Flores Azuis
Digo tudo isso porque sempre me assusta esse vão, essa impossibilidade. Principalmente entre nós. Havia entre nós, sempre houve, um desencadeamento de conclusões falsas, de mal-entendidos. Eu dizia sempre, mas para você ou era ontem, ou era noite ou era tarde. Então, ao dizer sempre, na verdade eu dizia: a mais profunda noite, o ápice da madrugada, sem saber, sem nunca saber o que eu dizia. Porque a verdade é que a gente nunca sabe, como era possível dizer tudo aquilo sem nunca saber? E era uma sensação constante, isso de poder criar a qualquer momento, algo inimaginável. Como alguém que tem dupla personalidade, ou alguém que, à medida que vai se pronunciando, imediatamente vai esquecendo as palavras e vive sempre na iminência de uma tela em branco. E eu andava apreensiva achando que, a qualquer momento, alguma coisa aconteceria. Alguma coisa sempre acontecia”.
“Havia também outras nuances, outros momentos, às vezes, havia uma suavidade, e eu ficava pensando, de onde viria aquele teu jeito dócil, indefeso, de onde viria, assim de repente. Havia algo em você que de tão suave me emocionava, como se você também estivesse sofrendo, o tempo todo.”
Sempre teve uma grande facilidade em ir embora, como se o passado, tão tênue, rapidamente se dissipasse. Não que algumas vezes isso não tenha lhe causado certa tristeza, mas, mesmo assim, era algo que a impulsionava, e uma alegria que vinha logo depois. Ir embora era como uma segunda chance.
Para minha mãe a felicidade era esforço, repetição, e se nos esforçássemos em ser felizes, de tanto fingir, em algum momento nos pegaríamos sendo realmente felizes, assim, desavisados, por puro hábito.
A verdade era que eu não tinha o menor interesse naquele mundo, eu apenas me deixava levar pela inércia, era tão fácil se deixar acariciar pelos meandros de um caminho já traçado…
Eu peguei minhas coisas e fui embora, simples assim. Porque há esses momentos, depois das violências mais terríveis, quando olhamos em volta e percebemos, cheios de horror, que o mundo continua existindo.
Não. Eu não quero voltar a ser a pessoa que eu era, porque a pessoa que eu era não sou eu, e o que restou de mim eu desconheço, você entende?
Ontem fiquei pensando nisso, no amor, nessa insistência no amor, como se o amor pudesse nos salvar de tudo, como se o amor pudesse nos salvar do ódio, da loucura e até do desejo. Quem será que inventou isso? Se nem mesmo do amor o amor nos salvaria!
No momento que acontecem, as coisas nunca assumem a importância que deveriam ter. Só muito depois, quando o tempo passou e a vida passou e tudo passou. No momento, ao contrário, é tudo tão rápido, tão simples, sem grandes escândalos, que é como acontecem as coisas mais espantosas.