Clarice Lispector

Inútil querer me classificar: eu simplesmente escapulo não deixando, gênero não me pega mais. Estou em um estado muito novo e verdadeiro, curioso de si mesmo, tão atraente e pessoal a ponto de não poder pintá-lo ou escrevê-lo. Parece com momentos que tive contigo, quando te amava, além dos quais não pude ir pois fui ao fundo dos momentos.

Clarice Lispector

Estou aqui de vez em quando muito delicada, me interessam principalmente flores e passarinhos.

Clarice Lispector

Pensar é um fato

Clarice Lispector

Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina.
Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.

Clarice Lispector

“Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência e a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros”

Clarice Lispector

bicha a senhora é destruidora mesmo

Clarice Lispector

A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda.
Dizem que se esconde por modéstia. Não é.
Esconde-se para poder captar o próprio segredo.
Seu quase-não-perfume é glória abafada
mas exige da gente que o busque.
Não grita nunca seu perfume.
Violeta diz levezas que não se podem dizer.

Clarice Lispector

A comunicação muda
O que nos salva da solidão é a solidão de cada um dos outros. Às vezes, quando duas pessoas estão juntas, apesar de falarem, o que elas comunicam silenciosamente uma à outra é o sentimento de solidão.

Clarice Lispector

Amadureci vendo as pessoas que eu amo me trocando

Clarice Lispector

Não me julgue, não me critique, apenas me aceite. Não nasci para corresponder expectativas, mas para ser feliz.

Clarice Lispector

Corro perigo como qualquer pessoa que vive e o que me espera é exatamente o inesperado.

Clarice Lispector

” Pensar é um ato.Sentir é um fato.”
Clarice Lispector

Clarice Lispector

Sei que o que escrevo aqui
não se pode chamar de
crônica nem de coluna nem
de artigo. Mas sei que hoje é
um grito. Um grito! de
cansaço. Estou cansada! É
óbvio que o meu amor pelo
mundo nunca impediu
guerras e mortes. Amar
nunca impediu que por
dentro eu chorasse lágrimas
de sangue. Nem impediu
separações mortais. Filhos
dão muita alegria. Mas
também tenho dores de parto
todos os dias. O mundo
falhou pra mim, eu falhei
para o mundo. Portanto não
quero mais amar. O que me
resta? Viver automaticamente
até que a morte natural
chegue. Mas sei que não
posso viver automaticamente:
preciso de amparo e é do
amparo do amor.

Clarice Lispector

“O que nos impede na maioria das vezes de ter o que queremos, de ser o que sonhamos, de fazer o que pensamos e aceitar com o coração, é a ousadia que não cultivamos”.

Clarice Lispector

“Mas é quando penso que já não vale mais a pena , que você já não me possui, vem você me mostrar que és mais meu do que nunca…”

Clarice Lispector

“Às vezes escrever uma só linha basta para salvar o próprio coração.”

Clarice Lispector

Com perdão da palavra, sou um mistério para mim.
(A descoberta do mundo)
Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso.
(Água viva)

Clarice Lispector

Não entendo. Isso é tão vasto
que ultrapassa qualquer
entender. Entender é sempre
limitado. Mas não entender
pode não ter fronteiras. Sinto
que sou muito mais completa
quando não entendo. Não
entender, do modo como falo,
é um dom. Não entender, mas
não como um simples de
espírito. O bom é ser
inteligente e não entender. É
uma benção estranha, como
ter loucura sem ser doida. É
um desinteresse manso, é
uma doçura de burrice. Só
que de vez em quando vem a
inquietação: quero entender
um pouco. Não demais: mas
pelo menos entender que não
entendo.
Clarice Lispector Não entendo. Isso é tão vasto
que ultrapassa qualquer
entender. Entender é sempre
limitado. Mas não entender
pode não ter fronteiras. Sinto
que sou muito mais completa
quando não entendo. Não
entender, do modo como falo,
é um dom. Não entender, mas
não como um simples de
espírito. O bom é ser
inteligente e não entender. É
uma benção estranha, como
ter loucura sem ser doida. É
um desinteresse manso, é
uma doçura de burrice. Só
que de vez em quando vem a
inquietação: quero entender
um pouco. Não demais: mas
pelo menos entender que não
entendo.

Clarice Lispector

“Parece que a gente nunca é suficiente para ninguém.”
– Clarice Lispector

Clarice Lispector

“Sempre temos nossas recaídas. Afinal, até o céu chora.”
– Clarice Lispector.

Clarice Lispector

Orgulho separa mais do que distância.
— Clarice Lispector.

Clarice Lispector

A gente descobre a importância de um abraço quando precisa de um.
— Clarice Lispector

Clarice Lispector

Que tudo que for bom, chegue e fique.
— Clarice Lispector.

Clarice Lispector

Você nunca vai valer muito pra quem não vale nada.
— Clarice Lispector.

Clarice Lispector

Amadurecer não é se fechar para o mundo. É entender que o que for para ser, será. Sem dor de cabeça, dor ou ilusão. Apenas será.

Clarice Lispector

Há muita coisa a dizer que não sei como dizer.
– Clarice Lispector.

Clarice Lispector

Por um minuto eu queria saber qual é a primeira coisa que se passa pela sua mente quando você ouve meu nome.

Clarice Lispector

Pode-se aprender tudo, inclusive a amar! E o mais estranho, Lóri, pode-se aprender a ter alegria!

Clarice Lispector

No fundo no fundo, buscamos desabrochar, dizer tudo que a gente sente, compartilhar esse nosso interior com o maior numero de pessoas, com o máximo de recursos, com o máximo de liberdade.

Clarice Lispector

Quero você pra cuidar de mim. Deitar no seu abraço enquanto você fala as coisas baixinho no meu ouvido. E rir, porque nós nos divertimos muito juntos. E perceber o quanto é bom estar junto de alguém que te faz feliz.

Clarice Lispector

“Então,e como sempre,
era só depois de desistir
das coisas desejadas
que elas aconteciam.”

Clarice Lispector

Eu fico feliz com pequenos gestos. Não precisa me dar o mundo, só precisa ser o meu mundo.

Clarice Lispector

“Ouve-me. Ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e, sim, outra coisa. Capta a “outra coisa” porque eu mesma não posso.”
[Água viva – página 35]
―Clarice Lispector

Clarice Lispector

Sim, eu tenho milhares de defeitos, alguns medos, vários problemas. Mas e daí?
– Clarice Lispector.

Clarice Lispector

Já tive medo do escuro, hoje no escuro me acho… Me agacho… Fico ali…

Clarice Lispector

“E também porque uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. A uma coisa bonita faltava o gesto de dar. Nunca se devia ficar com uma coisa bonita, assim, como que guardada dentro do silêncio perfeito do coração.”

Clarice Lispector

E como disse Clarice Lispector “seja bobo não burro”.

Clarice Lispector

Ouvira na Rádio Relógio que havia 7 bilhões de pessoas no mundo. Ela se sentia perdida. Mas com a tendência que tinha para ser feliz logo se consolou: havia 7 bilhões de pessoas para ajudá-la.

Clarice Lispector

Como se ela não tivesse suportado sentir o que sentira

Clarice Lispector

É tão difícil falar, é tão difícil dizer coisas que não podem ser ditas, é tão silencioso.

Clarice Lispector

É preciso não esquecer e respeitar a violência que temos. As pequenas violências nos salvam das grandes. Quem sabe, se não comêssemos os bichos, comêssemos gente com seu sangue. Nossa vida é truculenta, Loreley: nasce-se com sangue e com sangue corta-se para sempre a possibilidade de união perfeita: o cordão umbilical. E muitos são os que morrem com sangue derramado por dentro ou por fora. É preciso acreditar no sangue como parte importante da vida. A truculência é amor também.
Clarice Lispector, in Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres

Clarice Lispector

O que seria então aquela sensação de força contida, pronta para rebentar em violência, aquela sede de empregá-la de olhos fechados, inteira, com a segurança irrefletida de uma fera? Não era o mal apenas que alguém podia respirar sem medo, aceitando o ar e os pulmões? Nem o prazer me daria tanto prazer quanto o mal, pensava ela surpreendida. Sentia dentro de si um animal perfeito, cheio de inconsequências, de egoísmo e vitalidade.

Clarice Lispector

– Que é que é eu faço? Não estou aguentando viver. A vida é curta, e eu não estou aguentando viver.
– Não sei. Eu sinto o mesmo. Mas há coisas, há muitas coisas. Há um ponto em que o desespero é uma luz, e um amor.
– E depois?
– Depois vem a natureza.
– Você está chamando a morte de natureza?
– Não. Estou chamando a natureza de Natureza.
– Será que todas as vidas foram isso?
– Acho que sim.
(em A Descoberta do Mundo)

Clarice Lispector

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada. (…) Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios.

Clarice Lispector

Sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico e fantástico – a vida é sobrenatural. E eu caminho em corda bamba até o limite de meu sonho. As vísceras torturadas pela voluptuosidade guiam-me, fúria dos impulsos. Antes de me organizar, tenho que me desorganizar internamente. Para experimentar o primeiro e passageiro estado primário de liberdade. Da liberdade de errar, cair e levantar-me.

Clarice Lispector

Há pessoas que têm vergonha de viver: são os tímidos, entre os quais me incluo. Desculpem, por exemplo, estar tomando lugar no espaço. Desculpem eu ser eu. «Quero ficar só!» grita a alma do tímido que só se liberta na solidão. Contraditoriamente quer o quente aconchego das pessoas.

Clarice Lispector

Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas.

Clarice Lispector

“Quando eu me comunico com criança é fácil porque sou muito maternal.
Quando me comunico com adulto, na verdade estou me comunicando com o mais secreto de mim mesma, daí é difícil…
O adulto é triste e solitário.
A criança tem a FANTASIA muito solta. “

Clarice Lispector

“Respeite mesmo o que é ruim em você – respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você. Não copie uma pessoa ideal, copie você mesma”…

Clarice Lispector

Assusta-me quando num relance vejo as entranhas do espírito dos outros.
Ou quando caio sem querer bem fundo dentro de mim e vejo o abismo interminável da eternidade, abismo através do qual me comunico fantasmagórica com Deus.

Clarice Lispector

“Na certa cada um tinha o próprio caminho a percorrer interminavelmente, fazendo isso parte do destino, no qual ela não sabia se acreditava ou não.”
“Então, e como sempre, era só depois de desistir das coisas desejadas que elas aconteciam.”

Clarice Lispector

“E como a uma borboleta, Ana prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu.”

Clarice Lispector

Já caí inúmeras vezes achando que não iria me reerguer,
já me reergui inúmeras vezes achando que não cairia mais.

Mas nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que respirar nossas fraquezas.

Clarice Lispector

“Lírios brancos encostados a nudez do peito.
Lírios que eu ofereço ao que está doendo em você.
Mesmo porque estas coisas – se não forem dadas- fenecem.”

Clarice Lispector

Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás!

Clarice Lispector

“Deste-me inocentemente a mão, e porque eu a segurava é que tive coragem de me afundar. Mas não procures entender-me, faze-me apenas companhia. Sei que tua mão me largaria, se soubesse.”

Clarice Lispector

Escrevo para ficar livre de mim mesmo.

Clarice Lispector

Escolher a própria máscara é o primeiro gesto humano. E solitário.

Clarice Lispector

Na hora do acontecimento não aproveito nada. E depois vem uma ilógica saudade. Mas é que o tempo presente, como a luz de uma estrela, só depois é que me atingirá em anos-luz. Na hora não chego a perceber do que se trata. Parece-me que só sou sensível e alerta na recordação. Quase que vivo, pois, no passado por não reconhecer a espécie de riqueza do momento atual.
O esquecimento das coisas é minha válvula de escape. Esqueço muito por necessidade. Inclusive estou tentando e conseguindo esquecer-me de mim mesmo, de mim minutos antes, de mim esqueço o meu futuro. Sou nu.

Clarice Lispector

“Queria que você estivesse aqui”

Clarice Lispector

Somente uma coisa me faria bem agora. Seria adormecer com a cabeça no seu colo, você me dizendo bobagenzinhas gostosas pra eu esquecer a ruindade do mundo.

Clarice Lispector

Eu as vezes tenho a sensação de que estou procurando às cegas uma coisa; eu quero continuar, eu me sinto obrigada a continuar.
Sinto até uma certa coragem de fazê-lo. O meu temor é de que seja tudo muito novo pra mim, que eu talvez possa encontrar o que eu não quero. Essa coragem eu teria, mas o preço é muito alto, o preço é muito caro, e eu estou cansada.
Sempre paguei e de repente não quero mais. Sinto que tenho que ir para um lado ou para o outro. Ou para uma desistencia: levar uma vida mais humilde de espirito, ou então não sei em que ramo a desistencia, não sei em que lugar encontra a tarefa, a docura, a coisa.
Estou viciada em viver nessa extrema intensidade. A hora de escrever é o reflexo de uma situação toda minha. É quando sinto o maior do desamparo.

Clarice Lispector

Ouve-me, ouve o silêncio. O que eu te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa. Capta essa coisa que me escapa e no entanto vivo dela e estou à tona de brilhante escuridão. Um instante me leva insensivelmente a outro e o tema atemático vai se desenrolando sem plano mas geométrico como as figuras sucessivas em um caleidoscópio.

Clarice Lispector

O mundo parece chato mas eu sei que não é. Sabe por que parece chato? Porque, sempre que a gente olha, o céu está em cima, nunca está embaixo, nunca está de lado. E sei que o mundo é redondo porque disseram, mas só ia parecer redondo se a gente olhasse e às vezes o céu estivesse lá embaixo.

Clarice Lispector

Cada vez mais acho tudo uma questão de paciência, de amor criando paciência, de paciência criando amor.
(em “Para não esquecer”)

Clarice Lispector

Sobreviver chama-se manter luta contra a vida que é mortal.

Clarice Lispector

Eu fingi por orgulho que não doía, eu pensava que fingir força era o caminho nobre de um homem e o caminho da própria força. Eu pensava que a força é o material de que o mundo é feito, e era com o mesmo material que eu iria a ele.
( em “Para não esquecer.”)

Clarice Lispector

Permitia-se um pouco de equilíbrio como uma trégua, mas que o tédio logo invadia. Até que, na vontade mórbida de novamente sofrer, adensava esse tédio, transformava-o em angústia.
( em “A Bela e a Fera”.)

Clarice Lispector

Não se pode ir a um teatro sem precisar dizer se gostou ou não, e porque sim e porque não. Aprendi a dizer ‘não sei’, o que é um orgulho, uma defesa e um mau hábito porque termina-se mesmo não querendo pensar, além de não querendo dizer.
(em “Cartas perto do coração”.)

Clarice Lispector

A prece profunda não é aquela que pede, a prece mais profunda é a que não pede mais.
( em “A legião estrangeira)

Clarice Lispector

“Hoje, de repente, como num verdadeiro achado, minha tolerância para com os outros sobrou um pouco para mim também (por quanto tempo?). Aproveitei a crista da onda, para me pôr em dia com o perdão”.
( em “Para não esquecer”.)

Clarice Lispector

E o que é que eu faço? Que faço da felicidade? Que faço dessa paz estranha e aguda, que já está começando a me doer como uma angústia, como um grande silêncio de espaços? A quem dou minha felicidade, que já está começando a me rasgar um pouco e me assusta.
em “Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres”

Clarice Lispector

“É com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais”.
( em “Água viva”.)

Clarice Lispector

Não me prendo a nada que me defina. sou companhia, mas posso ser solidão.

Clarice Lispector

“Até então eu nunca vira a coragem. A coragem de ser o outro que se é, a de nascer do próprio parto, e de largar no chão o corpo antigo. E sem lhe terem respondido se valia a pena”.
( em “A legião estrangeira”.)

Clarice Lispector

Apenas isso: chove e estou vendo a chuva. Que simplicidade. Nunca pensei que o mundo e eu chegássemos a esse ponto de trigo. A chuva cai não porque está precisando de mim, e eu olho a chuva não porque preciso dela. Mas nós estamos tão juntas como a água da chuva está ligada à chuva. E eu não estou agradecendo nada.

Clarice Lispector

“Existir é tão completamente fora do comum que se a consciência de existir demorasse mais de alguns segundos, nós enlouqueceríamos. A solução para esse absurdo que se chama ‘eu existo’, a solução é amar um outro ser que, este, nós compreendemos que exista”.
( em “Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres”.)

Clarice Lispector

“Não posso escrever enquanto estou ansiosa ou espero soluções porque em tais períodos faço tudo para que as horas passem; e escrever é prolongar o tempo, é dividi-lo em partículas de segundos, dando a cada uma delas uma vida insubstituível”.
( em “Para não esquecer”.)

Clarice Lispector

“Será que isto que estou te escrevendo é atrás do pensamento? Raciocínio é que não é. Quem for capaz de raciocinar – o que é terrivelmente difícil – que me acompanhe”.
( em “Água viva”.)

Clarice Lispector

“Minha anarquia obedece subterraneamente a uma lei
onde lido oculta com astronomia, matemática e mecânica”.
(em “Água viva”.)

Clarice Lispector

Mas se eu esperar compreender para aceitar as coisas – nunca o ato de entrega se fará. Tenho que dar o mergulho de uma só vez, mergulho que abrange a compreensão e sobretudo a incompreensão. E quem sou eu para ousar pensar? Devo é entregar-me. Como se faz? Sei porém que só andando que se sabe andar e – milagre – se anda.
Eu, que fabrico o futuro como uma aranha diligente. E o melhor de mim é quando nada sei e fabrico não sei o quê.

Clarice Lispector

Tenho medo do domingo maldito que me liquifica.
(do livro: Água Viva)

Clarice Lispector

“Além do mais, a solidão de um ao lado do outro, ouvindo música ou lendo, era muito maior do que quando estávamos sozinhos. E, mais que maior, incômoda. Não havia paz. Indo depois cada um para seu quarto, com alívio nem nos olhávamos”.
( em “Felicidade clandestina”.)

Clarice Lispector

Acho que sábado é a rosa da semana; sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, e alguém
despeja um balde de água no terraço: sábado ao vento é a rosa da semana. Sábado de manhã é
quintal, uma abelha esvoaça, e o vento (…)

Clarice Lispector

“Eu te digo: estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo instante-já que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa”.
( em “Água viva”.)

Clarice Lispector

Mas há a espera. A espera é sentir-me voraz em relação ao futuro. Um dia disseste que me amavas. Finjo acreditar e vivo, de ontem pra hoje, em amor alegre. Mas lembrar-se com saudade é como se despedir de novo.

Clarice Lispector

“No meio do meu silêncio e do silêncio da rosa, havia o meu desejo de possuí-la como uma coisa só minha. Eu queria poder pegar nela. Queria cheirá-la até sentir a vista escura de tanta tonteira de perfume. (…) Até chegar à rosa foi um século de coração batendo. (…) O que é que eu fazia com a rosa? Fazia isso: ela era minha”.
( em “Felicidade clandestina”.)

Clarice Lispector

“Meu Deus, e eu que não sei rezar? Como viver então? Não é só para pedir por mim e por outros, mas para sentir, para agradecer, para de algum modo entrar num convento, logo eu que sou tão colérica e feroz”.
(Trecho do livro em PDF: Aprendendo a viver)

Clarice Lispector

A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.

Clarice Lispector

Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama.

Clarice Lispector

“É um silêncio que não dorme: é insone: imóvel mas insone; e sem fantasmas. É terrível – sem nenhum fantasma. Inútil querer povoá-lo com a possibilidade de uma porta que se abra rangendo, de uma cortina que se abra e diga alguma coisa. Ele é vazio e sem promessa”.
(em “Onde estivestes de noite”, 1998.)

Clarice Lispector

“A certeza só aparentemente paradoxal de que o que atrapalha ao escrever é ter de usar palavras. É incomodo. Se eu pudesse escrever por intermédio de desenhar na madeira ou de alisar uma cabeça de menino ou de passear pelo campo, jamais teria entrado pelo caminho da palavra”.
( em “Para não esquecer”.)

Clarice Lispector

O mundo não tem ordem visível e eu só tenho a ordem da respiração. Deixo-me acontecer.
(trechos do livro “Água Viva” de Clarice Lispector)

Clarice Lispector

Renuncio a ter um significado, e então o doce e doloroso quebranto me toma. Formas redondas e redondas se entrecruzam no ar.
(trechos do livro “Água Viva” de Clarice Lispector)

Clarice Lispector

“Tem sido sábado, mas já não me perguntam mais.
Mas já peguei as minhas coisas e fui para domingo de manhã.
Domingo de manhã também é a rosa da semana.
Não é propriamente rosa que eu quero dizer”.
(Texto extraído do livro “Para não Esquecer”, Editora Siciliano – São Paulo, 1992.)

Clarice Lispector

Dei gritos de dor, e de cólera, pois a dor parece uma ofensa à nossa integridade física. Mas não fui tola. Aproveitei a dor e dei gritos pelo passado e pelo presente. Até pelo futuro gritei, meu Deus.

Clarice Lispector

“Mas as palavras que uma pessoa pronunciava quando estava embriagada era como se estivesse prenhe – palavras apenas na boca, que pouco tinham a ver com o centro secreto que era como uma gravidez”.
(em “Laços de família”.)

Clarice Lispector

“Eu, que fabrico o futuro como uma aranha diligente. E o melhor de mim é quando nada sei e fabrico não sei o quê”.
( em “Água viva”.)

Clarice Lispector

“Por que publicar o que não presta? Porque o que presta também não presta. Além do mais, o que obviamente não presta sempre me interessou muito. Gosto do modo carinhoso do inacabado, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno vôo e cai sem graça no chão”.
(em: A Legião Estrangeira – extraído do livro em PDF: Ovelhas Negras-recurso eletrônico)

Clarice Lispector

Piedade é a minha forma de amor. De ódio e de comunicação. É o que me sustenta contra o mundo, assim como alguém vive pelo desejo, outro pelo medo.
(do livro em PDF: As palavras [recurso eletrônico] : nada têm a ver com as sensações, palavras são pedras duras e as sensações delicadíssimas, fugazes, extremas Editora Rocco)

Clarice Lispector

Cada coisa tem o seu lugar. Que o digam as pirâmides do Egito.
(trecho extraído do livro em PDF: As palavras)

Clarice Lispector

O bule de chá tão esguio, elegante e cheio de graça. Sim, mas tudo isso num instante passa, e o que fica é um bule velho e um pouquinho lascado, objeto ordinário.
(trecho extraído do livro em PDF: As palavras)

Clarice Lispector

“Se o meu mundo não fosse humano, também haveria lugar para mim: eu seria uma mancha difusa de instintos, doçuras e ferocidades, uma trêmula irradiação de paz e luta: se o mundo não fosse humano eu me arranjaria sendo um bicho”.
(trecho extraído do livro em PDF: Aprendendo a viver)

Clarice Lispector

Deus lhe deu inúmeros pequenos dons que ele não usou nem desenvolveu por receio de ser um homem completo e sem pudor.
(do livro em PDF: Aprendendo a Viver)

Clarice Lispector

Desencontro
Eu te dou pão e preferes ouro. Eu te dou ouro mas tua fome legítima é de pão.

Clarice Lispector

Até hoje eu por assim dizer não sabia que se pode não escrever. Gradualmente, gradualmente até que de repente a descoberta tímida: quem sabe, também eu já poderia não escrever. Como é infinitamente mais ambicioso. É quase inalcançável.
(extraído do livro “Aprendendo a viver”)

Clarice Lispector

Escrever é o mesmo processo do ato de sonhar: vão-se formando imagens, cores, atos, e sobretudo uma atmosfera de sonho que parece uma cor e não uma palavra.
(extraído do livro em PDF: As Palavras)

Clarice Lispector

Beleza é assim mesmo, ela é um átimo de segundo, rapidez de um clarão e depois logo escapa.

Clarice Lispector

Sinto quando termino um livro: a pobreza da alma, e esgotamento das fontes de energia.
(extraído do livro em PDF: A palavras)

Clarice Lispector

” Você já viu como um touro castrado se transforma num boi? Assim fiquei a partir do momento em que me resignei. Perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas”.
(in “Carta a Tânia” [irmã de Clarice] – 1947).

Clarice Lispector

Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama. Quanto a mim, assumo a minha solidão. Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor. E a dor, silêncio. Guardo o seu nome em segredo. Preciso de segredos para viver.

Clarice Lispector

“O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa” (Clarice Lispector). Os efeitos de sentido não podem ser controlados; porém, esclarecidos.

Clarice Lispector

Dedico-me à tempestade de Beethoven. À vibração das cores de Bach. A Chopin que me amolece os ossos.

Clarice Lispector

Quem vive sabe, mesmo sem saber que sabe.

Clarice Lispector

O vazio tem o valor e a semelhança do pleno.

Clarice Lispector

Um meio de obter é não procurar, um meio de ter é o de não pedir e somente acreditar que o silêncio que eu creio em mim é a resposta a meu – a meu mistério.

Clarice Lispector

Esta história será feita de palavras que se agrupam en frases e destas se evola um sentido secreto que ultrapassa palavras e frases.

Clarice Lispector

Se tivesse a tolice de se perguntar “quem sou eu?” cairia estatelada e em cheio no chão. É que “quem sou eu?” provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.

Clarice Lispector

Vamos fazer um brinde às noites mal dormidas porque eu estava o tempo todo pensando em você. Aos lugares que eu fui, somente por saber que você estaria lá. À fantasia que eu criei na minha cabeça, mas você acabou fazendo tudo exatamente ao contrário, fazendo eu chegar a conclusão de que tudo está sendo bem melhor desse jeito, do que de como eu desejava. Um brinde às suas piadas sem a mínima graça e nexo, que por esse mesmo motivo me fazem dar gargalhadas. Às vezes em que eu fiquei fazendo combinações com os nossos sobrenomes. Àquele dia em que nós brigamos e eu pensei que aquela seria a última vez em que nos falaríamos. Pelas marcas que você deixou em meu coração. Pelas cicatrizes que ainda permanecem lá. Ao seu jeito de não querer demonstrar o que sente. E às suas manias que tem de me irritar. Principalmente àquela que tem de fazer eu me apaixonar por você cada dia mais. Um brinde à maneira de como você entrou na minha vida tão de repente e à bagunçou de um jeito que nem mesmo se eu quisesse, ela voltaria a ser o que era antes. Às comédias românticas que me fazem lembrar da nossa história. À distância que por mínima que seja, consegue provar pra nós dois o quão fortes somos, por superarmos mais um obstáculo. Por me fazer rir descontroladamente quando o que você diz é uma verdade e eu não quero que você saiba. Por finalmente me fazer enxergar que os filmes românticos tem sentido. Vamos brindar à nossa imperfeição, que me encanta e me fascina por ser só nossa. Às falas e momentos que eu inventei e ainda invento dentro da minha cabeça antes de dormir. Ao dia em que eu pensei que nada, nem ninguém mudaria toda a minha frieza e o medo que sentia em depender do sorriso de alguém, mas que só acabou mudando por você ter aparecido. Aos textos em que a palavra “você” poderia ser substituída pelo seu nome. Aos dias em que a dor me corrói totalmente só de pensar em te perder. Mas um brinde principalmente, ao dia em que eu tive certeza de que estava perdidamente apaixonada por você.

Clarice Lispector

De propósito não vou descrever o que vi: cada pessoa tem que descobrir sozinha. Apenas lembrarei que havia sombras oscilantes, secretas. De passagem falarei de leve na liberdade dos pássaros. E na minha liberdade. Mas é só. O resto era o verde húmido subindo em mim pelas minhas raí­zes incógnitas. Eu andava, andava. Às vezes parava. Já me afastara muito do portão de entrada, não o via mais, pois entrara em tantas alamedas. Eu sentia um medo bom – como um estremecimento apenas perceptí­vel de alma – um medo bom de talvez estar perdida e nunca mais, porém nunca mais! achar a porta de saí­da.

Clarice Lispector

Atenção ao sábado
Acho que sábado é a rosa da semana; sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, e alguém despeja um balde de água no terraço;
Sábado ao vento é a rosa da semana

Clarice Lispector

“Passei a vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar.”

Clarice Lispector

Eu estarei aqui, até quando você não quiser, até quando não merecer.

Clarice Lispector

Muitas vezes, o que me salvou foi improvisar um ato gratuito. Ato gratuito, se tem causas, são desconhecidas. E se tem consequências, são imprevisíveis. O ato gratuito é o oposto da luta pela vida e na vida. Ele é o oposto da nossa corrida pelo dinheiro, pelo trabalho, pelo amor, pelos prazeres, pelos táxis e ônibus, pela nossa vida diária enfim – que esta é toda paga, isto é, tem o seu preço.
Uma tarde dessas, de céu puramente azul e pequenas nuvens branquíssimas, estava eu escrevendo à máquina – quando alguma coisa em mim aconteceu. Era o profundo cansaço da luta.
E percebi que estava sedenta. Uma sede de liberdade me acordara. Eu estava simplesmente exausta de morar num apartamento. Estava exausta de tirar ideias de mim mesma. Estava exausta do barulho da máquina de escrever. Então a sede estranha e profunda me apareceu. Eu precisava – precisava com urgência – de um ato de liberdade: do ato que é por si só. Um ato que manifestasse fora de mim o que eu não precisava pagar. Não digo pagar com dinheiro mas sim, de um modo mais amplo, pagar o alto preço que custa viver.
Então minha própria sede guiou-me. Eram 2 horas da tarde de verão. Interrompi meu trabalho, mudei rapidamente de roupa, desci, tomei um táxi que passava e disse ao chofer: vamos ao Jardim Botânico. “Que rua?”, perguntou ele. “O senhor não está entendendo”, expliquei-lhe, “não quero ir ao bairro e sim ao Jardim do bairro.” Não sei por que olhou-me um instante com atenção.
Deixei abertas as vidraças do carro, que corria muito, e eu já começara minha liberdade deixando que um vento fortí­ssimo me desalinhasse os cabelos e me batesse no rosto grato de olhos entrefechados de felicidade.
Eu ia ao Jardim Botânico para quê? Só para olhar. Só para ver. Só para sentir. Só para viver. Saltei do táxi e atravessei os largos portões. A sombra logo me acolheu. Fiquei parada. Lá a vida verde era larga. Eu não via ali nenhuma avareza: tudo se dava por inteiro ao vento, no ar, à vida, tudo se erguia em direção ao céu. E mais: dava também o seu mistério.
O mistério me rodeava. Olhei arbustos frágeis recém-plantados. Olhei uma árvores de tronco nodoso e escruo, tão largo que me seria impossí­vel abraçá-lo. Por dentro dessa madeira de rocha, através de raí­zes pesadas e duras como garras – como é que corria a seiva, essa coisa quase intangí­vel que é a vida? Havia seiva em tudo como há sangue em nosso corpo.
De propósito não vou descrever o que vi: cada pessoa tem que descobrir sozinha. Apenas lembrarei que havia sombras oscilantes, secretas. De passagem falarei de leve na liberdade dos pássaros. E na minha liberdade. Mas é só. O resto era o verde úmido subindo em mim pelas minhas raí­zes incógnitas. Eu andava, andava. Às vezes parava. Já me afastara muito do portão de entrada, não o via mais, pois entrara em tantas alamedas. Eu sentia um medo bom – como um estremecimento apenas perceptí­vel de alma – um medo bom de talvez estar perdida e nunca mais, porém nunca mais! achar a porta de saí­da.
Havia naquela alameda um chafariz de onde a água corria sem parar. Era uma cara de pedra e de sua boca jorrava a água. Bebi. Molhei-me toda. Sem me incomodar: esse exagero estava de acordo com a abundância do Jardim.
O chão estava í s vezes coberto de bolinhas de ararueira, daquelas que caem em abundância nas calçadas da nossa infância e que pisamos, não sei por que, com enorme prazer. Repeti então o esmagamento das bolinhas e de novo senti o misterioso gosto bom. Estava com um cansaço benfazejo, era hora de voltar, o sol já estava mais fraco.
Voltarei num dia de chuva – só para ver o gotejante jardim submerso.
Nota da autora: peço licença para pedir à pessoa que tão bondosamente traduz meus textos em braile para os cegos que não traduza este. Não quero ferir os olhos que não vêem

Clarice Lispector

Sou como você me vê…

Clarice Lispector

“A distância também é uma dor.”

Clarice Lispector

O Homem É
O homem. Como o homem é simpático. Ainda bem. O homem é a nossa fonte de inspiração? É. O homem é o nosso desafio? É. O homem é o nosso inimigo? É. O homem é o nosso rival estimulante? É. O homem é o nosso igual ao mesmo tempo inteiramente diferente? É. O homem é bonito? É. O homem é engraçado? É. O homem é um menino? É. O homem também é um pai? É. Nós brigamos com o homem? Brigamos. Nós não podemos passar sem o homem com quem brigamos? Não. Nós somos interessantes porque o homem gosta de mulher interessante? Somos. O homem é a pessoa com quem temos o diálogo mais importante? É. O homem é um chato? Também. Nós gostamos de ser chateadas pelo homem? Gostamos.
Poderia continuar com esta lista interminável até meu diretor mandar parar. Mas acho que ninguém mais me mandaria parar. Pois penso que toquei num ponto nevrálgico. E, sendo um ponto nevrálgico, como o homem nos dói. E como a mulher dói no homem.
Clarice Lispecto, in Crónicas no ‘Jornal do Brasil (1967)’

Clarice Lispector

“O terrível dever é ir até o fim”

Clarice Lispector

Existir não é lógico.

Clarice Lispector

Ignorar é fácil.
Difícil mesmo é esquecer.

Clarice Lispector

minha voz é o modo como vou buscar a realidade; a realidade, antes de minha linguagem, existe como um pensamento que não se pensa, mas por fatalidade fui e sou impelida a precisar saber o que o pensamento pensa. a realidade antecede a voz que a procura, mas como a terra antecede a árvore, mas como o mundo antecede o homem, mas como o mar antecede a visão do mar, a vida antecede o amor, a matéria do corpo antecede o corpo, e por sua vez a linguagem um dia terá antecedido a posse do silêncio.

Clarice Lispector

Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido. O que eu era antes não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro.

Clarice Lispector

“A palavra é meu domínio sobre o mundo”

Clarice Lispector

Eu tenho tanto medo de ser eu

Clarice Lispector

O que a nossa imaginação cria se parece com o processo que Deus tem de criar.

Clarice Lispector

⁠A vida é um soco no estômago.

Clarice Lispector

Precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la.

Clarice Lispector

⁠❝ A incomunicabilidade de si para si mesmo é o grande vórtice do nada. Se eu não acho um modo de falar a mim mesmo a palavra me sufoca a garganta atravessando-a como uma pedra não deglutida. Eu quero ter acesso a mim mesmo na hora em que eu quiser como quem abre as portas e entra. Não quero ser vítima do acaso libertador. Quero eu mesmo ter a chave do mundo e transpô-lo como quem se transpõe da vida para a morte e da morte para a vida.
— Clarice Lispector, no livro “Um sopro de vida”. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.

Clarice Lispector

Meu deus, como o mundo sempre foi vasto e como eu vou morrer um dia. E até eu morrer vou viver apenas momentos? Não, dai-me mais do que momentos. Não porque momentos sejam poucos, mas porque momentos raros matam de amor pela raridade.

Clarice Lispector

Quero lonjuras. Minha selvagem intuição de mim mesma. Mas o meu principal está sempre escondido. Sou implícita. E quando vou me explicar perco a úmida intimidade.

Clarice Lispector

É em mim que tenho de criar esse alguém que entenderá.

Clarice Lispector

⁠Eu queria uma liberdade olímpica. Mas essa liberdade só é concedida aos seres imateriais. Enquanto eu tiver corpo ele me submeterá às suas exigências. Vejo a liberdade como uma forma de beleza e essa beleza me falta.

Clarice Lispector

Era finalmente o natural viver sozinha.

Clarice Lispector

A realidade precisava da mocinha para ter uma forma.

Clarice Lispector

Seu coração faminto dominou desajeitado o vazio.

Clarice Lispector

A esperança era o meu pecado maior.

Clarice Lispector

Sua alma incomensurável. Pois ela era o Mundo.

Clarice Lispector

Sentimentos são água de um instante.

Clarice Lispector

Os infelizes se compensam.

Clarice Lispector

A tímida e voraz curiosidade pela alegria.

Clarice Lispector

Seu corpo também reclama direitos.

Clarice Lispector

Ser às vezes sangra.

Clarice Lispector

Se eu não me amar estarei perdida – porque ninguém me ama a ponto de ser eu, de me ser.

Clarice Lispector

De algum modo já aprendera que cada dia nunca era comum, era sempre extraordinário. E que a ela cabia sofrer o dia ou ter prazer nele.

Clarice Lispector

Um nome para o que eu sou, importa muito pouco. Importa o que eu gostaria de ser.

Clarice Lispector

Esta noite – é difícil te explicar – esta noite sonhei que estava sonhando. Será que depois da morte é assim? O sonho de um sonho de um sonho?

Clarice Lispector

Mau é não viver, só isso. Morrer já é outra coisa. Morrer é diferente do bom e do mau.

Clarice Lispector

É preciso que você reze por mim. Ando desnorteada, sem compreender o que me acontece e sobretudo o que não me acontece.

Clarice Lispector

Viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte.

Clarice Lispector

Eu tive que pagar a minha dívida de alegria a um mundo que tantas vezes me foi hostil.

Clarice Lispector

Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.

Clarice Lispector

Nenhum ser humano me deu jamais a sensação de ser tão totalmente amada como fui amada sem restrições por esse cão.

Clarice Lispector

Quando tomei posse da vontade de escrever, vi-me de repente num vácuo. E nesse vácuo não havia quem pudesse me ajudar. Eu tinha que eu mesma me erguer de um nada, tinha eu mesma que me entender, eu mesma inventar por assim dizer a minha verdade.

Clarice Lispector

Queria ver se o cinzento de suas palavras conseguia embaçar meus vinte e dois anos e a clara tarde de verão.

Clarice Lispector

Se eu tivesse que dar um título à minha vida seria: à procura da própria coisa.

Clarice Lispector

Minha florzinha,
Recebi sua carta desse estranho Bucsky, datada de 30 de dezembro. Como fiquei contente, minha irmãzinha, com certas frases suas. Não diga porém: descobri que ainda há muita coisa viva em mim. Mas não, minha querida! Você está toda viva! Somente você tem levado uma vida irracional, uma vida que não parece com você. Tania, não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso – nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.
Nem sei como lhe explicar, querida irmã, minha alma. Mas o que eu queria dizer é que a gente é muito preciosa, e que é somente até certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias. Depois que uma pessoa perder o respeito de si mesma e o respeito de suas próprias necessidades – depois disso fica-se um pouco um trapo. Eu queria tanto, tanto estar junto de você e conversar, e contar experiências minhas e de outros. Você veria que há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Eu mesma não queria contar a você como estou agora, porque achei inútil. Pretendia apenas lhe contar o meu novo caráter, ou falta de caráter, um mês antes de irmos para o Brasil, para você estar prevenida. Mas espero de tal forma que no navio ou avião que nos levar de volta eu me transforme instantaneamente na antiga que eu era, que talvez nem fosse necessário contar. Querida, quase quatro anos me transformaram muito.
Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma num boi? assim fiquei eu…, em que pese a dura comparação… Para me adatar (sic) ao que era inadatável (sic), para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus aguilhões – cortei em mim a força que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também minha força. Espero que você nunca me veja assim resignada, porque é quase repugnante. Espero que no navio que nos leve de volta, só a ideia de ver você e de retomar um pouco minha vida – que não era maravilhosa mas era uma vida – eu me transforme inteiramente. Mariazinha, mulher do Milton, um dia desses encheu-se de coragem, como ela disse, e me perguntou: você era muito diferente, não era? Ela disse que me achava ardente e vibrante, e que quando me encontrou agora se disse: ou esta calma excessiva é uma atitude ou então ela mudou tanto que parece quase irreconhecível. Uma outra pessoa disse que eu me movo com uma lassidão de mulher de cinquenta anos. Tudo isso você não vai ver nem sentir, queira Deus. Não haveria nem necessidade de lhe dizer, então… Mas não pude deixar de querer lhe mostrar o que pode acontecer com uma pessoa que fez pacto com todos, e que se esqueceu de que o nó vital de uma pessoa deve ser respeitado.
Minha irmãzinha, ouça meu conselho, ouça meu pedido: respeite a você mais do que aos outros, respeite suas exigências, respeite mesmo o que é ruim em você – respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você – pelo amor de Deus, não queira fazer de você uma pessoa perfeita – não copie uma pessoa ideal, copie você mesma – é esse o único meio de viver. Eu tenho tanto medo de que aconteça com você o que aconteceu comigo, pois nós somos parecidas. Juro por Deus que se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia – será punida e irá para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não será punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo aquilo que sua vida exige. Parece uma moral amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Espero em Deus que você acredite em mim. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse a minha vida sem eu saber – pois somente saber de sua presença me transformaria e me daria vida e alegria. Isso seria uma lição para você. Ver o que pode suceder quando se pactuou com a comodidade de alma. Tenha coragem de se transformar, minha querida, de fazer o que você deseja – seja sair nos week-end, seja o que for. Me escreva sem a preocupação de falar coisas neutras – porque como poderíamos fazer bem uma a outra sem esse mínimo de sinceridade?
Que o ano novo lhe traga todas as felicidades, minha querida. Receba um abraço de muita saudade, de enorme saudade de sua irmã
Clarice

Clarice Lispector

⁠⁠– Clarice, a partir de qual momento você efetivamente decide assumir a carreira de escritora?
– Eu nunca assumi.
– Por quê?
– Eu não sou uma profissional, eu só escrevo quando eu quero. Eu sou uma amadora e faço questão de continuar sendo amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever. Ou então com o outro, em relação ao outro. Agora eu faço questão de não ser uma profissional para manter minha liberdade.

Clarice Lispector

– Se você não pudesse mais escrever você morreria?
– Eu acho que, quando não escrevo, estou morta. (…) É muito duro, esse período entre um trabalho e outro, e ao mesmo tempo é necessário para haver uma espécie de esvaziamento para poder nascer alguma outra coisa, se nascer. É tudo tão incerto…

Clarice Lispector

⁠– Em que medida o trabalho de Clarice Lispector no caso específico de Mineirinho pode alterar a ordem das coisas?
– Não altera em nada. Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa.
– Então por que continuar escrevendo, Clarice?
– E eu sei? Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas, está querendo desabrochar de um modo ou de outro, né?

Clarice Lispector

– No seu entender, qual o papel do escritor brasileiro hoje?
– De falar o menos possível.

Clarice Lispector

– Isso ainda acontece, de você produzir alguma coisa e rasgar?
– Eu deixo de lado… não, eu rasgo sim.
– É produto de reflexão ou deuma emoção?
– Raiva, um pouco de raiva.
– De quem?
– De mim mesma.
– Por quê, Clarice?
– Sei lá, estou meio cansada.
– Do quê?
– De mim mesma.
– Mas você não renasce e se renova a cada trabalho novo?
– Bom, agora eu morri, mas vamos ver se eu renasço de novo. Por enquanto eu estou morta. Estou falando do meu túmulo.

Clarice Lispector

⁠Vida é o desejo de continuar vivendo e viva é aquela coisa que vai morrer. A vida serve é para se morrer dela.

Clarice Lispector

Fiz da língua portuguesa a minha vida interior, o meu pensamento mais íntimo, usei-a para palavras de amor.

Clarice Lispector

Acho que viver no Nordeste ou Norte do Brasil é viver mais intensamente e de perto a verdadeira vida brasileira que lá, no interior, não recebe influência de costumes de outros países.

Clarice Lispector

Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza.

Clarice Lispector

Um dos indiretos modos de entender é achar bonito.

Clarice Lispector

Poucos querem o amor verdadeiro, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que se voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza.

Clarice Lispector

Amor, sobretudo entre homem e mulher, é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor verdadeiro, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que se voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece.

Clarice Lispector

A felicidade pertence aos laboriosos; o amor é daqueles que trabalham…

Clarice Lispector

Cuidemos muito bem do amor, que possuímos, pois se é verdade que ele nasce de menor coisa, também é verdade que se esvai sem facilidade, e qualquer coisa pode matá-lo; às vezes a falta de uma carícia; outras vezes uma simples corrente de ar frio…

Clarice Lispector

A ninguém amamos tanto como a nós mesmos; somos o nosso grande amor.

Clarice Lispector

Nunca dei amor, sem sentir que também eu recebi amor.

Clarice Lispector

A invenção do hoje é o meu único meio de instaurar o futuro.

Clarice Lispector

Gostar de estar vivo dói.

Clarice Lispector

Civilizar minha vida é expulsar-me de mim.

Clarice Lispector

A vastidão parecia acalmá-la, o silêncio regulava sua respiração. Ela adormecia dentro de si.

Clarice Lispector

Eu mal entrei em mim e assustada já quero sair. Eu descubro que estou além da voracidade. Sou um ímpeto partido no meio.

Clarice Lispector

Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas – porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste.

Clarice Lispector

Estou sofrendo de amor feliz. Só aparentemente é que isso é contraditório. Quando se sente amor, tem-se uma funda ansiedade. É como se eu risse e chorasse ao mesmo tempo. Sem falar no medo que essa felicidade não dure.

Clarice Lispector

E quando a festa [Carnaval] ia se aproximando, como explicar a agitação íntima que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate.

Clarice Lispector

Qualquer que tivesse sido o crime dele [Mineirinho], uma bala bastava. O resto era vontade de matar, era prepotência.

Clarice Lispector

A verdade é que Laura tem o pescoço mais feio que já vi no mundo. Mas você não se importa, não é? Porque o que vale mesmo é ser bonito por dentro.

Clarice Lispector

A vida é tão contínua que nós a dividimos em etapas, e a uma delas chamamos de morte.

Clarice Lispector

Não sei expressar-me por palavras. O que sinto não é traduzível. Eu me expresso melhor pelo silêncio. Expressar-me por meio de palavras é um desafio. Mas não correspondo à altura do desafio. Saem pobres palavras. E qual é mesmo a palavra secreta? Não sei e por que a ouso? Só não sei porque não ouso dizê-la?

Clarice Lispector

Irei até onde o ar termina, irei até onde a grande ventania se solta uivando, irei até onde o vácuo faz uma curva, irei aonde meu fôlego me levar.

Clarice Lispector

⁠Parece que esperança não tem olhos (…), é guiada pelas antenas.

Clarice Lispector

Vivam os mortos porque neles vivemos.

Clarice Lispector

Inspiração não é loucura. É Deus.

Clarice Lispector

Escrever é tal procura de íntima veracidade de vida.

Clarice Lispector

A minha própria vida tem enredo verdadeiro. Seria a história da casca de uma árvore e não da árvore.

Clarice Lispector

O que me atrapalha a vida é escrever.

Clarice Lispector

Escrevo com o corpo. E o que escrevo é uma névoa úmida.

Clarice Lispector

O que escrevo não pede favor a ninguém e não implora socorro: aguenta-se na sua chamada dor com uma dignidade de barão.

Clarice Lispector

Uma vida é curta: mas, se cortarmos os seus pedaços mortos, curtíssima fica ela.

Clarice Lispector

⁠Me busco no meu grande vazio.

Clarice Lispector

Acho que loucura é perfeição. É como enxergar. Ver é a pura loucura do corpo.

Clarice Lispector

As coisas foram feitas para serem ditas à luz do dia e se não se pode dizê-las é porque são de má qualidade.

Clarice Lispector

Se tu não puderes te libertar de desejar paixões, lê romances e aventuras, que para isso também existem os escritores.

Clarice Lispector

Vida nascendo era tão mais sangrento do que morrer. Morrer é ininterrupto. Mas ver matéria inerte lentamente tentar se erguer como um grande morto-vivo… Ver a esperança me aterrorizava, ver a vida me embrulhava o estômago.

Clarice Lispector

Não é saudade, porque eu tenho agora a minha infância mais do que enquanto ela decorria…

Clarice Lispector

Tão difícil tomar as coisas que haviam nascido bem dentro dos outros e pensá-las.

Clarice Lispector

Às vezes quase aproximava de um pensamento porém jamais o alcançava embora tudo ao redor lhe soprasse o seu começo.

Clarice Lispector

Ela nascera para o essencial, para viver ou morrer. E o intermediário era-lhe o sofrimento.

Clarice Lispector

Havia em todas elas uma qualidade de matéria-prima, alguma coisa que podia vir a definir-se mas que jamais se realizava, porque sua essência mesma era a de “tornar-se”.

Clarice Lispector

Vida e morte em ideias, isoladas do prazer e da dor. Tão distantes das qualidades humanas que poderiam se confundir com o silêncio.

Clarice Lispector

Não há nada que canse tanto, como se torturar com preocupações.

Clarice Lispector

Que Deus te abençoe e te dê uma vida longuíssima cheia de alegrias, de tranquilidade, de inspiração para viver bem, de satisfações físicas, morais e intelectuais, de tudo o que é bom e puro e lindo.

Clarice Lispector

Quem eu quero ver não vem e receber pessoas estranhas é uma troca insuportável.

Clarice Lispector

Quanto ao meu meio sucesso me perturbar, às vezes ele me deixa saciada e cansada. Às vezes, embora possa parecer falso, me desanima, não sei por quê.

Clarice Lispector

Eu espero nunca exigir de mim nenhuma atitude. Isso me cansaria.

Clarice Lispector

Eu aqui morro de saudade de casa e do Brasil. Essa vida de “casada com diplomata” é o primeiro destino que eu tenho. Isso não se chama viajar: viajar é ir e voltar quando se quer, é poder andar. Mas viajar como eu viajarei é ruim: é cumprir pena em vários lugares. As impressões, depois de um ano num lugar terminam matando as primeiras impressões.

Clarice Lispector

A coisa melhor da vida é ter irmãs. Não há ninguém que as substitua.

Clarice Lispector

Há muita coisa bonita no mundo. Ser irmão é uma delas.

Clarice Lispector

Que vontade de fazer uma coisa errada. O erro é apaixonante. Vou pecar.

Clarice Lispector

Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.

Clarice Lispector

Viver tem dessas coisas: de vez em quando se fica a zero. E tudo isso é por enquanto. Enquanto se vive.

Clarice Lispector

Muito elogio é como botar água demais na flor. Ela apodrece.

Clarice Lispector

Escrever pensando em leitor é bobagem. Leitor não existe.

Clarice Lispector

[Um amigo é] uma pessoa que me veja como eu sou. Que não me mistifique. Que me trate de igual para igual. Que me permita ser humilde.

Clarice Lispector

Tão poderosa que imaginava ter escolhido os caminhos antes de neles penetrar – e apenas com o pensamento.

Clarice Lispector

A gente não cria os filhos para a gente, nós os criamos para eles mesmos.

Clarice Lispector

Voar alto e selvagemente para soltar as minhas grandes asas. Até agora parece-me que eu não voei grande.

Clarice Lispector

Eu agora sei pensar em nada. Foi uma conquista. Não pensar significa o contato inexprimível com o Nada.

Clarice Lispector

Um lugar do mundo está esperando que eu o habite.

Clarice Lispector

Só depois que você morrer é que vou te amar totalmente. Preciso de toda a tua vida para que eu a ame como se fosse minha.

Clarice Lispector

Respirar é coisa de magia.

Clarice Lispector

Sim, ela era alegrezinha dentro de sua neurose.

Clarice Lispector

Em tudo, em tudo você terá a seu favor o corpo. O corpo está sempre ao lado da gente. É o único que, até o fim, não nos abandona.

Clarice Lispector

Mas é que o erro das pessoas inteligentes é tão mais grave: elas têm os argumentos que provam.

Clarice Lispector

Mas se nós, que somos os reis da natureza, não havemos de ter medo, quem há de ter?

Clarice Lispector

Pense que ninguém é uma fortaleza, que nós todos somos apenas humanos e nos ajudamos, pense que não existe uma só pessoa no mundo que não tenha pelo menos uma vez (é pouco uma vez, muito mais vezes) necessidade inclusive de chorar.

Clarice Lispector

Fiquei sozinha um domingo inteiro. Não telefonei para ninguém e ninguém me telefonou. Estava totalmente só. Fiquei sentada num sofá com o pensamento livre. Mas no decorrer desse dia até a hora de dormir tive umas três vezes um súbito reconhecimento de mim mesma e do mundo que me assombrou e me fez mergulhar em profundezas obscuras de onde saí para uma luz de ouro. Era o encontro do eu com o eu. A solidão é um luxo.

Clarice Lispector

Acontece que sou tão ávida da vida, tanto quero dela e aproveito-a tanto e tudo é tanto – que me torno imoral. Isso mesmo: sou imoral.

Clarice Lispector

Além do vento há uma outra coisa que sopra.

Clarice Lispector

Como conseguirei saber do que nem ao menos sei?

Clarice Lispector

Nunca nasci, nunca vivi: mas eu me lembro, e a lembrança é em carne viva.

Clarice Lispector

Não podia me dar ao luxo de pedir, lembrei-me de todas as vezes em que, por ter tido a doçura de pedir, não me deram.

Clarice Lispector

Ah, mas se por um instante eu entender que a fúria é contra os meus erros e não contra os dos outros, então esta cólera se transformará nas minhas mãos em flores, em flores, em coisas leves, em amor.

Clarice Lispector

Nada existe que escape à transfiguração.

Clarice Lispector

Sem uma palavra de amor. Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu. Nós somos fortes e nós comemos. Pão é amor entre estranhos.

Clarice Lispector

Não cumpro nada: apenas vivo.

Clarice Lispector

A realidade não tem sinônimos.

Clarice Lispector

Não, nunca fui moderna. E acontece o seguinte: quando estranho uma pintura é aí que é pintura. E quando estranho a palavra é aí que ela alcança o sentido. E quando estranho a vida aí é que começa a vida.

Clarice Lispector

Cada coisa é uma palavra. E quando não se a tem, inventa-se-a.

Clarice Lispector

Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.

Clarice Lispector

Só escrevo o que quero, não sou um profissional.

Clarice Lispector

Eu poderia resolver pelo caminho mais fácil, matar a menina-infante, mas quero o pior: a vida.

Clarice Lispector

Não, quem tem razão é este meu coração indireto, mesmo que os fatos me desmintam diretamente.

Clarice Lispector

O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer.

Clarice Lispector

Andando pela sua teia invisível, parecia transladar-se maciamente no ar. Ela queria a esperança.

Clarice Lispector

A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver.

Clarice Lispector

A primavera me dá coisas. Dá do que viver. E sinto que um dia na primavera é que vou morrer. De amor pungente e coração enfraquecido.

Clarice Lispector

Nem sempre esmiuçar demais dá certo.

Clarice Lispector

Escrever é um dos modos de fracassar.

Clarice Lispector

Se eu ficar sozinha demais procurarei o nosso Consulado. Para rever brasileiros e poder de novo usar a nossa difícil língua. Difícil mas fascinante. Sobretudo para se escrever. Asseguro-vos que não é fácil escrever em português: é uma língua pouco trabalhada pelo pensamento e o resultado é pouca maleabilidade para exprimir os delicados estados do ser humano.

Clarice Lispector

Na maioria das vezes, quando se descrevem as características físicas, morais e mentais de um brasileiro, não se nota que na verdade se estão descrevendo os sintomas físicos, morais e mentais da fome.

Clarice Lispector

E que eu não esqueça, nessa minha fina luta travada, que o mais difícil de se entender é a alegria. Que eu não esqueça que a subida mais escarpada, e mais à mercê dos ventos, é sorrir de alegria. E que por isso e aquilo é que menos tem cabido em mim: a delicadeza infinita da alegria. Pois quando me demoro demais nela e procuro me apoderar de sua levíssima vastidão, lágrimas de cansaço me vêm aos olhos: sou fraca diante da beleza do que existe e do que vai existir. E não consigo, nesse adestramento contínuo, me apoderar do primeiro regozijo da vida.

Clarice Lispector

Sim. Uma mulher maravilhosa e solitária. Lutando sobretudo contra o próprio preconceito que a aconselhava a ser menos do que era, que a mandava dobrar-se.

Clarice Lispector

O medo era vertical demais no tempo para deixar vestígios na superfície.

Clarice Lispector

O que não será jamais elucidado é o meu destino.

Clarice Lispector

À medida que os filhos crescem, a mãe deve diminuir de tamanho. Mas a tendência da gente é continuar a ser enorme.

Clarice Lispector

Milhares de pessoas não têm coragem de pelo menos prolongar-se um pouco mais nessa coisa desconhecida que é sentir-se feliz e preferem a mediocridade.

Clarice Lispector

⁠Quando se trata de apaziguar os outros, transformo-me subitamente numa grande fonte de serenidade. E eu mesma bebo dessa fonte.

Clarice Lispector

⁠Eu não sou senão um estado potencial, sentindo que há em mim água fresca, mas sem descobrir onde é a sua fonte.

Clarice Lispector

⁠Tudo passa – é essa a minha convicção mais moderna.

Clarice Lispector

⁠Me incomoda um trabalho parado; é como se me impedisse de ir adiante.

Clarice Lispector

⁠Eu queria fazer uma história cheia de todos os instantes, mas isso sufocava o próprio personagem. Acho mesmo que meu mal é querer ter todos os instantes.

Clarice Lispector

⁠Estou tão burrinha hoje, quanto mais eu escrever mais bobagens digo.

Clarice Lispector

⁠Resolvi não falar hoje em saudade, nem dar a entender “saudade” por carinhos… Senão me derramaria demais e perderia o equilíbrio que é tão necessário pelo menos para se dormir de noite.

Clarice Lispector

⁠Tudo o que eu tenho é a nostalgia que vem de uma vida errada, de um temperamento excessivamente sensível, de talvez uma vocação errada ou forçada etc.

Clarice Lispector

⁠Meus problemas são os de uma pessoa de alma doente e não podem ser compreendidos por pessoas, graças a Deus, sãs.

Clarice Lispector

⁠Às três horas da tarde sou a mulher mais exigente do mundo. Fico às vezes reduzida ao essencial, quer dizer, só meu coração bate.

Clarice Lispector

⁠Não se pode fazer arte só porque se tem um temperamento infeliz e doidinho.

Clarice Lispector

⁠Pensei que só não deixava de escrever porque trabalhar é a minha verdadeira moralidade.

Clarice Lispector

⁠O problema para quem escreve é antes de tudo um problema literário – mas pergunto-lhe agora: é ainda um problema literário a falta de pés no chão ou é anterior a ele?

Clarice Lispector

⁠Depois que uma pessoa perder o respeito de si mesma e o respeito de suas próprias necessidades – depois disso fica-se um pouco um trapo.

Clarice Lispector

⁠Há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo.

Clarice Lispector

⁠Fora as vezes que vi por televisão, só assisti a um jogo de futebol na vida, quero dizer, de corpo presente. Sinto que isso é tão errado como se eu fosse uma brasileira errada.

Clarice Lispector

⁠O futebol tem uma beleza própria de movimentos que não precisa de comparações.

Clarice Lispector

⁠Eu não queria só ter um passado: queria sempre estar tendo um presente, e alguma partezinha de futuro.

Clarice Lispector

⁠Se seu time é Botafogo, não posso perdoar que você trocasse, mesmo por brincadeira, uma vitória dele nem por um meu romance inteiro sobre futebol.

Clarice Lispector

⁠Sou Botafogo, o que já começa por ser um pequeno drama que não torno maior porque sempre procuro reter, como as rédeas de um cavalo, minha tendência ao excessivo.

Clarice Lispector

⁠Uma pergunta que me fez: o que mais me importava – se a maternidade ou a literatura. O modo imediato de saber a resposta foi eu me perguntar: se tivesse que escolher uma delas, que escolheria? A resposta era simples: eu desistiria da literatura. Nem tem dúvida que como mãe sou mais importante do que como escritora.

Clarice Lispector

⁠Não é o grau que separa a inteligência do gênio, mas a qualidade.

Clarice Lispector

⁠Sei que sou inteligente e que às vezes escondo isso para não ofender os outros com minha inteligência.

Clarice Lispector

⁠O mar é impossível de se acreditar. Só o imaginando é que se chega a ver sua realidade.

Clarice Lispector

⁠Eu não me aprovo porque mal consigo viver comigo mesmo. Faço quase o impossível para ter isenção. Isenção de mim. Estou quase atingindo esse estado de beatitude.

Clarice Lispector

⁠Eu quero simplesmente isto: o impossível. Ver Deus. Ouço o barulho do vento nas folhas e respondo: sim!

Clarice Lispector

⁠Nunca se esquecer, quando se tem uma dor, que a dor passará: nunca se esquecer que, quando se morre, a morte passará. Não se morre eternamente. É só uma vez, e dura um instante.

Clarice Lispector

⁠Entrego-me ao doce convívio da eternidade. Mas esta eu não sei se mereço.

Clarice Lispector

⁠Nunca me senti realizada como escritora, e tenho a impressão de que será assim até eu morrer.

Clarice Lispector

⁠Estou desiludida. É que escrever não me trouxe o que eu queria, isto é, paz.

Clarice Lispector

⁠Se sou um escritor há muito tempo, só posso dizer quanto mais se escreve mais difícil é escrever.

Clarice Lispector

⁠Sou imatura bastante para não suportar bem um prazer frustrado.

Clarice Lispector

⁠Grossura é pureza? Uma coisa sei: amor, por mais violento, é.

Clarice Lispector

⁠Tantos querem a projeção. Sem saber como esta limita a vida.

Clarice Lispector

⁠Eu sou sim. Eu sou não. Aguardo com paciência a harmonia dos contrários. Serei um eu, o que significa também vós.

Clarice Lispector

⁠A mulherice só lhe nasceria tarde porque até no capim vagabundo há desejo de sol.

Clarice Lispector

⁠Detesto que esperem por mim. Não é por delicadeza ou por medo de desapontar. É que alguém esperando por mim é um medo de não se estar só.

Clarice Lispector

⁠Fiquei de novo diante de mim, boba. Não sei o que fazer. Que sou? Realmente, não posso nem de longe escrever como escrevo. Ou deixo definitivamente de escrever ou escrevo de outro modo. Não posso ficar em arabescos. Se eu não tenho mais nada a dizer, que eu morra.

Clarice Lispector

⁠Não quero ser platônica em relação a mim mesma. Sou profundamente derrotada pelo mundo em que vivo.

Clarice Lispector

⁠Eu não quero ser eu só porque tenho um eu próprio. Eu quero é a ligação extrema entre a terra do Brasil e eu.

Clarice Lispector

⁠A mágoa
Os telhados sujos a sobrevoar
Arrastas no vôo a asa partida
Acima da igreja as ondas do sino
Te rejeitam ofegante na areia
O abraço não podes mais suportar
Amor estreita asa doente
Sais gritando pelos ares em horror
Sangue escoa pelos chaminés.
Foge foge para o espanto da solidão
Pousa na rocha
Estende o ser ferido que em teu corpo se aninhou,
Tua asa mais inocente foi atingida
Mas a Cidade te fascina.
Insiste lúgubre em brancura
Carregando o que se tornou mais precioso.
Voas sobre os tetos em ronda de urubu
Asa pesa pálida na noite descida
Em pálido pavor
Sobrevoas persistente a Cidade Fortificada escurecida
Capela ponte cemitério loja fechada
Parque morto floresta adormecida,
Folha de jornal voa em rua esquecida.
Que silêncio na torre quadrada.
Espreitas a fortaleza inalcançada.
Não desças
Não finjas que não dói mais
Inútil negar asa partida.
Arcanjo abatido, não tens onde pousar.
Foge, assombro, inda é tempo,
Desdobra em esforço a sua medida
Mergulha tua asa no ar.

Clarice Lispector

⁠Descobri o meu país
Subi a montanha
e no seu topo os anjos me cercaram
e me engrinaldaram a fronte
com as flores do céu.
Asas zumbiam
em harmonias fragílimas
e vozes de arcanjos louvavam a paz.
Derramaram sobre meu corpo
sete bálsamos purificadores
e fizeram-me beber
ambrosia e mel.
Banharam-me no rio da música
e eu saí ingênua
como o canto de uma criança.
E depois surgiram novos anjos
e não havia noite
e não havia dia.
E a ambrosia e o néctar
deslizavam com fartura celestial.
E novas canções se entoaram
sempre em louvor a Deus.
E não havia noite
e não havia dia.
E aos poucos cresceu dentro de mim
o desespero
e eu busquei em vão os olhos celestiais.
Eles nada diziam
e cantavam a paz.
E aos poucos uma nostalgia
me enlanguesceu
e eu era o arco distendido
sem a flecha
e eu buscava o ar
sem respirar.
Um anjo me interrogou: mais néctar?
Eu gritei: quero cheiro da terra!
E o anjo me perdoou
E eu cansei de ser perdoada,
eu queria sofrer.
E não havia noite e não havia…
Quebrei minhas asas,
desci a montanha
e vivi na Terra!
Homens amavam
e cansavam do amor.
Homens bebiam sangue
e descobriam
que não desejavam brigar
Entoavam-se cânticos místicos
onde só havia a insatisfação.
E depois homens morriam
e todos sabiam que era o fim.
Nem a terra,
nem o céu!
Fechei-me num quarto,
inventei outro Deus,
outro céu, outra terra
e outros homens.

Clarice Lispector

⁠Além do mais, o homem que sou, tenta em vão inquieto acompanhar os meandros bizantinos de uma mulher, com desvãos e cantos e ângulos e carne fresca – e de repente espontânea como uma flor.

Clarice Lispector

⁠Eu sou uma mulher objeto e minha aura é vermelha vibrante e competente.

Clarice Lispector

⁠Mulher nasce mulher desde o primeiro vagido.

Clarice Lispector

⁠E ali estava a mulher, de pé, o mais ininteligível dos seres vivos.

Clarice Lispector

⁠A mulher não está sabendo: mas está cumprindo uma coragem.

Clarice Lispector

⁠É raro encontrar uma mulher que não rompeu com a linhagem de mulheres através do tempo.

Clarice Lispector

⁠Não queria nada senão aquilo mesmo que lhe acontecia: ser uma mulher no escuro ao lado de um homem que dormia.

Clarice Lispector

⁠Ela era antes uma mulher que procurava um modo, uma forma. E agora tinha o que na verdade era tão mais perfeito: era a grande liberdade de não ter modos nem formas.

Clarice Lispector

⁠Sem estar agora sendo irônica, sou uma mulher de espírito.

Clarice Lispector

⁠Uma mulher, na hora do amor por um homem, essa mulher está vivendo a sua própria espécie.

Clarice Lispector

⁠Talvez a divindade das mulheres não fosse específica, estivesse apenas no fato de existirem. Sim, sim, aí estava a verdade: elas existiam mais do que os outros, eram o símbolo da coisa na própria coisa.

Clarice Lispector

⁠A mulher era o mistério em si mesmo.

Clarice Lispector

⁠As jovens mulheres saberão, então, que delas se espera o cumprimento do grave dever de ser feliz.

Clarice Lispector

⁠Ora essa, sou uma mulher simples e um pouquinho sofisticada. Misto de camponesa e de estrela no céu.

Clarice Lispector

⁠Rainha egípcia? Não, sou eu, eu toda ornada como as mulheres bíblicas.

Clarice Lispector

⁠Bonita? Nem um pouco, mas mulher.

Clarice Lispector

⁠Mulher jamais corta os cabelos, porque nos cabelos longos é que está a sua feminilidade.

Clarice Lispector

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.

Clarice Lispector

Brasília… Uma prisão ao ar livre.

Clarice Lispector

Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.

Clarice Lispector

Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho.

Clarice Lispector

Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.

Clarice Lispector

Sendo este um jornal por excelência, e por excelência dos precisa-se e oferece-se, vou pôr um anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la. Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria. É urgente pois a alegria dessa pessoa é fugaz como estrelas cadentes, que até parece que só se as viu depois que tombaram; precisa-se urgente antes da noite cair porque a noite é muito perigosa e nenhuma ajuda é possível e fica tarde demais. Essa pessoa que atenda ao anúncio só tem folga depois que passa o horror do domingo que fere. Não faz mal que venha uma pessoa triste porque a alegria que se dá é tão grande que se tem que a repartir antes que se transforme em drama. Implora-se também que venha, implora-se com a humildade da alegria-sem-motivo. Em troca oferece-se também uma casa com todas as luzes acesas como numa festa de bailarinos. Dá-se o direito de dispor da copa e da cozinha, e da sala de estar. P.S. Não se precisa de prática. E se pede desculpa por estar num anúncio a dilacerar os outros. Mas juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar.

Clarice Lispector

Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever.

Clarice Lispector

Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas.

Clarice Lispector

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.

Clarice Lispector

E umas das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi criadora de minha própria vida.

Clarice Lispector

Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.

Clarice Lispector

Ah, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo não pode durar. Não, ela não está se referindo ao fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar. Encarniça-se então sobre o momento, come-lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja. Então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela doce arde, arde, flameja.

Clarice Lispector

Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome.

Clarice Lispector

Terei toda a aparência de quem falhou, e só eu saberei se foi a falha necessária.

Clarice Lispector

E o que o ser humano mais aspira é tornar-se ser humano.

Clarice Lispector

… estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda.

Clarice Lispector

Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi o apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.

Clarice Lispector

Passei a vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar.

Clarice Lispector

Eu não: quero é uma realidade inventada.

Clarice Lispector

(…) passava o resto do dia representando com obediência o papel de ser.

Clarice Lispector

Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato…
Ou toca, ou não toca.

Clarice Lispector

É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo.

Clarice Lispector

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

Clarice Lispector

O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.

Clarice Lispector

Porque há o direito ao grito.
Então eu grito.

Clarice Lispector

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