AutorPaulo Leminski

Paulo Leminski

Haja hoje para tanto ontem

Paulo Leminski

cortinas de seda
o vento entra
sem pedir licença

Paulo Leminski

viver é super difícil
o mais fundo
está sempre na superfície

Paulo Leminski

acordei e me olhei no espelho
ainda a tempo de ver
meu sonho virar pesadelo

Paulo Leminski

tudo dito,
nada feito,
fito e deito

Paulo Leminski

amar é um elo
entre o azul
e o amarelo

Paulo Leminski

jardim da minha amiga
todo mundo feliz
até a formiga

Paulo Leminski

a estrela cadente
me caiu ainda quente
na palma da mão

Paulo Leminski

ameixas
ame-as
ou deixe-as

Paulo Leminski

soprando esse bambu
só tiro
o que lhe deu o vento

Paulo Leminski

outubro
no teto passos pássaros
gotas de chuva

Paulo Leminski

lá embaixo
vai ter
o que eu acho

Paulo Leminski

o mar o azul o sábado
liguei pro céu
mas dava sempre ocupado

Paulo Leminski

Quem dera eu achasse um jeito
de fazer tudo perfeito,
feito a coisa fosse o projeto
e tudo já nascesse satisfeito

Paulo Leminski

Isso de ser exatamente o que se é ainda vai nos levar além.

Paulo Leminski

Lápide 1
Epitáfio para o corpo
Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito,
são suas obras completas.

Paulo Leminski

Dor elegante
Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Como se chegando atrasado
Andasse mais adiante
Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha
Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nessa dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

Paulo Leminski

vazio agudo
ando meio
cheio de tudo

Paulo Leminski

Enchantagem
de tanto não fazer nada
acabo de ser culpado de tudo
esperanças, cheguei
tarde demais como uma lágrima
de tanto fazer tudo
parecer perfeito
você pode ficar louco
ou para todos os efeitos
suspeito
de ser verbo sem sujeito
pense um pouco
beba bastante
depois me conte direito
que aconteça o contrário
custe o que custar
deseja
quem quer que seja
tem calendário de tristezas
celebrar
tanto evitar o inevitável
in vino veritas
me parece
verdade
o pau na vida
o vinagre
vinho suave
pense e te pareça
senão eu te invento por toda a eternidade

Paulo Leminski

nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez

Paulo Leminski

quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta minha adolescência
vou largar da vida louca
e terminar minha livre docência
vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito
vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito
então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência

Paulo Leminski

duas folhas na sandália
o outono
também quer andar

Paulo Leminski

Confira
tudo que
respira
conspira

Paulo Leminski

Estupor
esse súbito não ter
esse estúpido querer
que me leva a duvidar
quando eu devia crer
esse sentir-se cair
quando não existe lugar
aonde se possa ir
esse pegar ou largar
essa poesia vulgar
que não me deixa mentir

Paulo Leminski

sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora
calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa

Paulo Leminski

você está tão longe
que às vezes penso
que nem existo
nem fale em amor
que amor é isto

Paulo Leminski

Donna Mi Priega 88
se amor é troca
ou entrega louca
discutem os sábios
entre os pequenos
e os grandes lábios
no primeiro caso
onde começa o acaso
e onde acaba o propósito
se tudo o que fazemos
é menos que amor
mas ainda não é ódio?
a tese segunda
evapora em pergunta
que entrega é tão louca
que toda espera é pouca?
qual dos cindo mil sentidos
está livre de mal-entendidos?

Paulo Leminski

PARADA CARDÍACA
Essa minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure,
vem de dentro.
Vem da zona escura
donde vem o que sinto.
Sinto muito,
sentir é muito lento.

Paulo Leminski

Leite, leitura
letras, literatura,
tudo o que passa,
tudo o que dura
tudo o que duramente passa
tudo o que passageiramente dura
tudo, tudo, tudo
não passa de caricatura
de você, minha amargura
de ver que viver não tem cura.

Paulo Leminski

Razão de ser
Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece.
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

Paulo Leminski

Bem no fundo
no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas

Paulo Leminski

AMOR BASTANTE
quando eu vi você
tive uma ideia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante
basta um instante
e você tem amor bastante

Paulo Leminski

um bom poema leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto

Paulo Leminski

nuvens brancas
passam
em brancas nuvens

Paulo Leminski

Ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga
ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa

Paulo Leminski

Abrindo um antigo caderno
foi que eu descobri:
Antigamente eu era eterno.

Paulo Leminski

SE
se
nem
for
terra
se
trans
for
mar

Paulo Leminski

INCENSO FOSSE MÚSICA
isso de querer ser
exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além

Paulo Leminski

A vocês, eu deixo o sono.
O sonho, não!
Este eu mesmo carrego!

Paulo Leminski

Parem
eu confesso
sou poeta
cada manhã que nasce
me nasce
uma rosa na face
parem
eu confesso
sou poeta
só meu amor é meu deus
eu sou o seu profeta.

Paulo Leminski

O pauloleminski
é um cachorro louco
que deve ser morto
a pau e pedra
a fogo a pique
senão é bem capaz
o filhadaputa
de fazer chover
em nosso piquenique.

Paulo Leminski

meus amigos
quando me dão a mão
sempre deixam outra coisa
presença
olhar
lembrança
calor
meus amigos
quando me dão
deixam na minha
a sua mão.

Paulo Leminski

Vim pelo caminho díficil,
a linha que nunca termina,
a linha bate na pedra,
a palavra quebra uma esquina,
mínima linha vazia,
a linha, uma vida inteira,
palavra, palavra minha.

Paulo Leminski

Quando eu vi você tive uma idéia brilhante. Foi como se eu olhasse de dentro de um diamante e meu olho ganhasse mil faces num só instante.

Paulo Leminski

Já me matei faz muito tempo
Me matei quando o tempo era escasso
E o que havia entre o tempo e o espaço
Era o de sempre
Nunca mesmo o sempre passo
Morrer faz bem á vista e ao baço
Melhora o ritmo do pulso
E clareia a alma
Morrer de vez em quando
É a única coisa que me acalma

Paulo Leminski

A vida não imita a arte. Imita um programa ruim de televisão.

Paulo Leminski

Tenho a impressão
que já disse tudo.
E tudo foi tão de repente.

Paulo Leminski

En la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas

Paulo Leminski

Objeto
de meu mais desesperado desejo
não seja aquilo
por quem ardo e não vejo
seja estrela que me beija
oriente que me reja
azul amor beleza
faça qualquer coisa
mas pelo amor de deus
ou de nós dois
SEJA

Paulo Leminski

não possa tanta distância
deixar entre nós
este sol
que se põe entre uma onda
e outra onda
no oceano dos lençóis

Paulo Leminski

dia
dai-me
a sabedoria de Caetano
nunca ler jornais
a loucura de Glauber
tem sempre uma cabeça cortada a mais
a fúria de Décio
nunca fazer versinhos normais

Paulo Leminski

primeiro frio do ano
fui feliz
se não me engano

Paulo Leminski

Por um lindésimo de segundo
tudo em mim
anda a mil
tudo assim
tudo por um fio
tudo estivesse no cio
tudo pisando macio
tudo psiu
tudo em minha volta
anda às tontas
como se todas as coisas
fossem todas
afinal das contas

Paulo Leminski

Além Alma
(uma grama depois)
Meu coração lá longe
faz sinal que quer voltar
Já no peito trago em bronze
NÃO HÁ VAGA NEM LUGAR
Pra que me serve esse negócio
que não cessa de bater?
Mais parece um relógio
que acabar de enlouquecer
Pra que é que eu quero quem chora,
se estou tão bm assim,
e o vazio que vai lá lá fora
cai macio dentro de mim?

Paulo Leminski

prazer
da pura percepção
os sentidos
sejam a crítica
da razão

Paulo Leminski

ano novo
anos buscando
um ânimo novo

Paulo Leminski

hoje à noite
lua alta
faltei
e ninguém sentiu
a minha falta

Paulo Leminski

me ensina
a sofrer sem ser visto
a gozar em silêncio
o meu próprio passar
nunca duas vezes
no mesmo lugar

Paulo Leminski

Nesta vida,
pode-se aprender três coisas de uma criança:
estar sempre alegre,
nunca ficar inativo
e chorar com força por tudo o que se quer.

Paulo Leminski

não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino.

Paulo Leminski

sorte no jogo
azar no amor
de que me serve
sorte no amor
se o amor é um jogo
e o jogo não é meu forte,
meu amor?

Paulo Leminski

Rio do Mistério
rio do mistério
que seria de mim
se me levassem a sério?

Paulo Leminski

essa idéia
ninguém me tira
matéria é mentira

Paulo Leminski

AMOR BASTANTE
quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante
basta um instante
e você tem amor bastante

Paulo Leminski

Das coisas
que fiz a metro
todos saberão
quantos quilômetros
são
Aqueles em centímetros
sentimentos mínimos
ímpetos infinitos não?

Paulo Leminski

Temporal
Fazia tempo
Que eu não me sentia
Tão sentimental

Paulo Leminski

nada me demove
ainda vou ser
o pai dos irmãos Karamazov.

Paulo Leminski

Aqui nessa pedra, alguém sentou para olhar o mar O mar não parou para ser olhado Foi mar pra tudo que é lado

Paulo Leminski

Tudo é vago e muito vário,
meu destino não tem siso,
o que eu quero não tem preço
ter um preço é necessário,
e nada disso é preciso

Paulo Leminski

a noite – enorme
tudo dorme
menos teu nome

Paulo Leminski

A poesia é A LIBERDADE da minha LINGUAGEM

Paulo Leminski

Quem nasce com coração?
Coração tem que ser feito.
Já tenho uma porção
Me infernizando o peito.
Com isso ninguém nasça.
Coração é coisa rara,
Coisa que a gente acha.
E é melhor encher a cara.

Paulo Leminski

Nada tão comum
que não possa chama-lo
meu
Nada tão meu
que não possa dizê-lo
nosso
Nada tão mole
que não possa dizê-lo
osso
Nada tão duro
que não possa dizer
posso

Paulo Leminski

Não fosse isso
e era menos
Não fosse tanto
e era quase

Paulo Leminski

Tudo o que eu faço
alguém em mim que eu desprezo
sempre acha o máximo.

Paulo Leminski

Basta um instante
E você tem amor bastante.

Paulo Leminski

Sei quando uma pessoa está por dentro ou está por fora. Quem está por fora não segura um olhar que demora…

Paulo Leminski

Vai me ver com outros olhos ou com os olhos dos outros?

Paulo Leminski

Cansei da frase polida / por anjos da cara pálida (…) / agora eu quero a pedrada / chuva de pedras palavras / distribuindo pauladas.

Paulo Leminski

Coração
PRA CIMA
Escrito embaixo
FRÁGIL

Paulo Leminski

Cuidado com o que não muda. Aqui fiquemos. Aqui acontecem coisas.

Paulo Leminski

Eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora quem está por fora
não segura
um olhar que demora de dentro de meu centro
este poema me olha

Paulo Leminski

Inverno
É tudo o que sinto
Viver
É sucinto

Paulo Leminski

Da noite vim para a noite vamos uma rosa de guimarães nos ramos de graciliano.

Paulo Leminski

coisas do vento
a rede balança
sem ninguém dentro

Paulo Leminski

nu como um negro
ouço um músico grego
e me desagrego

Paulo Leminski

AMOR
Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.

Paulo Leminski

Num ouvido, escrito: ENTRADA, noutro ouvido, escrito: SAÍDA.

Paulo Leminski

O destino quis que a gente se achasse, na mesma estrofe e na mesma classe, no mesmo verso e na mesma frase.

Paulo Leminski

Com nada, já dá para começar.

Paulo Leminski

Lugar onde todos têm razão, melhor não ter nenhuma.

Paulo Leminski

Para cada bicho de sete cabeças, tem sete sem nenhuma.

Paulo Leminski

Pergunta tão rica precisava andar por aí mendigando respostas?

Paulo Leminski

Aguento mas não garanto.

Paulo Leminski

ÓPERA FANTASMA
Nada tenho.
Nada me pode ser tirado.
Eu sou o ex-estranho,
o que veio sem ser chamado
e, gato se foi
sem fazer nenhum ruído

Paulo Leminski

Nada se leva. A não ser a vida levada que a gente leva.

Paulo Leminski

Você nunca vai saber o que vem depois de sábado, quem sabe um século muito mais lindo e mais sábio, quem sabe apenas mais um domingo.

Paulo Leminski

Salve-se quem quiser, perca-se quem puder!

Paulo Leminski

pelos caminhos que ando
um dia vai ser
só não sei quando
Pergunte ao pó
Cresce a vida
Cresce o tempo
Cresce tudo
E vira sempre
Esse momento
Cresce o ponto
Bem no meio
Do amor seu centro
Assim como
O que a gente sente
E não diz
Cresce dentro
Razão de Ser
Escrevo.
E pronto.
Escrevo porque preciso,
Preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
Retrato de lado
retrato de frente
de mim me faça
ficar diferente
Segundo consta
O mundo acabando,
Podem ficar tranquilos.
Acaba voltando
Tudo aquilo.
Reconstruam tudo
Segundo a planta dos meus versos.
Vento, eu disse como.
Nuvem, eu disse quando.
Sol, casa, rua,
Reinos, ruínas, anos,
Disse como éramos.
Amor, eu disse como.
E como era mesmo?
Sem Budismo
Poema que é bom
acaba zero a zero.
Acaba com.
Não como eu quero.
Começa sem.
Com, digamos, certo verso,
veneno de letra,
bolero, Ou menos.
Tira daqui, bota dali,
um lugar, não caminho.
Prossegue de si.
Seguro morreu de velho,
e sozinho.

Paulo Leminski

HAI
Eis que nasce completo
e, ao morrer, morre germe,
o desejo, analfabeto,
de saber como reger-me
ah, saber como me ajeito
para que eu seja quem fui,
eis o que nasce perfeito
e, ao crescer, diminui.
KAI
Mínimo templo
para um deus pequeno,
aqui vos guarda,
em vez da dor que peno,
meu extremo anjo de
vanguarda.
De que máscara
se gaba sua lástima,
de que vaga
se vangloria sua história,
saiba quem saiba.
A mim me basta
a sombra que se deixa,
o corpo que se afasta.
Meu coração lá longe
Faz sinal que quer voltar.
Já no peito trago em bronze:

Paulo Leminski

PROFISSÃO DE FEBRE
quando chove,
eu chovo,
faz sol,
eu faço,
de noite,
anoiteço,
tem deus,
eu rezo,
não tem,
esqueço,
chove de novo,
de novo, chovo,
assobio no vento,
daqui me vejo,
lá vou eu,
gesto no movimento

Paulo Leminski

acordei bemol
tudo estava sustenido
sol fazia
só não fazia sentido

Paulo Leminski

Ali
ali

ali
se
se alice
ali se visse
quanto alice viu
e não disse
se ali
ali se dissesse
quanta palavra
veio e não desce
ali
bem ali
dentro da alice
só alice
com alice
ali se parece

Paulo Leminski

um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegasse atrasado
andasse mais adiante

Paulo Leminski

Apagar-me
Apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme.

Paulo Leminski

Poesia não se faz com palavrinhas, mas com palavrões

Paulo Leminski

nascemos em poemas diversos
destino quis que a gente se achasse
na mesma estrofe e na mesma classe
no mesmo verso e na mesma frase
rima à primeira vista nos vimos
trocamos nossos sinônimos
olhares não mais anônimos
nesta altura da leitura
nas mesmas pistas
mistas a minha a tua a nossa linha

Paulo Leminski

Repara bem no que não digo.

Paulo Leminski

Tem horas que é caco de vidro
Meses que é feito um grito
Tem horas que eu nem duvido
Tem dias que eu acredito.

Paulo Leminski

Contranarciso
em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas
o outro
que há em mim
é você
você
e você
assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós

Paulo Leminski

A LUA FOI AO CINEMA
A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.
Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!
Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava para ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.
A lua ficou tão triste
com aquela história de amor,
que até hoje a lua insiste:
– Amanheça, por favor!

Paulo Leminski

O mundo não quer que eu me distraia. Distraído estou salvo.

Paulo Leminski

A mente começa no corpo

Paulo Leminski

Bom dia, poetas velhos.
Me deixem na boca
o gosto dos versos
mais fortes que não farei.
Dia vai vir que os saiba
tão bem que vos cite
como quem tê-los
um tanto feito também,
acredite.

Paulo Leminski

Tem explicação? Sempre gostei de times de massa, pura emoção, explosão, gritos de gol. E as cores? Sou descendente de polonês, mas nunca seria coxa-branca, por exemplo. O verde e branco não toca, não tem a força do vermelho e preto.

Paulo Leminski

A partir desta data,
Aquela mágoa sem remédio
É considerada nula
E sobre ela, silêncio perpétuo.

Paulo Leminski

Amiga.s2
Minha amiga indecisa
lida com coisas semifusas
usando confusas
mesmo as exatas
medusas se transmudam
em musas.

Paulo Leminski

evapora
perfume
lá em cima
o alto lume
respira
perfumes
você
se lança
cume
nume
névoa
vaga-lumes

Paulo Leminski

O amor, esse sufoco,
agora a pouco era muito,
agora, apenas um sopro.
Ah, troço de louco,
corações trocando rosas
e socos

Paulo Leminski

Raros olham para dentro,
já que dentro não tem nada.
Apenas um peso imenso,
a alma,
esse conto de fada.

Paulo Leminski

Pra que é que eu quero quem chora,
se estou tão bem assim,
e o vazio que vai lá lá fora
cai macio dentro de mim?

Paulo Leminski

A lua ficou tão triste
com aquela história de amor
que até hoje a lua insiste:
– Amanheça, por favor!

Paulo Leminski

Nada foi
feito o sonhado
mas foi bem-vindo
feito tudo
fosse lindo

Paulo Leminski

Hoje à noite
até as estrelas
cheiram a flor de laranjeira

Paulo Leminski

lembrem de mim
como de um
que ouvia a chuva
como quem assiste missa
como quem hesita, mestiça,
entre a pressa e a preguiça

Paulo Leminski

Disfarça, tem gente olhando,
Uns, olham pro alto,
cometas, luas, galáxias.
Outros, olham de banda,
lunetas, luares, sintaxes.
De frente ou de lado,
sempre tem gente olhando,
olhando ou sendo olhado.
Outros olham para baixo,
procurando algum vestígio
do tempo que a gente acha,
em busca do espaço perdido.
Raros olham para dentro,
já que dentro não tem nada.
Apenas um peso imenso,
a alma, esse conto de fada.

Paulo Leminski

Sentado não tem sentido

Paulo Leminski

Essa minha secura
Essa falta de sentimento
Não tem ninguém que segure,
Vem de dentro

Paulo Leminski

ainda ontem
convidei um amigo
para ficar em silencio
comigo
ele veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo

Paulo Leminski

ASAS E AZARES
Voar com asa ferida?
Abram alas quando eu falo.
Que mais foi que fiz na vida?
Fiz, pequeno, quando o tempo
estava todo do meu lado
e o que se chama passado,
passatempo, pesadelo,
só me existia nos livros.
Fiz, depois, dono de mim,
quando tive que escolher
entre um abismo, o começo,
e essa história sem fim.
Asa ferida, asa ferida,
meu espaço, meu herói.
A asa arde. Voar, isso não dói.

Paulo Leminski

Do amor conheço os sintomas e os hematomas.

Paulo Leminski

O tempo parecia pouco, e a gente parecia muito.

Paulo Leminski

a chuva vem de cima
correm
como se viesse atrás

Paulo Leminski

Quem nunca viu
que a flor, a faca e a fera
tanto fez como tanto faz,
e a forte flor que a faca faz
na fraca carne,
um pouco menos, um pouco mais,
quem nunca viu
a ternura que vai
no fio da lâmina samurai,
esse, nunca vai ser capaz.

Paulo Leminski

beija
flor
na chuva
gota
alguma
derruba

Paulo Leminski

ERA UMA VEZ
o sol nascente
me fecha os olhos
até eu virar japonês

Paulo Leminski

tudo claro
ainda não era o dia
era apenas o raio

Paulo Leminski

tudo dança
hospedado numa casa
em mudança

Paulo Leminski

esta vida é uma viagem
pena eu estar
só de passagem

Paulo Leminski

Aqui
nesta pedra
alguém sentou
olhando o mar
o mar
não parou
para ser olhado
foi mar
para tudo quanto é lado

Paulo Leminski

Adminimistério
Quando o mistério chegar,
já vai me encontrar dormindo,
metade dando pro sábado,
outra metade, domingo.
Não haja som nem silêncio,
quando o mistério aumentar.
Silêncio é coisa sem senso,
não cesso de observar.
Mistério, algo que, penso,
mais tempo, menos lugar.
Quando o mistério voltar,
meu sono esteja tão solto,
nem haja susto no mundo
que possa me sustentar.
Meia-noite, livro aberto.
Mariposas e mosquitos
pousam no texto incerto.
Seria o branco da folha,
luz que parece objeto?
Quem sabe o cheiro do preto,
que cai ali como um resto?
Ou seria que os insetos
descobriram parentesco
com as letras do alfabeto?

Paulo Leminski

E que dizer de uma frase assim: a poesia existe para satisfazer a necessidade de poesia dos poetas? Escândalo, loucura e anátema! Quando, em minhas palestras, chego nesse ponto, instala-se o tumulto, que deixo desenvolver-se um pouco para valorizar a frase que vem a seguir. – Um momento. Poeta não é só quem faz poesia. É também quem tem sensibilidade para entender e curtir poesia. Mesmo que nunca tenha arriscado um verso. Quem não tem senso de humor, nunca vai entender a piada. E concluo: – Tem que ter tanta poesia no receptor quanto no emissor. Nesse auge, a multidão prorrompe em aplausos e me carrega em triunfo até o bar mais próximo, onde beberemos à saúde de todos os poetas-produtores e todos os poetas receptores do mundo. Saúde a vocês que fazem, saúde a vocês que curtem, pólos magnéticos por onde passa a faísca da poesia.

Paulo Leminski

A tese segunda
Evapora em pergunta
Que entrega é tão louca
Que toda espera é pouca
Qual dos cinco mil sentidos
Está livre de mal-entendidos?

Paulo Leminski

saber é pouco
como é que a água do mar
entra dentro do coco?

Paulo Leminski

você nunca vai saber
quanto custa uma saudade
o peso agudo no peito
de carregar uma cidade
pelo lado de dentro.

Paulo Leminski

O que quer dizer
O que quer dizer diz.
Não fica fazendo
o que, um dia, eu sempre fiz.
Não fica só querendo, querendo,
coisa que eu nunca quis.
O que quer dizer, diz.
Só se dizendo num outro
o que, um dia, se disse,
um dia, vai ser feliz.

Paulo Leminski

Muito romântico
Meu ponto pacífico
Fica no atlântico

Paulo Leminski

você está muito sensata
acho bom
você consultar um psicopata

Paulo Leminski

De ilusão em ilusão
até a desilusão
é um passo sem solução
um abraço
um abismo
um
soluço
adeus a tudo o que é bom
quem parece são não é
e os que não parecem são.

Paulo Leminski

pelos caminhos que ando
um dia vai ser
só não sei quando

Paulo Leminski

Invernáculo
Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quem sabe maldigo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.

Paulo Leminski

Amar você é
coisa de minutos…
Amar você é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou ruim
Serei o que achares conveniente
Serei para ti mais que um cão
Uma sombra que te aquece
Um deus que não esquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres
Esquecerei todas as mulheres
Serei tanto e tudo e todos
Vais ter nojo de eu ser isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feito tocha
Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha
Sim, eu estarei aqui

Paulo Leminski

Morrer de vez em quando
é a única coisa que me acalma.

Paulo Leminski

Quem é vivo
Aparece sempre
No momento errado
Pra dizer presente
Onde não foi chamado

Paulo Leminski

entre a dívida externa e a dúvida interna
meu coração
comercial
alterna

Paulo Leminski

As flores
são mesmo
umas ingratas
a gente as colhe
depois elas morrem
sem mais nem menos
como se entre nós
nunca tivesse havido vênus

Paulo Leminski

Senhorita chuva
me concede a honra
desta contradança
e vamos sair
por esses campos
ao som desta chuva
que cai sobre o teclado

Paulo Leminski

Eu tão isósceles
Você ângulo
Hipóteses
Sobre o meu tesão
Teses sínteses
Antíteses
Vê bem onde pises
Pode ser meu coração

Paulo Leminski

Quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta adolescência
vou largar da vida louca
e terminar minha livre docência

Paulo Leminski

o que a gente
sente e não diz
cresce dentro

Paulo Leminski

Distraídos, venceremos.

Paulo Leminski

Quando nos vênus,
juro a marte.

Paulo Leminski

Ontem(s) e hoje(s), amores e ódio,
adianta consultar o relógio?
Nada poderia ter sido feito,
a não ser o tempo em que foi lógico.
Ninguém nunca chegou atrasado.
Bençãos e desgraças
vem sempre no horário.
Tudo o mais é plágio.
Acaso é este encontro
entre tempo e espaço
mais do que um sonho que eu conto
ou mais um poema que faço?

Paulo Leminski

Lápide 2
Epitáfio para a alma
Aqui jaz um artista
mestre em desastres
viver
com a intensidade da arte
levou-o ao infarte
deus tenha pena
dos seus disfarces

Paulo Leminski

você pára
a fim de ver
o que te espera
só uma nuvem
te separa
das estrelas

Paulo Leminski

podem ficar com a realidade
esse baixo-astral
em que tudo entra pelo cano
eu quero viver de verdade
eu fico com o cinema americano

Paulo Leminski

amei em cheio
meio amei-o
meio não amei-o

Paulo Leminski

datilografando este texto
ler se lê nos dedos
não nos olhos
que olhos são mais dados
a segredos

Paulo Leminski

moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia
vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia

Paulo Leminski

Ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga.
Ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa.
Ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga.
Ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa.

Paulo Leminski

“Quem nasce com coração? Coração tem que ser feito. Já tenho uma porção Me infernando o peito”.
(trecho do livro em PDF: Toda Poesia)

Paulo Leminski

Hesitei horas
antes de matar o bicho.
Afinal, era um bicho como eu,
Com direitos, com deveres
E, sobretudo,
incapaz de matar um bicho,
como eu.

Paulo Leminski

O olho da rua vê
o que não vê o seu.
Você, vendo os outros,
pensa que sou eu?
Ou tudo que teu olho vê
você pensa que é você?

Paulo Leminski

Isso?
Aqui?
Já?
Assim?

Paulo Leminski

Amando,
aumenta
até duas mil vezes
o tamanho.

Paulo Leminski

O tempo
entre o sopro
e o apagar da vela

Paulo Leminski

Escrevia no espaço.
Hoje, grafo no tempo,
na pele, na palma, na pétala,
luz do momento.
Soo na dúvida que separa
o silêncio de quem grita
do escândalo que cala,
no tempo, distância, praça,
que a pausa, asa, leva
para ir do percalço ao espasmo.
Eis a vez, eis o deus, eis a fala,
eis que a luz se acendeu na casa
e não cabe mais na sala.

Paulo Leminski

Dois loucos no bairro
Um passa os dias
chutando postes para ver se acendem
O outro as noites
apagando palavras
contra um papel branco
Todo bairro tem um louco
que o bairro trata bem
só falta mais um pouco
pra eu ser tratado também

Paulo Leminski

ver
é dor
ouvir
é dor
ter
é dor
perder
é dor
só doer
não é dor
delícia
de experimentador

Paulo Leminski

Falta fé nas trajetórias, febo nas camélias,
fogo na canjica, mão de macaco na velha cumbuca!

Paulo Leminski

Para limpar lágrimas, uma
lápide.

Paulo Leminski

De som a sim ensino o silêncio a ser sibilino de sino em sino o silêncio ao o som ensino👏🏽✍🏽👄💋💌📚📖📓

Paulo Leminski

O poliglota analfabeto, de tanto virar o mundo, ver as coisas e falar os papos, parou para pensar ao pé de uma montanha. Assaltaram-no dois pensamentos. Um na língua materna, outro em língua estrangeira. O primeiro fez a pergunta, o outro respondeu. Resultado: sou pai de minhas perguntas e filho de minhas respostas.

Paulo Leminski

Eis que nasce completo
e,ao morrer, morre germe,
O desejo, analfabeto,
de saber como reger-me,
Ah, saber como me ajeito
para que eu seja quem fui,
Eis o que nasce perfeito
e, ao crescer, diminui.!💋💄💋👌🏽👀🙀😱😲😍😍

Paulo Leminski

Depois de hoje
a vida não vai mais ser a mesma
a menos que eu insista em me enganar
aliás
depois de ontem
também foi assim
anteontem
antes
amanhã

Paulo Leminski

Valeu
Dois namorados olhando o céu
Chegam a mesma conclusão
Mesmo que a terra não passe da próxima guerra
Terra, mesmo assim valeu
Valeu encharcar esse planeta de suor
Valeu esquecer das coisas que eu sei de cor
Valeu encarar essa vida que podia ser melhor
Valeu, valeu
Valeu, valeu
Valeu, valeu
Valeu, valeu
Dois namorados olhando o céu
Chegam a mesma conclusão
Mesmo que a terra não passe da próxima guerra
Terra, mesmo assim valeu
Valeu encharcar esse planeta de suor
Valeu esquecer das coisas que eu sei de cor
Valeu encarar essa vida que podia ser melhor
Valeu, valeu…

Paulo Leminski

“Pra que cara feia?/ na vida,/ ninguém paga meia.”

Paulo Leminski

me enterrem com os trotskistas
na cova comum dos idealistas
onde jazem aqueles
que o poder não corrompeu
me enterrem com meu coração
na beira do rio
onde o joelho ferido
tocou a pedra da paixão

Paulo Leminski

mesmo
na idade
de virar
eu mesmo
ainda confundo
felicidade
com este
nervosismo

Paulo Leminski

não sou o silêncio
que quer dizer palavras
ou bater palmas
pras performances do acaso
sou um rio de palavras
peço um minuto de silêncios
pausas valsas calmas penadas
e um pouco de esquecimento
apenas um e eu posso deixar o espaço
e estrelar este teatro
que se chama tempo

Paulo Leminski

suprassumos da quintessência
O papel é curto.
Viver é comprido.
Oculto ou ambíguo,
tudo o que digo
tem ultrassentido.
Se rio de mim,
me levem a sério.
Ironia estéril?
Vai nesse ínterim,
meu inframistério.

Paulo Leminski

⁠Buscando o sentido
O sentido, acho, é a entidade mais misteriosa do universo.
Relação, não coisa, entre a consciência, a vivência e as coisas e os eventos.
O sentido dos gestos. O sentido dos produtos. O sentido do ato de existir.
Me recuso (sic) a viver num mundo sem sentido.
Estes anseios/ensaios são incursões em busca do sentido.
Por isso o próprio da natureza do sentido: ele não existe nas coisas, tem que ser
buscado, numa busca que é sua própria fundação.
Só buscar o sentido faz, realmente, sentido.
Tirando isso, não tem sentido.

Paulo Leminski

se amor é troca
ou entrega louca
discutem os sábios
entre os pequenos
e os grandes lábios

Paulo Leminski

Haja hoje para tanto ontem

Paulo Leminski

cortinas de seda
o vento entra
sem pedir licença

Paulo Leminski

viver é super difícil
o mais fundo
está sempre na superfície

Paulo Leminski

acordei e me olhei no espelho
ainda a tempo de ver
meu sonho virar pesadelo

Paulo Leminski

tudo dito,
nada feito,
fito e deito

Paulo Leminski

amar é um elo
entre o azul
e o amarelo

Paulo Leminski

jardim da minha amiga
todo mundo feliz
até a formiga

Paulo Leminski

a estrela cadente
me caiu ainda quente
na palma da mão

Paulo Leminski

ameixas
ame-as
ou deixe-as

Paulo Leminski

soprando esse bambu
só tiro
o que lhe deu o vento

Paulo Leminski

outubro
no teto passos pássaros
gotas de chuva

Paulo Leminski

lá embaixo
vai ter
o que eu acho

Paulo Leminski

o mar o azul o sábado
liguei pro céu
mas dava sempre ocupado

Paulo Leminski

Quem dera eu achasse um jeito
de fazer tudo perfeito,
feito a coisa fosse o projeto
e tudo já nascesse satisfeito

Paulo Leminski

Isso de ser exatamente o que se é ainda vai nos levar além.

Paulo Leminski

Lápide 1
Epitáfio para o corpo
Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito,
são suas obras completas.

Paulo Leminski

Dor elegante
Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Como se chegando atrasado
Andasse mais adiante
Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha
Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nessa dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

Paulo Leminski

vazio agudo
ando meio
cheio de tudo

Paulo Leminski

Enchantagem
de tanto não fazer nada
acabo de ser culpado de tudo
esperanças, cheguei
tarde demais como uma lágrima
de tanto fazer tudo
parecer perfeito
você pode ficar louco
ou para todos os efeitos
suspeito
de ser verbo sem sujeito
pense um pouco
beba bastante
depois me conte direito
que aconteça o contrário
custe o que custar
deseja
quem quer que seja
tem calendário de tristezas
celebrar
tanto evitar o inevitável
in vino veritas
me parece
verdade
o pau na vida
o vinagre
vinho suave
pense e te pareça
senão eu te invento por toda a eternidade

Paulo Leminski

nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez

Paulo Leminski

quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta minha adolescência
vou largar da vida louca
e terminar minha livre docência
vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito
vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito
então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência

Paulo Leminski

duas folhas na sandália
o outono
também quer andar

Paulo Leminski

Confira
tudo que
respira
conspira

Paulo Leminski

Estupor
esse súbito não ter
esse estúpido querer
que me leva a duvidar
quando eu devia crer
esse sentir-se cair
quando não existe lugar
aonde se possa ir
esse pegar ou largar
essa poesia vulgar
que não me deixa mentir

Paulo Leminski

sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora
calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa

Paulo Leminski

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