É preciso sofrer depois de ter sofrido, e amar, e mais amar, depois de ter amado.
Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?
o coqueiro coqueirando
as manobras do vermelho
no branqueado do azul
outrarte
o ouro esboço
do crepúsculo
e um vaga-lume
lanterneiro que riscou
um psiu de luz
Para onde nos atrai o azul?
o arrozal lindo
por cima do mundo
no miolo da luz
tênue tecido alaranjado
passando em fundo preto
da noite à luz
tatalou e caiu
com onda espiralada
fragor de entrudo
mar não tem desenho
o vento não deixa
o tamanho…
verdes vindo à face da luz
na beirada de cada folha
a queda de uma gota
o bambual se encantava
parecia alheio
uma pessoa
sussurro sem som
onde a gente se lembra
do que nunca soube
alvor
avançavam parados
dentro da luz
entre as folhas
de um livro-de-reza
um amor-perfeito cai
os aloendros
em fila
nos separavam do mundo
há qualquer coisa no ar
além dos aviões
da Panair…
na barra sul do horizonte
estacionavam cúmulus
esfiapando sorveret de coco
Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.
Amor vem de amor. Digo. Em Diadorim, penso também – mas Diadorim é a minha neblina…
Deus nos dá pessoas e coisas,
para aprendermos a alegria…
Depois, retoma coisas e pessoas
para ver se já somos capazes da alegria
sozinhos…
Essa… a alegria que ele quer
O correr da vida embrulha tudo,
a vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem
Viver é etecetera.
Felicidade se acha é em horinhas de descuido
Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.
O mais importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, mas que elas vão sempre mudando.
O mundo é mágico.
As pessoas não morrem, ficam encantadas.
Saudade é ser, depois de ter.
O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando.
Sempre que se começa a ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na idéia, querendo e ajudando, mas quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois.
A gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente; o que isso era falta de soberania, e farta bobice, e fato é.
Quem sabe direito o que uma pessoa é? Antes sendo: julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado.
Tudo, aliás, é a ponta de um mistério, inclusive os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo.
Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
Quem muito se evita, se convive.
E, outra coisa: o diabo, é às brutas; mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro – dá gosto! A força dele, quando quer – moço! – me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho – assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza.
O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver.
Deus come escondido, e o Diabo sai por toda a parte lambendo o prato.
Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vaivém, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar – é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim dá certo.
Infelicidade é uma questão de prefixo.
Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o ruim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero os todos pastos demarcados… Como é que posso com este mundo? (…) Este mundo é muito misturado…
Viver é um descuido prosseguido.
Sempre sei, realmente. Só o que eu quis, todo o tempo, o que eu pelejei para achar, era uma coisa só – a inteira – cujo significado e vislumbrado dela eu vejo que sempre tive. A que era: que existe uma receita, a norma dum caminho certo, estreito, de cada uma pessoa viver – e essa pauta cada um tem – mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar; como é que, sozinho, por si, alguém ia poder encontrar e saber?
-Adianta querer saber muita coisa? O senhor sabia, lá para cima – me disseram. Mas, de repente chegou neste sertão, viu tudo diverso diferente, o que nunca tinha visto. Sabença aprendida não adiantou para nada… Serviu algum?
Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe.
Mas, onde é bobice a qualquer resposta, é aí que a pergunta se pergunta.
Viver (…) é muito perigoso. (…) Porque aprender-a-viver é que é o viver, mesmo. (…) Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e se abaixa. (…) O mais difícil não é um ser bom e proceder honesto; dificultoso, mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até no rabo da palavra.
O rio não quer chegar, mas ficar largo e profundo…
Para ódio e amor que dói, amanhã não é consolo.
Ah, mas a fé nem vê a desordem ao redor.
Sorte é isto. Merecer e ter.
Os outros têm uma espécie de cachorro farejador, dentro de cada um, eles mesmos não sabem. Isso feito um cachorro, que eles têm dentro deles, é que fareja, todo o tempo, se a gente por dentro da gente está mole, está sujo ou está ruim, ou errado… As pessoas, mesmas, não sabem. Mas, então, elas ficam assim com uma precisão de judiar com a gente…
O calor do dia abrandava. Naqueles olhos e tanto de Diadorim, o verde mudava sempre, como a água de todos os rios em seus lugares ensombrados. Aquele verde, arenoso, mas tão moço, tinha muita velhice, muita velhice, querendo me contar coisas que a idéia da gente não dá para se entender – e acho que é por isso que a gente morre. De Diadorim ter vindo, e ficar esbarrado ali, esperando meu acordar e me vendo meu dormir, era engraçado, era para se dar a feliz risada. Não dei. Nem pude nem quis. Apanhei foi o silêncio dum sentimento, feito um decreto:
– Que você em sua vida toda toda por diante, tem de ficar para mim, Riobaldo, pegado em mim, sempre!… – que era como se Diadorim estivesse dizendo.
“Mãe, o que é que é o mar, Mãe?” Mar era longe, muito longe dali, espécie duma lagoa enorme, um mundo d´água sem fim, Mãe mesma nunca tinha avistado o mar, suspirava. “Pois, Mãe, então mar é o que a gente tem saudade?”
O amor? Pássaro que põe ovos de ferro.
Todas as coisas surgidas do opaco.
Talvez não devesse, não fosse direito ter por causa dele aquele doer, que põe e punge, de dó, desgosto e desengano.
Representar é aprender a viver além dos levianos sentimentos, na verdadeira dignidade.
Na própria precisão com que outras passagens lembradas se oferecem, de entre impressões confusas, talvez se agite a maligna astúcia da porção escura de nós mesmos, que tenta incompreensivelmente enganar-nos, ou, pelo menos, retardar que prescrutemos qualquer verdade.
(Nenhum, nenhuma)
O passado é que veio até mim, como uma nuvem, vem para ser reconhecido; apenas não estou sabendo decifrá-lo.
A gente cresce sempre, sem saber para onde.
(Nenhum, nenhuma)
No que vagueia os olhos, contudo, surpreende-se-lhe o imanecer da bem-aventura, transordinária benignidade, o bom fantástico.
Inútil fugir, inútil resistir, inútil tudo.
As coisas mudam no devagar depressa dos tempos.
Há uma hora certa,
no meio da noite, uma hora morta,
em que a água dorme.
Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d’água,
nos grotões fundos
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir…
Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
nas placas da folhagem
e adormece.
Até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes…
Mas nem todas dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono…
As coisas assim a gente não perde nem abarca. Cabem é no brilho da noite. Aragem do sagrado. Absolutas estrelas.
Viver para odiar uma pessoa é o mesmo que passar uma vida inteira dedicado à ela.
Penso que chega um momento na vida da gente, em que o único dever é lutar ferozmente por introduzir, no tempo de cada dia, o máximo de “eternidade”.
Eu sou é eu mesmo. Divirjo de todo o mundo…
Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.
Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.
No mais, mesmo, da mesmice, sempre vem a novidade.
Cada um rema sozinho uma canoa que navega um rio diferente, mesmo parecendo que esta pertinho.
As pessoas não morrem, ficam encantadas!
Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
O medo é a extrema ignorância em momento muito agudo.
O de hoje é um dia que comprei fiado.
Quando eu morrer, que me enterrem na beira do chapadão, contente com minha terra, cansado de tanta guerra, crescido de coração.
De sofrer e de amar, a gente não se desfaz.
O trágico não vem a conta-gotas
Todo abismo é navegável a barquinhos de papel.
O senhor… mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão.
Eu não sentia nada. Só uma transformação pesável.
Muita coisa importante falta nome.
Natureza da gente não cabe em nenhuma certeza.
Ah, acho que não queria mesmo nada, de tanto que eu queria só tudo. Uma coisa, a coisa, esta coisa: eu somente queria era – ficar sendo!
Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o lugar. Viver é muito perigoso…
Eu me lembro das coisas, antes delas acontecerem…
Sertão: estes seus vazios.
Tem coisa e cousa, e o ó da raposa…
Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.
Para os almanaques
No meu relógio, de uma para outra hora,
quando o ponteiro menor sai a levar lembranças ,
passa-lhe a frente o grande, transportando intrigas
O corpo não traslada, mas muito sabe, adivinha se não entende.
PÍLULAS DO GRANDE SERTÃO
Coração da gente – o escuro, escuros.
Quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade.
Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar.
No sistema de jagunços, amigo era o braço, e o aço!
Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou – amigo – é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é.
O amor? Pássaro que põe ovos de ferro.
Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.
A colheita é comum, mas o capinar é sozinho.
O diabo, é às brutas; mas Deus é traiçoeiro!
O diabo, na rua, no meio do redemunho.
O Arrenegado, o Cão, o Cramulhão, o Indivíduo, o Galhardo, o Pé-de-Pato, o Sujo, o Homem, o Tisnado, o Coxo, o Temba, o Azarape, o Coisa-Ruim, o Mafarro, o Pé-Preto, o Canho, o Duba-Dubá, o Rapaz, o Tristonho, o Não-sei-que-diga, O-que-nunca-se-ri, o Sem-Gracejos… Pois, não existe! E, se não existe, como é que se pode se contratar pacto com ele?
Quem muito se evita, se convive.
Julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado.
O que lembro, tenho.
Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.
Quem mói no asp’ro, não fantaseia.
Quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente.
Vingar… é lamber, frio, o que outro cozinhou quente demais.
Quem sabe do orgulho, quem sabe da loucura alheia?
Ser chefe – por fora um pouquinho amarga; mas, por dentro, é rosinhas flores.
Um chefe carece de saber é aquilo que ele não pergunta.
Comandar é só assim: ficar quieto e ter mais coragem.
Toda saudade é uma espécie de velhice.
Riu, de me dar nojo. Mas nojo medo é, é não?
Um sentir é o do sentente, mas outro é o do sentidor.
Tudo é e não é.
Mocidade é tarefa para mais tarde se desmentir.
Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!
O sertão é do tamanho do mundo.
Sertão: é dentro da gente.
O sertão é sem lugar.
O sertão não tem janelas nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa.
O sertão não chama ninguém às claras; mais, porém, se esconde e acena.
O sertão é uma espera enorme.
Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas.
A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero.
A vida é muito discordada. Tem partes. Tem artes. Tem as neblinas de Siruiz. Tem as caras todas do Cão, e as vertentes do viver.
Manter firme uma opinião, na vontade do homem, em mundo transviável tão grande, é dificultoso.
Viver – não é? – é muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-viver é que é o viver, mesmo.
Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães…
Feito flecha, feito faca, feito fogo.
Vi: o que guerreia é o bicho, não é o homem.
Até que, um dia, eu estava repousando, no claro estar, em rede de algodão rendada. Alegria me espertou, um pressentimento. Quando eu olhei, vinha vindo uma moça. Otacília.
Meu coração rebateu, estava dizendo que o velho era sempre novo. Afirmo ao senhor, minha Otacília ainda se orçava mais linda, me saudou com o salvável carinho, adianto de amor.
… nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.
Viver é um descuido prosseguido.
Mas quem é que sabe como?
Viver…
o senhor já sabe: viver é etcétera…
Amor é a gente querendo achar o que é da gente.
O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais.
Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total. Todos os sucedidos acontecendo, o sentir forte da gente – o que produz os ventos. Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
O sertão é dentro da gente.
O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim, esquenta e esfria, aperta e depois afrouxa e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre e amar, no meio da tristeza. Todo caminho da gente é resvaloso, mas cair não prejudica demais. A gente levanta, a gente sabe, a gente volta.
Viver é etcétera!
Viver de graça é mais barato.
O correr da vida embrulha tudo; a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. Ser capaz de ficar alegre e mais alegre no meio da alegria, e ainda mais alegre no meio da tristeza…
1. Sou figura reduzida e de pouco aparecimento.
2. Quase que nada sei, mas desconfio de muita coisa.
3. Quem rala no aspro não fantaseia.
Sapo não pula por boniteza, mas porém por precisão.
Cada criatura é um rascunho a ser retocado sem cessar.
Viver é um rasgar-se e remendar-se.
Eu olhava esse menino, com um prazer de companhia, como nunca por ninguém eu não tinha sentido. Achava que ele era muito diferente, gostei daquelas finas feições, a voz mesma, muito leve, muito aprazível. Porque ele falava sem mudança, nem intenção, sem sobêjo de esforço, fazia de conversar uma conversinha adulta e antiga. Fui recebendo em mim um desejo que ele não fosse mais embora, mas ficasse, sobre as horas, e assim como estava sendo, sem parolagem miúda, sem brincadeira— só meu companheiro amigo desconhecido.[…] Mas eu aguentei o aque do olhar dele. Aqueles olhos então foram ficando bons, retomando brilho. E o menino pôs a mão na minha. Encostava e ficava fazendo parte melhor da minha pele, no profundo, désse as minhas carnes alguma coisa.
Viver – não é? – é muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-viver é que é o viver mesmo.
Malagourado de ódio: que sempre surge mais cedo e às vezes dá certo, igual palpite de amor.
Por esses longes todos eu passei, com pessoa minha no meu lado, a gente se querendo bem. O senhor sabe? Já tenteou sofrido o ar que é saudade? Diz-se que tem saudade de ideia e saudade de coração…
Não gosto desse passarinho. Não gosto de violão. Não gosto de nada que põe saudades na gente.
Há pessoas que estão vindo muito demoradas…
Porque eu só preciso de pés livres, de mãos dadas, e de olhos bem abertos.
Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto.
Fino, estranho, inacabado, é sempre o destino da gente.
Ninguém é doido. Ou, então, todos.
Coração da gente – o escuro, escuros.
Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniÃES…
O verdadeiro amor é um calafrio doce, um susto sem perigos
A água de boa qualidade é como a saúde ou a liberdade: só tem valor quando acaba.
Qual o caminho da gente? Nem para frente nem para trás: só para cima. Ou parar curto quieto. Feito os bichos fazem. Viver… o senhor já sabe: viver é etcétera…
Tudo o que muda a vida vem quieto no escuro, sem preparos de avisar.
Merece de a gente aproveitar
o que vem e que se pode,
o bom da vida é só de chuvisco.
Olhar para trás após uma longa caminhada pode fazer perder a noção da distância que percorremos, mas se nos detivermos em nossa imagem, quando a iniciamos e ao término, certamente nos lembraremos o quanto nos custou chegar até o ponto final, e hoje temos a impressão de que tudo começou ontem. Não somos os mesmos, mas sabemos mais uns dos outros. E é por esse motivo que dizer adeus se torna complicado! Digamos então que nada se perderá. Pelo menos dentro da gente.
Mas eu gostava dele, dia mais dia, mais gostava. Digo o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa-feita. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego.
Esperar é reconhecer-se incompleto.
Viver é uma questão de rasgar-se e remendar-se.
Hoje, temos a impressão de que tudo começou ontem. Não somos os mesmos, mas somos mais juntos. Sabemos mais um do outro. E é por esse motivo que dizer adeus se torna tão complicado. Digamos, então, que nada se perderá. Pelo menos, dentro da gente.
Rezar muito. E ter fé. Porque as coisas estão todas amarradinhas é em Deus.
Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranquilos e escuros
como o sofrimento dos homens.
O rio não quer chegar a lugar algum, só quer ser mais profundo
Todo caminho da gente é resvaloso. Mas; também, cair não prejudica demais – a gente levanta, a gente sobe, a gente volta! (…)
O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.
Eu estou só. O gato está só. As árvores estão sós. Mas não o só da solidão: o só da solistência.
Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. (…) A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem não misturam. (…) Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe; e se sabe, me entende.
A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que não se misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância. Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data.
Tudo é real,por que tudo é inventado.
Se a gente puder ir devagarinho como precisa, e ninguém não gritar com a gente para ir depressa demais, então eu acho que nunca que é pesado.
Sigo à risca.
Me descuido e vou… Quebro a cara.
Quebro o coração.
Tropeço em mim.
Me atolo nos cinco sentidos.
A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.
Julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado.
A história de um burrinho, como a história de um homem grande, é bem dada no resumo de um só dia de sua vida.
A culpa minha, maior, é meu costume de curiosidade
de coração. Isso de estimar os outros, muito ligeiro,
defeito esse que me entorpece
O fato se dissolve. As lembranças são outras distâncias. Eram coisas que paravam já, à beira de um grande sono. A gente cresce sempre, sem saber para onde.
Iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. “Afinam e desafinam”.
Eu eu? Eu eu?
Lei ladra o poder da vida. Direitinho declaro o que, durante todo tempo, sempre mais, às vezes menos, comigo se passou. Aquela mandante amizade. Eu não pensava em adiação nenhuma, de pior propósito. Mas eu gostava dele, dia mais dia, mais gostava. Digo o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa feita. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego. Era ele estar por longe, e eu só nele pensava. E eu mesmo não entendia então o que aquilo era? Sei que sim. Mas não. E eu mesmo entender não queria. Acho que. Aquela meiguice, desigual que ele sabia esconder o mais de sempre. E em mim a vontade de chegar todo próximo, quase uma ânsia de sentir o cheiro do corpo dele, dos braços, que às vezes adivinhei insensatamente – tentação dessa eu espairecia, aí rijo comigo renegava. Muitos momentos. Conforme, por exemplo, quando me lembrava daquelas mãos, do jeito como encostavam no meu rosto.
(GRANDE SERTÃO: VEREDAS)
Minha tristeza é uma volta em medida; mas minha alegria é forte demais.
É e não é. O senhor ache e não ache. Tudo é e não é.
Narrei ao senhor. No que narrei, o senhor talvez até ache mais do que eu, a minha verdade. Fim que foi. Aqui, a estória se acabou. Aqui, a estória acabada. Aqui, a estória acaba.
Todo caminho da gente é resvaloso.
Mas; também, cair não prejudica demais –
a gente levanta, a gente sobe, a gente volta! (…)
O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim:
esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.
O que Deus quer é ver a gente aprendendo a
ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria,
e inda mais alegre ainda no meio da tristeza!
Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida é um dia de capina com sol quente, que às vezes custa muito a passar, mas que sempre passa. E você ainda pode ter um muito pedaço bom de alegria (…) Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua.
Posso me esconder de mim?
O certo era a gente estar sempre brabo de alegre, alegre por dentro, mesmo com tudo de ruim que acontecesse, alegre nas profundezas. Podia? Alegre era a gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma.
Vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo. A gente deve de poder ficar então mais alegre, mais alegre, por dentro.
Alegre, embora física e metafisicamente só, sentia o universo. Chovia-se-lhe.
O que leva o homem para as más ações estranhas, é estar diante do que é seu, por direito, e não sabe…Não sabe…Não sabe…
Quem desconfia, fica sábio.
Sorriram-se, viram-se. Era infinitamente maio e Jó Joaquim pegou o amor. Enfim, entenderam-se.
Sempre vem imprevisível o abominoso? Ou: os tempos se seguem e parafraseiam-se. Deu-se a entrada dos demônios.
Sem malícia, com paciência, sem insistência, principalmente.
Significa que posso não ter muito conhecimento e/ou experiência, porém desconfio de como as coisas sucedem já que possuo imaginação. (Riobaldo – Grande Sertão: Veredas)
Amor? Um pássaro que põe ovos de ferro.
Eu queria sair de tudo o que eu era, para entrar num destino melhor.
O que lembro, tenho.
O amor não precisa de memória, não arredonda, não floreia:
faz forte estilo. E fim.
Soneto da saudade
Quando sentires a saudade retroar
Fecha os teus olhos e verás o meu sorriso.
E ternamente te direi a sussurrar:
O nosso amor a cada instante está mais vivo!
Quem sabe ainda vibrará em teus ouvidos
Uma voz macia a recitar muitos poemas…
E a te expressar que este amor em nós ungindo
Suportará toda distância sem problemas…
Quiçá, teus lábios sentirão um beijo leve
Como uma pluma a flutuar por sobre a neve,
Como uma gota de orvalho indo ao chão.
Lembrar-te-ás toda ternura que expressamos,
Sempre que juntos, a emoção que partilhamos…
Nem a distância apaga a chama da paixão
Mas; também, cair não prejudica demais – a gente levanta, a gente sobe, a gente volta! (…) O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.
Viver é muito perigoso… Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar. Esses homens! Todos puxavam o mundo para si, para o concertar consertado. Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo.
Um sentir é o do sentente, mas o outro é do sentidor.
Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.
Tem trechos em que a vida amolece a gente, tanto, que até referver de mau desejo, no meio da quebradeira serve como benefício.
Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou – amigo – é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é.
Toda saudade é uma espécie de velhice.
Mocidade é tarefa para mais tarde se desmentir.
A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero.
Chegando na encruziada tive que me arrezolver… prá esquerda fui contigo… Coração soube escolher
X. Sequência:
“Suas duas almas se transformavam? E tudo à sazão do ser. No mundo nem há parvoices: o mel do maravilhoso, vindo a tais horas de estórias, o anel dos maravilhados. Amavam-se”
Conto narrado em terceira pessoa e tematiza a predestinação, o destino e o acaso.
Uma vaca de propriedade de seu Rigério foge da fazenda da Pedra e atravessa o sertão. A vaca não fugiu por acaso; fugiu por amor às suas raízes, sua “querência”, a fazenda do Pãodolhão.
Ela conhecia “o seu caminho” e estava determinada a chegar ao seu destino.
O filho de Seo Rigério prontifica-se a encontrar a vaca e trazê-la de volta.
A vaca faz o “um caminho de volta”, enquanto o vaqueiro que a persegue caminha “de oeste para leste”, chegando a perder o rastro três vezes, pois ela entrara no riacho para despistar o moço.
Por onde a vaca passava, as pessoas tentavam detê-la, mas ela escapava sempre.
À noite, o moço segue a sua busca orientando-se pelo brilho das estrelas e refletindo “aonde o animal o levava”.
A vaca chegou à fazenda Pãodolhão, atravessou a porteira-mestra dos currais, estava de volta à sua origem, cumprira o seu destino. O rapaz chega e apressa-se a subir a escada da casa-fazenda do Major Quitério e desculpar-se pelo inconveniente.
Lá, o rapaz é bem recebido. Major Quitério tinha quatro filhas. O moço apaixona-se pela segunda das filhas do Major Quitério, a mais alta, alva e mais amável. Deu-lhe de presente a vaca, já que ela era a condutora de sua travessia e de seu destino e entrega a moça “o anel dos maravilhados”.
Para Alfredo Bosi, “a trajetória das personagens exercita a noção de que o direito do livre arbítrio, possível para a vaca, é imprescindível para o homem, pois quem elegeu a busca não pode recusar a travessia.”
Rede é uma porção de buracos, amarrados com barbante.
Dando, porém, passo atrás: nesta representação de “cano”: – É um buraco, com um pouquinho de chumbo em volta…” – espritada de verve em impressionismo, marque-se rasa forra do lógico sobre o cediço convencional.
Mas, na mesma botada, puja a definição de ‘rede’: – ‘Uma porção de buracos, amarrados com barbante…” – cujo paradoxo traz-nos o ponto-de-vista do peixe”
Não por orgulho meu, mas antes por me faltar o raso de paciência, acho q sempre desgostei de criaturas que com pouco e fácil se contentam.
Tudo o que já foi, é o começo do que vai vir, toda a hora a gente está num cômpito. Eu penso é assim, na paridade. (…) Um sentir é o do sentente, mas outro é o do sentidor. O que eu quero, é na palma da minha mão.
Quantas mangas perfaz uma mangueira, enquanto vive? – isto, apenas. Mais, qualquer manga em si traz, em caroço, o maquinismo de outra, mangueira igualzinha, do obrigado tamanho e formato. Milhões, bis, tris, lá sei, haja números para o Infinito. E cada mangueira dessas, e por diante, para diante, as corações-de-boi, sempre total ovo e cálculo, semente, polpas, sua carne de prosseguir, terebintinas.
Ando a ver. O caracol sai ao arrebol. A cobra se concebe curva. O mar barulha de ira e de noite. Temo igualmente angústias e delícias. Nunca entendi o bocejo e o pôr-do-sol. Por absurdo que pareça, a gente nasce, vive, morre. Tudo se finge, primeiro; germina autêntico é depois. Um escrito, será que basta? Meu duvidar é uma petição de mais certeza.
Até hoje, para não se entender a vida, o que de melhor se achou foram os relógios. É contra eles, também, que temos que lutar…
Viver é muito perigoso.
Quem é limpo, pensa limpo. Acho.
É destino das torres sobressair; e dos arrotos !
Quando a gente odeia uma pessoa, dedica a vida toda a ela.
Pãos ou Pães é questão de Opiniães.
Viver é plural.
Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!
O correr da vida embrulha tudo,
a vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.
O que Deus quer é ver a gente
aprendendo a ser capaz
de ficar alegre a mais,
no meio da alegria,
e inda mais alegre
ainda no meio da tristeza!
A vida inventa!
A gente principia as coisas,
no não saber por que,
e desde aí perde o poder de continuação
porque a vida é mutirão de todos,
por todos remexida e temperada.
O mais importante e bonito, do mundo, é isto:
que as pessoas não estão sempre iguais,
ainda não foram terminadas,
mas que elas vão sempre mudando.
Afinam ou desafinam. Verdade maior.
Viver é muito perigoso; e não é não.
Nem sei explicar estas coisas.
Um sentir é o do sentente, mas outro é do sentidor.
Só, e no mais: sem ti, jamais nunca — Minas, Minas Gerais…
Sertão é uma terra de quem é forte, com as astucia, Deus mesmo quando vinhe que venha armado.
O que é o medo? Um produzido dentro da gente, um depositado; e que às vezes se mexe, sacoleja, e a gente pensa que é por causas: por isto ou por aquilo, coisas que só estão é fornecendo espelhos. A vida é para esse sarro de medo se destruir, jagunço sabe. Outros contam de outra maneira.
(Grande sertão: veredas)
Mas, na ocasião, me lembrei dum conselho de Zé Bebelo, na Nhanva, um dia me tinha dado. Que era: que a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente.
Fala de Riobaldo, in Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa
Refresca teu coração. Sofre, sofre, depressa, que é para as alegrias novas poderem vir.
Os outros eu conheci por acaso. Você eu encontrei porque era preciso.
O homem nasceu para aprender, apreender tanto quanto a vida lhe permita.
Amor é sede depois de se ter bem bebido.
Cada palavra é, segundo a sua essência, um poema.
Ah, não; amigo, para mim, é diferente. Não é um ajuste de um dar serviço ao outro, e receber, e saírem por este mundo, barganhando ajudas, ainda que sendo com o fazer a injustiça aos demais. Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou – amigo – é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por que é que é.
Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.
Deus existe, sim, devagarinho, depressa. Ele existe – mas quase só por intermédio da ação das pessoas: de bons e maus. Coisas imensas no mundo. O grande-sertão é a forte arma. Deus é um gatilho?
“Vida” é noção que a gente completa seguida assim, mas só por lei duma idéia falsa. Cada dia é um dia.
E nisto, que conto ao senhor, se vê o sertão do mundo. Que Deus existe, sim, devagarinho, depressa. Ele existe – mas quase só por intermédio da ação das pessoas: de bons e maus. Coisas imensas no mundo. O grande-sertão é a forte arma. Deus é um gatilho?
A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado.
Alegre era a gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma.
A colheita é comum, mas o capinar é sozinho.
Sapo não pula por boniteza,
Mas porém por precisão.
(um provérbio capiau)
Era fim de outubro, em ano resseco. Um cachorro soletrava, longe, um mesmo nome, sem sentido. E ia, no alto do mato, a lentidão da lua.
(A hora e a vez de Augusto Matraga)
Gostava dela, muito…Mais do que ele mesmo dizia, mais do que ele mesmo sabia, de maneira que a gente deve gostar. E tinha uma força grande, de amor calado, e uma paciência quente, cantada, para chamar pelo seu nome.
(A hora e a vez de Augusto Matraga)
Sorte nunca é de um só, é de dois, é de todos… Sorte nasce cada manhã, e já está velha ao meio-dia…
Quando chega o dia da casa cair (…) é um dia de chegada infalível, – o dono pode estar: de dentro, ou de fora. É melhor de fora.
(A hora e a vez de Augusto Matraga)
Para quem não sai, em tempo, de cima da linha, até apito de trem é mau agouro.
E tudo foi bem assim, porque tinha de ser, já que assim foi.
(A hora e a vez de Augusto Matraga)
Quando o coração está mandando, todo tempo é tempo!
(A hora e a vez de Augusto Matraga)
Cantar, só, não fazia mal, não era pecado. As estradas cantam. E ele achava muitas coisas bonitas, e tudo era mesmo bonito, como são todas as coisas, nos caminhos do sertão.
(A hora e a vez de Augusto Matraga)
Perto de muita água, tudo é feliz.
Sigo a risca, me descuido e vou. Quebro a cara, quebro o coração. Tropeço em mim. Me atolo nos sentidos. Viver não é perigoso? Então com sua licença, nasci assim. Encantado pela vida.
Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou.
“Calma. É só aos poucos que o escuro fica claro”.
Se fosse só eu a chorar de amor, sorria…”
O bom da vida é para o cavalo, que vê capim e come.
Quando acordei, não cri: tudo o que é bonito é absurdo – Deus estável.
Coração cresce de todo lado. Coração vige feito riacho colominhando por entre serras e varjas, matas e campinas. Coração mistura amores. Tudo cabe. (Guimarães Rosa – Grande Sertão: veredas, p.204)
…o mal ou o bem , estão é em quem faz; não é no efeito que dão. (Graciliano Ramos. Grande Sertão: veredas, p. 113)
- o ódio __ é a gente se lembrar do que não deve-de; amor é a gente querendo achar o que é da gente. (Grande Sertão: Veredas. p.377)
…tanto que me vinha a vontade, se pudesse, nessa caminhada, eu carregava Diadorim, livre de tudo, nas minhas costas.
(Grande Sertão: Veredas, p . 388)
Mecê sabe o que é que onça pensa? Sabe não? Eh, então mecê aprende: onça pensa só uma coisa — é que tá tudo bonito, bom, bonito, bom, sem esbarrar. Pensa só isso, o tempo todo, comprido, sempre a mesma coisa só, e vai pensando assim, enquanto que tá andando, tá comendo, tá dormindo, tá fazendo o que fizer… Quando algua coisa ruim acontece, então de repente ela ringe, urra, fica com raiva, mas que não pensa nada: nessa horinha mesma ela esbarra de pensar. Daí, só quando tudo tornou a ficar quieto outra vez é que ela torna a pensar igual, feito em antes…
O que a vida quer da gente é coragem!
Minha alma tem de ser de Deus: se não, como é que ela podia ser minha?
Sou só um sertanejo, nessas altas ideias navego mal. Sou muito pobre coitado. Inveja minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura e suma doutoração.
Deus é paciência. O contrário é o diabo.
A gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?
Quem-sabe, a gente criatura ainda é tão ruim, tão, que Deus só pode às vezes manobrar com os homens é mandando por intermédio do diá?
Cavalo que ama o dono, até respira do mesmo jeito.
Passarinho cai de voar, mas bate suas asinhas no chão.
Ser ruim, sempre, às vezes é custoso, carece de perversos exercícios de experiência.
O espírito da gente é cavalo que escolhe estrada: quando ruma para tristeza e morte, vai não vendo o que é bonito e bom.
Medo, não, mas perdi a vontade de ter coragem.
A morte é para os que morrem.
A vida da gente vai em erros, como um relato sem pés nem cabeça, por falta de sisudez e alegria. Vida devia de ser como sala do teatro, cada um inteiro fazendo com forte gosto seu papel, desempenho.
No centro do sertão, o que é doideira às vezes pode ser a razão mais certa e de mais juízo!
Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera.
E sei que em cada virada de campo, e debaixo de sombra de cada árvore, está dia e noite um diabo, que não dá movimento, tomando conta.
Liberdade – aposto – ainda é só alegria de um pobre caminhozinho, no dentro do ferro de grandes prisões.
Sertão é o sozinho.
Para o prazer e para ser feliz, é que é preciso a gente saber tudo, formar alma, na consciência; para penar, não se carece.
Obedecer é mais fácil do que entender.
Apertou em mim aquela tristeza, da pior de todas, que é a sem razão de motivo.
Se eu fosse filho de mais ação, e menos ideia, isso sim, tinha escapulido, calado.
Então, onde é que está a verdadeira lâmpada de Deus, a lisa e real verdade?
Tive medo não. Só que abaixaram meus excessos de coragem.
O sertão é sem lugar.
Rir, antes da hora, engasga.
Quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade.
O sertão é do tamanho do mundo.
Manter firme uma opinião, na vontade do homem, em mundo transviável tão grande, é dificultoso.
Somente com a alegria é que a gente realiza bem – mesmo até as tristes ações.
Para pensar longe, sou cão mestre – o senhor solte em minha frente uma ideia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém!
Os fatos passados obedecem à gente; os em vir, também. Só o poder do presente é que é furiável? Não. Esse obedece igual – e é o que é.
O senhor não pode estabelecer em sua ideia a minha tristeza quinhoã. Até os pássaros, consoante os lugares, vão sendo muito diferentes. Ou são os tempos, travessia da gente?
O que ela [a vida] quer da gente é coragem.
O medo é uma pressa que vem de todos os lados, uma pressa sem caminho…
A felicidade é o cheio de um copo de se beber meio-por-meio.
Passam. Passaram. Sumiram.
As linhas se estiram, levadas. Passam águas. Passa o tempo.
A estrada do amor, a gente já está mesmo nela, desde que não pergunte por direção nem destino. E a casa do amor – em cuja porta não se chama e não se espera – fica um pouco mais adiante.
Em noite de roça, tudo é canto e recanto. E há sempre um cachorro latindo longe, no fundo do mundo.
Se não fosse a borboleta, a lagarta teria razão?
Nus e em paz é que navegamos no destino.
Tão longo ouvia, tanto mais eu me descompenetrava. O que produzia, próprio em mim, íntimo, um silêncio, uma diminuição de peso.
Jamais, aqui, hão de me ensinar o nunca. E eu queria voltar a um terno recanto perdido, universo: amorável. Se sorri, era o mundo todo coincidindo com a minha atualidade.
O micróbio é humilde, o vírus que se infiltra, o pó, o pão, o glóbulo de sangue, o esperma, o interminável futuro na sementinha, o vingativo chão, a água ínfima: o átomo é humilde; humilde é Deus.
Nada em rigor tem começo e coisa alguma tem fim, já que tudo se passa em ponto numa bola; e o espaço é o avesso de um silêncio onde o mundo dá suas voltas.
“metafísica”: “É um cego, com olhos vendados, num quarto escuro, procurando um gato
preto… que não está lá.”
O nada é uma faca sem lâmina, da qual se tirou o cabo…
Todos toleram na gente só os dissabores do diário e pouco sal no feijão.
A lógica é a prudência convertida em ciência; por isso não serve para nada.
As coisas pesam mais do que as pessoas.
Viver é obrigação sempre imediata.
Eu bebo para me desapaixonar… (…)
– E eu para esquecer…
– Esquecer o que?
– Esqueci.
O obscuro das ideias, atrás da ingenuidade dos fatos.
o vento acaba sempre depois de alguma coisa que não se sabe.
Se a visão cresce, o obstáculo é mutável.
…ter cabeça leve, a fina arte da liberdade.
Loucos, a ponto de quererem juntas a liberdade e a felicidade.
Sempre se deve não saber o que de nós se fala.
Meu duvidar é uma petição de mais certeza.
Os relógios todos, de madrugada, são galos mudos.
O amor é breve ou longo, como a arte e a vida.
… um gostar sentido e aprendido, preciso, sincero como o alecrim.
E é graças aos encontros inesperados dos velhos amigos que eu fico reconhecendo que o mundo é pequeno e, como sala-de-espera, ótimo, facílimo de se aturar…
Noite sem lua, concha sem pérola. Só silhuetas de árvores. E um vagalume lanterneiro, que riscou um psiu de luz.
… hoje-em-dia eu nem sei o que sei, e, o que soubesse, deixei de saber o que sabia…
A vida também é para ser lida. Não literalmente, mas em seu supra-senso. E a gente, por enquanto, só a lê por tortas linhas.
Esperar é um à-toa muito ativo.
Sábio como o sal no saleiro (…)
Jamais, nuncas, eu invejei ninguém: porque inveja é erro de galho, jogar jogo sem baralho.
Invejar é querer o peso é querer o peso de bagagens alheias, vazio.
É preciso sofrer depois de ter sofrido, e amar, e mais amar, depois de ter amado.
Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?
o coqueiro coqueirando
as manobras do vermelho
no branqueado do azul
outrarte
o ouro esboço
do crepúsculo
e um vaga-lume
lanterneiro que riscou
um psiu de luz
Para onde nos atrai o azul?
o arrozal lindo
por cima do mundo
no miolo da luz
tênue tecido alaranjado
passando em fundo preto
da noite à luz
tatalou e caiu
com onda espiralada
fragor de entrudo
mar não tem desenho
o vento não deixa
o tamanho…
verdes vindo à face da luz
na beirada de cada folha
a queda de uma gota
o bambual se encantava
parecia alheio
uma pessoa
sussurro sem som
onde a gente se lembra
do que nunca soube
alvor
avançavam parados
dentro da luz
entre as folhas
de um livro-de-reza
um amor-perfeito cai
os aloendros
em fila
nos separavam do mundo
há qualquer coisa no ar
além dos aviões
da Panair…
na barra sul do horizonte
estacionavam cúmulus
esfiapando sorveret de coco
Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.
Amor vem de amor. Digo. Em Diadorim, penso também – mas Diadorim é a minha neblina…
Deus nos dá pessoas e coisas,
para aprendermos a alegria…
Depois, retoma coisas e pessoas
para ver se já somos capazes da alegria
sozinhos…
Essa… a alegria que ele quer
O correr da vida embrulha tudo,
a vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem
Viver é etecetera.
Felicidade se acha é em horinhas de descuido
Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.