Um nenúfar flutua
na mesma água
que a Lua.
Podes invocar Safo, Cavafy ou S. João da Cruz
todos os poetas celestiais
que ninguém te virá acudir
Comprometidos definitivamente os teus planos de eternidade
Ao Espelho
E de repente chegas aos
quarenta e tal anos
e palavras como colesterol
hipertensão astigmatismo
começam a invadir a tua
vida… Olhas para trás e
o que vês? Uma pomba
com uma das asas ferida
condenada ao mais terrí-
vel pedestrianismo
e distraído, às vezes, confessava
amar a tua pele como quem
quer dizer-te: não morras nunca mais.
Mãe
Não consigo adormecer
Já experimentei tudo. Até contar carneirinhos
Não consigo adormecer
Nem chorar
(Que maior tragédia poderá acontecer a um homem do que a de já não ser
capaz de chorar?)
Quando me levantei já as minhas sandálias andavam a passear lá fora na relva
Esta noite até os atacadores dos sapatos floriram
As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.
E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.
As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».
É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.