AutorManoel de Barros

Manoel de Barros

Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas – é de poesia que estão falando.

Manoel de Barros

Quem anda no trilho é trem de ferro. Sou água que corre entre pedras – liberdade caça jeito.

Manoel de Barros

Cristo foi um dos grandes poetas do mundo – tanto que já passaram 20 séculos por cima de suas palavras e elas são vivas e reviçadas todos os dias.

Manoel de Barros

A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou – eu não aceito.
Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.

Manoel de Barros

Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei.

Manoel de Barros

O maior apetite do homem é desejar ser. Se os olhos vêem com amor o que não é, tem ser.

Manoel de Barros

Sou livre para o silêncio das formas e das cores.

Manoel de Barros

Natureza é uma força que inunda como os desertos.

Manoel de Barros

Sou mais a palavra ao ponto de entulho.
Amo arrastar algumas no caco de vidro,
envergá-las pro chão, corrompê-las, –
até que padeçam de mim e me sujem de branco.

Manoel de Barros

Por viver muitos anos dentro do mato
Moda ave
O menino pegou um olhar de pássaro –
Contraiu visão fontana.
Por forma que ele enxergava as coisas
Por igual
como os pássaros enxergam.

Manoel de Barros

As flores dessas árvores depois nascerão mais perfumadas.

Manoel de Barros

Tentei descobrir na alma alguma coisa mais profunda do que não saber nada sobre as coisas profundas.
Consegui não descobrir.

Manoel de Barros

No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal: Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra dentro.

Manoel de Barros

Um fim de mar colore os horizontes.

Manoel de Barros

Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.

Manoel de Barros

Eu via a natureza como quem a veste.
Eu me fechava com espumas.

Manoel de Barros

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.

Manoel de Barros

Afundo um pouco o rio com meus sapatos.
Desperto um som de raízes com isso
A altura do som é quase azul.

Manoel de Barros

Eu precisava de ficar pregado nas coisas vegetalmente e achar o que não procurava.

Manoel de Barros

Poesia é voar fora da asa.

Manoel de Barros

Quando o mundo abandonar o meu olho.
Quando o meu olho furado de beleza for esquecido pelo mundo.
Que hei de fazer.

Manoel de Barros

Sou hoje um caçador de achadouros da infância.
Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.

Manoel de Barros

O mundo não foi feito em alfabeto. Senão que primeiro em água e luz. Depois árvore.

Manoel de Barros

A voz de uma passarinho me recita.

Manoel de Barros

Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa
Com janelas de aurora e árvores no quintal –
Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores
E ao crepúsculo fiquem cinzentas como a roupa dos pescadores.

Manoel de Barros

Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa
Com janelas de aurora e árvores no quintal –
Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores
E ao crepúsculo fiquem cinzentas
como a roupa dos pescadores.
O que desejo é apenas uma casa.
Em verdade, Não é necessário que seja azul,
nem que tenha cortinas de rendas.
Em verdade, nem é necessário que tenha cortinas.
Quero apenas uma casa em uma rua sem nome.
Sem nome, porém honrada, Senhor.
Só não dispenso a árvore,
Porque é a mais bela coisa que
nos destes e a menos amarga.
Quero de minha janela sentir
os ventos pelos caminhos, e ver o sol
Dourando os cabelos negros
e os olhos de minha amada.
Também a minha amada não dispenso, meu Senhor.
Em verdade ele é a parte mais importante deste poema.
Em verdade vos digo, e bastante constrangido,
Que sem ela a casa também eu não queria,
e voltava pra pensão.
Ao menos, na pensão, eu tenho meus amigos
E a dona é sempre uma senhora
do interior que tem uma filha alegre.
Eu adoro menina alegre,
e daí podeis muito bem deduzir
Que para elas eu corro nas minhas horas de aflição.
Nas minhas solidões de amor e
nas minhas solidões do pecado
Sempre fujo para elas, quando não fujo delas, de noite,
E vou procurar prostitutas. Oh, Senhor vós bem sabeis
Como amarga a vida de um
homem o carinho das prostitutas!
Vós sabeis como tudo amarga
naquelas vestes amassadas
Por tantas mãos truculentas ou tímidas ou cabeludas
Vós bem sabeis tudo isso, e portanto permiti
Que eu continue sonhando com a minha casinha azul.
Permiti que eu sonhe com
a minha amada também, porque:
– De que me vale ter casa sem ter
mulher amada dentro?
Permiti que eu sonhe com uma que ame
andar sobre os montes descalça
E quando me vier beijar faça-o
como se vê nos cinemas…
O ideal seria uma que amasse fazer comparações
de nuvens com vestidos, e peixes com avião;
Que gostasse de passarinho pequeno,
gostasse de escorregar no corrimão da escada
E na sombra das tardes viesse pousar
Como a brisa nas varandas abertas…
O ideal seria uma menina boba:
que gostasse de ver folha cair de tarde…
Que só pensasse coisas leves que nem existem na terra,
E ficasse assustada quando ao cair da noite
Um homem lhe dissesse palavras misteriosas …
O ideal seria uma criança sem dono,
que aparecesse como nuvem,
Que não tivesse destino nem nome –
senão que um sorriso triste
E que nesse sorriso estivessem encerrados
Toda a timidez e todo o espanto
das crianças que não têm rumo…

Manoel de Barros

Gosto de viajar por palavras do que de trem.

Manoel de Barros

Há um comportamento de eternidade nos caramujos.

Manoel de Barros

Aqui de cima do telhado a lua prateava.

Manoel de Barros

Fui criado no mato e aprendi a gostar das
coisinhas do chão –
Antes que das coisas celestiais.

Manoel de Barros

Só quem está em estado de palavra pode
enxergar as coisas sem feitio.

Manoel de Barros

A tarde está verde no olho das garças.

Manoel de Barros

Deixei uma ave me amanhecer.

Manoel de Barros

E agora o que fazer com essa manhã desabrochada a pássaros?

Manoel de Barros

Poetas e tontos são feitos com palavras.

Manoel de Barros

Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas
mais que a dos mísseis.
Tenho em mim
esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância
de ser feliz por isso.
Meu quintal
É maior do que o mundo.

Manoel de Barros

Ninguém é pai de um poema sem morrer.

Manoel de Barros

A tarefa mais lídima da poesia é a
de equivocar o sentido das palavras

Manoel de Barros

Sou fuga para flauta de pedra doce.
A poesia me desbrava.
Com águas me alinhavo

Manoel de Barros

Sol, s.m.
Quem tira a roupa da manhã e acende o mar.

Manoel de Barros

Poesia não é para compreender mas para incorporar
Entender é parede: procure ser árvore.

Manoel de Barros

Poesia é a loucura das palavras.

Manoel de Barros

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta. Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa,.
Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
Mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.

Manoel de Barros

Melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário.

Manoel de Barros

A inércia é o meu ato principal.

Manoel de Barros

O rio que fazia uma volta
atrás da nossa casa
era a imagem de um vidro mole…
Passou um homem e disse:
Essa volta que o rio faz…
se chama enseada…
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás da casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.

Manoel de Barros

Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho
1 abridor de amanhecer
1 prego que farfalha
1 encolhedor de rios
1 esticador de horizontes

Manoel de Barros

Tem mais presença em mim, o que me falta.

Manoel de Barros

Meu fado é de não entender quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.

Manoel de Barros

No osso da fala dos loucos há lírios.

Manoel de Barros

Experimentando a manhã dos galos
… poesias, a poesia é
– é como a boca
dos ventos
na harpa
nuvem
a comer na árvore
vazia que
desfolha a noite
raíz entrando
em orvalhos…
os silêncios sem poro
floresta que oculta
quem aparece
como quem fala
desaparece na boca
cigarra que estoura o
crepúsculo
que a contém
o beijo dos rios
aberto nos campos
espalmando em álacres
os pássaros
– e é livre
como um rumo
nem desconfiado…

Manoel de Barros

E, aquele
Que não morou nunca em seus próprios abismos
Nem andou em promiscuidade com os seus fantasmas
Não foi marcado. Não será exposto
Às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema.

Manoel de Barros

Aonde eu não estou as palavras me acham.

Manoel de Barros

Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.

Manoel de Barros

Do lugar onde estou já fui embora.

Manoel de Barros

As coisas muito claras me noturnam.

Manoel de Barros

Árvore
Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de
sol, de céu e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.
Seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor o azul.
E descobriu que uma casca vazia de cigarra esquecida
no tronco das árvores só serve pra poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas.
Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara,
envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos pássaros
E tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos brejos.
Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore
porque fez amizade com muitas borboletas.

Manoel de Barros

O Menino Que Carregava Água Na Peneira
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos.

Manoel de Barros

A palavra amor anda vazia. Não tem gente dentro dela.

Manoel de Barros

Sou água que corre entre pedras:
– liberdade caça jeito.

Manoel de Barros

Me explica por que que um olhar de piedade
Cravado na condição humana
Não brilha mais que anúncio luminoso?

Manoel de Barros

Tudo que eu não invento é falso

Manoel de Barros

Meditei sobre as borboletas. (…) Vi que elas podem pousar nas flores e nas pedras, sem magoar as próprias asas.

Manoel de Barros

O sentido normal das palavras não faz bem ao poema.
Há que se dar um gosto incasto aos termos.
Haver com eles um relacionamento voluptuoso.
Talvez corrompê-los até a quimera.
Escurecer as relações entre os termos em vez de aclará-los.
Não existir mais reis nem regências.
Uma certa liberdade com a luxúria convém.

Manoel de Barros

A minha independência tem algemas.

Manoel de Barros

Nasci para administrar o à-toa, o em vão, o inútil. Pertenço de fazer imagens. Opero por semelhanças.
Retiro semelhanças de pessoas com árvores, de pessoas com rãs, de pessoas com pedras, etc.
Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas. Preciso de obter sabedoria vegetal.(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã no talo.)
E quando esteja apropriado para pedra, terei também sabedoria mineral.

Manoel de Barros

O fingidor
O ermo que tinha dentro do olho do menino era um
defeito de nascença, como ter uma perna mais curta.
Por motivo dessa perna mais curta a infância do
menino mancava.
Ele nunca realizava nada.
Fazia tudo de conta.
Fingia que lata era um navio e viajava de lata.
Fingia que vento era cavalo e corria ventena.
Quando chegou a quadra de fugir de casa, o menino
montava num lagarto e ia pro mato.
Mas logo o lagarto virava pedra.
Acho que o ermo que o menino herdara atrapalhava
as suas viagens.
O menino só atingia o que seu pai chamava de ilusão.

Manoel de Barros

Eu sou o medo da lucidez.
Choveu na palavra onde eu estava.
Eu via a natureza como quem a veste.
Eu me fechava com espumas.
Formigas vesúvias dormiam por baixo de trampas.
Peguei umas ideias com as mãos – como a peixes.
Nem era muito que eu me arrumasse por versos.
Aquele arame do horizonte que separava o morro do céu estava rubro.
Um rengo estacionou entre duas frases.
Um descor
Quase uma ilação do branco.
Tinha um palor atormentado a hora.
O pato dejetava liquidamente ali.

Manoel de Barros

Que a palavra parede não seja símbolo
de obstáculos à liberdade
nem de desejos reprimidos
nem de proibições na infância
etc. (essas coisas que acham os
reveladores de arcanos mentais)
Não.
Parede que me seduz é de tijolo, adobe
preposto ao abdômen de uma casa.
Eu tenho um gosto rasteiro de
ir por reentrâncias
baixar em rachaduras de paredes
por frinchas, por gretas – com lascívia de hera.
Sobre o tijolo ser um lábio cego.
Tal um verme que iluminasse.

Manoel de Barros

No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer
nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio.

Manoel de Barros

Escrever nem uma coisa
Nem outra –
A fim de dizer todas –
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar –
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.

Manoel de Barros

Por pudor sou impuro.

Manoel de Barros

O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Seu olho exagera o azul.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.

Manoel de Barros

Desfazer o normal há de ser uma norma.

Manoel de Barros

Me procurei a vida inteira e não me achei – pelo que fui salvo.

Manoel de Barros

Pois minha imaginação não tem estrada. E eu não gosto mesmo da estrada. Gosto do desvio e do desver.

Manoel de Barros

Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.

Manoel de Barros

Ando muito completo de vazios.
Meu órgão de morrer me predomina.
Estou sem eternidades.
Não posso mais saber quando amanheço ontem.
Está rengo de mim o amanhecer.
Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
Atrás do ocaso fervem os insetos.
Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu destino.
Essas coisas me mudam para cisco.
A minha independência tem algemas.

Manoel de Barros

Poderoso pra mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre
as insignificâncias (do mundo e as nossas)
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.

Manoel de Barros

É no ínfimo que eu vejo a exuberância.

Manoel de Barros

Aprendi que o artista não vê apenas. Ele tem visões. A visão vem acompanhada de loucuras, de coisinhas à toa, de fantasias, de peraltagens. Eu vejo pouco. Uso mais ter visões. Nas visões vêm as imagens, todas as transfigurações. O poeta humaniza as coisas, o tempo, o vento. As coisas, como estão no mundo, de tanto vê-las nos dão tédio. Temos que arrumar novos comportamentos para as coisas. E a visão nos socorre desse mesmal.

Manoel de Barros

[É preciso] desinventar os objetos. O pente, por exemplo. É preciso dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha. Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.

Manoel de Barros

A maior riqueza do homem é a sua incompletude. Nesse ponto sou abastado.

Manoel de Barros

Tenho uma dor de concha extraviada.
Uma dor de pedaços que não voltam.
Eu sou muitas pessoas destroçadas.

Manoel de Barros

Agora só espero a despalavra: a palavra nascida para o canto-desde os pássaros.
A palavra sem pronúncia, ágrafa.
Quero o som que ainda não deu liga.
Quero o som gotejante das violas de cocho.
A palavra que tenha um aroma ainda cego.
Até antes do murmúrio.
Que fosse nem um risco de voz.
Que só mostrasse a cintilância dos escuros.
A palavra incapaz de ocupar o lugar de uma imagem.
O antesmente verbal: a despalavra mesmo.

Manoel de Barros

Lugar sem comportamento é o coração.
Ando em vias de ser compartilhado.
Ajeito as nuvens no olho.
A luz das horas me desproporciona.
Sou qualquer coisa judiada de ventos.
Meu fanal é um poente com andorinhas.
Desenvolvo meu ser até encostar na pedra.
Repousa uma garoa sobre a noite.
Aceito no meu fado o escurecer.
No fim da treva uma coruja entrava.

Manoel de Barros

Um besouro se agita no sangue do poente.
Estou irresponsável de meu rumo.
Me parece que a hora está mais cega.
Um fim de mar colore os horizontes.
Cheiroso som de asas vem do sul.
Eis varado de abril um martim-pescador!
(Sou pessoa aprovada para nadas?)
Quero apalpar meu ego até gozar em mim.
Ó açucenas arregaçadas.
Estou só e socó.

Manoel de Barros

Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.

Manoel de Barros

Olhos Parados, a Mário Calábria
Ah, ouvir mazurcas de Chopin num velho bar, domingo de manhã!
Depois sair pelas ruas, entrar pelos jardins e falar com as crianças.
Olhas as flores, ver os bondes passarem cheios de gente,
E, encostado no rosto das casas, sorrir…
Saber que o céu está lá em cima.
Saber que os olhos estão perfeitos e que as mãos estão perfeitas.
Saber que os ouvidos estão perfeitos. Passar pela igreja.
Ver as pessoas rindo. Ver os namorados cheios de ilusões.
Sair andando à toa entre as plantas e os animais.
Ver as árvores verdes dos jardins. Lembrar das horas mais apagadas.
Por toda parte sentir o segredo das coisas vivas.
Entrar por caminhos ignorados, sair por caminhos ignorados.
Ver gente diferente de nós nas janelas das casas, nas calçadas, nas quitandas.
Ver gente conversando na esquina, falando de coisas ruidosas.
Ver gente discutindo comércio, futebol e contando anedotas.
Ver homens esquecidos da vida, enchendo as praças, enchendo as travessas.
Olhar, reparar tudo em volta, sem a menor intenção de poesia.
Girar os braços, respirar o ar fresco, lembrar dos parentes.
Lembrar da casa da gente, das irmãs, dos irmãos e dos pais da gente.
Lembrar que estão longe e ter saudades deles…
Lembrar da cidade onde se nasceu, com inocência, e rir sozinho.
Rir de coisas passadas. Ter saudade da pureza.
Lembrar de músicas, de bailes, de namoradas que a gente já teve.
Lembrar de lugares que a gente já andou e de coisas que a gente já viu.
Lembrar de viagens que a gente já fez e de amigos que ficaram longe.
Lembrar dos amigos que estão próximos e das conversas com eles.
Saber que a gente tem amigos de fato!
Tirar uma folha de árvore, ir mastigando, sentir os ventos pelo rosto…
Sentir o sol. Gostar de ver as coisas todas.
Gostar de estar ali caminhando. Gostar de estar assim esquecido.
Gostar desse momento. Gostar dessa emoção tão cheia de riquezas íntimas.
Pensar nos livros que a gente já leu, nas alegrias dos livros lidos.
Pensar nas horas vagas, nas horas passadas lendo as poesias de Anto.
Lembrar dos poetas e imaginar a vida deles muito triste.
Imaginar a cara deles como de anjos. Pensar em Rimbaud,
Na sua fuga, na sua adolescência, nos seus cabelos cor de ouro.
Não ter ideia de voltar para casa. Lembrar que a gente, afinal de contas,
Está vivendo muito bem e é uma criatura até feliz. Ficar admirado.
Descobrir que não nos falta nada. Dar um suspiro bom de alívio,
Olhar com ternura a criação e ver-se pago de tudo.
Descobrir que, afinal de contas, não se possui nenhuma queixa
E que se está sem nenhuma tristeza para dizer no momento.
Lembrar que não sente fome e que os olhos estão perfeitos.
Para falar a verdade, sentir-se quite com a vida.
Lembrar dos amigos. Recordar um por um.
Acompanhá-los na vida.
Como estão longe, meu Deus! Um aqui. Outro lá, tão distantes…
Que fez deste o destino? E daqueles?
Quase vai se esquecendo do rosto de um… Tanto tempo!
Ter vontade de escrever para todos os amigos.
Ter vontade de lhes contar a vida até o momento presente.
Pensar em encontrá-los de novo. Pensar em reuni-los em torno de uma mesa,
Uma mesa qualquer, em um lugar que a gente ainda não escolheu.
Conversar com todos eles. Rir, cantar, recordar os dias idos.
Dar uma olhadela na infância de cada um. Aquele era magro, Venício…
Aquele outro era gordo, Abelardo… Aquele outro era triste.
Ai, não esquecer jamais este último, porque era um menino triste.
Como andarão agora? Naturalmente, mais velhos.
Talvez eu não conhecerei alguns. Naturalmente, mais senhores de si.
Naqueles, naturalmente, para quem o mundo deve ter sido menos bom.
Pensar que eles já vêm. Abrir os braços
Procurar descobrir, no mundo que os envolve,
Alguma voz que tenha acento parecido,
Algum andar que lembre o andar longínquo de algum deles…
Ah como é bom a gente ter infância!
Como é bom a gente ter nascido numa pequena cidade banhada por um rio.
Como é bom a gente ter jogado futebol no Porto de Dona Emília, no Largo da Matriz,
E se lembrar disso agora que já tantos anos são passados.
Como é bom a gente lembrar de tudo isso. Lembrar dos jogos à beira do rio,
Das lavadeiras, dos pescadores e dos meninos do Porto
Como é bom a gente ter tido infância para poder lembrar-se dela
E trazer uma saudade muito esquisita escondida no coração.
Como é bom a gente ter deixado a pequena terra em que nasceu
E ter fugido para uma cidade maior, para conhecer outras vidas.
Como é bom chegar a este ponto de olhar em torno
E se sentir maior e mais orgulhoso porque já conhece outras vidas…
Como é bom se lembrar da viagem, dos primeiros dias na cidade,
Da primeira vez que olhou o mar, da impressão de atordoamento.
Como é bom olhar para aquelas bandas e depois comparar.
Ver que está tão diferente, e que já sabe tantas novidades…
Como é bom ter vindo de tão longe, estar agora caminhando
Pensando e respirando no meio de pessoas desconhecidas
Como é bom achar o mundo esquisito por isso, muito esquisito mesmo.
E depois sorrir levemente para ele com seus mistérios…
Que coisa maravilhosa, exclamar. Que mundo maravilhoso, exclamar.
Como tudo é tão belo e tão cheio de encantos!
Olhar para todos os lados, olhar para as coisas mais pequenas,
E descobrir em todas uma razão de beleza.
Agradecer a Deus, que a gente ainda não sabe amar direito,
A harmonia que a gente sente, vê e ouve.
A beleza que a gente vê saindo das rosas; a dor saindo das feridas.
Agradecer tanta coisa que a gente não pode acreditar que esteja acontecendo.
Lembrar de certas passagens. Fechar os olhos para ver no tempo.
Sentir a claridade do sol, espalmar os dedos, cofiar os bigodes,
Lembrar que tinha saído de casa sem destino, que passara num bar, que ouvira uma mazurca,
E agora estava ali, muito perdidamente lembrando coisas bobas de sua pequena vida.

Manoel de Barros

Auto-Retrato Falado
Venho de um Cuiabá de garimpos e de ruelas entortadas.
Meu pai teve uma venda no Beco da Marinha, onde nasci.
Me criei no Pantanal de Corumbá entre bichos do chão,
aves, pessoas humildes, árvores e rios.
Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de estar
entre pedras e lagartos.
Já publiquei 10 livros de poesia: ao publicá-los me sinto
meio desonrado e fujo para o Pantanal onde sou
abençoado a garças.
Me procurei a vida inteira e não me achei — pelo que fui salvo.
Não estou na sarjeta porque herdei uma fazenda de gado.
Os bois me recriam.
Agora eu sou tão ocaso!
Estou na categoria de sofrer do moral porque só faço
coisas inúteis.
No meu morrer tem uma dor de árvore.

Manoel de Barros

Os Dois
Eu sou dois seres.
O primeiro fruto do amor de João e Alice.
O segundo é letral:
É fruto de uma natureza que pensa por imagens,
Como diria Paul Valèry.
O primeiro está aqui de unha, roupa, chapéu e vaidade.
O segundo está aqui em letras, sílabas, vaidades e frases.
E aceitamos que você empregue o seu amor em nós.

Manoel de Barros

As folhas das árvores servem para nos ensinar a cair sem alardes.

Manoel de Barros

Poetas e tontos se compõem com palavras.

Manoel de Barros

“Se eu fosse viver de poesia, estava na sarjeta. Trabalho intelectual neste país é sinônimo de vagabundagem”
Manoel de Barros, poeta, advogado e fazendeiro, em 29/12/1991, em entrevista ao GLOBO

Manoel de Barros

A importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.

Manoel de Barros

Agora não quero saber de mais nada, só quero aperfeiçoar o que não sei.

Manoel de Barros

para encontrar o azul eu uso pássaros

Manoel de Barros

Pode um homem enriquecer a natureza com sua incompletude?

Manoel de Barros

Um homem estava anoitecido.
Se sentia por dentro um trapo social.
Igual se, por fora, usasse um casaco rasgado
e sujo.
Tentou sair da angústia
Isto ser:
Ele queria jogar o casaco rasgado e sujo no
lixo.
Ele queria amanhecer.

Manoel de Barros

“Gorjeio é mais bonito do que canto porque nele se inclui a sedução. É quando a pássara está namorada que ele gorjeia.”
Manoel de Barros

Manoel de Barros

O menino ia no mato
e a onça comeu ele.
Depois o caminhão passou por dentro do corpo do menino
e ele foi contar para a mãe.
A mãe disse: mas a onça comeu você, como é que o caminhão passou por dentro do seu corpo?
É que o caminhão só passou renteando o meu corpo e eu desviei depressa.
Olha mãe, eu só queria inventar uma poesia.
Eu não preciso de fazer razão.

Manoel de Barros

Tenho o privilégio de não saber quase tudo. E isso explica o resto.

Manoel de Barros

As folhas das árvores caem para nos ensinar a cair sem alardes.
Manoel de Barros.

Manoel de Barros

No caminho, as crianças me enriqueceram mais do que Sócrates. Pois minha imaginação não tem estrada. E eu não gosto mesmo de estrada. Gosto de desvio e de desver.
(em carta a José Castello, publicado no Jornal Valor Econômico, em 18 mar.2012.-website)

Manoel de Barros

“… poesia pra mim é a loucura das palavras, é o delírio verbal, a ressonância das letras e o ilogismo.
Sempre achei que atrás da voz dos poetas moram crianças, bêbados, psicóticos. Sem eles a linguagem
seria mesmal. (…) Prefiro escrever o desanormal.”
(em “Ensaios fotográficos”. 2000, p. 63.)

Manoel de Barros

“…que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc.
Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós”.
( em ‘Sobre importâncias’, do livro “Memórias inventadas – a Infância”. São Paulo: Planeta Editorial, 2003.)

Manoel de Barros

“Encontrei na Stella a mulher e companheira de todas as horas. Na alegria e na tristeza – como nos prometemos no casório. Conseguimos um amor profundo e sonhado em todos os dias”.
( em entrevista “caminhando para as origens”, a Bosco Martins, 2007.)

Manoel de Barros

“Os bens do poeta: um fazedor de inutensílios, um
travador de amanhecer, uma teologia do traste, uma
folha de assobiar, um alicate cremoso, uma escória
de brilhantes, um parafuso de veludo e um lado
primaveril”.
( excerto “XII – Sábia com trevas”, no livro “Arranjos para assobio” (1980), em ‘Poesia completa: Manoel de Barros’. São Paulo: Editora Leya, 2010.)

Manoel de Barros

Agora eu penso uma garça branca de brejo ser mais linda que Uma nave espacial. Peço desculpa por cometer essa verdade.
( em “Memórias Inventadas para crianças”. São Paulo: Planeta do Brasil, 2006.)

Manoel de Barros

”Formiga é um ser tão pequeno que não agüenta nem neblina. Bernardo me ensinou: Para infantilizar formigas é só pingar um pouquinho de água no coração delas. Achei fácil”.
(Extraído do “Livro Sobre Nada” (Arte de Infantilizar Formigas), Editora Record – Rio de Janeiro, 1996, pág – projeto releituras)

Manoel de Barros

“Os patos prolongam meu olhar… Quando passam levando a tarde para longe eu acompanho”…
(Extraído do “Livro Sobre Nada” (Arte de Infantilizar Formigas), Editora Record – Rio de Janeiro, 1996, pág – projeto releituras)

Manoel de Barros

“Penso que têm nostalgia de mar estas garças pantaneiras. São viúvas de Xaraés? Alguma coisa em azul e profundidade lhes foi arrancada. Há uma sombra de dor em seus voos. Assim, quando vão de regresso aos seus ninhos, enchem de entardecer os campos e os homens”>
(trecho do livro em PDF: Meu quintal é maior do que o mundo [recurso eletrônico])

Manoel de Barros

“ VENTO
Se a gente jogar uma pedra no vento
Ele nem olha para trás”.
(trecho do livro em PDF: Meu quintal é maior do que o mundo [recurso eletrônico])

Manoel de Barros

É por demais de grande a natureza de Deus. Eu queria fazer para mim uma naturezinha particular. Tão pequena que coubesse na ponta do meu lápis.
(Livro “Meu quintal é maior do que o mundo”)

Manoel de Barros

“No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos”.
(trecho extraído do livro em PDF: Meu quintal é maior que o mundo)

Manoel de Barros

Sei que fazer o inconexo aclara as loucuras. Sou formado em desencontros. A sensatez me absurda. Os delírios verbais me terapeutam.

Manoel de Barros

“Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma e que você não pode vender no mercado como, por exemplo, o coração verde dos pássaros, serve para poesia”.
(Trecho extraído de “Matéria de Poesia” do livro em PDF: Meu quintal é maior que o mundo)

Manoel de Barros

“Para entender nós temos dois caminhos: o da sensibilidade que é o entendimento do corpo; e o da inteligência que é o entendimento do espírito.
Eu escrevo com o corpo.
Poesia não é para compreender, mas para incorporar.
Entender é parede; procure ser árvore.”

Manoel de Barros

Repetir, repetir – até ficar diferente
repetir é um dom do estilo

Manoel de Barros

Eu tenho a ânsia de não fazer lugar comum.

Manoel de Barros

Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.

Manoel de Barros

A poesia! A poesia está guardada nas palavras, é tudo que eu sei.
Meu fado é não entender quase tudo; sobre o nada eu tenho profundidades. Eu não cultivo conexões com o real. Para mim poderoso não é aquele que descobre o ouro; poderoso pra mim é aquele que descobre as insignificâncias do mundo e as nossas. Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil. Fiquei emocionado e chorei. Sou fraco para elogios.

Manoel de Barros

Em rios correntes
uma pedra
leva quase cem anos
para ter murmúrios

Manoel de Barros

Para apalpar as intimidades do mundo
é preciso saber
que o esplendor da manhã
não se abre com faca.

Manoel de Barros

Fui criado no mato e aprendi a gostar das coisinhas do chão.

Manoel de Barros

Poesia Completa Bandeira”, editora Leya. Por motivo de direitos autorais, apenas trechos dos poemas foram publicados.
O livro sobre nada
É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais visível do que um poste.
Sábio é o que adivinha.
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu ato principal.
Não saio de dentro de mim nem pra pescar.
Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore.
Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma.
Peixe não tem honras nem horizontes.
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.
Eu queria ser lido pelas pedras.
As palavras me escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
Esta tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os santos querem ser os vermes de Deus.
Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade.
O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Por pudor sou impuro.
O branco me corrompe.
Não gosto de palavra acostumada.
A minha diferença é sempre menos.
Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não preciso do fim para chegar.
Do lugar onde estou já fui embora.

Manoel de Barros

“…O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o voo de um pássaro
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
– Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios com as suas peraltagens
E algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos.”

Manoel de Barros

Eu não caminho para o fim, eu caminho para as origens.

Manoel de Barros

“⁠Escrever o que não acontece é tarefa da poesia”
Menino do Mato

Manoel de Barros

⁠”Eu gosto do absurdo divino das imagens.”
Menino do Mato

Manoel de Barros

⁠O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê… É preciso transver o mundo.

Manoel de Barros

O tempo só anda de ida.

Manoel de Barros

⁠Ando muito completo de vazios.

Manoel de Barros

Com pedaços de mim eu monto um ser atônito.

Manoel de Barros

Sou um sujeito cheio de recantos.
Os desvãos me constam.
Tem hora leio avencas.
Tem hora, Proust.
Ouço aves e beethovens.
Gosto de Bola-Sete e Charles Chaplin.
O dia vai morrer aberto em mim.

Manoel de Barros

A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá
mas não pode medir os seus encantos.
A ciência não pode medir quantos cavalos de força existem
nos encantos de um sabiá.
Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar: divinare.
Os sabiás divinam.

Manoel de Barros

Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas – é de poesia que estão falando.

Manoel de Barros

Quem anda no trilho é trem de ferro. Sou água que corre entre pedras – liberdade caça jeito.

Manoel de Barros

Cristo foi um dos grandes poetas do mundo – tanto que já passaram 20 séculos por cima de suas palavras e elas são vivas e reviçadas todos os dias.

Manoel de Barros

A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou – eu não aceito.
Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.

Manoel de Barros

Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei.

Manoel de Barros

O maior apetite do homem é desejar ser. Se os olhos vêem com amor o que não é, tem ser.

Manoel de Barros

Sou livre para o silêncio das formas e das cores.

Manoel de Barros

Natureza é uma força que inunda como os desertos.

Manoel de Barros

Sou mais a palavra ao ponto de entulho.
Amo arrastar algumas no caco de vidro,
envergá-las pro chão, corrompê-las, –
até que padeçam de mim e me sujem de branco.

Manoel de Barros

Por viver muitos anos dentro do mato
Moda ave
O menino pegou um olhar de pássaro –
Contraiu visão fontana.
Por forma que ele enxergava as coisas
Por igual
como os pássaros enxergam.

Manoel de Barros

As flores dessas árvores depois nascerão mais perfumadas.

Manoel de Barros

Tentei descobrir na alma alguma coisa mais profunda do que não saber nada sobre as coisas profundas.
Consegui não descobrir.

Manoel de Barros

No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal: Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra dentro.

Manoel de Barros

Um fim de mar colore os horizontes.

Manoel de Barros

Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.

Manoel de Barros

Eu via a natureza como quem a veste.
Eu me fechava com espumas.

Manoel de Barros

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.

Manoel de Barros

Afundo um pouco o rio com meus sapatos.
Desperto um som de raízes com isso
A altura do som é quase azul.

Manoel de Barros

Eu precisava de ficar pregado nas coisas vegetalmente e achar o que não procurava.

Manoel de Barros

Poesia é voar fora da asa.

Manoel de Barros

Quando o mundo abandonar o meu olho.
Quando o meu olho furado de beleza for esquecido pelo mundo.
Que hei de fazer.

Manoel de Barros

Sou hoje um caçador de achadouros da infância.
Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.

Manoel de Barros

O mundo não foi feito em alfabeto. Senão que primeiro em água e luz. Depois árvore.

Manoel de Barros

A voz de uma passarinho me recita.

Manoel de Barros

Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa
Com janelas de aurora e árvores no quintal –
Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores
E ao crepúsculo fiquem cinzentas como a roupa dos pescadores.

Manoel de Barros

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