AutorLuís de Camões

Luís de Camões

O fraco rei faz fraca a forte gente.

Luís de Camões

Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.

Luís de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões

Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar me, e novas esquivanças;
que não pode tirar me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que n’alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.

Luís de Camões

Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está ligada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim como a alma minha se conforma,
Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.

Luís de Camões

Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.
Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.
Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.
Porém, pera cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa
Aqui falta saber, engenho e arte.

Luís de Camões

Quem vê, Senhora, claro e manifesto
O lindo ser de vossos olhos belos,
Se não perder a vista só em vê-los,
Já não paga o que deve a vosso gesto.
Este me parecia preço honesto;
Mas eu, por de vantagem merecê-los,
Dei mais a vida e alma por querê-los,
Donde já não me fica mais de resto.
Assim que a vida e alma e esperança,
E tudo quanto tenho, tudo é vosso,
E o proveito disso eu só o levo.
Porque é tamanha bem-aventurança
O dar-vos quanto tenho e quanto posso,
Que, quanto mais vos pago, mais vos devo.

Luís de Camões

Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
ligeiro, ingrato, vão, desconhecido,
sem falta lhe terá bem merecido
que lhe seja cruel ou rigoroso.
Amor é brando, é doce e é piedoso.
Quem o contrário diz não seja crido;
seja por cego e apaixonado tido,
e aos homens, e inda aos deuses, odioso.
Se males faz Amor, em mi se vêem;
em mim mostrando todo o seu rigor,
ao mundo quis mostrar quanto podia.
Mas todas suas iras são de Amor;
todos os seus males são um bem,
que eu por todo outro bem não trocaria.

Luís de Camões

Ah o amor… que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê.

Luís de Camões

Verdes são os campos
Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.
Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.
Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

Luís de Camões

Amor, que o gesto humano n’alma escreve,
Vivas faíscas me mostrou um dia,
Donde um puro cristal se derretia
Por entre vivas rosas e alva neve.
A vista, que em si mesma não se atreve,
Por se certificar do que ali via,
Foi convertida em fonte, que fazia
A dor ao sofrimento doce e leve.
Jura Amor que brandura de vontade
Causa o primeiro efeito; o pensamento
Endoudece, se cuida que é verdade.
Olhai como Amor gera, num momento
De lágrimas de honesta piedade,
Lágrimas de imortal contentamento.

Luís de Camões

De quantas graças tinha, a Natureza
De quantas graças tinha, a Natureza
Fez um belo e riquíssimo tesouro,
E com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.
Pôs na boca os rubis, e na pureza
Do belo rosto as rosas, por quem mouro;
No cabelo o valor do metal louro;
No peito a neve em que a alma tenho acesa.
Mas nos olhos mostrou quanto podia,
E fez deles um sol, onde se apura
A luz mais clara que a do claro dia.
Enfim, Senhora, em vossa compostura
Ela a apurar chegou quanto sabia
De ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.

Luís de Camões

(…) Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei porquê.

Luís de Camões

A Morte, que da vida o nó desata,
os nós, que dá o Amor, cortar quisera
na Ausência, que é contra ele espada fera,
e com o Tempo, que tudo desbarata.

Luís de Camões

A verdadeira afeição na longa ausência se prova.

Luís de Camões

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Luís de Camões

O fogo que na branda cera ardia
O fogo que na branda cera ardia,
Vendo o rosto gentil que na alma vejo.
Se acendeu de outro fogo do desejo,
Por alcançar a luz que vence o dia.
Como de dois ardores se incendia,
Da grande impaciência fez despejo,
E, remetendo com furor sobejo,
Vos foi beijar na parte onde se via.
Ditosa aquela flama, que se atreve
Apagar seus ardores e tormentos
Na vista do que o mundo tremer deve!
Namoram-se, Senhora, os Elementos
De vós, e queima o fogo aquela nave
Que queima corações e pensamentos.

Luís de Camões

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem não deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,
Tão asinha esta vida desprezaste!
Como já pera sempre te apartaste
De quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que não visses quem tanto magoaste?
Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tão cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!
Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?

Luís de Camões

Tomou-me vossa vista soberana
Aonde tinha as armas mais à mão,
Por mostrar que quem busca defensão
Contra esses belos olhos, que se engana.
Por ficar da vitória mais ufana,
Deixou-me armar primeiro da razão;
Cuidei de me salvar, mas foi em vão,
Que contra o Céu não vale defensa humana.
Mas porém, se vos tinha prometido
O vosso alto destino esta vitória,
Ser-vos tudo bem pouco está sabido.
Que posto que estivesse apercebido,
Não levais de vencer-me grande glória;
Maior a levo eu de ser vencido.

Luís de Camões

Se tanta pena tenho merecida
Em pago de sofrer tantas durezas,
Provai, Senhora, em mim vossas cruezas,
Que aqui tendes uma alma oferecida.
Nela experimentai, se sois servida,
Desprezos, desfavores e asperezas,
Que mores sofrimentos e firmezas
Sustentarei na guerra desta vida.
Mas contra vosso olhos quais serão?
Forçado é que tudo se lhe renda,
Mas porei por escudo o coração.
Porque, em tão dura e áspera contenda,
É bem que, pois não acho defensão,
Com me meter nas lanças me defenda.

Luís de Camões

Enquanto quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus efeitos escrevesse.
Porém, temendo Amor que aviso desse
Minha escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co’o tormento,
Para que seus enganos não disesse
Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
A diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,
Verdades puras são e não defeitos;
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus versos.

Luís de Camões

Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Vendo-vos com juízo sossegado,
Se o Menino que de olhos é privado
Nas meninas de vossos olhos mora?
Ali manda, ali reina, ali namora,
Ali vive das gentes venerado;
Que o vivo lume e o rosto delicado
Imagens são nas quais o Amor se adora.
Quem vê que em branca neve nascem rosas
Que fios crespos de ouro vão cercando,
Se por entre esta luz a vista passa,
Raios de ouro verá, que as duvidosas
Almas estão no peito trespassando
Assim como um cristal o Sol trespassa.

Luís de Camões

Quando de minhas mágoas a comprida
Maginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece
Que pera mim foi sonho nesta vida.
Lá numa saudade, onde estendida
A vista pelo campo desfalece,
Corro pera ela; e ela então parece
Que mais de mim se alonga, compelida.
Brado: – Não me fujais, sombra benina!
Ela, os olhos em mim c’um brando pejo,
Como quem diz que já não pode ser,
Torna a fugir-me; e eu gritando: – Dina…
Antes que diga: – mene, acordo, e vejo
Que nem um breve engano posso ter.

Luís de Camões

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

Luís de Camões

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Luís de Camões

Estando em terra, chego ao Céu voando;
Numa hora acho mil anos, e é de jeito
que em mil anos não posso achar um’hora.

Luís de Camões

Anda sempre tão unido o meu tormento comigo que eu mesmo sou meu perigo.

Luís de Camões

O tempo cobre o chão de verde manto, que já coberto de neve fria, e em mim converte em choro um doce canto. E afora este mudar-se a cada dia, outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soia.

Luís de Camões

Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de quê; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;
Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravíssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
Indício da alma, limpo e gracioso;
Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento:
Esta foi a celeste formosura
Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pôde transformar meu pensamento.

Luís de Camões

Tanto de meu estado me acho incerto,
que em vivo ardor tremendo estou de frio;
sem causa, juntamente choro e rio,
o mundo todo abarco e nada aperto.
É tudo quanto sinto, um desconcerto;
da alma um fogo me sai, da vista um rio;
agora espero, agora desconfio,
agora desvario, agora acerto.
Estando em terra, chego ao Céu voando,
num’hora acho mil anos, e é de jeito
que em mil anos não posso achar um’ hora.
Se me pergunta alguém porque assim ando,
respondo que não sei; porém suspeito
que só porque vos vi, minha Senhora.

Luís de Camões

Erros meus, má Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa (a) que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.
De amor não vi senão breves enganos.
Oh! Que tanto pudesse que fartasse
Este meu duro Gênio de vinganças!

Luís de Camões

Canção
Se este meu pensamento,
como é doce e suave,
de alma pudesse vir gritando fora,
mostrando seu tormento
cruel, áspero e grave,
diante de vós só, minha Senhora:
pudera ser que agora
o vosso peito duro
tornara manso e brando.
E eu que sempre ando
pássaro solitário, humilde, escuro,
tornado um cisne puro,
brando e sonoro pelo ar voando,
com canto manifesto
pintara meu tormento e vosso gesto.
Pintara os olhos belos
que trazem nas mininas
o Minino que os seus neles cegou;
e os dourados cabelos
em tranças d’ouro finas
a quem o Sol seus raios abaixou;
a testa que ordenou
Natura tão formosa;
o bem proporcionado
nariz, lindo, afilado,
que a cada parte tem a fresca rosa;
a boca graciosa,
que querê-la louvar é escusado;
enfim, é um tesouro:
os dentes, perlas; as palavras, ouro.
Vira-se claramente,
ó Dama delicada,
que em vós se esmerou mais a Natureza;
e eu, de gente em gente,
trouxera trasladada
em meu tormento vossa gentileza.
Somente a aspereza
de vossa condição,
Senhora, não dissera,
porque se não soubera
que em vós podia haver algum senão.
E se alguém, com razão,
— Porque morres? dissera, respondera:
— Mouro porque é tão bela
que inda não sou para morrer por ela.
E se pola ventura,
Dama, vos ofendesse,
escrevendo de vós o que não sento,
e vossa fermosura
tão baixo não descesse
que a alcançasse um baixo entendimento,
seria o fundamento
daquilo que cantasse todo de puro amor,
porque vosso louvor
em figura de mágoas se mostrasse.
E onde se
julgasse a causa pelo efeito, minha dor
diria ali sem medo:
quem me sentir, verá de quem procedo.
Então amostraria
os olhos saudosos,
o suspirar que a alma traz consigo;
a fingida alegria,
os passos vagarosos,
o falar, o esquecer-me do que digo;
um pelejar comigo,
e logo desculpar-me;
um recear, ousando;
andar meu bem buscando,
e de poder achá-lo acovardar-me;
enfim, averiguar-me
que o fim de tudo quanto estou falando
são lágrimas e amores;
são vossas isenções e minhas dores.
Mas quem terá, Senhora,
palavras com que iguale
com vossa fermosura minha pena;
que, em doce voz, de fora
aquela glória fale
que dentro na minh’alma Amor ordena?
Não pode tão pequena
força de engenho humano
com carga tão pesada,
se não for ajudada
dum piedoso olhar, dum doce engano;
que, fazendo-me o dano
tão deleitoso, e a dor tão moderada,
que, enfim, se convertesse
nos gostos dos louvores que escrevesse.
Canção, não digas mais; e se teus versos
à pena vêm pequenos,
não queiram de ti mais, que dirás menos.

Luís de Camões

Raquel
Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assi negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;
Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: – Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida!

Luís de Camões

Que Amor Fez sem Remédio, o Tempo, os Fados?
Depois de tantos dias mal gastados,
Depois de tantas noites mal dormidas,
Depois de tantas lágrimas vertidas,
Tantos suspiros vãos vãmente dados,
Como não sois vós já desenganados,
Desejos, que de cousas esquecidas
Quereis remediar mortais feridas,
Que amor fez sem remédio, o tempo, os Fados?
Se não tivéreis já longa exp’riência
Das sem-razões de Amor a quem servistes,
Fraqueza fora em vós a resistência.
Mas pois por vosso mal seus males vistes,
Que o tempo não curou, nem larga ausência,
Qual bem dele esperais, desejos tristes?

Luís de Camões

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.

Luís de Camões

Endechas a Bárbara escrava
Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que pera meus olhos
Fosse mais fermosa.
Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.
U~a graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.
Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.
Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo;
E. pois nela vivo,
É força que viva.

Luís de Camões

Vencido está de amor
Vencido está de amor meu pensamento
o mais que pode ser vencida a vida,
sujeita a vos servir e instituída,
oferecendo tudo a vosso intento.
Contente deste bem, louva o momento
ou hora em que se viu tão bem perdida;
mil vezes desejando a tal ferida
outra vez renovar seu perdimento.
Com essa pretensão está segura
a causa que me guia nesta empresa,
tão estranha, tão doce, honrosa e alta.
Jurando não seguir outra ventura,
votando só por vós rara firmeza,
ou ser no vosso amor achado em falta.

Luís de Camões

Um baixo amor os fortes enfraquece.

Luís de Camões

Verdadeiro valor não dão à gente;
Essas honras vãs, esse ouro puro
melhor é merecê-los sem os ter
que possuí-los sem os merecer.

Luís de Camões

É covardia ser leão entre ovelhas.

Luís de Camões

Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

Luís de Camões

Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.

Luís de Camões

Amor com seus contrários se acrescenta.

Luís de Camões

Quando da bela vista e doce riso
Tomando estão meus olhos mantimento,
Tão enlevado sinto o pensamento,
Que me faz ver na terra o Paraíso.
Tanto do bem humano estou diviso,
Que qualquer outro bem julgo por vento;
Assi[m] que, em caso tal, segundo sento,
Assaz de pouco faz quem perde o siso.
Em vos louvar, Senhora, não me fundo,
Porque quem vossas cousas claro sente,
Sentirá que não pode conhecê-las.
Que de tanta estranheza sois ao mundo,
Que não é de estranhar, Dama excelente,
Que quem vos fez fizesse céu e estrelas.

Luís de Camões

Extremos são de amor os que padeço,
Ó humano tesouro, ó doce glória;
E se cuido que acabo então começo.
Assim te trago sempre na memória;
Nem sei se vivo, ou morro, mas conheço,
Que ao fim da batalha é a vitória

Luís de Camões

Coitado! que em um tempo choro e rio
Coitado! que em um tempo choro e rio;
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me alegro e entristeço;
Du~a cousa confio e desconfio.
Voo sem asas; estou cego e guio;
E no que valho mais menos mereço.
Calo e dou vozes, falo e emudeço,
Nada me contradiz, e eu aporfio.
Queria, se ser pudesse, o impossível;
Queria poder mudar-me e estar quedo;
Usar de liberdade e estar cativo;
Queria que visto fosse e invisível;
Queira desenredar-me e mais me enredo:
Tais os extremos em que triste vivo!

Luís de Camões

Ditoso seja aquele que somente
Ditoso seja aquele que somente
Se queixa de amorosas esquivanças;
Pois por elas não perde as esperanças
De poder nalgum tempo ser contente.
Ditoso seja quem, estando absente,
Não sente mais que a pena das lembranças,
Porque, inda mais que se tema de mudanças,
Menos se teme a dor quando se sente.
Ditoso seja, enfim, qualquer estado,
Onde enganos, desprezos e isenção
Trazem o coração atormentado.
Mas triste de quem se sente magoado
De erros em que não pode haver perdão,
Sem ficar na alma a mágoa do pecado.

Luís de Camões

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
mas não servia o pai, servia a ela,
e a ela só por prémio pretendia.

Luís de Camões

Aqui é onde acaba a terra e começa o mar.

Luís de Camões

No mundo quis um tempo que se achasse
o bem que por acerto ou sorte vinha;
e, por experimentar que dita tinha,
quis que a Fortuna em mim se experimentasse.
Mas por que meu destino me mostrasse
que nem ter esperanças me convinha,
nunca nesta tão longa vida minha
cousa me deixou ver que desejasse.
Mudando andei costume, terra e estado,
por ver se se mudava a sorte dura;
a vida pus nas mãos de um leve lenho.
Mas, segundo o que o Céu me tem mostrado,
já sei que deste meu buscar ventura,
achado tenho já, que não a tenho.

Luís de Camões

Prometeis, e não cumpris?
Pois sem cumprir, tudo é nada.
Não sois bem aconselhada;
que quem promete, se mente,
o que perde não o sente.

Luís de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver. É ferida que dói e não se sente.

Luís de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver.

Luís de Camões

Amar e saber amar… amar com o coração e não com a cabeça.

Luís de Camões

Mas, conquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que n’alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei porquê.

Luís de Camões

Amor é um brado afeito
Que Deus no Mundo pôs e a Natureza
Para aumentar as coisas que criou.
De amor está sujeito
Tudo quanto possui a redondeza;
Nada sem este efeito se gerou.
Por ele conservou
A causa principal o Mundo amado
Donde o pai famulento foi deitado.
As coisas ele as ata e as conforma
Com O Mundo,e reforma
A matéria. Quem há que não o veja?
Quanto meu mal deseja, sempre forma.

Luís de Camões

Se noutro corpo tua alma se traspassa,
não, como quis Pitágoras, na morte
mas como manda Amor na vida escassa;

Luís de Camões

Ao desconcerto do mundo
Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado:
Assim que só para mim
Anda o mundo concertado.

Luís de Camões

Nas praias desertas onde mar junta ciscos, para castiçal do inferno, o cão é melhor do que cristo.

Luís de Camões

Porque é tamanha bem-aventurança
O dar-vos quanto tenho e quanto posso,
Que, quanto mais vos pago, mais vos devo.

Luís de Camões

O amor é uma ferida que dói, e não se sente;

Luís de Camões

Amar é um cuidar que se ganha em se perder.

Luís de Camões

Tu es a cativa que me tens cativo

Luís de Camões

Inimiga não há, tão dura e fera,
como a virtude falsa da sincera.

Luís de Camões

Coisas impossíveis, é melhor esquecê-las que desejá-las.

Luís de Camões

Pouco sabe da tristeza quem, sem remédio para ela, diz ao triste que se alegre; pois não vê que alheios contentamentos a um coração descontente, não lhe remediando o que sente, lhe dobram o que padece.

Luís de Camões

E sou já do que fui tão diferente
Que, quando por meu nome alguém me chama,
Pasmo, quando conheço
Que ainda comigo mesmo me pareço.

Luís de Camões

A tristeza no coração é como a traça no pano.

Luís de Camões

Quão mal está no caso quem cuida que a mudança de lugar muda a dor do sentimento!

Luís de Camões

Pois meus olhos não cansam de chorar
Tristezas não cansadas de cansar-me;
Pois não se abranda o fogo em que abrasar-me
Pôde quem eu jamais pude abrandar;
Não canse o cego Amor de me guiar
Donde nunca de lá possa tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me,
Enquanto a fraca voz me não deixar.
E se em montes, se em prados, e se em vales
Piedade mora alguma, algum amor
Em feras, plantas, aves, pedras, águas;
Ouçam a longa história de meus males,
E curem sua dor com minha dor;
Que grandes mágoas podem curar mágoas.

Luís de Camões

Se no que tenho dito vos ofendo,
Não é a intenção minha de ofender-vos,
Qu’inda que não pretenda merecer-vos,
Não vos desmerecer sempre pretendo.

Luís de Camões

Que um fraco Rei faz fraca a forte gente.

Luís de Camões

No mundo não tem boa sorte, senão quem teve por boa a que tem.

Luís de Camões

O amor é uma dor que desatina sem doer.

Luís de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

Luís de Camões

1 As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo reino, que tanto sublimaram;
2 E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando:
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
(Os Lusíadas canto primeiro – 1 e 2)

Luís de Camões

E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando:
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Luís de Camões

154
Mas eu que falo, humilde, baixo e rudo,
De vós não conhecido nem sonhado?
Da boca dos pequenos sei, contudo,
Que o louvor sai às vezes acabado;
Nem me falta na vida honesto estudo,
Com longa experiência misturado,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
Cousas que juntas se acham raramente.

Luís de Camões

Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram,
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram;
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

Luís de Camões

Amor…
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Luís de Camões

Muda-se o ser, muda-se a confiança.

Luís de Camões

Eu sou um velho moço

Luís de Camões

É fraqueza entre ovelhas ser leão.

Luís de Camões

Nos perigos grandes, o temor
É maior muitas vezes que o perigo.

Luís de Camões

Basta um frade ruim para dar que falar a um convento.

Luís de Camões

Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade a que chamamos fama!

Luís de Camões

Da tensão danada nasce o medo.

Luís de Camões

Vossos olhos, Senhora, que competem
Com o Sol em beleza e claridade,
Enchem os meus de tal suavidade,
Que em lágrimas de vê-los se derretem.
Meus sentidos prostrados se submetem
Assim cegos a tanta majestade;
E da triste prisão, da escuridade,
Cheios de medo, por fugir remetem.
Porém se então me vedes por acerto,
Esse áspero desprezo com que olhais
Me torna a animar a alma enfraquecida.
Oh gentil cura! Oh estranho desconcerto!
Que dareis c’ um favor que vós não dais,
Quando com um desprezo me dais vida?

Luís de Camões

Mas todas suas iras são de Amor;
todos os seus males são um bem,
que eu por todo outro bem não trocaria.

Luís de Camões

Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;

Luís de Camões

É Deus; mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.

Luís de Camões

Amor, com a esperança já perdida
o teu sagrado templo visitei;
por sinal do naufrágio que passei,
em lugar dos vestidos, pus a vida.
Que queres mais de mi, que destruída
me tens a glória toda que alcancei?
Não cures de forçar-me, que não sei
tornar a entrar onde não há saída.
Vês aqui a alma, a vida e a esperança,
despojos doces do meu bem passado,
emquanto quis aquela que eu adoro.
Neles podes tomar de mi vingança:
e, se ainda não estás de mi vingado,
contenta-te com as lágrimas que choro.

Luís de Camões

Amor mil vezes já me tem mostrado
o ser-me vida o mesmo fogo ardente,
como quem queima um dedo e facilmente
no mesmo fogo o torna a ver curado.
Meu mal, tristeza, dor, pena e cuidado,
o bem, a vida alegre, ser contente
naquela vista pura e excelente
pôs, por essa maneira, o tempo e fado.
Que veja mil mudanças num momento,
que cresça nelas todas sempre a dor
não sei, que os meus castelos são de vento!
O tempo, que vos mostra ser senhor,
por mais que contra mi se mostre isento,
há de tornar por tempo tudo amor.

Luís de Camões

Que me quereis, perpétuas saudades?
Com que esperança inda me enganais?
Que o tempo que se vai não torna mais,
E se torna, não tornam as idades.
Razão é já, ó anos, que vos vades,
Porque estes tão ligeiros que passais,
Nem todos pera um gosto são iguais,
Nem sempre são conformes as vontades.
Aquilo a que já quis é tão mudado,
Que quase é outra cousa, porque os dias
Têm o primeiro gosto já danado.
Esperanças de novas alegrias
Não mas deixa a Fortuna e o Tempo errado,
Que do contentamento são espias.

Luís de Camões

Que poderei do mundo já querer,
que, naquilo em que pus tamanho amor,
não vi senão desgosto e desamor,
e morte, enfim; que mais não pude ver!
Pois vida me não farto de viver,
pois já sei que não mata grande dor,
se cousa há que mágoa dê maior,
eu a verei; que tudo posso ver,
A morte, a meu pesar, me assegurou
de quanto mal me vinha; já perdi
o que perder o medo me ensinou.
Na vida desamor somente vi,
na morte a grande dor que me ficou;
parece que para isto só nasci.

Luís de Camões

As cousas árduas e lustrosas se alcançam com trabalho e com fadiga.

Luís de Camões

⁠Lembranças, que lembrais meu bem passado
Lembranças, que lembrais meu bem passado,
Pera que sinta mais o mal presente,
Deixai-me, se quereis, viver contente,
Não me deixeis morrer em tal estado.
Mas se também de tudo está ordenado
Viver, como se vê, tão descontente,
Venha, se vier, o bem por acidente,
E dê a morte fim a meu cuidado.
Que muito melhor é perder a vida,
Perdendo-se as lembranças da memória,
Pois fazem tanto dano ao pensamento.
Assim que nada perde quem perdida
A esperança traz de sua glória,
Se esta vida há-de ser sempre em tormento.

Luís de Camões

vos confesso que desejo
de cair convosco em cama.

Luís de Camões

O fraco rei faz fraca a forte gente.

Luís de Camões

Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.

Luís de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões

Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar me, e novas esquivanças;
que não pode tirar me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que n’alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.

Luís de Camões

Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está ligada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim como a alma minha se conforma,
Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.

Luís de Camões

Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.
Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.
Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.
Porém, pera cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa
Aqui falta saber, engenho e arte.

Luís de Camões

Quem vê, Senhora, claro e manifesto
O lindo ser de vossos olhos belos,
Se não perder a vista só em vê-los,
Já não paga o que deve a vosso gesto.
Este me parecia preço honesto;
Mas eu, por de vantagem merecê-los,
Dei mais a vida e alma por querê-los,
Donde já não me fica mais de resto.
Assim que a vida e alma e esperança,
E tudo quanto tenho, tudo é vosso,
E o proveito disso eu só o levo.
Porque é tamanha bem-aventurança
O dar-vos quanto tenho e quanto posso,
Que, quanto mais vos pago, mais vos devo.

Luís de Camões

Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
ligeiro, ingrato, vão, desconhecido,
sem falta lhe terá bem merecido
que lhe seja cruel ou rigoroso.
Amor é brando, é doce e é piedoso.
Quem o contrário diz não seja crido;
seja por cego e apaixonado tido,
e aos homens, e inda aos deuses, odioso.
Se males faz Amor, em mi se vêem;
em mim mostrando todo o seu rigor,
ao mundo quis mostrar quanto podia.
Mas todas suas iras são de Amor;
todos os seus males são um bem,
que eu por todo outro bem não trocaria.

Luís de Camões

Ah o amor… que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê.

Luís de Camões

Verdes são os campos
Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.
Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.
Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

Luís de Camões

Amor, que o gesto humano n’alma escreve,
Vivas faíscas me mostrou um dia,
Donde um puro cristal se derretia
Por entre vivas rosas e alva neve.
A vista, que em si mesma não se atreve,
Por se certificar do que ali via,
Foi convertida em fonte, que fazia
A dor ao sofrimento doce e leve.
Jura Amor que brandura de vontade
Causa o primeiro efeito; o pensamento
Endoudece, se cuida que é verdade.
Olhai como Amor gera, num momento
De lágrimas de honesta piedade,
Lágrimas de imortal contentamento.

Luís de Camões

De quantas graças tinha, a Natureza
De quantas graças tinha, a Natureza
Fez um belo e riquíssimo tesouro,
E com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.
Pôs na boca os rubis, e na pureza
Do belo rosto as rosas, por quem mouro;
No cabelo o valor do metal louro;
No peito a neve em que a alma tenho acesa.
Mas nos olhos mostrou quanto podia,
E fez deles um sol, onde se apura
A luz mais clara que a do claro dia.
Enfim, Senhora, em vossa compostura
Ela a apurar chegou quanto sabia
De ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.

Luís de Camões

(…) Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei porquê.

Luís de Camões

A Morte, que da vida o nó desata,
os nós, que dá o Amor, cortar quisera
na Ausência, que é contra ele espada fera,
e com o Tempo, que tudo desbarata.

Luís de Camões

A verdadeira afeição na longa ausência se prova.

Luís de Camões

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Luís de Camões

O fogo que na branda cera ardia
O fogo que na branda cera ardia,
Vendo o rosto gentil que na alma vejo.
Se acendeu de outro fogo do desejo,
Por alcançar a luz que vence o dia.
Como de dois ardores se incendia,
Da grande impaciência fez despejo,
E, remetendo com furor sobejo,
Vos foi beijar na parte onde se via.
Ditosa aquela flama, que se atreve
Apagar seus ardores e tormentos
Na vista do que o mundo tremer deve!
Namoram-se, Senhora, os Elementos
De vós, e queima o fogo aquela nave
Que queima corações e pensamentos.

Luís de Camões

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem não deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,
Tão asinha esta vida desprezaste!
Como já pera sempre te apartaste
De quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que não visses quem tanto magoaste?
Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tão cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!
Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?

Luís de Camões

Tomou-me vossa vista soberana
Aonde tinha as armas mais à mão,
Por mostrar que quem busca defensão
Contra esses belos olhos, que se engana.
Por ficar da vitória mais ufana,
Deixou-me armar primeiro da razão;
Cuidei de me salvar, mas foi em vão,
Que contra o Céu não vale defensa humana.
Mas porém, se vos tinha prometido
O vosso alto destino esta vitória,
Ser-vos tudo bem pouco está sabido.
Que posto que estivesse apercebido,
Não levais de vencer-me grande glória;
Maior a levo eu de ser vencido.

Luís de Camões

Se tanta pena tenho merecida
Em pago de sofrer tantas durezas,
Provai, Senhora, em mim vossas cruezas,
Que aqui tendes uma alma oferecida.
Nela experimentai, se sois servida,
Desprezos, desfavores e asperezas,
Que mores sofrimentos e firmezas
Sustentarei na guerra desta vida.
Mas contra vosso olhos quais serão?
Forçado é que tudo se lhe renda,
Mas porei por escudo o coração.
Porque, em tão dura e áspera contenda,
É bem que, pois não acho defensão,
Com me meter nas lanças me defenda.

Luís de Camões

Enquanto quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus efeitos escrevesse.
Porém, temendo Amor que aviso desse
Minha escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co’o tormento,
Para que seus enganos não disesse
Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
A diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,
Verdades puras são e não defeitos;
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus versos.

Luís de Camões

Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Vendo-vos com juízo sossegado,
Se o Menino que de olhos é privado
Nas meninas de vossos olhos mora?
Ali manda, ali reina, ali namora,
Ali vive das gentes venerado;
Que o vivo lume e o rosto delicado
Imagens são nas quais o Amor se adora.
Quem vê que em branca neve nascem rosas
Que fios crespos de ouro vão cercando,
Se por entre esta luz a vista passa,
Raios de ouro verá, que as duvidosas
Almas estão no peito trespassando
Assim como um cristal o Sol trespassa.

Luís de Camões

Quando de minhas mágoas a comprida
Maginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece
Que pera mim foi sonho nesta vida.
Lá numa saudade, onde estendida
A vista pelo campo desfalece,
Corro pera ela; e ela então parece
Que mais de mim se alonga, compelida.
Brado: – Não me fujais, sombra benina!
Ela, os olhos em mim c’um brando pejo,
Como quem diz que já não pode ser,
Torna a fugir-me; e eu gritando: – Dina…
Antes que diga: – mene, acordo, e vejo
Que nem um breve engano posso ter.

Luís de Camões

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

Luís de Camões

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Luís de Camões

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