O melhor de uma verdade é o que dela nunca se chega a saber.
Teve uma ideia, tão original e tão esquematizada em máxima sentenciosa, que se tornou um lugar-comum e perdeu a originalidade. Mesmo para quem a criou.
Escrever é ter a companhia do outro de nós que escreve.
O amor afirma, o ódio nega. Mas por cada afirmação há milhentas de negação. Assim o amor é pequeno em face do que se odeia. Vê se consegues que isso seja mentira. E terás chegado à verdade.
Que importa que já o saibas? Só se sabe o que já nos não surpreende.
Chora aos berros como as crianças até te estafares. Verás que depois adormeces.
Crer para ver.
A moda é uma variante oblíqua de se lutar contra a morte. Ora na velhice tal luta é mais problemática. E é por isso que no velho a moda é mais ridícula.
Não penses que a sabedoria é feita do que se acumulou. Porque ela é feita apenas do que resta depois do que se deitou fora.
Não consideres petulante um autor quando diz que os outros lhe não interessam nada. Pensa apenas que não é o que os outros fazem que ele quereria fazer. E não o julgues petulante mas honesto. Ou humilde.
Ama o impossível, porque é o único que não pode te decepcionar.
Se és artista, não fales em ser maior ou menor, para não confundires a tua obra com uma prova de atletismo.
De duas ou mais dores simultâneas, a nossa atenção escolhe uma e quase esquece as outras. Na ruína do nosso tempo, vê se escolhes o mais importante dela. Evitarás assim o ridículo de chorar a perda de um alfinete numa casa que te ardeu. E a História olhar-te-á com simpatia – talvez vá mesmo para a cama contigo.
Toda a explicação pressupõe o conhecimento do inexplicável, ou seja, do que seria mais interessante explicar.
Se fazes questão em reflectir sobre o enigma da vida e do universo, vê se te despachas depressa, que a espécie humana qualquer dia acaba.
Não te coíbas de repetir o que já disseste, porque és pequeno e só assim talvez será possível que te ouçam.
Numa epidemia a morte é desvalorizada. Porque se não desvaloriza no nosso quotidiano, que é como se houvesse também uma epidemia, embora ao retardador?
Lamentares a sorte dos que morreram é uma forma oblíqua e subtil de te julgares imortal.
Não se pode verdadeiramente admirar senão quem está longe. Porque só a distância nos garante que não cheire mal da boca.
O mais grave no nosso tempo não é não termos respostas para o que perguntamos – é não termos já mesmo perguntas.
O que o moralista mais odeia nos pecados dos outros é a suspeita acusação de covardia por não ter coragem de os cometer.
A mulher escolhe sempre o homem que a escolhe a ela, como é da sabedoria das nações. A verdade também.
Mas de vez em quando ergues-te ainda frenético, como esse velho de que se conta que fazia amor uma vez por ano….
Morrerás em breve. É incontestável. E quanta verdade morrerá contigo sem saberes que a sabias. Só por não teres tido a sorte de num simples encontro ou encontrão ta fazerem vir ao de cima.
Guarda o passado, se não tens já futuro. Porque se também o perderes, o presente que te restar é o da pia, que não tem tempo algum.
Não exibas tanto o esplendor dos teus dentes. Eu sei que são postiços. Mas há quem não sabe, dizes. Pois. Mas ainda que eu não soubesse, sabia-lo tu. Fecha a boca.
Não há amor como o primeiro, mesmo que esse primeiro seja o último.
O difícil não é imitar a grandeza com a desmesura. O difícil é que a alma não seja anã.
O que as calças no homem ocultam, nas mulheres revela-o. E é por isso que elas as usam justas.
Jovens e nus frente ao mar, estão presentes em cada célula do seu corpo. Mas a vida que têm é demais para eles e não sabem que fazer dela. Emergem da água rutilantes e riem. Depois deitam-se na areia, gastam o dia e a noite a amar-se, a embebedar-se, a estoirar todo o prazer e forças que têm. E ficam ainda com vida por gastar. É desses sobejos já com bolor que terão de viver depois na velhice.
Quando se apanha um mentiroso, ele pode perguntar-nos – e o que é verdade? E o mais provável é termos de o deixar seguir.
Um casal de velhos tem o mesmo sexo.
Saber tudo de tudo. Ou tudo de algum saber. Decerto é impossível e mesmo indesejável. Mas que tu sintas que é bela a luz ou ouvir um pássaro cantar e terás sido absolutamente original. Porque ninguém pode sentir por ti.
Pois. Tiveste em jovem a tua ideologia. Mas envelheceste. E a velhice tem já as suas falhas de memória. E uma das maiores falhas de memória é persistires no que te torna já um maníaco.
A crença seja no que for é um resíduo de tudo o que falhou.
Uma forma de o medíocre convencido imitar a grandeza é não dizer mal de ninguém.
Se te é indiferente matar uma criança ou uma mosca, podes dizer com verdade que estão mortos todos os valores. Mas nesse caso e em coerência com essa verdade, deve ser-te indiferente continuares livre ou seres preso. Ou enforcado.
Porque é que dizes quem me dera ser feliz e não dizes quem me dera ser medíocre? Porque dirias a mesma coisa. E o que provas ao dizê-lo é só que afinal já o eras.
O vocabulário do amor é restrito e repetitivo, porque a sua melhor expressão é o silêncio. Mas é deste silêncio que nasce todo o vocabulário do mundo.
Todo o escritor que é original é diferente. Mas nem todo o que é diferente é original. A originalidade vem de dentro para fora. A diferença é ao contrário. A diferença vê-se, a originalidade sente-se. Assim, uma é fácil e a outra é difícil.
Falar alto para quê? Poupa as forças, fala baixo. Poderás talvez assim ser ouvido ainda, quando os outros que falam alto se calarem estoirados.
Ser inteligente é ser desgraçado. O imbecil é feliz. Mas o animal também.
Um deles era muito inteligente e aprendeu tudo, entendeu tudo e levou isso tudo consigo quando morreu. O outro era razoavelmente estúpido e inventou um modelo aperfeiçoado de aguça-lápis. E existiu mais.
Os grandes sistemas do pensar, da ciência, as grandes correntes literárias e artísticas, os grandes ideários políticos ou religiosos. Tudo passou. Restos detritos fragmentos. Toma o teu bocado e senta-te no vão de uma porta a comê-lo.
Não te entristeças por não poderes já ver o que verão os que vierem depois de ti. Porque depois de mortos, terão visto exatamente o mesmo que tu.
Amas ou não uma mulher, mas não sabes porquê. Como hás-de poder saber a razão do bem e do mal?
Não afirmes o erro de uma verdade, antes de mudar o seu contexto. A menos que te dê prazer levar pedradas.
O difícil em arte é criar-se emoção sem se mostrar que se está emocionado. Ou estar emocionado para antes e depois de se estar. Ou ter a emoção ao lado para nela ir enchendo a caneta.
Uma boa frase cria a sua verdade. É por isso que os políticos escolhem meticulosamente os seus slogans para criarem a deles.
A verdade «sou eu». Quando o outro disse «o Estado sou eu», disse a mesma coisa. Só que meteu a polícia para não haver dúvidas e outros a dizê-lo também.
Quanto maior se é, mais repetido se é. Platão, Aristóteles, Kant, quantos outros. Ainda se não calaram nos que deles falaram. E é possível que só se calem quando a espécie humana se calar.
A verdadeira pergunta é inocente e é por isso mais própria da criança. A resposta perdeu já a inocência e é assim mais própria do adulto.
O contrário do pessimismo raramente é o otimismo. O contrário do pessimismo, se não é a boa intenção de injetar força nos fracos, o que é bonito e faz bem, é quase sempre a idiota.
Como saber que se falhou, se não sabendo como não falhar? Mas então porque se falha? E se saber que se falha é realmente ignorar como se não falharia? Sabemos de outros que não falharam, porque sabemos então neles o que é não falhar.
Na juventude os chamados ideias orientadores da vida, mesmo os grandes projectos que excedam os de se subsistir, não fazem muita falta. Porque ser jovem é ter já tudo isso como substituto de tudo isso.
Numa situação intensa não sabemos que dizer. Para isso é que há o formalismo do silêncio, traduzido num abraço de emoção ou nos «sentidos pêsames» sem emoção nenhuma.
A verdade és tu. O que mais que se segue já não interessa à conversa. Excepto para demonstrares essa verdade, em movimento de recuo.
Fecha os olhos para não seres cego.
Nasce-se todo inteiro, mas morre-se apenas a parcela do todo que nos foi morrendo ao longo da vida e nos tinha em pé. Por isso a morte mais natural de um velho é cair para o lado.
Para que percorres inutilmente o céu inteiro à procura da tua estrela? Põe-na lá.
A melhor forma de não ouvires o que ouves e te incomoda é não o ouvires.
Vê se uma tua ideia se não torna um lugar-comum para te não dizerem que te serves de um lugar-comum quando por acaso a repetires.
O mais profundo duma palavra é o que há nela de sagrado. Deus tê-la-á dessacralizado quando com ela criou o mundo. Mas nós sacralizamo-la de novo quando o recriamos com ela.
A alegria do que nos alegrou dura pouco. A dor do que nos doeu dura muito mais. Vê se consegues poupar a alegria e esbanjares o que te dói. Vive aquela intensamente e moderadamente. E atira a outra ao caixote. Talvez chegues a otimista profissional e tenhas uma bela carreira de político.
A arte deve servir-se fria. Pode ter álcool por dentro. Mas tem de ser álcool que se tirou do frigorífico.
Pensar. E se o pensar fosse uma doença, mesmo que dela resulte uma pérola?
Deus morreu. Não digas que isso é absurdo e ininteligível, só porque as seitas religiosas enxameiam hoje o mundo. Porque é quando uma doença é incurável que há mais abundância de remédios para a curar. Como a proliferação de religiões no fim do império romano era o sinal de que a religião de Roma estava a acabar..
Só o que é de mais é que é bastante.
O que é trágico na velhice é que a morte é normal. E a sua vantagem também.
Pois, a emoção é decerto uma forma de se subir mais alto. E quando cai, de se cair de mais alto. Aprende a serenidade. Porque mesmo que caias, não te magoas tanto.
A verdade só é perfeita nos instantes de fulgor.
Vir a morte e levar-nos. E não fazermos falta a ninguém. Nem a nós. Que outra vida mais perfeita?.
Vive a vida o mais intensamente que puderes. Escreve essa intensidade o mais calmamente que puderes. E ela será ainda mais intensa no absoluto do imaginário de quem te lê.
No amor nunca os pratos da balança estão equilibrados. E como a essência do amor é etérea, quem pesa mais é quem ama menos.
A verdade absoluta, que coisa aflitiva, afinal. Porque se se não tem, como ordenar a vida que é nossa? Mas se se tem, como não anular a vida dos outros que são contra ela?
Uma vida só tem história do princípio para o fim, se a tiver do fim para o princípio.
Não corras atrás da glória, porque só ela é que pode correr atrás de ti.
O convívio com um artista não é a melhor forma de desvendar o mistério da sua obra. Mas é talvez a melhor forma de o destruir. Ou de supor que..
O grande paradoxo do artista é ter de tornar invisível a visibilidade do artifício com que torna visível esse invisível.
A mulher mais ciumenta é talvez a que mais facilmente atraiçoa o marido e menos tolera que ele a atraiçoe. Porque o ciúme é a afirmação de um direito de propriedade. E esse direito reforça-se com a traição dela e diminui-se com a dele.
Sê alegre apenas depois de dares a volta à vida toda. E regressares então a uma flor, ao sol num muro, a um verme no chão. A profunda alegria não é a do começo mas a do fim.
Quanto mais alto se sobe, mais longe é o horizonte.
Porque é que estranhas tanto que um deputado deixe o partido e vá ser deputado para outro lado? O jogador de futebol também muda de clube.
Quais são as tuas palavras essenciais? As que restam depois de toda a tua agitação e projectos e realizações. As que esperam que tudo em si se cale para elas se ouvirem. As que talvez ignores por nunca as teres pensado. As que podem sobreviver quando o grande silêncio se avizinha.
E eu disse-lhe: o melhor da vida é o seu impossível. E ela disse-me: isso não tem sentido nenhum. E eu dei-lhe razão, mas não sabia porquê. Ou seja, pela melhor razão que podia ter.
Disseste ou escreveste milhões ou muitos milhares de palavras. E deve haver nessa nebulosa uma estrela que seja a tua. Não a saberás nunca.
Há os livros que antes de lidos já estão lidos. Há os que se lêem todos e ficam logo lidos todos. E há os que nos regateiam a leitura e que pedimos humildemente que se deixem ler todos e não deixam e vão largando uma parte de si pelas gerações e jamais se deixam ler de uma vez para sempre.
O amor acrescenta-nos com o que amarmos. O ódio diminui-nos. Se amares o universo, serás do tamanho dele. Mas quanto mais odiares, mais ficas apenas do teu. Porque odeias tanto? Compra uma tabuada. E aprende a fazer contas.
A filosofia não é um meio de descobrir a verdade. Mas é, como a arte, um processo de a «criar».
Não poderás vencer a morte. Mas impõe-lhe a vida como um bandarilheiro e verás que muitas vezes ela marra no vazio.
O amor e o ódio são irmãos. Mas o ódio é um irmão bastardo.
O tempo que passa não passa depressa. O que passa depressa é o tempo que passou.
A verdade primeiro ama-se, depois demonstra-se.
Ama-se a vitória difícil, porque a derrota lhe preenchia quase todo o espaço possível. E foi com o que restava que se venceu em todo ele.
A espécie compromete-se com um casal a que haja amor entre os dois. Mas logo que se apanha servida, vira-lhes as costas e eles que se arranjem.
O maior paradoxo do desejo não está em procurar-se sempre outra coisa: está em se procurar a mesma, depois de se ter encontrado.
A morte nunca se aprende, mas pode-se saber-se de cor. As guerras sabem-no. E as epidemias. E um simples agente funerário.
No grande artista há uma falha a preencher e no pequeno uma falha a compensar. O primeiro nunca o consegue.
A razão é um elástico. Vê se consegues não a esticar muito para não rebentar.
Ri sempre de maneira que alguém fique, sem saberes, a chorar dentro de ti. Porque se o riso permanece, o que encontra dentro de ti é o idiota que lá estava à sua espera.
O amor destrói. A amizade constrói.
Toda a obra de arte é datada. A diferença entre a grande e a pequena é a que sobra dessa data.
Há o que tem limite e o que é sem limite. A arte é a forma perfeita da consciência destes opostos.
O mais odioso da guerra é a paixão que por ela se tem.
A melhor forma de te não dizerem pequeno é dizeres dos outros que são grandes. Sobretudo se for mentira.
Tentar provar o futuro é muito mais interessante do que poder conhecê-lo. Como no jogo, não o ganhar, mas o poder ganhar. Porque nenhuma vitória se ganha se se não puder perder.
A pátria, como tudo, és tu. Se for também a do teu adversário político, é já problemático haver pátria que chegue para os dois.
Toda a verdade e todo o erro, se repetidos mil vezes, tendem a converter-se no seu contrário. Apenas pela razão de nos fatigarem.
Uma história vivida não tem tempo de calendário – tem-no só no que se viveu.
De que te serve a inteligência, se não tens inteligência para a usar com inteligência?
Falhaste a vida, é evidente. Mas não o digas. Porque haverá logo quem venha proclamar em alvoroço que tu mesmo afinal confessas que falhaste para o cretino trombeteiro se julgar menos falhado e os cretinos como ele.
Não te queixes tanto das falhas de memória. Porque se soubesses tudo o que soubeste, não te poderias mexer. E então é que não terias nenhuma.
Nenhum vício se pode combater pelos malefícios que traz, mas sim, por não ser aceitável para a opinião que dele têm os outros. Se queres combater o tabaco, não digas que faz mal. Diz apenas que parece mal.
(…) Da minha língua vê-se o mar.
Não se pode imaginar uma cor, fora das cores do espectro solar. Não se pode ouvir um som, fora da nossa escala auditiva. Não se pode pensar, fora das possibilidades da língua em que se pensa.
Não penses para amanhã. Não lembres o que foi de ontem. A memória teve o seu tempo quando foi tempo de alguma coisa durar. Mas tudo hoje é tão efémero. Mesmo o que se pensa para amanhã é para já ter sido, que é o que desejamos que seja logo que for. É o tempo de Deus que não tem futuro nem passado. Foi o que dele nós escolhemos no sonho do nosso absoluto. Não penses para amanhã na urgência de seres agora. Mesmo logo à tarde é muito tarde. Tudo o que és em ti para seres, vê se o és neste instante. Porque antes e depois tudo é morte e insensatez. Não esperes, sê agora. Lê os jornais. O futuro é o embrulho que fizeres com eles ou o papel urgente da retrete quando não houver outro.
O homem, a guerra, o desastre e o infortúnio
“Que estranho bicho o homem. O que ele mais deseja no convívio inter-humano não é afinal a paz, a concórdia, o sossego coletivo. O que ele deseja realmente é a guerra, o risco ao menos disso, e no fundo o desastre, o infortúnio. Ele não foi feito para a conquista de seja o que for, mas só para o conquistar seja o que for. Poucos homens afirmaram que a guerra é um bem (Hegel, por exemplo), mas é isso que no fundo desejam. A guerra é o perigo, o desafio ao destino, a possibilidade de triunfo, mas sobretudo a inquietação em ação. Da paz se diz que é podre, porque é o estarmos recaídos sobre nós, a inatividade, a derrota que sobrevém não apenas ao que ficou derrotado, mas ainda ou sobretudo ao que venceu. O que ficou derrotado é o mais feliz pela necessidade iniludível de tentar de novo a sorte. Mas o que venceu não tem paz senão por algum tempo no seu coração alvoroçado. A guerra é o estado natural do bicho humano, ele não pode suportar a felicidade a que aspirou. Como o grupo de futebol, qualquer vitória alcançada é o estímulo insuportável para vencer outra vez.
Imaginar o mundo pacificado em aceitação e contentamento consigo é apenas o mito que justifique a continuação da guerra. A paz é insuportável como a pasmaceira. Nas situações mais vulgares, nós vemos a imperiosa necessidade de desafiar, irritar, provocar, agredir, sem razão nenhuma que não seja a de agitar a quietude, destruir a estagnação, fazer surgir o risco, a aventura. É o que leva o jogador a jogar, mesmo que não necessite de ganhar, pelo puro prazer de saborear o poder perder para a hipótese de não perder e ganhar. A excelência de nós próprios só se entende se se afirmar sobre o que o não é.
Numa sociedade de ricaços ninguém era feliz. Seria então necessário que por qualquer coisa houvesse alguns felizes sobre a infelicidade dos outros. O homem é o lobo do homem para que este possa ser o cordeiro daquele. Nenhuma luta se destina a criar a justiça, mas apenas a instaurar a injustiça. O homem é um ser sem remédio. Todo o remédio que ele quiser inventar é só para sobrepor a razão ao irracional que de fato é. Toda a história das guerras é uma parada de comédia para iludir a sua invencível condição de tragédia. A verdade dele é o crime. E tudo o mais é um pretexto para o disfarçar. A fábula do lobo e do cordeiro já disse tudo. A superioridade do homem sobre o lobo é que ele tem mais imaginação para inventar razões. A superioridade do homem sobre o lobo é que ele tem mais hábitos de educação. E a razão é uma forma de sermos educados.”
Vergílio Ferreira, in Conta-Corrente IV
“Quem procura a glória não a merece, quem a merece não a procura.”
Não penses. Que raio de mania essa de estares sempre a querer pensar. Pensar é trocar uma flor por um silogismo, um vivo por um morto. Pensar é não ver. Olha apenas, vê. Está um dia enorme de sol. Talvez que de noite, acabou-se, como diz o filósofo da ave de Minerva. Mas não agora. Há alegria bastante para se não pensar, que é coisa sempre triste. Olha, escuta. Nas passagens de nível, havia um aviso de «pare, escute, olhe» com vistas ao atropelo dos comboios. É o aviso que devia haver nestes dias magníficos de sol. Olha a luz. Escuta a alegria dos pássaros. Não penses, que é sacrilégio.
”A partir de certa qualidade já não podemos dizer que um autor é melhor do que outro. Podemos apenas dizer qual é que preferimos.”
O melhor de uma verdade é o que dela nunca se chega a saber.
Teve uma ideia, tão original e tão esquematizada em máxima sentenciosa, que se tornou um lugar-comum e perdeu a originalidade. Mesmo para quem a criou.
Escrever é ter a companhia do outro de nós que escreve.
O amor afirma, o ódio nega. Mas por cada afirmação há milhentas de negação. Assim o amor é pequeno em face do que se odeia. Vê se consegues que isso seja mentira. E terás chegado à verdade.
Que importa que já o saibas? Só se sabe o que já nos não surpreende.
Chora aos berros como as crianças até te estafares. Verás que depois adormeces.
Crer para ver.
A moda é uma variante oblíqua de se lutar contra a morte. Ora na velhice tal luta é mais problemática. E é por isso que no velho a moda é mais ridícula.
Não penses que a sabedoria é feita do que se acumulou. Porque ela é feita apenas do que resta depois do que se deitou fora.
Não consideres petulante um autor quando diz que os outros lhe não interessam nada. Pensa apenas que não é o que os outros fazem que ele quereria fazer. E não o julgues petulante mas honesto. Ou humilde.
Ama o impossível, porque é o único que não pode te decepcionar.
Se és artista, não fales em ser maior ou menor, para não confundires a tua obra com uma prova de atletismo.
De duas ou mais dores simultâneas, a nossa atenção escolhe uma e quase esquece as outras. Na ruína do nosso tempo, vê se escolhes o mais importante dela. Evitarás assim o ridículo de chorar a perda de um alfinete numa casa que te ardeu. E a História olhar-te-á com simpatia – talvez vá mesmo para a cama contigo.
Toda a explicação pressupõe o conhecimento do inexplicável, ou seja, do que seria mais interessante explicar.
Se fazes questão em reflectir sobre o enigma da vida e do universo, vê se te despachas depressa, que a espécie humana qualquer dia acaba.
Não te coíbas de repetir o que já disseste, porque és pequeno e só assim talvez será possível que te ouçam.
Numa epidemia a morte é desvalorizada. Porque se não desvaloriza no nosso quotidiano, que é como se houvesse também uma epidemia, embora ao retardador?
Lamentares a sorte dos que morreram é uma forma oblíqua e subtil de te julgares imortal.
Não se pode verdadeiramente admirar senão quem está longe. Porque só a distância nos garante que não cheire mal da boca.
O mais grave no nosso tempo não é não termos respostas para o que perguntamos – é não termos já mesmo perguntas.
O que o moralista mais odeia nos pecados dos outros é a suspeita acusação de covardia por não ter coragem de os cometer.
A mulher escolhe sempre o homem que a escolhe a ela, como é da sabedoria das nações. A verdade também.
Mas de vez em quando ergues-te ainda frenético, como esse velho de que se conta que fazia amor uma vez por ano….
Morrerás em breve. É incontestável. E quanta verdade morrerá contigo sem saberes que a sabias. Só por não teres tido a sorte de num simples encontro ou encontrão ta fazerem vir ao de cima.
Guarda o passado, se não tens já futuro. Porque se também o perderes, o presente que te restar é o da pia, que não tem tempo algum.