Apaga as estrelas, vem dormir comigo no esplendor da noite do mundo que nos foge.
A vida, como sabes, tem o tempo da areia
que se escapa por entre os dedos.
Areia rápida e branca.
Esvoaçante.
Conheço o silêncio colorido das alucinações da madrugada e um dia quis descansar, procurei o que era real à minha volta e arrependi-me. Era tudo muito aborrecido e sombrio.
…nem mais um minuto de jaula. Nem para o tigre, nem para ela.
pernoitas em mim e se por acaso te toco a memória…amas
ou finges morrer,
pressinto o aroma luminoso dos fogos escuto o rumor da terra molhada, a fala queimada das estrelas,
é noite ainda o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves,
já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes
Há séculos que te esperava para fugirmos.
Um Nome
-Vou guardar as tuas mãos na paixão que tenho por ti,
mas não te posso revelar o meu nome, nem precisas de o saber.
Chama-me o que quiseres, dá-me um nome para que possamos amarmo-nos.
Aquele que tinha perdi-o no caminho até aqui.
Pertencia a outra paixão, e já a esqueci.
Dá-me tu um nome para eu poder ficar contigo…
Que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte
vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer
não esqueças o navio carregado de lumes de desejos em poeira (…)
– os sessenta comprimidos letais ao pequeno-almoço
mas se a noite vier
cheia de luzes ilegíveis de véus
de relógios parados – ergue as asas
fere o ar que te sufoca e não te mexas
para que eu fique a ver-te estilhaçar
… e a tua mão segurando a faca
cujo gume possui a fatalidade do sangue contaminado
dos amantes ocasionais- nada a fazer
irás sozinho vida dentro
… na brutalidade com que a voz se atira contra
as paredes
abrindo fendas
em toda a extensão das veias e dos tendões (…) fechamos os olhos sabendo que este é o maior engano da eternidade
escreves exactamente isto : o horror dos dias
secou contra os dentes- e rouco
dobrado para dentro do teu próprio pensamento ferido.
Olhas-te no espelho
atribuís-te um nome um corpo um gesto
dormes
ensanguentou-se a fonte dos sonhos
por isso fecha os olhos e vê
como o desejo acabou- vê a prata suja
envolvendo os amantes
no meio de sedas cintilantes espelhos e fogos
onde o sussurro das horas se perde
falta-me o tempo para procurar o tempo perdido
e morres
carregado de tristezas e de mistérios- morres
algures
à procura de um rosto que imite a felicidade da voz perdida – ou um corpo qualquer para fingir o sono junto ao teu
cada um de nós
sepultou na alma uma quantidade desumana
de dor e de mortos
tudo se decompõe
apodrece
preparo-me para entreabrir os olhos e
deixar escorrer a convulsão oleosa das lágrimas e das coisas tristes
para veres o horror tranquilo das imagens
no fundo dos meus olhos
antes e depois da alegria
antes e depois do pânico
mas
sempre durante o sofrimento
não cantes
e atravessei cidades e ruas sem nome, estradas, pontes que ligam uma treva a outra treva.
e vi a vida como um barco à deriva – vi esse barco tentar regressar ao porto – mas os portos são olhos enormes que vigiam os oceanos – servem para levar-nos o corpo até um deles e morrer.
o verdadeiro fugitivo não regressa, não sabe regressar.
reduz os continentes a distâncias mentais.
pressinto uma sombra a envolver-me. ouço músicas…
espirais de som subindo aos subúrbios´da alma.
não semearei o meu desgosto, por onde passar.
nem as minhas traições
fugir tornou-se uma obsessão, ou então é a melhor maneira de encenar o desespero
um espelho onde não me reconheço.
mas o pior é que nunca acreditei no que me disseram, e parti o espelho
há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu… como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado
por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos… sem ninguém
e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta… dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci… acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão
(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)
um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade
dizem que a paixão o conheceu
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros
senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligeira náusea da velhice
conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo
dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nenhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos
Recado
ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte
vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer – vai por esse campo
de crateras extintas – vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite
deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo – deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração – ouve-me
que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna – o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite
não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira – não esqueças o ouro
o marfim – os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço
As mãos pressentem a leveza rubra do lume
repetem gestos semelhantes a corolas de flores
voos de pássaro ferido no marulho da alba
ou ficam assim azuis
queimadas pela secular idade desta luz
encalhada como um barco nos confins do olhar
ergues de novo as cansadas e sábias mãos
tocas o vazio de muitos dias sem desejo e
o amargor húmido das noites e tanta ignorância
tanto ouro sonhado sobre a pele tanta treva
quase nada
Acordar tarde
tocas as flores murchas que alguém te ofereceu
quando o rio parou de correr e a noite
foi tão luminosa quanto a mota que falhou
a curva – e o serviço postal não funcionou
no dia seguinte
procuras ávido aquilo que o mar não devorou
e passas a língua na cola dos selos lambidos
por assassinos – e a tua mão segurando a faca
cujo gume possui a fatalidade do sangue contaminado
dos amantes ocasionais – nada a fazer
irás sozinho vida dentro
os braços estendidos como se entrasses na água
o corpo num arco de pedra tenso simulando
a casa
onde me abrigo do mortal brilho do meio-dia
Ofício de amar
Já não necessito de ti
Tenho a companhia nocturna dos animais e a peste
Tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio
De outras galáxias, e o remorso…..
…..um dia pressenti a música estelar das pedras
abandonei-me ao silencio…..
é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração
não, não preciso mais de mim
possuo a doença dos espaços incomensuráveis
e os secretos poços dos nómadas
ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponível, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade do meu próprio corpo.
Apaga as estrelas, vem dormir comigo no esplendor da noite do mundo que nos foge.
A vida, como sabes, tem o tempo da areia
que se escapa por entre os dedos.
Areia rápida e branca.
Esvoaçante.
Conheço o silêncio colorido das alucinações da madrugada e um dia quis descansar, procurei o que era real à minha volta e arrependi-me. Era tudo muito aborrecido e sombrio.
…nem mais um minuto de jaula. Nem para o tigre, nem para ela.
pernoitas em mim e se por acaso te toco a memória…amas
ou finges morrer,
pressinto o aroma luminoso dos fogos escuto o rumor da terra molhada, a fala queimada das estrelas,
é noite ainda o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves,
já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes
Há séculos que te esperava para fugirmos.
Um Nome
-Vou guardar as tuas mãos na paixão que tenho por ti,
mas não te posso revelar o meu nome, nem precisas de o saber.
Chama-me o que quiseres, dá-me um nome para que possamos amarmo-nos.
Aquele que tinha perdi-o no caminho até aqui.
Pertencia a outra paixão, e já a esqueci.
Dá-me tu um nome para eu poder ficar contigo…
Que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte
vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer
não esqueças o navio carregado de lumes de desejos em poeira (…)
– os sessenta comprimidos letais ao pequeno-almoço
mas se a noite vier
cheia de luzes ilegíveis de véus
de relógios parados – ergue as asas
fere o ar que te sufoca e não te mexas
para que eu fique a ver-te estilhaçar
… e a tua mão segurando a faca
cujo gume possui a fatalidade do sangue contaminado
dos amantes ocasionais- nada a fazer
irás sozinho vida dentro
… na brutalidade com que a voz se atira contra
as paredes
abrindo fendas
em toda a extensão das veias e dos tendões (…) fechamos os olhos sabendo que este é o maior engano da eternidade
escreves exactamente isto : o horror dos dias
secou contra os dentes- e rouco
dobrado para dentro do teu próprio pensamento ferido.
Olhas-te no espelho
atribuís-te um nome um corpo um gesto
dormes
ensanguentou-se a fonte dos sonhos
por isso fecha os olhos e vê
como o desejo acabou- vê a prata suja
envolvendo os amantes
no meio de sedas cintilantes espelhos e fogos
onde o sussurro das horas se perde
falta-me o tempo para procurar o tempo perdido
e morres
carregado de tristezas e de mistérios- morres
algures
à procura de um rosto que imite a felicidade da voz perdida – ou um corpo qualquer para fingir o sono junto ao teu
cada um de nós
sepultou na alma uma quantidade desumana
de dor e de mortos
tudo se decompõe
apodrece
preparo-me para entreabrir os olhos e
deixar escorrer a convulsão oleosa das lágrimas e das coisas tristes
para veres o horror tranquilo das imagens
no fundo dos meus olhos
antes e depois da alegria
antes e depois do pânico
mas
sempre durante o sofrimento
não cantes
e atravessei cidades e ruas sem nome, estradas, pontes que ligam uma treva a outra treva.
e vi a vida como um barco à deriva – vi esse barco tentar regressar ao porto – mas os portos são olhos enormes que vigiam os oceanos – servem para levar-nos o corpo até um deles e morrer.
o verdadeiro fugitivo não regressa, não sabe regressar.
reduz os continentes a distâncias mentais.
pressinto uma sombra a envolver-me. ouço músicas…
espirais de som subindo aos subúrbios´da alma.
não semearei o meu desgosto, por onde passar.
nem as minhas traições
fugir tornou-se uma obsessão, ou então é a melhor maneira de encenar o desespero