Não há inocentes; só aqueles que ainda não nasceram ou os que já estão mortos podem aspirar à inocência.
Uma vez que estamos sós no mundo, ou pelo menos não tão sós como gostaríamos de estar, temos o dever de dominar as nossas explosões, de fazer com que as explosões inevitáveis da nossa maldade ou da nossa bondade paradoxais vão aproximativamente no sentido do fim aproximativo. (…) porque o medo lembra-nos infatigavelmente a direcção justa, e se sufocarmos o nosso medo, perderemos a possibilidade de nos orientarmos numa direcção determinada e daremos aqui e ali lugar a uma série de estúpidas explosões privadas, causando os piores estragos para um mínimo de resultados. É por isso que devemos conservar dentro de nós o nosso medo como um porto sempre livre de gelos que nos ajude a passar o Inverno, e também como uma corrente submarina vibrando por baixo da superfície gelada dos rios.
Viver era como correr em círculo num grande labirinto (…) Cheios de uma fé inabalável na honestidade do labirinto e começam a correr com a certeza de alcançarem dentro de pouco tempo o seu alvo. Corremos, corremos, e a vida passa, mas continuaremos a correr na convicção de que o mundo acabará por se mostrar generoso (…) Descobrimos que gastámos todas as nossas forças a realizar um trabalho perfeitamente inútil, mas é muito tarde já para recuarmos. Por isso não é de espantar que os mais lúcidos saiam da pista e suprimam algumas voltas inúteis para atingirem o centro cortando caminho.
Para que serve o desejo de revolta se te recusas a revoltar-te quando estás saciado?
Simbolicamente apenas? Mas não será tudo simbólico? Não o são as nossas realizações, ainda que nos batamos num mundo feito de milhões de relações humanas e com milhões de destinos entre os nossos dedos? As nossas realizações não serão, mesmo nos melhores momentos, tão lamentáveis que o combate que travámos por elas perderia todo o valor se lhes não déssemos uma importância simbólica, uma importância de combate enquanto combate? Que escassos resultados práticos! Seríamos capazes de fazer fosse o que fosse, a menor acção, se tratássemos os símbolos como realidades práticas?
É de um sadismo soberbo pensar que deveríamos ser julgados pelas nossas boas e más acções, uma vez que só de um pequeníssimo número das nossas acções podemos decidir. O acaso cego, que se distingue da justiça cega pelo simples facto de ainda não usar venda (…) pelo que o fundamental é a direcção que mantivermos, pois só ela se encontra sob o nosso controlo, sob o controlo do nosso miserável eu. E a lucidez, sim, a lucidez, os olhos abertos fitando sem medo a nossa terrível situação devem ser a estrela do eu, a nossa única bússola, uma bússola que cria a direcção, porque sem bússola não há direcção. Mas se me disponho agora a acreditar na direcção, passo a duvidar dos testemunhos relativos à maldade humana, uma vez que no interior de uma mesma direcção – em si mesma excelente – podem existir correntes boas e más.
A culpa é sentirmo-nos culpados, e não um resultado dos crimes cometidos; o ser inocente é alegre, feliz, e não deixa, seja em que caso for, que os acontecimentos perturbem a sua calma e a sua paz.
O segredo da felicidade é não termos escrúpulos para connosco e termos o máximo de atenções para com todos os outros; de resto, o próprio tempo disse já adeus a todos os piratas da alma.
Aspirava a uma paz que só a inocência na solidão pode proporcionar, a paz de um solitário inocente, que não abandonou nem traiu ninguém para estar só, um solitário que se conserva à margem do sangue e do sofrimento, sem que lhe possam ser pedidas contas.
Admito isto, estou pronto a reconhecer que há muitas espécies diferentes de culpa: uma culpa mais inocente do que a da maioria, e uma mais carregada, uma que transborda do sentimento da falta e outra que corre apenas gota a gota.
Morrer é tornar-se criança, enfim, nada se sabe, nada da morte e nada da vida, apenas que todas as distâncias são igualmente longas e que todas as palavras são ininteligíveis, mas bonitas.
Eu percebi o que é a pureza: significa sentir alguma coisa, com todo o coração, que encobre todas as dúvidas, toda covardia e todas as considerações.