Noite estrelada
O céu – brilhando – se abaixa
Silenciosamente
Primavera. Chuva.
A moça de rosto molhado:
sombrinha furada.
Verão. Meio-dia
Na sombra de uma nuvem
o boi cochila
Fiapos nos dentes
o rosto todo amarelo
É tempo de manga
Solidão no inverno
o velho aquece as mãos
com as próprias mãos
Noite outonal!
Minha avó contando histórias
Na varanda. Agora
À beira do lago
aliso o brilho da lua
com as mãos molhadas
No campo queimado
ainda uma leve fumaça
Tronco resistindo
Extático vôo
Borboletas de asas abertas
Alfinetes nas costas
Dentro da lagoa
uma diz “chove”, outra diz “não”:
conversa de rã.
Sulco fundo de arado.
A terra aberta ferida
Eis a vida.
Dentro da lagoa
uma diz “chove”, outra diz “não”:
conversa de rã.
Outra dúvida
Não sei se é
amor
ou
minha vida que pede
socorro
Quem escreve
é
um visitante
Chega nas horas da noite
e toma o lugar do
sono
Chega à mesa do almoço
come a minha fome
Escreve
o que eu nem supunha
Assina o meu nome
Sentença
Convém nos
iniciarmos
cedo
As coisas são demoradas
E não é bom
colher os frutos
quando a boca não
conseguir mais
saboreá-los
Propósito
Viver pouco mas
viver muito
Ser todo pensamento
Toda esperança
Toda alegria
ou angústia — mas ser
Nunca morrer
enquanto viver
Predição
Fazer da
busca o
ideal
Rasgar o ventre de
todas as noites
para encontrar
aurora
O que não somos hoje
é o que há de nos
esmagar
amanhã
O tempo
Os olhos se resguardam
sob as pálpebras
mas o tempo passa
Junto de nossos passos cautelosos
que ultrapassam mas retornam
sempre
o tempo caminha
Na superfície calma dos retratos
inscreve seu itinerário
e passeia com cautela em nosso rosto
fala pela boca das crianças
murmura no cansaço nossas mortes
Em vão
se preenchem as horas
O tempo carrega em seu rio nossas sementes
para um mar.
pena
não mudamos
o tempo
escorreu
água entre
os dedos
pena
pássaros coloridos alcançam as nuvens
todos os dias
ficamos
Raízes.